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Índios

Índios antropófagos

Escrito por Super User | Publicado: Quinta, 25 de Janeiro de 2018, 17h58 | Última atualização em Quarta, 18 de Agosto de 2021, 13h58

Carta régia para o governador e capitão general de Minas Gerais, Pedro Maria Xavier de Ataide e Mello, através da qual o príncipe regente d. João ordena várias medidas a serem tomadas pelo governador em relação aos índios botocudos antropófagos. Essas medidas diziam respeito à implantação de uma guerra ofensiva contra esses índios, já que os mesmos tinham invadido diversas partes desta capitania, especialmente próximo as margens do rio Doce. Nessas áreas, os índios estariam promovendo a destruição de fazendas, obrigando os proprietários a abandoná-las, além de praticarem antropofagia com os índios mansos e portugueses.

 

Conjunto documental: Junta da Real Fazenda, registro de avisos e ofícios, portarias e editais do vice-rei, provisões e cartas régias, requerimentos, etc.
Notação: Códice 206
Datas – limite: 1801-1808
Título do fundo: Junta da Real Fazenda da capitania do Rio de Janeiro
Código do fundo: 4B
Argumento de pesquisa: índios, pacificação
Data do documento: 13 de maio de 1808
Local: Palácio do Rio de Janeiro
Folha (s): 50 a 51v.

Leia esse documento na íntegra

 

“Carta Régia para o Governador e Capitão General de Minas Gerais.

Pedro Maria Xavier de Ataide e Mello, do Meu Conselho, Governador e Capitão General da Capitania de Minas Gerais, Amigo:

