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Moçambique

Política e administração na capitania

Escrito por Super User | Publicado: Sexta, 06 de Outubro de 2017, 16h09 | Última atualização em Segunda, 16 de Agosto de 2021, 22h07

Alvará de d. Maria I estabelecendo penas contra os “abusos” cometidos por governadores e ouvidores da capitania de Moçambique. Este documento é interessante por mostrar os problemas que afligiam o próprio cerne da administração pública nas colônias, consequência da sobreposição dos interesses pessoais aos da Coroa. Como resultado, registram-se práticas como o favorecimento pessoal e a má utilização dos recursos da Real Fazenda.

 

Conjunto documental: Cartas, provisões e alvarás
Notação: Códice 439
Datas-limite: 1750-1786
Título do fundo ou coleção: Junta da Fazenda da Província de São Paulo
Código de Fundo: EG
Argumento de pesquisa: Moçambique
Data do documento: 14 de abril de 1785
Local: Lisboa
Folhas 33 a 35v

 

“Eu a Rainha[1]. Faço saber aos que este alvará[2] em forma de lei virem: que tendo chegado a minha real presença repetidas queixas do irregular, e desordenado comportamento dos Governadores[3], e Capitães generais[4], e Governadores interinos[5] da Capitania de Moçambique[6], Rio de Sena, e de Sofala[7]; estabelecendo eles mesmos de sua própria autoridade para si, e para outros, maiores ordenados, que os que lhes eram destinados; conferindo em criados, e familiares seus, os ofícios de Justiça e Fazenda; e provendo, por um inveterado abuso, não só os ditos ofícios, mas os governos, Capitanias-mores[8], e outros lugares semelhantes, por donativos, e ilegível, ou em quem mais lhe dava por eles: aceitando, ou procurando que se lhes dessem importantes somas de dinheiro, e precipitando-se em conseqüência delas nos maiores absurdos, em favor daqueles de quem as recebiam .... E não havendo meio algum, que não ilegível para extorquir o cabedal[9] alheio, e engrossar o seu, chegando a sua inexaurível cobiça a tal extremo, que ao mesmo tempo, em que os ditos Governadores me representavam aquele importante domínio, e os seus habitantes reduzidos à maior penúria, e à mais deplorável situação, eles mesmos, dentro de brevíssimo tempo do seu governo, apareciam senhores de importantes cabedais, que em seus nomes, e de terceiras pessoas remetiam para fora, e empregavam no Comércio. ... Ordeno que todo o Governador, que conferindo algum dos sobreditos ofícios, Governos, Capitanias-mores, ou outros lugares semelhantes, ou que por alguma outra concessão, provimento, graça ou mercê[10] de qualquer qualidade que seja, receber donativo, prêmio ou presente ... incorra na pena irremissível de confiscação de todos os seus bens, além das mais que reservo ao meu Real Arbítrio[11]: ultimamente ordeno que todo o Governador que por si, ou por interposta pessoa fizer algum comércio com cabedais seus próprios, ou alheios; ou que direta ou indiretamente em sociedade, ou sem ela em parte ou em todo tomar interesse em algum negócio mercantil; além da confiscação irremissível de todos os seus bens, em qualquer parte onde se acharem, seja logo expulso do dito Governo ...; e sendo militar perca, além do referido, o posto que tiver. ...
Pelo que: mando à Mesa do Desembargo do Paço[12]; Presidente do meu Real Erário[13]; Conselhos da minha Real Fazenda, e do Ultramar[14]; Vice-rei[15] e Capitão-general do Estado do Brasil; Governadores e Capitães-generais do mesmo Estado, e do da Índia[16], Moçambique; e aos desembargadores[17], ouvidores[18], juízes[19], e mais ministros[20], e pessoas, a quem o conhecimento deste pertencer o cumpram, guardem, o façam cumprir, e guardar tão inteiramente como nele se contém; não obstantes quaisquer leis, regimentos, ou estilos em contrário. Dado no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda em quatorze de abril de mil setecentos oitenta e cinco.
RAINHA.”

 

[1]MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

[2]ALVARÁ: proclamações do rei, articuladas geralmente em incisos, tendo, originariamente, natureza de lei de cunho geral, mas que passaram a ter caráter temporário, modificando as disposições constantes em decretos, regulamentações, normas administrativas, processuais e tributárias, dentre outras.

