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Cidades

Enfermos lázaros

Escrito por Super User | Publicado: Sexta, 26 de Janeiro de 2018, 14h54 | Última atualização em Quinta, 25 de Março de 2021, 18h25

Registro do ofício expedido ao intendente do Ouro, Clemente Ferreira da França, pelo intendente geral da Polícia, Paulo Fernandes Viana, tratando da necessidade de se proibir as licenças e quaisquer comunicações dos enfermos lázaros com a população. Segundo este documento, essa medida justifica-se pelo fato dos doentes saírem livremente do hospital e transitarem pela cidade e subúrbios. Além disso, tratou também da necessidade de melhoria no tratamento dos enfermos, incluindo a alimentação e os remédios, que estavam precários. O intendente da Polícia determinou ainda que fossem coletadas informações dos administradores, médicos e enfermos para que o físico-mor tomasse as providências necessárias.

Conjunto documental: Registro de ordens e ofícios expedidos da Polícia aos ministros criminais dos bairros e comarcas da Corte e ministros eclesiásticos.
Notação: Códice 329, vol.2
Datas – limite: 1812-1815
Título do fundo: Polícia da corte
Código do fundo: Æ E
Argumento de pesquisa: Cidades, higienização
Data do documento: 28 de março de 1814
Local: Rio de Janeiro
Folhas: 166v

 

“Registro do ofício expedido ao intendente do Ouro.

Ilmo. Snr. Constando que os enfermos lazaros[1] saem do Hospital[2], e passeiam pela cidade e seus subúrbios, e que mesmo nele não são assistidos como cumpria que o fossem, nem socorridos de remédios, e alimentos próprios ou para se diminuir, ou suavizar o mal, V. S. tomará sobre tudo isto informações exatas ouvidos os Administradores, o médico e os mesmos enfermos, e no caso de se precisar de algum diretório para o curativo, ou alívio dos doentes ou mesmo de método dietico, V.S. me dirá que o físico-mor[3] está pronto a escrevê-lo e a ordená-lo fazendo desde logo cessar as tais licenças, e a comunicação dos enfermos com a povoação. Tudo isto formalizará V. S. mui circunstanciadamente por isso que a sua informação tem de subir à Augusta Presença do Príncipe Regente[4] Nosso Senhor. Deus Guarde a V.S.  Rio de Janeiro[5] 28 de Março de 1814. Paulo Fernandes Vianna[6]. Il.mo. Snr. Desembargador Intendente do Ouro[7]. Clemente Ferreira da França.

 

[1] MAL DE SÃO LÁZARO: a hanseníase, também chamada genericamente de lepra ou mal de São Lázaro, é uma doença causada pelo bacilo Mycobacterium leprae, ou bacilo de Hansen. É uma doença infectocontagiosa de evolução crônica que ataca as células cutâneas e nervosas periféricas e se manifesta por nódulos e lesões na pele com diminuição da sensibilidade e pode causar atrofias, paralisias e incapacitação física permanente. O termo antigo “lepra” englobava uma série de outras afecções de pele semelhantes à hanseníase, mas de causas diversas. A origem da doença é incerta, mas acredita-se que tenha surgido na Ásia, já que há referências a ela pelo menos desde o século IV a.C. em manuscritos da Índia e China, além de registros também no Egito. Muito do estigma e preconceito existentes em relação à doença vem do fato de ela ter sido descrita na Bíblia, considerada uma forma de punição de Deus aos pecadores, associada à ideia de impureza, perversidade, repulsa, da corrupção da carne e do espírito. As narrativas religiosas associavam quaisquer marcas na pele e deformidades à “lepra”, tanto que o diagnóstico era feito por sacerdotes, religiosos, e não por médicos. Os portadores da doença eram afastados do convívio social, expulsos das cidades, obrigados a usarem roupas e luvas que cobrissem o máximo do corpo, e mesmo um sino, que anunciasse sua presença; não poderiam se casar, trabalhar, entrar em casas, hospedarias ou igrejas. Embora fossem objeto de caridade por ordens religiosas, irmandades católicas e devotos, o sentimento que prevalecia era o medo e a exclusão, já que não havia cura e o tratamento empregado não produzia resultados. O uso do termo “mal de Lázaro” era inspirado no episódio narrado no Novo Testamento, sobre o mendigo Lázaro, “leproso”, que quando morre ascende aos céus. Antes de ser cientificamente descrita acreditava-se que a doença era hereditária ou transmissível sexualmente, o que levava a mais discriminação e isolamento de famílias inteiras, até a descrição do bacilo pelo cientista norueguês Gerhardt Armauer Hansen em 1873. Chegou ao Brasil com o início da colonização, não havendo consenso se trazida por europeus ou africanos. As primeiras medidas para contenção e controle da doença datam do século XVIII, com a construção de lazaretos, hospitais e asilos, todos controlados pela Igreja Católica. O primeiro asilo construído no Brasil foi no Recife, em 1714; em 1763 foi inaugurado o Hospital de Lázaros do Rio de Janeiro, em São Cristóvão, administrado pela Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (também conhecido como Hospital Frei Antônio). Entre os séculos XVIII e XIX outras cidades brasileiras também receberam instituições para cuidar dos chamados “lazarentos” – todas de caráter caritativo e assistencial, mas que visavam excluir os doentes da sociedade. Já na República, foi criado o Laboratório Bacteriológico em 1894, funcionando no hospital Frei Antônio e foi a primeira instituição pública para pesquisa e atenção da doença. Até as primeiras décadas do século XX, todas as instituições asilares e hospitais ainda eram mantidos pela Igreja. Entre os anos de 1930 e 1970 a política adotada pelos governos brasileiros foi a de segregação obrigatória dos doentes, isolados e confinados nos “leprosários”, que havia em praticamente todos os estados brasileiros. Hoje em dia o tratamento da doença, que permite a cura total, é realizado de forma ambulatorial e sem necessidade de afastamento da família e da sociedade. Entretanto, até hoje a hanseníase pode ser considerada um grave problema de saúde pública no Brasil, que atinge principalmente as populações mais pobres e desassistidas de condições sanitárias.

