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Índios

Extinção do Diretório dos Índios

Escrito por Super User | Publicado: Quinta, 25 de Janeiro de 2018, 17h59 | Última atualização em Quarta, 18 de Agosto de 2021, 13h54

Carta da rainha d. Maria I ao governador e capitão general do Estado do Pará, d. Francisco de Souza Coutinho, estabelecendo uma série de ordens para que os índios daquela região - tanto aqueles que já habitavam as povoações quanto aqueles que viviam “embrenhados” - fossem integrados à sociedade. Para tanto,  o mesmo documento extinguia o Diretório dos Índios. Segundo este documento, o objetivo dessa medida era que os indígenas ficassem em igualdade com os outros vassalos, tornando-se úteis e governados pelo Estado e pela Igreja.

 

Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos.
Notação: Códice 807, vol. 11
Datas – limite: 1768-1822
Título do fundo: Diversos códices - SDH
Código do fundo: NP
Argumento de pesquisa: índios, aldeamentos
Data do documento: 12 de maio de 1798
Local: Palácio de Queluz
Folha (s): 23 a 34

 

“D. Francisco de Souza Coutinho[1], do meu Conselho, Governador e Capitão General do Estado do Pará[2]. Eu a Rainha[3] vos envio muito saudar. Sendo a civilização dos índios, habitantes dos vastos distritos dessa Capitania, um objeto mui digno da Minha Maternal atenção, pelo bem real que eles, não menos do que o Estado, acharam em entrarem na sociedade, e fazerem parte dela, para participarem igualmente com os outros meus vassalos[4] dos efeitos do meu contente e ilegível interrompido desvelo em os amparar à sombra das saudáveis determinações (...) e assim não só de convidar aqueles índios que ainda estão embrenhados no interior da capitania a vir viver entre os outros homens, mas de conservar ilegível e permanentes aqueles que já hoje fazem parte da sociedade, servindo o Estado e conhecendo uma religião, em que vivem felizes, bem de outro modo que os primeiros, desgraçadamente envolvidos em uma ignorância cega e profunda até dos primeiros princípios da Religião Santa, abraçaram os últimos, por efeito da pias e benéficas disposições dos Senhores Reis, meus predecessores e minhas: e querendo igualmente que a condição destes índios, assim dos que já hoje tem trato e comunicação com os outros meus vassalos, como dos que deles fogem, seja em tudo a de homens em sociedade: Hei por bem abolir e extinguir de todo o Diretório dos Índios[5] estabelecido provisionalmente para o governo econômico das minhas Povoações, para que os mesmos índios fiquem, sem diferença dos outros meus vassalos, sendo dirigidos e governados pelas mesmas leis, que regem todos aqueles dos diferentes Estados, que impõem (sic) a Monarquia, restituindo os índios aos direitos, que lhes pertencem igualmente como aos meus outros vassalos livres. E confiando eu que vós procedereis para o importante fim da civilização dos índios com um acerto tanto do Meu agrado, quanto o foi o da informação que cobre este objeto me destes, encarrego-vos de cuidar desde logo nos meios mais eficazes de ordenar e formar os índios que já vivem em Aldeias, promiscuamente com os outros, em Corpos de Milícias, conforme a população dos Distritos, e segundo o Plano por que estão formados e ordenados os outros: E para Oficiais Comandantes de tais Corpos nomeareis os principais e oficiais das povoações indistintamente com os moradores brancos, fazendo executar as disposições e ordens concernentes ao governo e direção deles pelos referidos oficiais comandantes e pelos seus juizes, alternativamente brancos e índios, segundo a ordem a que pertencerem. Tratarei também de formar um Corpo efetivo de índios, bem como os Pedestres de Mato Grosso[6] e de Goiases[7], preferindo porém os pretos forros e mestiços, enquanto os houver, como mais robustos e capazes de suportar o trabalho, deixando ao ilegível discernimento o modo porque, haveis de organizar o referido Corpo efetivo, sem prejuízo da condução das madeiras e de outros serviços em que utilmente se empregam os índios, fixando-lhes um número determinado de anos de serviço (...) só trabalharão uma parte do ano, ficando-lhes a outra, para cuidarem nos negócios das suas famílias; o que insensivelmente os irá costumando a ocupações sérias, e por conseqüência a achar necessário para a sua felicidade um governo, que provê todas as mais precisões. ... A paga deste Corpo será a mesma que a atual dos índios, acrescentando com uma porção de sal à ração diária e dando-lhes outra de aguardente[8], quando andarem em viagens, ou estiverem nos matos. Vencerá este Corpo dois uniformes cada ano (...) Conformando-me igualmente com o vosso parecer acerca dos índios que se ocupam nas pescarias, ordeno-vos, que façais logo alistar em número suficiente todos aqueles que houverem de ser pescadores, dispensando-os de entrarem assim no Corpo do Meu Real Serviço como nos de Milícias, e que lhes destineis as vilas em que devem habitar ficando porém sujeitos a outros trabalhos da pescaria, e impondo-lhes uma pena proporcionada, àqueles alistados que faltarem ao serviço ou abandonarem as embarcações (...) E porque não é da Minha Real Intenção que o Contrato dos Dízimos suba de preço à custa dos índios, mas sim que o dizimeiro e os outros contratadores daqueles contratos tenham gente para remar as canoas que a eles pertencem, e a quem paguem pelo preço em que convierem. (...) O outro meio que me propendes, como tendente também para o mesmo fim da Civilização dos índios, é a continuação do comércio e navegação para Mato Grosso, feito por escravos[9], e não pelos índios (...) E com a fiel e bem entendida execução que confio dareis a estas Minhas Saudáveis Providências, espero ver realizados os desejos de aumentar o número dos fiéis, atraindo ao Grêmio da Igreja e à obediência das Minhas Leis uma considerável porção dos habitantes desse vasto país, que involuntário mas cegamente e infelizmente não conhecem outra lei que não seja da sua vontade sem regra, nem discernimento. E quanto antes poserdes em prática estas Minhas Disposições, tanto maior serviço fareis a Seus e a mim, a quem será mui agradável que vós sejais o Instrumento da total civilização desses índios, ao ponto de se confundirem as duas castas de índios e brancos em um só de vassalos úteis ao Estado, e filhos da Igreja.

