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Companhia de Jesus

Prisão de jesuítas

Escrito por Super User | Publicado: Quinta, 25 de Janeiro de 2018, 16h43 | Última atualização em Terça, 17 de Agosto de 2021, 20h02

Carta do conde de Oeiras ao conde da Cunha, relatando, entre outras coisas, a prisão do jesuíta Pedro de Vasconcelos. Por este documento, pode-se perceber o tratamento dispensado aos jesuítas, após a decretação de sua expulsão das terras luso-brasileiras em 1759. A partir de então,  os religiosos da companhia de jesus passaram a ser perseguidos e considerados os responsáveis por toda a sorte de abusos e desordens possíveis.


Conjunto documental: Correspondência da Corte com o vice-reinado
Notação: Códice 67, vol. 03
Datas-limite: 1766-1767
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Companhia de Jesus
Data do documento: 23 de Julho de 1766
Local: Palácio Nossa Senhora da Ajuda
Folha(s): 7 a 8v

 

Leia esse documento na íntegra

 

“Para o conde da Cunha[1] em 23 de Julho de 1766

Il.mo e Ex.mo Senhor

Pela carta de V. Ex.ª de 18 de Abril do presente ano foram presentes a El Rei Nosso Senhor[2] os estranhos fatos do secretário do governo da Praça de Colônia[3] Joseph Pereira de Souza, do tenente-coronel Vasco Fernandes Pinto de Alpoim, e dois subalternos do seu mesmo corpo de artilharia.

O mesmo senhor manda louvar a V. Ex.ª o zelo e cuidado, com que logo mandou segurar os sobreditos delinqüentes para os remeter a esta Corte presos com toda a segurança.

Sua Majestade espera, que o novo governador da dita Praça da Colônia leve as mais vigorosas, e positivas ordens para descobrir, prender, e remeter para essa cidade os outros delinqüentes do maior número, que V. Ex.ª avisou, que existiam naquela praça. Pois que nela se faz indispensavelmente necessário, que não fique nem ainda o menor resíduo de semelhante peste. Para desterrar inteiramente não há outro meio melhor, nem mais seguro, do que extinguir na guarnição da mesma praça, e sua povoação todos os homens suspeitosos, e nela criados com os abusos do miserável tempo, em que as leis, e as doutrinas seguidas, eram as da oficina infernal dos malvados jesuítas[4]. (...) O jesuíta Pedro de Vasconcelos, que se correspondia com o outro jesuíta Manoel Ribeiro em Buenos Aires[5], deve ser conservado em estreita prisão, e segredo na Ilha das Cobras, onde estará até nova ordem de S. Majestade. As três freiras do Convento de Nossa Senhora da Ajuda, também correspondentes do tal Manoel Ribeiro, devem ser degredadas[6] e transportadas para outros conventos da Bahia, logo que as mais diligências forem feitas. O outro correspondente Joseph Lucio, que está recluso no Convento dos Bentos, deve ser logo transferido ... para outro cárcere na Ilha das Cobras, e nele guardado em segredo, sem comunicação alguma. ... Tratando-se, como nesse caso se trata, de crimes de Lesa Majestade; não têm nesses crimes imunidade alguma os eclesiásticos, como aqui se tem assentado pelos homens mais doutos deste Reino; porque a causa, e a saúde pública constituem lei suprema, e superior a todos os privilégios da tal imunidade. ... Deus guarde a V. Ex.ª Palácio de Nossa Senhora da Ajuda[7] a 23 de julho de 1766. Francisco Xavier de Mendonça Furtado[8].”

 

[1]CUNHA, D. ANTÔNIO ÁLVARES (1700-1791): 1º conde da Cunha, filho de d. Pedro Álvares da Cunha, oficial mor da Casa Real, e d. Inês de Melo e Ataíde. Foi capitão general de Mazagão e governador de Angola. Tornou-se o primeiro vice-rei a governar a partir do Rio de Janeiro, transformado na nova sede da administração colonial por Pombal, em 1763. Na nova função, promoveu a fortificação da cidade, ordenou o levantamento topográfico de toda a capitania, além da instalação dos arsenais da Marinha e do Exército. Em 1767, quando foi substituído pelo conde de Azambuja, regressou a Portugal, sendo nomeado conselheiro da guerra e presidente do Conselho Ultramarino. O título de conde foi-lhe concedido por d. José I, em 1760, em reconhecimento aos seus relevantes serviços, bem como pela atuação de seu tio, o diplomata d. Luís da Cunha.