Eu o Príncipe Regente[1] vos envio muito saudar. Sendo-me presentes as graves queixas, que da capitania de Minas Gerais[2] tem subido à Minha Real Presença sobre as invasões que diariamente estão praticando os índios Botecudos[3] antropófagos em diversas e muito distantes partes da mesma Capitania, particularmente sobre as margens do rio Doce, e Rios que no mesmo deságuam, e onde não só devastam todas as Fazendas sitas naquelas vizinhanças, e tem forçado muitos proprietários a abandoná-las, com grave prejuízo seu, e da Minha Real Coroa; mas passam a praticar as mais horríveis e atrozes cenas da mais bárbara antropofagia[4], ora assassinando os portugueses, e os índios mansos, por meio de feridas, de que sorvem depois o sangue, ora dilacerando os corpos, e comendo os seus restos; tendo-se verificado na Minha Real Presença a inutilidade de todos os meios humanos, pelos quais tenho mandado que se tente a sua civilização, e o reduzí-los e aldear-se, e a gozarem dos bens permanentes de uma sociedade pacifica, e doce, debaixo das justas e humanas Leis,  que regem os Meus Povos; e até havendo-se demonstrado quão pouco útil era o sistema de Guerra defensivo, que contra eles tenho mandado seguir, visto que os pontos de defesa em uma tão grande, e extensa linha, não podiam bastar a cobrir o país: Sou servido por estes, e outros justos motivos, que ora fazem suspender os efeitos de Humanidade, que com eles tinha mandado praticar, Ordenar-vos em primeiro lugar: que desde o momento em que receberdes esta Minha Carta Régia deveis considerar como principiada contra estes Índios Antropófagos uma Guerra ofensiva, que continuareis sempre em todos os anos nas estações secas, e que não terá fim senão quando tiveres a felicidade de vos senhorear das suas habitações, e de os capacitar da superioridade das Minhas Reais Armas, de maneira tal, que movidos do justo terror das mesmas, peçam a paz, e sujeitando-se ao doce jugo da Lei,  e prometendo viver em sociedade, possam vir a ser Vassalos[5] úteis, como já o são as imensas variedades de índios, que nestes Meus vastos Estados do Brasil se acham aldeados, e gozam da felicidade, que é conseqüência necessária do Estado social (...) Em terceiro lugar: Ordeno-vos, que façais distribuir em seis Distritos, ou partes, todo o terreno infestado pelos Índios Botecudos, nomeando seis comandantes destes terrenos, à quem ficará encarregada, pela maneira que lhes parecer mais profícua, a Guerra ofensiva, que convém fazer aos Índios Botecudos, e estes Comandantes, que terão as patentes, e soldos de Alferes agregados ao Regimento de Cavalaria de Minas Gerais, que logo lhes mandareis passar com vencimento de soldo dessa nomeação, serão por agora, Antonio Rodrigues Taborda, já Alferes, João do Monte da Fonseca, José Caetano da Fonseca, Lizardo José da Fonseca, Januario Vieira Braga, Arruda, morador na Pomba, e se denominarão Comandantes da primeira, segunda, terceira, quarta, quinta e sexta divisão do Rio Doce. A estes Comandantes ficará livre o poderem escolher os soldados, que julgarem próprios para esta qualidade de duro, e áspero serviço, e em número suficiente para formarem diversas Bandeiras[6], com que ajam constantemente todos os anos na estação seca de entrarem nos matos, ajudando-se reciprocamente, não só as Bandeiras de cada Comandante, mas todos os seis comandantes com as suas respectivas forças, e consertando entre si o Plano mais profícuo para a total redução de uma semelhante, e atroz raça Antropófaga: Os mesmos Comandantes serão responsáveis pelas funestas conseqüências das invasões dos Índios Botecudos nos sítios confiados a sua guarda, logo que contra ele se prove omissão, ou descuido. Que sejam considerados como Prisioneiros de Guerra todos os Índios Botecudos, que se tomarem com as armas na mão em qualquer ataque, e que sejam entregues para o serviço do respectivo Comandante por dez anos, e todo o mais tempo enquanto durar a sua ferocidade, podendo ele empregá-los em seu serviço particular, durante esse tempo, e conserva-los com a devida segurança, mesmo em ferros, enquanto não derem provas do abandono de sua atrocidade, e antropofagia. Em quarto lugar: Ordeno-vos, que a estes comandantes se lhes confira anualmente um aumento de soldo proporcional ao bom serviço que fizerem, regulado este pelo princípio que terá mais meio soldo aquele Comandante, que no decurso de um ano mostrar, não somente, que no seu distrito não houve invasão alguma de índios Botecudos, nem de outros quaisquer índios bravos, de que resultasse morte de portugueses, ou destruição de suas plantações; mas que aprisionou, e destruiu no mesmo tempo maior número do que qualquer outro comandante; conferindo-se aos demais um aumento de soldo proporcional ao serviço que fizeram, servindo de base para máxima recompensa, o aumento do  meio soldo. Em quinto lugar: Ordeno-vos que em cada três meses convoqueis uma Junta, que será presidida por vós, e composta do coronel do Regimento de Linha, do coronel Inspetor dos destacamentos da capitania, do tenente coronel, do Major, do ouvidor da comarca na qualidade de auditor do Regimento, e do escrivão Deputado da Junta da Fazenda, na qual fareis conhecer do resultado de tão importante serviço, e me darás Conta pela Secretaria de Estado de Guerra, e Negócios Estrangeiros de tudo o que tiver acontecido, e for concernente à este objeto, para que se consiga a redução, e civilização dos índios Botecudos, se possível for, e das outras raças de Índios, que muito vos recomendo, podendo também a Junta propor-me tudo o que julgar conveniente para tão saudáveis, e grandes fins, particularmente tudo o que tocar a pacificação, civilização, e aldeação dos Índios, declarando-vos também que por este trabalho os membros da junta não terão paga, ou vencimento algum, reservando-Me a dar-lhe aquelas demonstrações do Meu Real Agrado, e Generosidade, de que os seus serviços demonstrados pelas suas contas, e resultado favorável para a Capitania os fizerem dignos.