Restituindo assim aos seus direitos os índios, convém atalhar a natural ociosidade, que os convida o clima, quer no Meu Real Serviço, que no dos particulares. (...) Iguais os índios em direitos e obrigações com os meus outros vassalos, ainda falta facilitar-lhes alianças com os brancos, como um meio muito eficaz para a sua perfeita civilização: Portanto ordeno-vos, que cuideis muito em promover os casamentos entre índios e brancos[10] (...) conceda a todos os brancos que casarem com índios a prerrogativa de ficarem isentos de todos os serviços públicos os seus parentes mais próximos, por um número de anos (...) Regulado assim a condição dos índios, que já vivem aldeados, é minha real Intenção, pelo que toca ao que andam embrenhados nos matos e repugnam procurar a sociedade dos outros seus semelhantes pelos justos motivos que me patenteais, alterar o sistema até agora seguido, e substituir lhe outro, que tenha por princípio não o conquistá-lo e sujeitá-los, mas prepará-los para admitirem comunicação e trato com os outros homens: e para este fim vos ordeno, que não façais nem consintais se faça, debaixo das mais severas penas, que ficam reservadas ao Meu Real arbítrio, guerra ofensiva ou hostilidades quaisquer a nação[11] alguma de gentios[12], que habitam os vastos espaços dessa capitania; e recomendo-vos do mesmo modo que nem deis nem consintais se dê auxílio direto ou indireto nas guerras que umas nações às outras poderem fazer; proibindo, debaixo de rigorosas penas, a compra ou recebimento de nenhum escravos apreendidos nas guerras que entre si tiverem (...) E só vos será lícito adotar um sistema diferente deste puramente defensivo, no caso em que algumas das mesmas nações intentem hostilidades e correrias contra as cidades, vilas e outras povoações do norte (...) Todos e quaisquer comboios que frequentarem o interior do Brasil, e dessa capitania em particular, seja navegando os rios, seja caminhando pelas estradas, serão obrigados a levar entre os gêneros de que compuserem as suas carregações, aqueles de que os gentios fazem naturalmente maior estimação, afim que encontrando-os, os brindem com tais presentes (...) Todo aquele indivíduo livre que quiser estabelecer-se nas terras e povoações dos gentios lhe serás concedida licença para isso; mas não poderá fazê-lo sem dar parte ao governo (...) Encarregando-vos ultimamente de cumprirdes e fazerdes se cumprir quanto nesta se contém, não obstante quaisquer outras ordens ou disposições em contrário sejam. Escrita no Palácio de Queluz[13] em 12 de maio de 1798.

