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Provisão de d.José I

Escrito por Super User | Publicado: Quinta, 21 de Junho de 2018, 17h22 | Última atualização em Sexta, 30 de Abril de 2021, 17h37

Registro de uma provisão de d. José I, comunicando ao chanceler da Relação da Bahia que estabeleceu uma lei ordenando aos ciganos viverem “civilmente” no Estado do Brasil. Uma cópia impressa, assinada pelo secretário do Conselho Ultramarino, foi enviada aos governadores para ser publicada em todas as cidades e vilas. Este documento deixa transparecer um esforço oficial para enquadrar os ciganos enquanto grupo e dessa forma garantir a ordem pública.

 

Conjunto documental: Registro de provisões, alvarás, leis, portarias e cartas régias da Relação da Bahia
Notação: códice 542, vol. 02
Datas - limite: 1759-1791
Título do fundo ou coleção: Relação da Bahia
Código do fundo: 83
Argumento de pesquisa: população, ciganos
Data do documento: 3 de julho de 1761
Local: s.l.
Folha(s): 36 e 36v

 

 

“Registro de uma Provisão, e um Alvará de Lei impresso de Sua Majestade, pelos quais se determina a Ordem com que devem viver civilmente os ciganos no Estado do Brasil.

 

Dom José[1] por Graça de Deus Rei de Portugal sinal público. Faço saber a vós Chanceler[2]  da Relação da Bahia[3] , que sendo-me presente a desordem com que vivem no Estado do Brasil os ciganos[4]: Fui servido estabelecer uma Lei que foi publicada na Chancelaria-mor do Reino a 24 de Janeiro do presente ano, pela qual ordeno a forma porque devem ser constrangidos a viver civilmente e dela mando remeter transuntos impressos, e assinados pelo Secretário do Conselho Ultramarino[5]  a todas as Relações, Governadores, Ouvidores[6], e Câmaras do dito Estado para ser publicada em todas as Cidades, e Vilas dele, e Registrada nos Livros dos Registros das ditas Relações, Governos, Ouvidorias, e Câmaras, o que assim cumprires pelo que vos toca. El Rei Nosso Senhor o mandou (...) Lisboa 8 de fevereiro de 1761. O Secretário Joaquim Miguel Lopes de Lavre a fez escrever. Alexandre Metello de Souza e Menezes. Francisco Xavier de Assis Pacheco e Sampaio. Foi cumprida pelo Chanceler, e Governador em 3 de julho do mesmo ano de 1761.”

 

[1] JOSÉ I, D. (1714-1777): sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro.

[2] CHANCELER: guarda-selos. Funcionário do governo encarregado de chancelar documentos ou diplomas tornando-os autênticos. Era o magistrado responsável pela guarda do selo real.

[3] BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

[4] CIGANOS: ciganos ou romas designam as populações que migraram do norte da Índia entre os séculos VIII e X para a Europa ocidental. Em 1971 os integrantes desses diferentes grupos se autodefiniram como Roma, uma escolha que partiu da língua derivada do sânscrito, o romani e ainda pela rejeição ao termo ciganos, tido como pejorativo, embora o termo continua definindo todos os romani (Lydie Fournier. L'autonomie, nouvelle utopie? Qui sont les Roms? Mensuel, n° 220, novembre 2010.). A história dos Roma na Europa e especialmente em Portugal e seus domínios na época moderna é marcada pela perseguição ao grupo e pelas diversas medidas para tomadas contra os ciganos (ou egipcianos, gicianos e outras derivações), entre elas o degredo, o que trouxe esse grupo para a África e para a América portuguesa. O grupo foi estigmatizado, objeto de preconceito e de curiosidade, tendo conservado uma cultura e um modo de vida que destoava das sociedades para onde se dirigiram. Desse modo a tradição itinerante, a língua, a leitura do destino, a feitiçaria ou mesmo pequenos furtos e o esmolar sem permissão predominavam entre as razões listadas para a política de degredo adotada pela Coroa portuguesa, como escreve Elisa Maria Lopes da Costa (Contributos ciganos para o povoamento do Brasil - séculos XVI-XIX. Arquipélago. História. 2ª série, IX, 2005). A autora destaca que o degredo de ciganos cumpria algumas demandas, expulsando os indesejáveis da metrópole e povoando a colônia, quando se estimulava o casamento entre ciganos e indígenas. Em 1592 uma lei condenava os ciganos à pena de morte se não cumprissem as medidas integradoras, lei renovada em 1694. No início do século XVIII mais uma lei enviava mulheres ao Brasil e homens às galés se insistissem em viver de acordo com sua cultura e hábitos. No ambiente ilustrado da segunda metade do século XVIII, um registro de provisão de d. José, de 3 de julho de 1761 comunicava ao chanceler da Relação da Bahia o estabelecimento de uma lei ordenando aos ciganos viverem “civilmente” no Estado do Brasil. As autoridades coloniais não cessaram de acusar os ciganos ao longo do Setecentos por uma série de infrações, muitas envolvendo africanos escravizados e mesmo em Portugal esses grupos permaneceram na agenda policial. No início do século XIX, principalmente a partir de 1808, aumentam as ocorrências contra os ciganos por roubo, tráfico ou revenda de escravos, atividades descritas por viajantes e registradas pela Intendência de Polícia da Corte no Rio de Janeiro. No século XX a população cigana na Europa foi atingida pela perseguição e eliminação promovidas pelo regime nazista. Avalia-se que foram assassinados 25% dos Roma europeus.