[3]GOVERNO-GERAL: criado em 1548 em substituição ao sistema de capitanias hereditárias, tinha como finalidade a centralização administrativa e a organização da colônia, bem como auxiliar e proteger todas as capitanias. O primeiro governador-geral foi Tomé de Souza (1549-1553). A cidade de Salvador foi escolhida como sede do governo-geral, por localizar-se em um ponto médio do litoral, o que facilitaria a comunicação com as demais regiões da colônia. Junto ao governador-geral, indicado pelo rei de Portugal, outros cargos foram criados: ouvidor-mor (assuntos judiciais), provedor-mor (questões financeiras), alcaide-mor (funções de organização, administração e defesa militar) e capitão-mor (questões jurídicas e de defesa). Em 1572, o rei de Portugal dividiu o governo-geral em dois centros: um ao norte, com sede na Bahia, e um ao sul, com sede no Rio de Janeiro, na tentativa de aumentar os lucros com o monopólio do açúcar. Essa divisão, entretanto, não surtiu os resultados esperados, tornando-se Salvador, novamente, o único centro administrativo do Brasil em 1578. A partir de 1720, os governadores receberam o título de vice-rei, persistindo o cargo até a vinda da família real para o Brasil em 1808, quando se encerrou esse sistema.

[4]CAPITÃO-GENERAL: era responsável pelo governo de uma capitania geral, territórios administrados diretamente pela Coroa, em contraste com as donatárias, atribuídas a particulares, como Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, por exemplo. Em tese, seria subordinado ao vice-rei, mas, como a autoridade deste se diluía com as distâncias e a presença dos governadores e capitães-generais que se comunicavam diretamente com a metrópole, na prática tal subordinação não funcionou na maioria das capitanias da América portuguesa.

[5]GOVERNADOR INTERINOS: Pessoa responsável pela administração de uma praça, província ou capitanias, que assume em caráter temporário por impedimento do governador oficial.

[6] MOÇAMBIQUE: País localizado na costa sudeste da África, banhado pelo oceano Índico. Os primeiros povos a habitarem a região, entre os séculos I e V, eram grupos de língua banta que vieram em ondas migratórias pelo vale do rio Zambeze e fundaram comunidades basicamente agrícolas. Ao longo da Idade Média as cidades pouco se desenvolveram e pouco delas restou. O comércio costeiro foi dominado inicialmente por persas e árabes que tinham assentamentos pelo litoral e mantinham negócios com o Oriente. A viagem de Vasco da Gama levou os primeiros portugueses a região, em 1498; desde então a hegemonia comercial árabe e persa começa a decair e cede lugar às novas rotas marítimas dos portugueses, vindo da Europa até o Oriente, com passagem pelos entrepostos ao longo da costa africana. Os mercadores portugueses se estabeleceram mantendo boas relações com os reinos que dominavam a região, por meio de acordos ou ocasionalmente por meio da força. A primeira povoação fundada na região de Moçambique foi Sena, em 1530, e depois outras ainda no século XVI, tomando conta da rota entre as minas de ouro e o oceano Índico. Entre os séculos XVII e XVIII os portugueses negligenciaram a ocupação dos territórios, mais envolvidos com a colonização da América, mas chegaram a mandar colonos para Moçambique, que se misturaram com os habitantes da região, estreitando os laços de comércio e agricultura. Portugal controlava as ocupações e os negócios da região a partir da capital do Estado da Índia, Goa, mas a administração não era bem sucedida. Em 1752, o governo pombalino decidiu nomear um governador-geral para o território de Moçambique, visando a melhorar as atividades comerciais, coletar os impostos e manter a colônia. Os principais produtos de interesse da metrópole eram o ouro (principalmente nos séculos XVI e XVII), depois o marfim, produto de alto valor na Europa, mas sobretudo escravos, milhares enviados para o trabalho nas Américas até o ano de 1842, quando o tráfico foi oficialmente proibido – sem considerar o comércio clandestino que seguiu ainda alguns anos. Até meados do século XIX, a presença portuguesa limitava-se a algumas capitanias (os chamados prazos), ao longo do litoral, Moçambique só chegou a ser administrada como uma colônia unificada em finais do Oitocentos. Foi a última colônia portuguesa a conseguir a independência, em 1975.

[7] SOFALA: província localizada na parte central de Moçambique (África), Sofala foi fundada por mercadores árabes no século XV. Destacou-se na produção de açúcar, na mineração e no intenso comércio estabelecido entre os árabes e os indianos. A atividade comercial da região era conhecida pelos portugueses desde o período dos descobrimentos, sendo Moçambique visitada, em 1498, pela frota de Vasco da Gama. Em 1505, Portugal enviou poderosa frota ao local, liderada por Pêro de Anaia, com objetivo de ocupar e estabelecer uma feitoria, onde foi instalado o forte de São Caetano, primeira fortificação portuguesa no oceano Índico.