 

[1]COUTINHO, FRANCISCO MAURÍCIO DE SOUZA (1730-1786): irmão de Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro e secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos de d. João VI, foi governador da província do Grão-Pará, entre os anos de 1790 e 1803. Foi cavaleiro da Ordem de Malta e almirante da Armada Real. Durante o seu governo, promoveu a urbanização da cidade de Belém, o estabelecimento do Jardim Botânico do Pará, o cultivo de novas culturas agrícolas como o tabaco, cânhamo e arroz, além da introdução de novas técnicas de cultivo.

[2]PARÁ, CAPITANIA DO: a etimologia do nome da antiga unidade administrativa decorre do rio Pará, derivado do tupi-guarani pa'ra que significa rio do tamanho do mar ou grande rio devido sua grande extensão. No ano de 1621, a colônia americana portuguesa foi dividida em dois territórios administrativamente separados que respondiam ambos diretamente a Lisboa: o Estado do Brasil, com sede em Salvador, e o Estado do Maranhão, com centro administrativo em São Luís. O Estado do Maranhão e Grão-Pará permaneceu com essa designação até o ano de 1751, quando no reinado de d. José I e do gabinete de Sebastião José de Carvalho e Melo, transfere a capital administrativa de São Luiz para Belém (fundada em 1616) e passa a se chamar Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Estado do Grão-Pará e Maranhão era composto pelas capitanias do Pará, Maranhão, Piauí e Rio Negro, mantida essa estrutura até o ano de 1772/1774, quando o governo português resolve dividir o Estado do Grão-Pará e Maranhão em duas unidades administrativas distintas: o Estado do Grão-Pará e Rio Negro (1772/1774 -1850), ficando a capitania do Rio Negro Subordinada ao Pará, e o Estado do Maranhão e Piauí (1772/1774-1811), ficado a capitania do Piauí subordinada ao Maranhão. Ambas, as unidades administrativas criadas ficaram subordinadas diretamente a Lisboa (SANTOS, Fabiano Vilaça dos. O governo das conquistas do norte: trajetórias administrativas no Estado do Grão-Pará e Maranhão (1751-1780). Tese de doutorado em História. USP, 2008). As conquistas do norte eram inicialmente subordinadas ao Estado do Maranhão, que não conseguia defender toda a vasta região amazônica, além de expandir as fronteiras para o oeste. Para tentar efetivar a apropriação do território e conter o alcance da influência dos religiosos nas missões e aldeamentos, a Coroa criou e distribuiu sistematicamente, entre 1615 e 1645, capitanias e sesmarias ao longo do rio Amazonas. As capitanias que compunham o Estado do Maranhão no século XVII eram Pará, Maranhão e Piauí – reais – e Cumá, Caeté, Cametá e Marajó (ou Ilha Grande de Joanes), estas particulares e subordinadas às da Coroa. O regime das capitanias permaneceu em vigor desde 1615 até 1759, quando o marquês de Pombal, primeiro-ministro de d. José I, reformulou o sistema, incorporando todas à Coroa e dando uma nova configuração ao Estado do Grão-Pará e Maranhão. O Grão-Pará representou grande possibilidade de riqueza para colonos e colonizadores, interessados nas drogas do sertão e nas terras indígenas. O setecentos, sobretudo na segunda metade, foi um período profícuo para a região, devido à intensificação do comércio das drogas e ao incentivo às culturas agrícolas, como o cacau, tabaco, café, algodão, entre outros, promovidos pela Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e resultante da expulsão dos jesuítas, que controlavam o comércio com os índios.

