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Festas Coloniais

O nascimento da princesa

Escrito por Super User | Publicado: Sexta, 26 de Janeiro de 2018, 18h07 | Última atualização em Sexta, 23 de Junho de 2023, 15h49

Carta enviada a Thomaz Antonio Villanova Portugal sobre os festejos que ocorreram nos dias de São João e São Pedro, em virtude do nascimento da princesa da Beira. Conta que no dia 24, depois de se ter louvado a Deus, ocorreram cavalhadas sérias, borlescas, bailes, danças, comédias que se repetiram no dia de “São Pedro”. O documento apresenta de que maneira a tradição cristã e a cultura popular misturavam-se nos festejos coloniais. 

 

Conjunto documental: Ministério dos Negócios do Brasil, Ministério dos Negócios do Reino, Ministério dos Negócios do Reino e Estrangeiros, Ministério dos Negócios do Império e Estrangeiros. Negócios Eclesiásticos.

Notação: 6J-82

Datas – limite: 1812-1821

Título do fundo: Diversos GIFI

Código do fundo: OI

Argumento de pesquisa: Festas oficiais

Data do documento: 5 de julho de 1819.

Local: Campamento da Real Bragança

Folha (s): 295

 

“Em cumprimento da ordem, que me foi intimada, passo a relatar pelo modo que me é possível o festejo[1], que a Coluna tributou ao Nome de S. Majestade[2], e do Sereníssimo Senhor Príncipe Real[3] nos dias 24 e 29 de junho do corrente ano.

(...) Com efeito na noite do dia 23 que principiavam os festejos, o Campo de Milícias do Rio Pardo havendo acendido uma regular iluminação, concorreram a ela de todas as pessoas de diferentes classes, onde a diversidade de fogos, que haviam preparado (...) se não o mais rico espetáculo a vista, ao menos o mais afetuoso ao objeto adorável de todas as oblações, respeito. O Ex.mo.  tenente general tendo aqui assistido e concluído este ato de júbilo, se dirigiu a Praça dando pela Legião de São Paulo foram oferecidas várias contra-danças, e cavalhadas[4] burlescas, que aos repetidos estrondos das Salsas publicaram a maior satisfação e prazer. Toda via o dia 24 o mais lindo, que tem raiado neste horizonte fez o cúmulo do geral, e perfeito contentamento. Ás 9 horas do dia se celebrou missa cantada, seguida de uma oração que bem desempenhou o caráter virtuoso do nosso Amabilíssimo Soberano. Neste mesmo dia as duas horas da tarde uma Companhia de Caçadores da Divisão de Voluntários Reais d’El Rei (...) executaram todas aquelas delicadas manobras, que se deviam esperar de tropa tão disciplinada; diferentes formas de combate tanto na ordem unida, como estendida ali se viram executar com satisfação de todos os militares (...)

Ao serrar da noite nosso espetáculo aparece ascendendo outra vez o mesmo júbilo, um teatro[5] ataviado se não com mais rico aparato pelo menos com os enfeites de mimoso gosto e elegante perspetiva (?) (...) nele se pôs em cena o ato de Taciel, se bem que impróprio de um dia de tanta gala; porém único achado neste Campo e desempenhado por indivíduos do Regimento dos Dragões (...)

O dia 29 de junho o nome de S. Alteza o Sereníssimo Senhor Príncipe Real D. Pedro influindo igualmente o ânimo de toda a tropa, e vassalos de tão Augusto Senhor induziu a repetição da peça de Taciel, que então melhor ensaiada apareceu em cena com todo esplendor das preciosas idéias do deu compositor admirável (...)

É de minha grande obrigação confessar que o tenente general comandante com o seu admirável exemplo cooperou com maior desvelo e incansável atividade para o arranjamento de tal execução. Sua autoridade acompanhada dos sobrantes desejos que manifestou abriu todas as portas às maiores dificuldades.

Campamento da Real Bragança 4 d’julho de 1819.

O Ten.Cor.el. Manuel Carneiro da Silva e (ilegível)

Ajud.e  de Ordens d

 

[1] FESTEJOS COLONIAIS: no primeiro século da colonização, as festividades seguiam os rituais religiosos do calendário cristão e movimentavam toda a população, caracterizando-se por uma europeização dos costumes nas terras americanas. Ocupando posição de destaque na sociedade, as festas integravam diferentes estratos sociais, etnias e religiosidades no Brasil colonial. De uma maneira geral, as festas dividiam-se entre as religiosas e as públicas: as religiosas dedicavam-se ao culto a Jesus Cristo (nascimento, morte e ressurreição) e aos santos padroeiros e mártires, sendo promovidas pelas igrejas e irmandades; já as públicas eram organizadas pelas autoridades portuguesas e coloniais, celebrando, sobretudo, a coroação de reis, batismos e casamentos dos membros da família real. Tais festejos podem ser vistos como um modo de consolidar os vínculos coloniais, fortalecendo a monarquia e sua burocracia. Eram também uma forma de introjetar a cultura católica no seio de uma sociedade mestiça, disseminando as práticas e costumes brancos, estimulando a devoção popular. O poder exercido através das festas acontecia em tal grau, que a recusa em participar destes eventos poderia resultar em acusações de heresias ou subversões, coagindo a participação efetiva de todos os membros da comunidade. As festividades, religiosas e públicas, serviam também como momento da manifestação de rebeldia e protesto contra os poderosos. No entanto, dentro deste espaço delimitado, possibilitava a manutenção da ordem colonial. Aos poucos, as festividades foram abrindo espaço para o lúdico e o profano, seduzindo cada vez mais os colonos. Entre as principais manifestações, estavam as festas do calendário religioso (abarcando cerca de um terço do ano), as congadas negras e as cavalhadas dos brancos luso-brasileiros (representação da rivalidade entre mouros e cristãos).