Propondo-me igualmente por motivo destas saudáveis Providências contra os Índios Botecudos, preparar os meios convenientes para se estabelecer para o futuro a Navegação do Rio Doce, que fará a felicidade dessa capitania, e desejando igualmente procurar, com a maior economia da minha real Fazenda[7], meios para tão saudável empresa, assim como favorecer os que quiserem ir povoar aqueles preciosos terrenos auríferos, abandonados hoje pelo susto que causam os Índios Botecudos (...) Dada no Palácio do Rio de Janeiro[8] em treze de Maio de mil oitocentos e oito. Príncipe com Guarda. Para Pedro Maria Xavier de Ataíde e Mello. Joze Joaquim da Silva Freitas.

 

[1]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2]MINAS GERAIS, CAPITANIA DE: nascida a partir do desmembramento da capitania de São Paulo e Minas do Ouro, ocorrido em 1720, Minas Gerais foi o foco da exploração de ouro e pedras preciosas – inclusive diamantes – ao longo do século XVIII. O início da exploração do ouro em fins do século XVII faria com que a metrópole implementasse reformas administrativas e legislativas com o intuito de estabelecer um maior controle sobre o território e sobre a exploração das suas riquezas, processo acentuado com a descoberta de diamantes na década de 1720. Em 1709, a crise causada pelo confronto entre os primeiros exploradores da região das minas e os “aventureiros” que chegaram posteriormente resultou no conflito conhecido por Guerra dos Emboabas e foi uma das causas para a criação da capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Em 1720, a revolta de Felipe dos Santos (ou de Vila Rica), que questionava a forma de tributação sobre o ouro e a intensificação do controle da coroa sobre as atividades locais sob a forma da criação das casas de fundição oficiais contribuiu para novo desmembramento, e a criação da capitania de Minas Gerais. O levante de 1720 não seria o último a opor a coroa aos colonos em torno da exploração e taxação das riquezas da região; em 1789 – no período de decadência da exploração colonial do ouro, diametralmente oposto ao do movimento de Felipe dos Santos – ocorreu a Conjuração Mineira, já sob a influência das ideias liberais e da revolução americana. Tornada polo dinamizador da economia colonial, a capitania das Minas (agora, Gerais, e não apenas do ouro) desenvolve, na sua rede de povoados, vilas e cidades uma sociedade mais urbana e dinâmica do que a que caracterizava a economia agrícola, cuja exclusividade marcou os primeiros dois séculos da colonização. À medida que ouro e diamantes jorravam, as cidades se desenvolviam e sofisticavam, a sociedade se diversificava, assim como as atividades econômicas, a despeito da repressão da metrópole que não via com bons olhos a produção local de bens necessários ao dia a dia dos colonos e à própria atividade mineradora. Neste painel variado, a massa de escravos e o pequeno grupo de senhores – molas mestras da produção de riquezas –  dividiam espaço com artistas, intelectuais, comerciantes de víveres, e um sem número de “sem destinos”, indivíduos que vagavam à margem da sociedade e da riqueza da qual se apossavam poucos privilegiados. De forma não muito diferente do que ocorre nos dias de hoje, em regiões em que uma fonte potencial de riqueza é subitamente descoberta e explorada, os lucros e benefícios da nova atividade tendem a se concentrar de forma intensa, deixando à margem uma quase horda de excluídos, muitos deles vivendo a vã esperança de partilhar as sobras possíveis. Não é à toa que a paisagem arquitetônica desenvolvida ao longo do século XVIII impressiona até os dias de hoje, e lançou para a história nomes como Manuel Francisco Lisboa, que planejou a igreja do Carmo, em Ouro Preto (antiga Vila Rica). Artistas locais, como Aleijadinho e Mestre Ataíde, desenvolveram uma versão nativa de barroco/ rococó e beneficiavam-se do grande afluxo de riquezas. Patrocinadas pelas irmandades e ordens terceiras – organizações religiosas de indivíduos sem vínculo com a Igreja, mas que se dedicam a um culto específico –, que tiveram um papel crucial na vida social da região das minas, as opulentas igrejas se multiplicaram, exibindo o esplendor de uma era que chegaria ao fim com o século XVIII. Após a década de 1760 percebe-se que a comarca do Rio das Mortes passou a apresentar um crescimento demográfico substancial, em oposição à comarca de Vila Rica, que começava a perder população. Isso se deveu ao declínio da produção de ouro – estreitamente relacionada à Vila Rica – e a diversificação e florescimento da agricultura, da pecuária e até mesmo, em certa medida, da nascente produção manufatureira em Rio das Mortes. Esta transformação marca o início da queda da produção de ouro na região e indica a diversificação de atividades para além da mineração.