[8]CAPITÃES-MORES: cargo criado em 1530, provido pelo próprio Rei, cuja patente era concedida aos primeiros governadores de capitanias. No início da colonização, algumas capitanias eram governadas por capitães-mores, que exerciam funções de julgar crimes, impor penas, executar sentenças (inclusive pena de morte), demarcar e tomar posse de terras, conceder sesmarias a pessoas merecedoras e nomear substitutos para seu cargo ou oficiais de justiça. Com o passar do tempo, as funções do capitão-mor, que por vezes era a autoridade colonial máxima em uma localidade, vão deixando de fazer parte da esfera do governo e passando para a defesa das cidades. Tornam-se responsáveis por arregimentar e organizar esquadras, nomear capitães de companhia, aplicar penas, julgar crimes, nomear outros oficiais, comunicar suas decisões ao Rei, entre outras atividades.

[9]CABEDAL: durante o período colonial, cabedal designava toda estrutura necessária para realização de uma determinada tarefa ou obtenção de algo, o que podia consistir em recursos financeiros, mão de obra necessária, terras, entre outros. Era muito comum a utilização da expressão homens de cabedal para se referir a homens brancos, com bens e posses. André João Antonil, em Cultura e opulência do Brasil, intitula o primeiro capítulo “Do cabedal que há de ter o senhor de um engenho real”, no qual discorre sobre as necessidades materiais e obrigações desses negociantes do setor açucareiro. Antonil registra ainda que cabedal não se limita aos recursos materiais, mas também a um patrimônio imaterial indispensável a um senhor de engenho real, a saber: “do que depende a conservação do seu crédito, que é o melhor cabedal dos que se prezam de honrados”.

[10]MERCÊ: o mesmo que graça, benefício, tença e donativos. Na sociedade do Antigo Regime, a concessão de mercês era um direito exclusivo do soberano, decorrente do seu ofício de reinar. Cabia ao monarca premiar o serviço de seus súditos, de forma a incentivar os feitos em benefício da Coroa. Desse modo, receber uma mercê significava ser agraciado com algum favor (concessão de terras, ofícios na administração real, recompensas monetárias), condecoração ou título pelo rei, os quais eram concedidos sob os mais variados pretextos. Em 1808, após a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, foi criada a Secretaria do Registro Geral das Mercês, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, quando da recriação, no Rio de Janeiro, dos órgãos da administração do Império português. Tinha por competência o registro dos títulos de nobreza e de fidalguia concedidos como graça, benefício e recompensa pelo monarca. As formas mais frequentes de mercês eram os títulos de nobreza e fidalguia, com as terras e tenças correspondentes, os hábitos das Ordens Honoríficas, cargos e posições hereditários. A concessão de mercês era também uma forma do monarca balancear os privilégios entre seus súditos, mantendo os bons serviços prestados por quem já havia conquistado alguma graça e incentivando o bom trabalho dos que almejavam obtê-las. Com a transferência da Corte da Europa para a América, poder-se-ia crer que os súditos da terra passariam a obter mais mercês, mas a hierarquia que havia entre a metrópole e a colônia, reproduzida na concessão de benefícios acabaria por se manter na colônia, mesmo depois da elevação a Reino Unido. Poucos títulos de nobreza foram concedidos, uma vez que na América não havia a nobreza de sangue, de linhagem, mas somente a concedida por grandes favores prestados ao reino, políticos ou militares. Entre as ordens honoríficas observa-se que houve a concessão de mais títulos, mas a maioria de baixa patente ou menor importância, os mais altos graus ainda eram reservados para a nobreza metropolitana. Mesmo concedendo hábitos, títulos de cavaleiros, posições e cargos, as mercês reservadas aos principais da colônia eram inferiores àquelas reservadas aos grandes da metrópole.

[11]REAL ARBÍRTRIO: significava a decisão tomada pelo soberano sobre um determinado assunto.