[2]JOSÉ I, D. (1714-1777): sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro.

[3]COLÔNIA DO SACRAMENTO: a fundação da colônia portuguesa de Santíssimo Sacramento, em 1680, na região próxima de Buenos Aires, do outro lado do rio da Prata, desencadeou uma série de conflitos entre Espanha e Portugal, sendo assim objeto de vários tratados e acordos de limites territoriais dessas monarquias entre 1681 e 1777. Sacramento foi sitiada pelos espanhóis em quatro ocasiões: 1704 a 1705, 1735 a 1737, em 1761 e 1772 a 1777. A fronteira meridional da América portuguesa esteve em aberto até o século XIX, o que revela uma trajetória luso-espanhola de disputas por expansão territorial, envolvendo também os grupos sociais ali presentes. As relações interétnicas na região do rio da Prata também sinalizam confrontos e alianças das forças colonizadoras com populações indígenas. As experiências de evangelização e assimilação da cultura cristã por meio dos aldeamentos missionários [ver missões] expressam outro elemento dos enfrentamentos. Ainda no contexto do extenso conflito de restauração e tratado de paz entre Portugal e Espanha, d. Pedro, príncipe regente português, determinou, em 1680, que Manuel Lobo estabelecesse a colônia de Santíssimo Sacramento na região americana do rio da Prata. Diante da Igreja, a diplomacia portuguesa articulou a criação da diocese do Rio de Janeiro, em 1676, com jurisdição até o Prata. No primeiro momento, o empreendimento conduzido por Manuel Lobo, durou apenas meses, tomado por ataques espanhóis coordenados pelo governador de Buenos Aires. Entre 1683 e 1705, sob tutela do governo do Rio de Janeiro, a Colônia do Sacramento recebeu homens e mulheres, incentivados pela Coroa portuguesa a promoverem a sua povoação. Contudo, o referido período se encerra com a tomada do posto avançado de domínio lusitano nessa extremidade, derrotado por um exército hispano-guarani. Na primeira metade do século XVIII, as campanhas portuguesas de recrutamento para a defesa de Sacramento foram recorrentes e, às vezes, compulsórias. O tratado de paz luso-espanhol de Utrecht, em 1715, devolveu a Colônia de Sacramento aos portugueses. Em 1722, António Pedro Vasconcelos assumiu o cargo de governador da Colônia do Sacramento, função que exerceu até 1749, e, a despeito das denúncias e das investigações envolvendo o seu governo, esse foi um período de expansão e desenvolvimento de Sacramento. No comando de Vasconcelos, aconteceram intensas relações comerciais entre agentes sociais luso-espanhóis naquela região, o que também revela uma dinâmica local de autoridade e poder para além das posições antagônicas de Portugal e Espanha. O Tratado de Madri, em 1750, estabeleceu a troca da Colônia do Sacramento, domínio português, por Sete Povos, possessão espanhola. No acordo foi prevista a transferência dos índios Guarani de Sete Povos para outro território espanhol, incluindo a cooperação entre forças colonizadoras contra a resistência dos indígenas. Em 1777, no tratado de Santo Ildefonso, Portugal cede Sacramento e Sete Povos aos espanhóis.