[2] HOSPITAL‌ ‌DOS‌ ‌LÁZAROS: fundado‌ ‌em‌ ‌1º‌ ‌de‌ ‌fevereiro‌ ‌de‌ ‌1765‌ ‌no‌ ‌‌Rio‌ ‌de‌ ‌Janeiro‌,‌ ‌funcionava‌ ‌no‌ ‌antigo‌ ‌casarão‌ ‌da‌ ‌fazenda‌ ‌de‌ ‌‌São‌ ‌Cristóvão‌,‌ ‌que‌ ‌pertencia‌ ‌a‌ ‌Companhia‌ ‌de‌ ‌Jesus‌.‌ ‌Com‌ ‌a‌ ‌expulsão‌ ‌definitiva‌ ‌dos‌ ‌‌jesuítas‌ ‌‌do‌ ‌Brasil,‌ ‌o‌ ‌prédio‌ ‌passou‌ ‌para‌ ‌a‌ ‌administração‌ ‌da‌ ‌Irmandade‌ da‌ ‌Candelária‌ ‌que‌ ‌já‌ ‌atendia‌ ‌aos‌ ‌hansenianos‌ ‌da‌ ‌região.‌ ‌Após‌ ‌reformas,‌ ‌instalou-se‌ ‌no‌ ‌imóvel‌ o‌ ‌Hospital‌ ‌dos‌ ‌Lázaros‌ ‌ou‌ ‌Hospital‌ ‌Frei‌ ‌Antônio,‌ ‌destinado‌ ‌a‌ ‌prestar‌ ‌assistência‌ ‌aos‌ ‌doentes‌ ‌de‌ ‌lepra.‌ ‌Sua‌ ‌localização,‌ ‌em‌ ‌um‌ ‌ponto‌ ‌central‌ ‌do‌ ‌Rio‌ ‌de‌ ‌Janeiro,‌ ‌levantou‌ ‌sérias‌ ‌questões‌ ‌quanto‌ aos‌ ‌diversos‌ ‌cuidados‌ ‌necessários‌ ‌para‌ ‌garantir‌ ‌o‌ ‌isolamento‌ ‌dos‌ ‌enfermos,‌ ‌a‌ ‌fim‌ ‌de‌ ‌evitar‌ ‌a‌ ‌disseminação‌ ‌da‌ ‌doença‌ ‌pela‌ ‌população.‌ ‌Já‌ ‌em‌ ‌São‌ ‌Paulo,‌ ‌o‌ ‌primeiro‌ ‌lazareto‌ ‌foi‌ ‌fundado‌ ‌em‌ ‌1802‌ ‌para‌ ‌abrigar‌ ‌os‌ ‌hansenianos‌ ‌com‌ ‌o‌ ‌objetivo‌ ‌de‌ ‌isolá-los‌ ‌e‌ ‌os‌ ‌afastar‌ ‌do‌ ‌convívio‌ ‌na‌ ‌cidade,‌ ‌pois‌ ‌a‌ ‌enfermidade‌ ‌era‌ ‌contagiosa‌ ‌e‌ ‌sem‌ ‌cura.‌ ‌Até‌ ‌a‌ ‌construção‌ ‌do‌ ‌lazareto,‌ ‌os‌ ‌portadores‌ ‌da‌ ‌doença,‌ ‌em‌ ‌razão‌ ‌do‌ ‌estigma‌ ‌a‌ ‌ela‌ ‌associado,‌ ‌perambulavam‌ ‌pelas‌ ‌estradas‌ ‌sem‌ ‌destino‌ ‌ou‌ viviam‌ ‌em‌ ‌acampamentos‌ ‌distantes‌ ‌da‌ ‌cidade.‌ ‌A‌ ‌área‌ ‌escolhida‌ ‌para‌ ‌construção‌ ‌do‌ ‌hospital‌ localizava-se‌ ‌em‌ ‌direção‌ ‌a‌ ‌uma‌ ‌das‌ ‌saídas‌ ‌da‌ ‌cidade,‌ ‌na‌ ‌região‌ ‌leste,‌ ‌denominada‌ ‌de‌ ‌Olaria,‌ próximo‌ ‌ao‌ ‌Convento‌ ‌da‌ ‌Luz.‌ ‌O‌ ‌terreno‌ ‌foi‌ ‌comprado‌ ‌pelo‌ ‌governador‌ ‌Antonio‌ ‌José‌ ‌da‌ ‌Franca‌ e‌ ‌Horta‌ ‌‌e‌ ‌entregue‌ ‌aos‌ ‌cuidados‌ ‌da‌ ‌Irmandade‌ ‌da‌ ‌‌Santa‌ ‌Casa‌ ‌de‌ ‌Misericórdia‌.‌ ‌A‌ ‌obra‌ ‌começou‌ logo‌ ‌no‌ ‌ano‌ ‌seguinte,‌ ‌a‌ ‌partir‌ ‌do‌ ‌apoio‌ ‌governamental‌ ‌e‌ ‌de‌ ‌doações‌ ‌de‌ ‌particulares.‌ ‌Esse‌ hospital‌ ‌funcionou‌ ‌durante‌ ‌todo‌ ‌o‌ ‌século‌ ‌XIX‌ ‌de‌ ‌forma‌ ‌extremamente‌ ‌precária,‌ ‌atendendo‌ ‌a‌ um‌ ‌número‌ muito‌ ‌reduzido‌ ‌de‌ ‌pacientes,‌ ‌isto‌ ‌devido‌ ‌principalmente‌ ‌à‌ ‌ausência‌ ‌de‌ ‌fundos‌ regulares‌ ‌que‌ ‌permitissem‌ ‌custear‌ ‌os‌ ‌gastos‌ ‌necessários‌ ‌com‌ ‌a‌ ‌manutenção‌ ‌dos‌ ‌doentes.‌ ‌A‌ ‌administração‌ ‌cabia‌ ‌apenas‌ ‌à‌ ‌Santa‌ ‌Casa‌ ‌de‌ ‌Misericórdia,‌ ‌não‌ ‌recebendo‌ ‌nenhum‌ ‌auxílio‌ ‌da‌ ‌Câmara‌ ‌Municipal‌,‌ ‌nem‌ ‌da‌ ‌província‌ ‌de‌ ‌São‌ ‌Paulo.‌ ‌Em‌ ‌1904,‌ ‌o‌ ‌Hospital‌ ‌dos‌ ‌Lázaros‌ ‌foi‌ ‌fechado‌ e‌ ‌os‌ ‌doentes‌ ‌transportados‌ ‌para‌ ‌um‌ ‌novo‌ ‌estabelecimento‌ ‌construído‌ ‌em‌ ‌um‌ ‌local‌ ‌mais‌ ‌distante‌ ‌da‌ ‌cidade:‌ ‌Guapira.‌ ‌