[12]MESA DO DESEMBARGO DO PAÇO (LISBOA): também chamada de Tribunal do Desembargo do Paço, foi o mais alto órgão da administração central portuguesa até o século XIX, que regia o Reino, e não o Ultramar. Este tribunal, estabelecido no reinado de d. João II (1481-1495) mas somente efetivado no período de d. Manuel I (1495-1521), era o tribunal supremo da monarquia, responsável por questões relativas à justiça e à administração civil do reino no âmbito da Graça. Tornou-se autônomo em relação à Casa de Suplicação em 1521, recebendo novo regimento. Até o reinado de d. Sebastião I, suspenso em 1578, quem presidia o Tribunal era o próprio rei, o que passou a não ser mais obrigatório com uma mudança instituída durante os reinados Filipinos (1580-1640). Constituído por um corpo de magistrados, já então denominados desembargadores do Paço, recrutados principalmente entre os eclesiásticos, teólogos e juristas experientes, este órgão da administração central da coroa, possuía uma grande variedade de incumbências, tendo suas funções revistas e ampliadas por sucessivas alterações de regimento, dentre as quais compreendiam: a concessão de cartas de perdão e cartas de privilégio; concessão de perdões reais, suspensão de degredos; a dispensa de idade e de nobreza para servir nos cargos de governo; comutação de pena aos criminosos; restituição de fama e outras mercês semelhantes; a legitimação e emancipação de filhos; a concessão de licença para impressão de livros; deliberando, ainda, sobre o recrutamento e provimento de juízes e arbitrando conflitos entre os demais tribunais da Coroa; entre outras questões. A vinda da corte para o Brasil em 1808 acarretou a criação da Mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens no Rio de Janeiro, por meio do alvará de 22 de abril daquele ano, que incorporou parte dos encargos da Mesa da Consciência e Ordens de Lisboa. No entanto, a Mesa do Desembargo do Paço do Reino continuou a existir, sendo extinta apenas em 1833, no âmbito da guerra civil entre liberais e absolutistas, suas atribuições passando para as Secretarias de Estado do Reino e dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça.

[13]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[14]ULTRAMAR: ultramar era o termo utilizado para se referir aos domínios ultramarinos, às possessões de além-mar, às terras conquistadas e colonizadas no período da expansão marítima e comercial europeia, ocorrida a partir do século XV. No caso português, as possessões coloniais espalhavam-se pelos continentes africano, americano e asiático, tendo como principais cidades Luanda e Benguela na África, Macau e Malaca na Ásia, e Rio de Janeiro e Salvador na América. Desse termo deriva por exemplo Conselho Ultramarino, órgão criado em 1642 visando uniformizar a administração do ultramar, competindo-lhe a gestão de todos os negócios referentes aos Estados do Brasil, Índia, Guiné, ilhas de São Tomé e Cabo Verde, e de todos os demais territórios em África vinculados a Portugal.

[15]VICE-REI: até o ano de 1720, o posto administrativo mais alto da colônia era habitualmente o de governador-geral, tendo sido por três vezes o título de vice-rei atribuído ao marquês de Montalvão (1640-1641), ao conde de Óbidos (1663-1667) e ao marquês de Angeja (1714-1718), homens de alta fidalguia no Reino. A partir de 1720, a denominação foi substituída definitivamente pelo de vice-rei, tendo sido o primeiro o conde de Sabugosa, Vasco Fernandes César de Meneses (1720-1735). O novo termo, tal como se usava já no estado da Índia desde o século XVI, deixava mais clara a ideia de um império português, constituído por territórios ultramarinos pertencentes a Portugal e a ele submissos. Contudo, em termos concretos, a mudança de nome não trouxe nenhuma alteração significativa, e a administração continuou a mesma. O Brasil não constituiu um vice-reinado unificado e a utilização do título explicita mais uma decisão política do que administrativa. A utilização da nova denominação para o posto mais alto do Estado do Brasil (os estados do Grão-Pará e Maranhão tinham governadores independentes) expressava, na verdade, a nova preponderância dos territórios brasileiros, entre si e em decorrência da expansão aurífera e relativa decadência do vice-reinado da Índia, do que transformações concretas no plano administrativo. Com a chegada da família real portuguesa em 1808, o Brasil passou a ser, em 1815, Reino Unido e acabou com o cargo de vice-rei, tendo o último sido o conde dos Arcos, d. Marcos de Noronha e Brito (1806-1808).