[3]MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

[4]VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

[5]DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS: o Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão, aprovado por d. José I em 1755, desempenhou papel central na política metropolitana de controle dos povos indígenas durante o período pombalino. O alvará de 17 de agosto de 1758 estendia o Diretório a todo o Brasil. Dentre as principais disposições, substituía os missionários por diretores leigos, nomeados pelos governadores, cujas obrigações abrangiam o incentivo à agricultura, à mestiçagem por meio de casamentos mistos e à adoção de hábitos e da língua portuguesa, com o fim de promover a “civilidade dos índios”. Os índios seriam, assim, inseridos na “civilização” por meio da agricultura, da comercialização de produtos agrícolas e do pagamento de tributos. Os aldeamentos foram elevados a vilas e os jesuítas, que resistiam à adoção de uma administração secular desses aldeamentos, foram expulsos do país (1759). Apesar de uma perspectiva civilizatória, que pretendia abolir as diferenças entre índios e brancos, as determinações do Diretório nunca impediram a exploração da força de trabalho indígena, a espoliação das terras dos aldeamentos e o processo compulsório de aculturação dos inúmeros povos existentes no Brasil. Em 12 de maio de 1798, o Diretório foi abolido em meio a denúncias de corrupção e abusos cometidos pelas autoridades responsáveis.

[6]MATO GROSSO, CAPITANIA DE: pelo Tratado de Tordesilhas (1494), a região centro-oeste brasileira pertencia à Coroa espanhola. Dessa forma, o território correspondente ao Mato Grosso foi, inicialmente, ocupado pelos jesuítas espanhóis que fundaram missões que se ocupavam da pacificação e catequização de grupos indígenas. Apenas na segunda metade do século XVIII, com a descoberta de ouro e, posteriormente, diamantes na região por bandeirantes paulistas, o governo português passou a demonstrar interesse naquelas terras. Motivado pela exploração dos minérios e ciente da delicada situação delicada fronteiriça, o Conselho Ultramarino determinou o desdobramento da capitania de São Paulo, criando outras duas: a de Mato Grosso e Cuiabá, e a de Goiás, através do alvará de 9 de maio de 1748. Em relação a Mato Grosso, a coroa buscava tornar a capitania forte o suficiente para conter os vizinhos espanhóis, um antemuro para todo interior do Brasil, por isso as tentativas de povoamento e incremento agrícola. A assinatura dos Tratados de Madrid (1750) e de Santo Ildefonso (1777), com a Espanha, fixando as fronteiras na região, concluíram o processo.

[7] GOIÁS, CAPITANIA DE: região localizada no centro-oeste brasileiro, já era conhecida pelos portugueses desde o século XVI. No entanto, seu processo de colonização iniciou-se apenas no final do século XVII, a partir das descobertas de minas de ouro por bandeirantes paulistas – com destaque para Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, considerado o descobridor de Goiás. Entre 1590 e 1670, diversas bandeiras percorreram a região, vindas de São Paulo e, a partir de 1653, outras partiram de Belém pelo Amazonas e alcançaram a região dos rios Tocantins e Araguaia. Além de bandeirantes em busca de ouro e escravos, também jesuítas chegaram para catequizar, principalmente, os povos indígenas. Assim, em 1727 é fundado o arraial de Santana, que viria a se transformar na vila Boa de Goiás, próximo da fronteira com o atual estado do Mato Grosso. A exploração do cobiçado mineral na região ampliou as fronteiras ocupadas da América portuguesa, inicialmente com a chegada dos colonos de São Vicente, tradicionalmente berço de desbravadores e caçadores de riquezas, aos quais logo se seguiram reinóis e aventureiros de diversas capitanias. Índios chamados Goyazes habitavam a Serra Dourada e deram origem ao nome da capitania. Aparentemente, haviam migrado da região amazônica em tempos não muito remotos e juntaram-se a outros grupos em resistência às seguidas tentativas de extermínio e escravização pelos brancos que chegavam atrás do ouro. As “minas dos Goyazes” estiveram inicialmente subjugadas à jurisdição da capitania de São Paulo. No entanto, sua criação data de 9 de maio de 1748, quando a capitania de São Paulo foi desmembrada dando origem a três capitanias distintas: São Paulo, Mato Grosso e Goiás. Foi o segundo maior produtor de ouro durante o período colonial, depois de Minas Gerais. Mas observa-se também a existência de uma economia de subsistência para alimentar os mineiros e escravos que trabalhavam nas minas. Com o declínio da mineração, em fins do século XVIII, os goianos passariam a se dedicar a atividades agropastoris, exportando gado e seus subprodutos, além de algodão e açúcar, para as capitanias vizinhas do Norte e Nordeste.