[4]JESUÍTAS: ordem religiosa fundada em 1540 por Inácio de Loyola e marcada por severa disciplina, profunda devoção religiosa e intensa lealdade à Igreja e à Ordem. Criada para combater principalmente o protestantismo, sua fundação respondeu à necessidade de renovação das ordens regulares surgida das determinações do Concílio de Trento (1545-1563). A instalação da Companhia de Jesus em Portugal e nos seus domínios ultramarinos deu-se ainda no século XVI. O primeiro grupo de missionários jesuítas chegou ao Brasil em 1549, na comitiva de Tomé de Souza. Seus membros eram conhecidos como ‘soldados de Cristo’, dadas as suas características missionárias. Responsáveis pela catequese, coube também, aos jesuítas, a transmissão da cultura portuguesa nas possessões americanas por meio do ensino, que monopolizaram até meados do século XVIII. Fundaram, por todo território colonial, missões religiosas e aldeamentos indígenas de caráter civilizador e evangelizador. Em fins do século XVII, o modelo missionário já estava bem consolidado, difundido por quase toda a América, e os jesuítas acumulando grande poder. Os primeiros jesuítas a chegar ao Maranhão, em 1615, foram os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes, detentores de uma posição privilegiada na região, tanto na evangelização e defesa dos índios, quanto no monopólio do comércio e armazenamento das drogas. São de religiosos da Companhia de Jesus relatos sobre os primeiros séculos da colonização. O padre italiano João Antonio Andreoni (André João Antonil) publicou em 1711 Cultura e opulência no Brasil. História da Companhia de Jesus no Brasil escrito por Serafim Leite, os dois volumes de Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas (1722-1776) do padre João Daniel, Tratados da terra e gentes do Brasil de Fernão Cardim e os numerosos sermões e cartas da Antonio Vieira são testemunhos importantes e reveladores do Brasil colonial. Os jesuítas também foram os responsáveis por espalhar a língua dos Tupinambá, chamada língua geral (nheengatu), largamente falada no Brasil até meados do século XVIII. O grande poderio e influência dos jesuítas na América portuguesa foram contestados durante a administração pombalina (1750-1777), gerando um conflito de interesses entre a Companhia de Jesus e o governo, que culminou com a expulsão dos membros dessa ordem religiosa em 1759. Cabe ressaltar que a decisão de expulsar os jesuítas de Portugal e de seus domínios, tomada pelo marquês de Pombal, não buscava reduzir o papel da Igreja, mas derivava da intenção de secularizar a educação, dentro dos moldes ilustrados.

[5]BUENOS AIRES: fundada em 1536 pelo colonizador Pedro de Mendoza, foi chamada inicialmente de Santa María del Buen Ayre. A região foi intensamente disputada por brancos e índios e, como consequência desses conflitos, a primeira vila acabou destruída. Apenas em 1580, a Espanha conseguiu enviar novas tropas que, sob o comando de d. Juan de Garay, reconstruíram a Ciudad de la Santísima Trinidad y Puerto de Santa María del Buen Ayre, com 76 colonos e 200 famílias guaranis, em um local próximo onde hoje fica Mendoza. Desde sua criação, a cidade sofreu tentativas de invasão de corsários, piratas e aventureiros ingleses, franceses e dinamarqueses. A escassez de metais preciosos na região propiciou o desenvolvimento da pecuária bovina. O porto de Buenos Aires tornou-se um dos mais importantes do estuário do rio da Prata, favorecendo sua elevação à capital do vice-reino do Rio do Prata em 1776. A cidade viveu um exponencial progresso entre 1780 e 1800, recebendo além de uma forte imigração, fundamentalmente de espanhóis, e em menor medida de franceses e italianos; e se povoou fundamentalmente de comerciantes e alguns donos de terras estanqueiros. Em 1816, no Congresso de Tucumán, foi declarada a independência do vice-reinado em relação à Espanha, elaborada a constituição, três anos depois, e declarada a província de Buenos Aires como capital. Deu-se início a uma série de reformas em que se destacam a criação do Arquivo Geral de Buenos Aires, da Bolsa Mercantil, da Universidade de Buenos Aires e da Sociedade de Ciências Físicas e Matemáticas.

[6]DEGREDO: punição prevista no corpo de leis português, o degredo era aplicado a pessoas condenadas aos mais diversos tipos de crimes pelos tribunais da Coroa ou da Inquisição. Tratava-se do envio dos infratores para as colônias ou para as galés, onde cumpririam a sentença determinada. Os menores delitos, como pequenos furtos e blasfêmias, geravam uma pena de 3 a 10 anos, e os maiores, que envolviam lesa-majestade, sodomia, falso misticismo, fabricação de moeda falsa, entre outros, eram definidos pela perpetuidade, com pena de morte se o criminoso voltasse ao país de origem. Além do aspecto jurídico, em um momento de dificuldades financeiras para Portugal, degredar criminosos, hereges e perturbadores da ordem social adquiriu funções variadas além da simples punição. Expulsá-los para as “terras de além-mar” mantinha o controle social em Portugal e, em alguns casos também, em suas colônias mais prósperas, contribuindo para o povoamento das fronteiras portuguesas e das possessões coloniais, além de aliviar a administração real com a manutenção prisional. Constituindo-se uma das formas encontradas pelas autoridades para livrar o reino de súditos indesejáveis, entre os degredados figuraram marginais, vadios, prostitutas e aqueles que se rebelassem contra a Coroa. Considerada uma das mais severas penas, o degredo só estava abaixo da pena de morte, servindo como pena alternativa designada pelo termo “morra por ello” (morra por isso). Porém o degredo também assumia este caráter de “morte civil” já que a única forma de assumir novamente alguma visibilidade social, ou voltar ao seu país, era obtendo o perdão do rei.