[3] FÍSICO-MOR: denominação de físico é devida à ideia da medicina ser tida como física, devido à natureza de seus estudos. Equivale de modo geral ao médico. No século XVIII, o número de médicos habilitados na América portuguesa era bastante reduzido, sendo por isso mesmo a medicina exercida por outros profissionais, entre eles os cirurgiões e os boticários. Porém, eram os médicos que gozavam de maior prestígio em razão da elevada formação que possuíam, dominando os conhecimentos necessários para o restabelecimento da saúde. A única instituição do mundo luso voltado para os estudos superiores da medicina nesse período era a Universidade de Coimbra. A proibição do ensino universitário na colônia fez necessária a importação de um modelo curativo europeu. No entanto, essa prática médica precisou adaptar-se ao clima, ao meio social, aos “novos remédios” provenientes das florestas tropicais e a ausência dos antigos. No mundo colonial, o saber médico coexistia com agentes diversos “não oficiais” na arte de curar, como os curandeiros. O pouco conhecimento científico em relação a várias doenças e a carência de médicos incentivaria as práticas médicas baseadas no misticismo e religiosidade dos curandeiros, quase sempre descendente de indígenas ou de africanos. Nesse contexto, merece destaque a figura do físico-mor, autoridade responsável pela prática e fiscalização da medicina. Através da figura do físico-mor e do cirurgião mor a ação real, no tocante as práticas médicas, se fez presente na América portuguesa. Em 1521, uma carta régia regulamentaria suas atribuições, prevendo a nomeação de delegados e comissários, responsáveis por inspeções periódicas para examinar a regularidade das boticas existentes em seus distritos e seus responsáveis, inclusive no ultramar. A eles também caberia a averiguação e aplicação de multas no caso de infrações ou irregularidades. Tais atribuições buscavam um maior controle das práticas de cura e dos seus diferentes agentes na colônia – físicos, cirurgiões, barbeiros, boticários, sangradores e parteiras. Cabia também ao físico-mor conceder ou não carta de habilitação para àqueles interessados no exercício da medicina. Apesar de toda regulamentação sanitária, era precário o papel desempenhado pela fisicatura-mor e seu corpo de funcionários, sobretudo devido ao reduzido número de profissionais que atuavam na colônia, ao vasto território e longas distâncias que deveriam ser percorridas. Em 1782, o cargo de físico-mor foi extinto com a criação da Junta do Protomedicato, sendo reestabelecido em 1809. Somente no século XIX, a medicina começou a institucionalizar-se no Brasil, com a criação das primeiras academias médico-cirúrgicas, na Bahia, em 1808 e no Rio de Janeiro em 1809, decorrentes da transferência da família real portuguesa.