[8]AGUARDENTE: bebida derivada da fermentação e destilação do caldo ou do melaço da cana-de-açúcar, conhecida também como jeribita, táfia, cachaça, vinho de mel, ou ainda garapa azeda. Foi introduzida no Brasil pelos primeiros colonizadores portugueses, surgindo como subproduto dos engenhos de açúcar. Destinada inicialmente ao consumo local, ficou conhecida por muito tempo como bebida de escravo. Entretanto, pelo altíssimo teor alcoólico e baixo preço em relação ao vinho português, sua venda disseminou-se não só na América, como também em outras colônias portuguesas, de maneira que, no século XVII, já era utilizada como moeda de troca na compra de escravos na costa africana. A concorrência com a produção das Antilhas no Seiscentos fez despencar o preço do açúcar brasileiro no mercado internacional, forçando a procura por outros gêneros com características semelhantes. Foi nessa conjuntura que a aguardente ganhou espaço, sendo considerada como produto compensador da economia açucareira. Mesmo nas fases favoráveis, o açúcar possuía uma grande desvantagem em relação à aguardente: a baixa lucratividade para os seus produtores. Sendo um derivado da cana-de-açúcar, a aguardente era a grande responsável pelos ganhos dos engenhos brasílicos (25%), pois não estava atrelada ao dízimo e não era mercadoria dividida com os lavradores de cana. Devido à alta lucratividade dada aos senhores de engenho na colônia e ao temor da concorrência com o vinho português, a Coroa passou a tributar o produto e proibir sua comercialização. Apesar disso, as engenhocas, que oficialmente fabricavam rapadura, e os alambiques continuaram a produzir aguardente, o que contribuiu para disseminar a expressão a “salvação da lavoura”. Baixo custeio da produção e alta lucratividade fizeram da bebida, tipicamente tropical, o recurso acionado em momentos de dificuldades.

[9]ESCRAVOS [INDÍGENAS]: logo nos primeiros anos da colonização no Brasil, utilizou-se trabalho escravo indígena para garantir a mão de obra necessária à produção açucareira, principal atividade da economia colonial até o século XVIII. Empregados nas lavouras, nos engenhos, nos moinhos, na criação de gado e nos serviços domésticos, os índios foram a primeira opção dos senhores de engenho para o trabalho compulsório, devido ao grande contingente populacional então existente e à falta de recursos suficientes que viabilizassem a importação de escravos africanos, já conhecidos pelos portugueses. Apesar da existência de uma legislação que proibia a escravidão indígena desde o final do século XVI – somente através da guerra justa seria possível tornar um índio cativo: diante da recusa à conversão católica poderiam, então, ser escravizados – a Coroa portuguesa não conseguiu extingui-la. A necessidade de mão de obra barata levou os colonos a encontrarem maneiras de burlar as restrições legais, simulando pretextos para guerras justas. No entanto, encontraram na ação da Companhia de Jesus um entrave para expansão da instituição. Contrários a escravidão dos nativos, os jesuítas fundaram missões – aldeamentos indígenas formados com o intuito de civilizar e catequizar os índios – onde esses teriam proteção contra as investidas dos colonos em busca de mão de obra. No entanto, tais aldeamentos foram constantemente atacados por sertanistas ao longo do período colonial e diversos povoados destruídos. Os gentios reagiam a escravidão das mais diversas formas: lutas armadas, fuga, alcoolismo e suicídio foram os meios encontrados para reagir à violência do escravismo colonial. A substituição do escravo indígena pelo escravo africano deu-se a partir do século XVII, resultando de vários fatores: a grande resistência dos índios à escravidão; a crescente escassez de mão de obra indígena, decorrente da mortandade gerada pelas doenças e pelas guerras; a posição contrária da Igreja Católica e o tráfico de escravos africanos intercontinental. Na verdade, foi o lucro originado do comércio negreiro que, tornando-se uma das principais fontes de recursos para a metrópole, fez do escravo africano mais atrativo do que o indígena.