[5] CONSELHO ULTRAMARINO: criado em 1642, à semelhança do Conselho da Índia que atuara durante a União Ibérica, tinha como objetivo padronizar a administração colonial. Sua alçada incluía os Estados do Brasil, Índia, Guiné, São Tomé, e outras partes da África, provendo os cargos relacionados à administração colonial. Responsabilizava-se pelas finanças das possessões portuguesas, a defesa militar das mesmas, a aplicação de justiça. Desde a cobrança de impostos, até o tráfico de escravos, passando pela emissão de documentos e as ações de defesa territorial, pouco acontecia nas colônias que não tivesse que passar pelo conselho, que tinha prerrogativas de fiscalização e também executivas. O processo decisório no âmbito do conselho e a efetivação das suas decisões transcorriam de forma lenta, devido à necessidade de informes e contra-informes em variadas instâncias, somadas às distâncias abissais entre as várias localidades do império colonial português. Já no período do marquês de Pombal, o conselho entrou em declínio, e suas atribuições foram pouco a pouco assumidas por outras secretarias de Estado, que administravam de forma mais ágil por dispensarem as várias instâncias de comunicação e decisão.

[6] OUVIDOR: o cargo de ouvidor foi instituído no Brasil em 1534, como a principal instância de aplicação da justiça, atuando nas causas cíveis e criminais, bem como na eleição dos juízes e oficiais de justiça (meirinhos). Até 1548, a função de justiça, entendida em termos amplos, de fazer cumprir as leis, de proteger os direitos e julgar, era exclusiva dos donatários e dos ouvidores por eles nomeados. Neste ano foi instituído o governo-geral e criado o cargo de ouvidor-geral, limitando-se o poder dos donatários, sobretudo em casos de condenação à morte, entre outros crimes, e autorizando a entrada da Coroa na administração particular, observando o cumprimento da legislação e inibindo abusos. Cada capitania possuía um ouvidor, que julgava recursos das decisões dos juízes ordinários, entre outras ações. O ouvidor-geral, por sua vez, julgava apelações dos ouvidores e representava a autoridade máxima da justiça na colônia. Sua nomeação era da responsabilidade do rei, com a exigência de que o nomeado fosse letrado. Dentre as suas muitas atribuições, cabia-lhe informar ao rei do funcionamento das câmaras e, caso fosse necessário, tomar qualquer providência de acordo com o parecer do governador-geral. Ao longo do período colonial, o cargo de ouvidor sofreu uma série de especializações em função das necessidades administrativas coloniais. Dentre os cargos instituídos a partir de então, podemos citar o de ouvidor-geral das causas cíveis e crimes em 1609 (quando da criação da Relação do Brasil, depois desmembrada em Relação da Bahia e do Rio de Janeiro); o de ouvidor-geral do Maranhão em 1619, quando há a criação do Estado do Maranhão; e o de ouvidor-geral do sul em 1608, quando foi criada a Repartição do Sul.

 

Sugestões de uso em sala de aula:

- No tema transversal pluralidade cultural
- No eixo temático “História das relações sociais da cultura e do trabalho”
- No eixo temático “História das representações e das relações de poder”
 
Ao tratar dos seguintes temas:

- A sociedade colonial: hierarquias, resistências e culturas
- Práticas e costumes no Brasil colonial
- Administração colonial: atividade policial e repressão
- O trabalho no Brasil colonial

         

 

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