[4]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[5] RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[6] VIANA, PAULO FERNANDES (1757-1821): nascido no Rio de Janeiro, Paulo Fernandes Viana era filho de Lourenço Fernandes Viana, comerciante de grosso trato, e de Maria do Loreto Nascente. Casou-se com Luiza Rosa Carneiro da Costa, da eminente família Carneiro Leão, proprietária de terras e escravos que teve grande importância na política do país já independente. Formou-se em Leis em Coimbra em 1778, onde exerceu primeiro a magistratura, e no final do Setecentos foi intendente do ouro em Sabará. Desembargador da Relação do Rio de Janeiro (1800) e depois do Porto (1804), e ouvidor-geral do crime da Corte foi nomeado intendente geral da Polícia da Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808. De acordo com o alvará, o intendente da Polícia da Corte do Brasil possuía jurisdição ampla e ilimitada, estando a ele submetidos os ministros criminais e cíveis. Exercendo este cargo durante doze anos, atuou como uma espécie de ministro da ordem e segurança pública. Durante as guerras napoleônicas, dispensou atenção especial à censura de livros e impressos, com o intuito de impedir a circulação dos textos de conteúdo revolucionário. Tinha sob seu controle todos os órgãos policiais do Brasil, inclusive ouvidores gerais, alcaides maiores e menores, corregedores, inquiridores, meirinhos e capitães de estradas e assaltos. Foi durante a sua gestão que ocorreu a organização da Guarda Real da Polícia da Corte em 1809, destinada à vigilância policial da cidade do Rio de Janeiro. Passado o período de maior preocupação com a influência dos estrangeiros e suas ideias, Fernandes Viana passou a se ocupar intensamente com policiamento das ruas do Rio de Janeiro, intensificando as rondas nos bairros, em conjunto com os juízes do crime, buscando controlar a ação de assaltantes. Além disso, obrigava moradores que apresentavam comportamento desordeiro ou conflituoso a assinarem termos de bem viver – mecanismo legal, produzido pelo Estado brasileiro como forma de controle social, esses termos poderiam ser por embriaguez, prostituição, irregularidade de conduta, vadiagem, entre outros. Perseguiu intensamente os desordeiros de uma forma geral, e os negros e os pardos em particular, pelas práticas de jogos de casquinha a capoeiragem, pelos ajuntamentos em tavernas e pelas brigas nas quais estavam envolvidos. Fernandes Viana foi destituído do cargo em fevereiro de 1821, por ocasião do movimento constitucional no Rio de Janeiro que via no intendente um representante do despotismo e do servilismo colonial contra o qual lutavam. Quando a Corte partiu de volta para Portugal, Viana ficou no país e morreu em maio desse mesmo ano. Foi comendador da Ordem de Cristo e da Ordem da Conceição de Vila Viçosa, seu filho, de mesmo nome, foi agraciado com o título de barão de São Simão.