[10]PROMOVER O CASAMENTO ENTRE ÍNDIOS E BRANCOS: de acordo com a historiografia tradicional, a Coroa portuguesa enviou, no final do século XVI, navios com mulheres brancas para que os primeiros colonizadores pudessem estabelecer famílias no Brasil. Isto seria também uma maneira de impedir a miscigenação das raças e a união sem a benção da Igreja Católica. No entanto, estudos atuais sobre a colonização brasileira mostram que estes casamentos inter-raciais foram em algumas situações até estimulados, uma vez que o casamento entre um europeu e uma índia de determinada tribo poderia assegurar vantajosas alianças políticas nas batalhas que envolvessem um povo considerado inimigo pelo grupo da esposa. Além disso, havia a questão da aculturação dos povos indígenas, a partir do incentivo da Igreja através da catequese, que asseguraria ao marido a legitimidade da união, uma vez que a esposa passaria a professar a fé católica. A política portuguesa de povoamento das áreas coloniais de fronteira, também foi fator impulsionador da miscigenação, pois os casamentos mistos incentivavam um aportuguesamento da população que ocupava essas áreas, contribuindo sobremaneira para povoar/colonizar o vasto território fronteiriço. O Diretório dos Índios de 1757 – conjunto normativo com o objetivo de organizar a administração e o governo dos índios do Pará e Maranhão –, previa, entre outras questões, o incentivo ao casamento entre índios e brancos: “Pelo que recomendo aos Diretores, que apliquem um incessante cuidado em facilitar, e promover pela sua parte os matrimônios entre os Brancos, e os Índios, (…). Para facilitar os ditos matrimônios, empregarão os Diretores toda a eficácia do seu zelo em persuadir a todas as Pessoas Brancas, que assistirem nas suas Povoações, que os Índios tanto não são de inferior qualidade a respeito delas, que dignando-se Sua Majestade de os habilitar para todas aquelas honras competentes às graduações dos seus postos, consequentemente ficam logrando os mesmos privilégios as Pessoas que casarem com os ditos índios; desterrando-se por este modo as prejudicialíssimas imaginações dos Moradores deste Estado, que sempre reputaram por infâmia semelhantes matrimônios”.

[11]NAÇÃO: a ideia de nação surgiu como atributo central no processo de legitimação dos Estados territoriais modernos. Nas sociedades europeias de Antigo Regime, afirmou-se a tendência para identificação da Nação com o Rei, representante máximo do reino e da própria comunidade, por direito divino e monopólio do uso da força – uma construção ideológica criada pelo próprio Estado para estabelecer uma unidade, uma identidade coletiva. No entanto, o conceito ganharia importância e nova forma a partir da Revolução Francesa. Ao substituir um governo absoluto pelo poder do povo, procurou-se manter a soberania através da ideia de nação, conjunto político formado pelos cidadãos de um país. Buscou-se legitimar o novo poder e as novas leis, que não mais adivinham de um poder monárquico, mas sim de todos os indivíduos, capazes de se autogovernar. O rei absolutista deixava de ser o sujeito político preponderante, substituído por um ator coletivo, a nação. O industrialismo também teve papel fundamental na construção das nações modernas, sobretudo na criação de uma cultura comum, respaldada num sistema escolar de massa e nos meios de comunicação e propaganda. Na busca pelo desenvolvimento dessa consciência comum/nacional, os Estados investiram na adoção de uma língua comum e no reconhecimento de uma individualidade no campo internacional – através da afirmação da soberania e na total independência política diante de qualquer poder externo. Em Portugal, o termo nação ganharia força a partir das invasões francesas e a transferência da corte para o Rio de Janeiro, do confronto da população, do povo, contra a ocupação estrangeira, uma força autônoma em relação à figura do rei afastado geograficamente. Cabe lembrar que, a ideia de nação portuguesa incluía os domínios lusos no ultramar, usada ainda no sentindo de império, abarcando lusos e brasileiros. O processo de formação de uma nação no Brasil está atrelado aos movimentos emancipacionistas das ex-colônias na América e à consolidação e legitimação política do Estado Imperial brasileiro. A manutenção do regime monárquico, após o rompimento com Portugal em 1822, visava, por um lado garantir a independência política do Brasil e a unidade nacional e, de outro, evitar rupturas na estrutura socioeconômica da nova nação, ou seja, o latifúndio e a escravidão. Serão esses os interesses político econômicos contemplados no projeto de Estado-nação brasileiro.

