Ir direto para menu de acessibilidade.
Página inicial > Temas > Brasil > Administração colonial > Sala de aula > Abusos do governador do Espírito Santo
Início do conteúdo da página
Administração Colonial

Abusos do governador do Espírito Santo

Escrito por Super User | Publicado: Quinta, 25 de Janeiro de 2018, 13h04 | Última atualização em Quarta, 17 de Março de 2021, 15h16

Carta dos moradores da capitania do Espírito Santo para o Príncipe Regente, d. João, pedindo providências contra o governador Antônio Pires da Silva Pontes. Os moradores alegavam que seu governo era repleto de abusos e arbitrariedades, mostrando sua incompatibilidade com uma administração sensata e honesta. Esta atitude despótica feria contrariava a imagem de uma a representação justa e protetora que as autoridades luso-brasileiras desejavam imprimir com o intuito de legitimar o monopólio político-econômico da Coroa portuguesa.

Conjunto documental: Provisões régias e respostas (cartas do vice-rei)
Notação: Códice 204, vol. 03
Datas-limite: 1803-1806
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Capitanias, governadores das.
Data do documento: 20 de março de 1804
Local: Espírito Santo
Folhas: 62 a 64
 

“Senhor. Os moradores da capitania do Espírito Santo[1], debaixo do mais profundo respeito, chegam à real presença de Vossa Alteza [2]a pedirem justiça, providência e um governador[3], que seja católico, tenha religião, e saiba fazer, e executar as reais, e pias intenções, que geralmente Vossa Alteza Real quer sejam conservados os seus fiéis vassalos[4], livrando-os assim de obstáculos, violências, e tiranias do atual governador Antônio Pires da Silva Pontes[5], homem sem lei, nem religião, que pelos seus despotismos, tem feito desertar daquela capitania mais dos moradores, fugindo às injúrias, com que os ultraja, administrando-lhes castigos a seu arbítrio, por culpas formadas da sua péssima intenção, não só mandando açoitar homens libertos na praça, como tirando postos, ainda confirmados pelo real punho, para que não tem autoridade, vendendo estes a trezentos mil réis[6], e ainda por maiores preços, e a sua vontade, emboliando-se destes dinheiros com o falso pretexto de ser aplicado para as obras da Real Fazenda [7]quando tudo se prova pelo contrário, que a sua intenção é tão somente desfalcar a Real Fazenda. ... A capitania se acha deserta, e certamente já de todo acharia se não fossem as esperanças, que lhes restam, e confiam da precisa providência ..., suplicam, recorrem e pedem a Vossa Alteza Real, como tão benigno pai de seus fiéis vassalos, haja de os livrar do último termo de sua ruína, dando-lhes pronta providência de um novo governador com pias, e sábias intenções, e que lhes administre justiça, livrando-os da triste situação em que se acham. E receberá mercê[8]. Procurador [9]Antônio Pinheiro Leite. Para Francisco de Borja Garçã.

 

[1] ESPÍRITO SANTO, CAPITANIA DO: capitania litorânea situada entre os atuais estados da Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Originada da capitania doada a Vasco Fernandes Coutinho (1535), recebeu este nome por ter sido no domingo do Espírito Santo, 23 de maio de 1535, que seu donatário tomou posse das terras, fundando vilas e erguendo os primeiros engenhos de açúcar. A ocupação do território foi marcada por inúmeros conflitos com as populações indígenas que habitavam a região, entre eles os índios Aimorés, Goitacazes e Puris. Foi alvo também, de constantes incursões de piratas franceses, holandeses e ingleses. Muitos sertanistas partiram do litoral capixaba para o interior do Brasil, descendo os principais rios até a região das minas de ouro. Tais estradas foram, muitas vezes, utilizadas para o contrabando de metais preciosos, levando à proibição de abertura de caminhos que levassem as minas. A ocupação territorial concentrou-se, assim, em uma estreita faixa costeira. Tal fato deveu-se também, à criação da capitania de São Paulo e Minas Gerais e a presença de índios no sertão, sobretudo os botocudos, que impediram a interiorização do território.

[2] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[3] GOVERNADOR: pessoa responsável pela administração de uma praça, província ou capitanias.