[7] INTENDENTE DAS MINAS: a Intendência das Minas foi o órgão responsável pela gestão dos serviços de mineração e pela arrecadação dos impostos sobre o ouro produzido na colônia. Antes da existência da Intendência foi criado, no Regimento das terras minerais do Brasil de 1603, o cargo de Provedor das Minas. Também chamado de Superintendente das Minas, era responsável por um grande número de atribuições, entre elas controlar a descoberta das minas, estabelecer e fiscalizar a exploração, presidir demarcações das datas (lotes), arbitrar conflitos entre os mineiros, informar o Governador-Geral da colônia sobre as casas de fundição, onde seriam recolhidos, fundidos, marcados, registrados o ouro e a prata, bem como cobrado o quinto, entre outras. O cargo de Intendente do Ouro foi criado pelo Registro do Regimento da Capitação de 26 de setembro de 1735, tendo sido a Intendência do Ouro criada apenas em decreto de 28 de janeiro do ano seguinte. O intendente do Ouro substituiu o Provedor, e passou a ter como subordinados fiscais, tesoureiro, escrivão, meirinhos e ajudantes. A administração das minas deixava de ser nacional e passava a ser regional, já que cada capitania onde houvesse distrito mineiro deveria ter pelo menos um Intendente do Ouro, que estaria subordinado apenas ao governador e capitão-general, e seria a maior autoridade dentro dos distritos. Entre suas incumbências estavam: matricular os escravos que trabalhassem direto na mineração, visitar as lavras e verificar se todos os escravos estavam matriculados, manter as balanças e marcos (pesos) aferidos para pesar o ouro corretamente sem prejuízo das partes e da Fazenda Real, fiscalizar o pagamento da capitação (imposto cobrado per capita de quem produzisse, trabalhasse ou fosse dono das minas), que veio a substituir o quinto, e prestar contas ao Governador-Geral, que por sua vez remeteria ao Conselho Ultramarino. O sistema de capitação, que pretendia controlar e agilizar a cobrança dos impostos e evitar os descaminhos, durou entre 1736 e 1750. Nesse período as jazidas começaram a enfrentar o escasseamento da produção e começou a haver diminuição da receita para a Fazenda. Em 1750 o sistema de tributação voltou ao quinto, desde que atingisse um mínimo de 100 arrobas anuais. Caso o valor fosse inferior, a derrama seria instaurada para completar o total. À Intendência do Ouro cabia fiscalizar as Casas de Fundição, examinar balanças e pesos, vigiar oficiais e fazer devassas sobre o ouro descaminhado, sobre barras e bilhetes falsos, inclusive julgando os culpados, receber anualmente o ouro dos quintos, somar e pesar para verificar se havia 100 arrobas, e remeter o ouro dos impostos à Casa dos Contos no Rio de Janeiro, além de examinar e controlar a entrada e saída dos valores e o cofre dos quintos. O alvará de 3 de dezembro de 1750 que retomou a cobrança do quinto e manteve o funcionamento das Intendências do Ouro e as casas de fundição sob sua responsabilidade, vigorou até o ano de 1803, quando foi criado o cargo de Intendente Geral das Minas, respondendo à Real Junta Administrativa de Mineração e Moedagem. As intendências regionais passaram para a responsabilidade das Relações da Bahia e do Rio de Janeiro e algumas atribuições foram passadas para os Juízos de Fora locais. A partir de 1808, com a queda na produção aurífera e diamantina, a Intendência Geral das Minas foi perdendo força e importância, e deixou de existir definitivamente em 1832.

 

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”
- No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
 
Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- Estrutura administrativa colonial
- Práticas e costumes coloniais

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