[2] JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[3]PEDRO I, D. (1798-1834): batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas? núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[4] FESTA JUNINA: tem origem em rituais de origem pagã, ocorridos no hemisfério norte durante o solstício de verão, que pediam fartura nas colheitas. Foram incorporados, por volta do século X, pela Igreja Católica, em homenagem aos santos Antônio, João e Pedro (comemorados, respectivamente, nos dias 13, 24 e 29 de junho). Estas festas foram gradativamente se popularizando e sua elaboração contava com farta comida, fogueiras – conforme a tradição indicando o nascimento de São João – danças típicas e folguedos, entre os quais o pau-de-sebo, o quebra-pote e a trança fita. No Brasil, costumes indígenas foram incorporados pelas festas trazidas pelos portugueses, o que explica as festas tanto celebrarem santos católicos, como oferecerem uma variedade de pratos feitos com alimentos típicos dos nativos.

[5] CAVALHADAS: folguedo popular que envolvia uma espécie de justa ou torneio, do qual participavam os fazendeiros que faziam desfilar animais ricamente enfeitados. A cavalhada apresentava um tema religioso cuja finalidade era transmitir a lição cristã de que o bem vence o mal. Para tanto, dispunha de duas partes: uma encenação teatral e a brincadeira. Na primeira parte, era encenado o confronto entre o bem e o mal, representados, respectivamente, pelos cristãos e pelos mouros, tendo como figura central o rei cristão Carlos Magno. Para enfatizar essa eterna luta, os cristãos vestiam-se de azul, simbolizando o céu, enquanto os mouros vestiam-se de vermelho, simbolizando o inferno. A segunda parte compunha-se de jogos, nos quais os participantes deveriam mostrar sua perícia como cavaleiros. O principal jogo era o da argolinha, que exigia velocidade e destreza dos participantes e resultava na conquista de uma argolinha de ouro, prenda oferecida à namorada, noiva ou esposa.

[6] TEATRO: o teatro teve sua origem na Grécia antiga, decorrente das manifestações em louvor a Dionísio, o deus do vinho. Com o advento do Império romano, o teatro espalhou-se pelo mundo. A despeito das diversas épocas que atravessou e dos variados estilos que desenvolveu, tornou-se um relevante veículo de divulgação de ideias, fossem elas religiosas ou políticas. Na América portuguesa, o teatro foi introduzido pelos primeiros colonos e, desde o início, representou mais do que arte e entretenimento. Utilizado como um instrumento de auxílio para os jesuítas na conversão dos infiéis, assumiu um viés mais pedagógico, para ensinar aos pagãos algumas noções da moral cristã, como pecado e arrependimento. Dessa forma, atuou como veículo de pregação e convencimento na catequese dos índios. O Auto de Santiago (1564), escrito pelo padre jesuíta José de Anchieta (1534-1597), é considerado a primeira peça apresentada no Brasil. Ao longo do século XVII, a temática religiosa permaneceu, mas de uma outra forma. Segundo Rogério Burasz (2008), nesse período, a liturgia católica barroca tinha uma natureza dramática, uma forma quase teatral de devoção, caracterizada por festas, procissões, músicas e encenações. Na falta do espaço físico do teatro, as igrejas cumpriam esse papel e o público-alvo já não era primariamente o índio, mas toda a população. Para as procissões e autos, que ganhavam as ruas e contavam com grande participação popular, foram criados cenários móveis, marionetes, elementos cênicos e as famosas estátuas de roca – imagens sacras de madeira, vestidas com trajes de tecido. Ao lado das manifestações religiosas, temas ligados a festas populares e acontecimentos políticos começam a emergir, como exemplo, as comédias apresentadas nos eventos de aclamação a d. João IV, em 1641. As ruas das cidades e vilas tornam-se locais para representações de comédias e tragédias, geralmente encenadas em tablados ou palcos improvisados ao ar livre. Só na segunda metade do século XVIII, as primeiras casas da ópera seriam abertas no Rio de Janeiro, São Paulo, Ouro Preto, Belém, Salvador e em outros centros urbanos. Numa tentativa de conferir certo grau de civilização e modernidade à colônia portuguesa, essas casas de espetáculos exibiam as novas tendências teatrais que vinham de Portugal, com a introdução da ópera italiana, com repertórios, basicamente, importados da Europa. Em suas Memórias da rua do Ouvidor, Joaquim Manoel de Macedo diria das óperas: “Talvez que alguns pensem que a lamentável falta de bom teatro dramático seja de pouca importância. Possivelmente assim não é. No teatro, pode-se tomar o pulso à civilização e à capacidade moral do povo de um país”. Tanto no século XVIII quanto no XIX – quando a vinda da família real representou um estímulo à construção de novos teatros no Brasil – além de local de entretenimento, essas casas serviam como novos espaços de sociabilidade, criando oportunidades de interação social, anteriormente circunscritas, sobretudo, à igreja. Os teatros ganham importância, levando a uma maior profissionalização das companhias dramáticas, destaque para aquela dirigida por João Caetano. Os divertimentos públicos se intensificariam durante o período joanino, e os espetáculos teatrais faziam parte da nova sociabilidade cortesã.

Sugestões de uso em sala de aula:

Utilização(ões) possível(is):

- O trabalhar o tema transversal “pluralidade cultural”
- No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”
 

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- O Homem e a Cultura
- A sociedade colonial: movimentos religiosos e culturais
- Brasil colonial: religião e sociedade

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