[4] VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

[5] CAMARGO, ANTÔNIO PIRES DA SILVA PONTES PAES LEME (1750-1805): nascido em Mariana, Minas Gerais, em 1777 doutorou-se em matemática pela Universidade de Coimbra. Retornou ao Brasil encarregado de explorar as regiões da Baía Negra, no Paraguai, estudando também os rios Capivari, Sararé, Juruena, Guaporé e Jauru, quando participou da 3ª partida de demarcação por ocasião do Tratado de Santo Idelfonso assinado pelas coroas de Portugal e Espanha. Amigo de d. Rodrigo de Souza Coutinho, foi nomeado governador da capitania do Espírito Santo (1800-1804). Em seu governo, realizou várias melhorias para a província, criando uma linha de quartéis, promovendo grandes obras, como a abertura de uma estrada ligando a capitania à região das minas, e desenvolvendo a mineração na região. Em 1800, assinou o auto de demarcação de limites entre as capitanias do Espírito Santo e Minas Gerais, cedendo centenas de milhares de quilômetros quadrados aos mineiros.

[6] RÉIS: moeda portuguesa utilizada desde a época dos descobrimentos (séculos XV e XVI). Tratava-se de um sistema de base milesimal, cuja unidade monetária era designada pelo mil réis, enquanto o réis designava valores fracionários. Vigorou no Brasil do início da colonização (século XVI) até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro.

[7] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[8] MERCÊ: o mesmo que graça, benefício, tença e donativos. Na sociedade do Antigo Regime, a concessão de mercês era um direito exclusivo do soberano, decorrente do seu ofício de reinar. Cabia ao monarca premiar o serviço de seus súditos, de forma a incentivar os feitos em benefício da Coroa. Desse modo, receber uma mercê significava ser agraciado com algum favor (concessão de terras, ofícios na administração real, recompensas monetárias), condecoração ou título pelo rei, os quais eram concedidos sob os mais variados pretextos. Em 1808, após a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, foi criada a Secretaria do Registro Geral das Mercês, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, quando da recriação, no Rio de Janeiro, dos órgãos da administração do Império português. Tinha por competência o registro dos títulos de nobreza e de fidalguia concedidos como graça, benefício e recompensa pelo monarca. As formas mais frequentes de mercês eram os títulos de nobreza e fidalguia, com as terras e tenças correspondentes, os hábitos das Ordens Honoríficas, cargos e posições hereditários. A concessão de mercês era também uma forma do monarca balancear os privilégios entre seus súditos, mantendo os bons serviços prestados por quem já havia conquistado alguma graça e incentivando o bom trabalho dos que almejavam obtê-las. Com a transferência da Corte da Europa para a América, poder-se-ia crer que os súditos da terra passariam a obter mais mercês, mas a hierarquia que havia entre a metrópole e a colônia, reproduzida na concessão de benefícios acabaria por se manter na colônia, mesmo depois da elevação a Reino Unido. Poucos títulos de nobreza foram concedidos, uma vez que na América não havia a nobreza de sangue, de linhagem, mas somente a concedida por grandes favores prestados ao reino, políticos ou militares. Entre as ordens honoríficas observa-se que houve a concessão de mais títulos, mas a maioria de baixa patente ou menor importância, os mais altos graus ainda eram reservados para a nobreza metropolitana. Mesmo concedendo hábitos, títulos de cavaleiros, posições e cargos, as mercês reservadas aos principais da colônia eram inferiores àquelas reservadas aos grandes da metrópole.

[9] PROCURADOR: na esfera pública, como funcionários do Estado, os procuradores atuaram em cargos providos pelo rei, como o procurador dos feitos da Coroa, por exemplo, cargo criado em 1548, e tendo por finalidade representar a Coroa nos assuntos relativos à Fazenda. Também foram providos em cargos como o procurador dos índios para dispor sobre a validade do cativeiro indígena, ou representaram instâncias como as Câmaras municipais, representando as oligarquias locais do Brasil ou de Goa por exemplo, junto às Cortes. Ainda no âmbito privado encontra-se a figura do procurador em contratos de arrematação de negociantes, que da colônia disputavam os contratos na metrópole por meio de procuradores, como nos casos da cobrança de tributos, adquirindo ainda participação nas sociedades (Luiz Antônio Silva Araújo, Contratos na América portuguesa (1707-1750) Disponível em https://www.academia.edu/download/56270738/Artigo_Encontro_Aracaju.pdf).

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
● No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
● No sub-tema “as relações de trabalho”
● Ao trabalhar o tema transversal “Ética”
Ao tratar dos seguintes conteúdos:
● A organização administrativa do Brasil colonial
● A sociedade colonial: o desenvolvimento social e urbano
● Trabalho no Brasil colonial

Fim do conteúdo da página