[7]PALÁCIO REAL DA AJUDA: foi construído em Lisboa, no século XVIII, em função da destruição do Paço da Ribeira, então sede do governo, causada pelo terremoto de 1755, durante o reinado de d. José I. O Palácio da Ajuda foi edificado em madeira para melhor resistir aos abalos sísmicos e serviu residência oficial da monarquia portuguesa durante cerca de três décadas. Durante seu governo, marquês de Pombal mandou construir à volta do palácio o primeiro jardim botânico de Portugal. Em 1794, um incêndio destruiu por completo a habitação real e outro palácio em pedra e cal foi projetado. A construção do novo palácio se estendeu por mais de sessenta anos, durante os quais o palácio ora serviu de residência real (quando monarcas escolhiam alas já habitáveis do palácio como moradia), ora assumia plano secundário. As obras na estrutura do edifício foram concluídas em 1861, durante o reinado de d. Luís I.

[8] FURTADO, FRANCISCO XAVIER DE MENDONÇA (1700-1769): nascido em Lisboa, o irmão do marquês de Pombal ingressou na Marinha em 1735 e concluiu os serviços em 1751, como capitão de mar e guerra. Neste mesmo ano, fora indicado para ocupar o governo do Estado do Grão-Pará e Maranhão. O território brasileiro não lhe era estranho — durante o período em que esteve em serviço participou de algumas missões na colônia, que lhe possibilitaram experiência em defesas das fronteiras e conhecimento que contaram para sua indicação ao posto de governador do Estado, pelo irmão, então primeiro-ministro de d. José I. Foi, portanto, o braço do governo pombalino nas capitanias do norte, responsável pela demarcação dos limites estabelecidos no Tratado de Madri de 1750 entre Portugal e Espanha; pela criação de vilas; por incentivar o povoamento, criando, em 1755, a capitania do Rio Negro; por resolver as questões relativas aos indígenas e à mão de obra, introduzindo escravos africanos; pelo incentivo à agricultura, à coleta das drogas do sertão e pelo maior controle do comércio entre metrópole e colônia, visando a evitar o contrabando, além de ter sido o criador da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. Considerado por Furtado o maior problema do Estado, a presença e controle que os religiosos, sobretudo jesuítas, detinham na esfera religiosa e temporal, mereceram bastante atenção e ação enérgica do governador. Seguindo orientação da Coroa, foi o responsável por uma nova política em relação aos índios, promulgando uma série de leis e alvarás que lhes concedia liberdade e reconhecimento como vassalos do rei, e abolindo o domínio religioso sobre as missões e aldeamentos. Essas medidas culminaram na publicação, em 1757, do Diretório dos índios, conjunto de normas para civilização e integração dos indígenas na sociedade e no sistema colonial português. Essas medidas levaram paulatinamente, à expulsão dos jesuítas em 1759, e à introdução de escravos africanos nos territórios do norte. Furtado também cuidou da demarcação e defesa dos limites do Estado, depois de longa viagem descendo o rio Amazonas, que renderam um Diário de Viagem e conhecimento precioso das capitanias, que lhe possibilitaram tomar medidas necessárias para o melhor povoamento e fortificação das áreas mais estratégicas. Regressou a Lisboa em 1759 e três anos depois foi nomeado secretário de Estado da Marinha e Negócios Ultramarinos, cargo que exerceu até 1769, quando faleceu.

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático sobre “História das representações e das relações de poder”
- Ao trabalhar o tema transversal “Ética”

Ao tratar dos seguintes conteúdos:
- O Homem e a Cultura 
- A sociedade colonial: aspectos religiosos e culturais  
- As relações sociais de poder na colônia
- Brasil colonial: organizações religiosas
- A influência religiosa no Brasil colonial 
- A ilustração no Brasil: a expulsão jesuítica causas e conseqüências

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