[12]GENTIO: a designação foi empregada, ao longo da história da conquista da colônia, para se referir ao índio não cristão, àquele que não havido sido integrado na órbita colonial luso-brasileira. Gentio é um termo usualmente relacionado a “bárbaros”, “selvagens”, “bravos”, “gentio”, ou ainda “tapuia” sem muita distinção, contribuindo para a construção de um recurso jurídico visando a decretação de guerra justa, escravização dos índios e liberação de terras para os colonos. Em carta a Mem de Sá, em 1558, o rei recomenda que os colonos apoiem os jesuítas na tarefa mais importante da política real do Brasil, quer dizer, na conversão dos pagãos “porque o principal e primeiro intento que tenho em todas as partes da minha conquista é o aumento e conservação da nossa santa fé e conversão dos gentios delas”. Em Apontamento de coisas do Brasil (1558), Nóbrega se refere ao gentio como “de qualidade que não se quer por bem, senão por temor e sujeição, como se tem experimentado e por isso se S.A. os quer ver todos convertidos mande-os sujeitar e deve fazer estender os cristãos pela terra adentro e reparti-lhes o serviço dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhorear, como se faz em outras partes de terras novas, e não sei como se sofre, a geração portuguesa que entre todas as nações é a mais temida e obedecida, estar por toda esta costa sofrendo e quase sujeitando-se ao mais vil e triste gentio do mundo.” (Ribeiro, D. e Moreira Neto, C.A. A fundação do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1992: 121)

[13]QUELUZ: cidade portuguesa, parte do concelho de Sintra, área metropolitana de Lisboa, no centro-sul do território do país. A cidade tornou-se célebre em função da construção do Palácio de Queluz, em 1747, como residência de verão da família real portuguesa. Anteriormente havia sido o pavilhão de caça da propriedade dos marqueses de Castela Rodrigo, que foi confiscada pela Coroa portuguesa durante a Restauração. O palácio, em estilo rococó, foi mandado construir pelo infante d. Pedro, futuro rei, tio e marido de d. Maria, com todo o luxo e apuro que a monarquia portuguesa podia prover, de forma a promover e indicar a solidez, a ostentação e a distinção da Coroa e de sua realeza. Com a morte do rei em 1786 e do primogênito (d. José) em 1788, a rainha começou a apresentar sinais de loucura e foi recolhida ao Palácio de Queluz. De lá, a partir de 1794, ela e o regente d. João governaram o reino e seus domínios no ultramar, quando o Palácio da Ajuda, principal sede da monarquia, pegou fogo e obrigou a Corte a mudar-se temporariamente para Queluz, onde permaneceu até 1807, quando se transferiu para o Brasil, em fuga das invasões napoleônicas. O “mundo” de Queluz ficou associado ao período em que foi sede do poder político durante o reinado mariano e a regência joanina, de transição da monarquia absoluta para uma governança constitucional e mais liberal. Esse mundo era caracterizado pela forte presença de uma sociedade de Corte do Antigo Regime, espelhada na Corte francesa de Versalhes (o palácio português era tido como uma versão modesta do exemplar francês), em um momento de reação às políticas reformistas pombalinas, de centralização estatal e de sacralização da figura do monarca, de intrigas palacianas e disputas entre os ministros e a alta realeza, que se sentia diminuída frente aos mandos e privilégios dos secretários de Estado. Antes de se tornar sede do poder político, Queluz era palco de grandes festas de São Pedro e São João, com missas, corridas de touros, concertos musicais e óperas, até a perda do herdeiro real, quando se manteve somente a celebração, bem mais modesta, do aniversário da rainha. Em 1807 deixou de ser a sede do governo e a partir de 1826 não mais foi usado pela monarquia para funções políticas. Foi no palácio que d. Pedro I, imperador do Brasil (Pedro IV de Portugal) nasceu e morreu, em 1834. Um século depois (1934) passou por um incêndio que destruiu todo o interior, mas foi completamente restaurado e atualmente é um importante ponto de visitação turística, além de servir hospedagem para chefes de Estado em visitas oficiais a Portugal.


Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
- No eixo temático sobre “História das representações e das relações de poder”
- Ao trabalhar o tema da “Pluralidade cultural”
 
Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- O homem e a cultura
- As relações sociais de dominação na América Portuguesa
- A organização administrativa do Brasil colonial
- A expansão territorial brasileira

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