[16]ÍNDIA: região da Ásia meridional ligada à península Indochinesa. Desde o século XII os artigos orientais, como as especiarias, já se faziam presentes no comércio português, tornando-se em pouco tempo os produtos mais lucrativos no comércio europeu. A partir de 1453, quando Constantinopla e a rota de envio desses produtos para a Europa caiu sob o domínio turco, esses produtos sofreram uma alta abrupta de preços, colocando a necessidade de se buscar um caminho alternativo que possibilitasse aos comerciantes lusos tratar diretamente com os do Oriente. Esse foi um dos principais propulsores da expansão marítima do século XV, cuja finalidade era chegar às Índias, onde se poderia obter as tão cobiçadas especiarias, além de tecidos, porcelanas, chás, marfim, entre outros produtos de luxo. Vasco da Gama chegou a Calicute, no sudoeste da Índia, em 1498. Sete anos mais tarde, foi fundado o estado da Índia, colônia portuguesa com sede do governo em Cochim. Em 1530, a capital foi transferida para Goa, de onde o governador exercia sua autoridade sob as possessões portuguesas no Oceano Índico.

[17] DESEMBARGADOR DE AGRAVOS: o desembargador dos agravos e apelações da Casa de Suplicação do Brasil era um funcionário nomeado pelo rei, com competência cível e criminal, responsável por julgar os pleitos e os agravos em segunda instância, ou seja, decidir sobre os recursos postos às decisões dos juízes de fora e corregedores.

[18] OUVIDOR: o cargo de ouvidor foi instituído no Brasil em 1534, como a principal instância de aplicação da justiça, atuando nas causas cíveis e criminais, bem como na eleição dos juízes e oficiais de justiça (meirinhos). Até 1548, a função de justiça, entendida em termos amplos, de fazer cumprir as leis, de proteger os direitos e julgar, era exclusiva dos donatários e dos ouvidores por eles nomeados. Neste ano foi instituído o governo-geral e criado o cargo de ouvidor-geral, limitando-se o poder dos donatários, sobretudo em casos de condenação à morte, entre outros crimes, e autorizando a entrada da Coroa na administração particular, observando o cumprimento da legislação e inibindo abusos. Cada capitania possuía um ouvidor, que julgava recursos das decisões dos juízes ordinários, entre outras ações. O ouvidor-geral, por sua vez, julgava apelações dos ouvidores e representava a autoridade máxima da justiça na colônia. Sua nomeação era da responsabilidade do rei, com a exigência de que o nomeado fosse letrado. Dentre as suas muitas atribuições, cabia-lhe informar ao rei do funcionamento das câmaras e, caso fosse necessário, tomar qualquer providência de acordo com o parecer do governador-geral. Ao longo do período colonial, o cargo de ouvidor sofreu uma série de especializações em função das necessidades administrativas coloniais. Dentre os cargos instituídos a partir de então, podemos citar o de ouvidor-geral das causas cíveis e crimes em 1609 (quando da criação da Relação do Brasil, depois desmembrada em Relação da Bahia e do Rio de Janeiro); o de ouvidor-geral do Maranhão em 1619, quando há a criação do Estado do Maranhão; e o de ouvidor-geral do sul em 1608, quando foi criada a Repartição do Sul.

[19] JUIZ ORDINÁRIO: também chamados de juízes da terra, já que, a exemplo dos vereadores, eram eleitos entre a oligarquia local. Principal cargo nas câmaras municipais até finais do século XVII, integravam a magistratura de primeira instância. Entre os dois juízes ordinários que compunham a Câmara, um presidia o órgão. Eram responsáveis pela aplicação das leis no município, podendo revisar decisões de magistrados inferiores como juízes almotacés e juízes de vintena. Também lhes cabia a fiscalização da atuação dos funcionários municipais.

[20]MINISTROS: membros de um governo nacional com importantes funções executivas, administram grandes repartições governamentais. Até o século XVI o termo era usado de forma genérica para designar os variados funcionários submetidos ao monarca, desde magistrados, administradores, diplomatas até coletores de impostos. A partir desse momento começa a haver uma especialização no termo, passando a designar os funcionários que também se chamavam secretários de Estado, que passaram a ocupar os poderes executivos estatais e aconselhar diretamente os reis. No século XVIII os secretários de Estado costumavam dividir-se em: dos Negócios Interiores, dos Negócios Estrangeiros, da Guerra, da Marinha e Ultramar, dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça.

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No 1º ano do Ensino Médio ao abordar o eixo temático sobre as “Relações de Poder”
- Ao trabalhar o tema transversal “Ética”
- No eixo temático sobre a “História das Relações Sociais da Cultura e do Trabalho”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- A sociedade colonial: hierarquias, transgressões e culturas
- Política colonial 

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