[3]BOTOCUDOS: nome genérico aplicado aos índios que ocuparam largas faixas da Mata Atlântica e da Zona da Mata no interior do leste brasileiro. Denominados também Aimorés, Ambarés, Guaimurés ou Embarés e, posteriormente, Guerens, os Botocudos não pertenciam ao tronco linguístico Tupi e se notabilizaram por sua belicosidade. Considerados hábeis caçadores, constituíam-se em grupos seminômades compostos por 50 a 200 pessoas, que controlavam territórios de caça e de coleta definidos pelo chefe do grupo e cujos limites deviam ser atentamente observados. O uso de botoques de madeira – gnemetok – auriculares e labiais, de tamanhos variados, valeu aos Botocudos essa denominação. Os primeiros contatos, ocorridos no século XVI, durante a instalação das capitanias de Ilhéus e Porto Seguro, foram de tal sorte violentos que os Botocudos se internaram no sertão dos rios Pardo, Jequitinhonha, Mucuri e Doce. Foram perseguidos, apresados e dizimados por colonos em busca de braços para desenvolver a lavoura, por entradas promovidas na busca de ouro e pedras preciosas e pelas bandeiras paulistas contratadas com vistas a empreender as guerras justas, decretadas pela Coroa portuguesa.

[4]ANTROPOFAGIA: os rituais antropofágicos, de cunho religioso ou bélico, faziam parte de algumas culturas indígenas no Brasil. Estes povos acreditavam que ao se alimentarem de determinadas partes do corpo humano, adquiriam certas características específicas do falecido, como a bravura ou a força do inimigo derrotado. O canibalismo sempre foi uma prática simbólica e não alimentar: ou se devoram os inimigos, como faziam os Tupinambá do litoral brasileiro no século XVI, em cerimônias coletivas como presenciou o alemão Hans Staden; ou se pratica uma antropofagia funerária e religiosa, como os Yanomami e Wari, no norte do país, que praticavam o endocanibalismo, comendo a cinzas de pessoas falecidas da própria tribo, os Wari também praticavam a antropofagia guerreira. O choque entre brancos e índios durante a colonização criou, no imaginário do europeu, uma série de representações largamente disseminadas por meio de iconografia e de relatos de época a respeito dessa prática, considerada um sinal da barbárie dos nativos brasileiros. Durante a colonização da América portuguesa, caberia aos missionários a catequização e civilização dos gentios, incluindo o extermínio das práticas pagãs, entre essas a antropofagia, que violava as leis divinas e naturais. Os padres jesuítas, por exemplo, viam na prática de guerrear e no canibalismo um dos principais obstáculos para a conversão nativa e, mesmo depois de catequizados, os índios voltavam aos seus antigos costumes. Dessa forma, passariam a intervir diretamente nos rituais antropofágicos, tentando impedir a sua realização ou batizando os prisioneiros, além de condenarem tal prática em seus sermões e discursos.

[5]VASSALO: súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

[6]BANDEIRAS: expedições armadas organizadas por paulistas da capitania de São Vicente, primeiramente para combater estrangeiros e indígenas; mais tarde se dedicaram ao apresamento e cativeiro de índios e a busca de minas de ouro e pedras preciosas. Valiam-se da extensa rede hidrográfica partindo do Tietê, Pinheiros, Cotia, Piracicaba para alcançar a bacia do Prata, Parnaíba e São Francisco. As bandeiras eram compostas por bandos imensos de mamelucos e seus cativos que por meses e até anos se deslocavam a pé ou a remo; acampavam para plantar e colher roças com que se supriam de mantimentos para prosseguir viagem sertão adentro, através de matas e de campos naturais, procurando aldeias indígenas ou missões de índios capturáveis. Essas expedições tiveram um impacto forte sobre as populações nativas, provocando o despovoamento de vastas regiões no interior do continente em consequência de contaminação por doenças ou deslocamento dos cativos para os povoados portugueses. Outro desdobramento dessas iniciativas foi a ampliação dos territórios sob o domínio da Coroa portuguesa, transpondo os limites territoriais portugueses na América definidos pelo Tratado de Tordesilhas e, obrigando Espanha e Portugal a renegociarem suas possessões no Novo Mundo. As bandeiras percorreram todas as regiões do extremo sul à Amazônia e do litoral leste e nordeste ao extremo oeste do país. No começo do século XVII, no vale do rio Paraná e de seus afluentes os bandeirantes penetraram nas reduções jesuíticas e nas áreas de ocupação espanhola do Guairá, do Paraguai e do Uruguai onde capturaram das dezenas de milhares de índios sedentarizados nas missões do Guaíra, Itatim e Tapes. Durante um século e meio, os paulistas se fizeram cativadores de índios, primeiro, para serem os braços e as pernas do trabalho de suas vilas e seus sítios, e como mercadoria para venda. Desse modo despovoaram as aldeias dos grupos indígenas lavradores em imensas áreas, indo buscá-los a milhares de quilômetros terra adentro. Frequentemente, quando a população nativa disponível para o trabalho se tornava escassa, bandeiras eram organizadas com a finalidade de tomar novos cativos, contando com a anuência ou mesmo a participação ativa de autoridades régias, que simulavam as condições de guerra justa impostas pela legislação em vigor para escravizar índios para as lavouras coloniais. Quando da abertura de uma nova zona os índios apresentavam resistência maior ou quando estalava uma rebelião escrava ou ainda quando um grupo negro se insurgia implantando um quilombo, apelava-se às bandeiras. A de Domingos Jorge Velho foi uma das mais conhecidas com essa função repressora, tendo sido contratada para destruir o quilombo de Palmares e liquidar a resistência dos índios Cariris no Nordeste (1685-1713), na chamada Guerra dos Bárbaros.

[7]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[8]PALÁCIO DO RIO DE JANEIRO: referência ao edifício público Paço Imperial, situado na atual Praça XV de Novembro no centro do Rio de Janeiro. Construído a partir do projeto do engenheiro José Fernandes Pinto Alpoim, por determinação do governador da capitania, Gomes Freire Andrade, e inaugurado em 1743, a Casa dos Governadores inspirou-se na arquitetura do Paço da Ribeira, residência real em Lisboa, em acordo com seu sentido original de palácio, casa nobre, onde vive o soberano. As construções que começaram a ocupar as adjacências, tal como um chafariz e o convento das Carmelitas, delimitaram um largo ou praça – o Terreiro do Paço – uma das áreas mais valorizadas da cidade. Em 1763, quando a cidade se torna sede do poder colonial, a casa ganha o título de Palácio dos Vice-Reis e, em 1789, é construído outro chafariz junto ao novo cais, atribuído ao escultor, entalhador e arquiteto Valentim da Fonseca e Silva, o Mestre Valentim. Com a mudança da corte para o Rio de Janeiro, converteu-se em Paço Real, abrigando a família real e o governo. No entanto, em pouco tempo, o paço mostrou-se inadequado, dada a extensão da máquina administrativa e o número de membros da comitiva real. A aquisição da quinta de São Cristóvão [Quinta da Boa Vista] como local de moradia permanente da família real fez do Paço Imperial, assim denominado a partir de 1822, a sede do governo e das cerimônias oficiais, das festas da família real e outros rituais.

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
- No eixo temático sobre “História das representações e das relações de poder”
- Ao trabalhar o tema da “Pluralidade cultural”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- O homem e a cultura
- As relações sociais de dominação na América Portuguesa
- A organização administrativa do Brasil colonial
- A sociedade colonial: diferenças e semelhanças culturais

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