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Vida Privada

Inventário de Manoel da Rocha Vieira

Escrito por Super User | Publicado: Quarta, 31 de Janeiro de 2018, 19h38 | Última atualização em Sexta, 23 de Abril de 2021, 03h46

 A descrição detalhada das casas, de escravos com seus locais de origem, idade, profissão e preço, de utensílios em madeira, ouro, prata, cobre e latão são alguns exemplos do que encontramos nos inventários, fonte de pesquisa que permite a observação de um momento da vida material e cotidiana dos indivíduos.

 

Conjunto documental: Manuel da Rocha Vieira
Notação: maço 308, proc. 5622
Data-limite: 1800-1800
Título do fundo: Inventários
Código do fundo: 3J
Argumento de pesquisa: inventários
Data do documento: 30 de julho de 1800
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -

"Casas
Uma morada de casas na rua dos Barbonos fazendo canto para a rua das Mangueiras cuja as benfeitorias de um sítio na Lagoa de Rodrigo de Freitas[1] que são as seguintes:
Uma casa sic formada sobre esteios com paredes de pau a pique coberta de telha que tem de frente trinta e seis palmos e meio e fundos cinqüenta e três e meio avaliada em cento e vinte oito mil réis – 128$000
Quatro paredes e pelo outro lado outra senzala[2] e casa de fazer farinha, tudo coberto de sapê com paredes de pau a pique e esteios de madeira avaliada em quatro mil réis – 4$000
... pequenas estrebarias cobertas de sapê com paredes de pau a pique, esteios de madeira avaliados em nove mil e seiscentos réis – 9$600

Traste de Madeira
Um pequeno paiol[3] avaliada em dois mil réis – 2$000
Seis caixões que servem de despejo[4]  avaliadas em nove mil seiscentos réis – 9$600
Dois pilões avaliadas em mil e seiscentos réis – 1$600
Cinco gamelas[5]  de animais avaliadas  em mil e seiscentos réis – 1$600
Uma serra braçal velha avaliada em ....
Um arado velho e grande avaliada em mil e seiscentos  réis – 1$600
Uma frasqueira[6]   usada avaliada em quatrocentos e oitenta réis - $480
Um catre[7] de chão liso avaliada em mil e seiscentos réis – 1$600
Uma mesa de pés retocado avaliada em novecentos réis - $ 900
 
Ferramentas
Dezoito foices a cento e quarenta réis, importam em dois mil e quinhentos e sessenta réis – 2$560
Onze machados a trezentos e sessenta réis, importam em três mil novecentos e sessenta réis – 3$960
Uma balança avaliada em mil réis – 1$000
Três panelas que pesaram cinqüenta libras[8]  a sessenta réis, importam três mil réis – 3$000
Seis peças de ferramentas e uma balança que tudo pesou quarenta e uma libra a cem réis, importam em quatro mil réis – 4$000

Benfeitorias de Terras da Chácara na Lagoa Rodrigo de Freitas
Novecentos e sessenta e um pés de laranjeiras umas por outras a duzentos réis importam em cento e noventa e quatro mil e duzentos réis – 194$200
Trinta e oito pés de macieiras umas por outras a cento e sessenta réis, importam em seis mil e oitenta réis – 6$080
Seis mil pés de café[9]  uns por outro a cem réis importam em seiscentos mil réis – 600$000
Por todos os bananais que se acham na dita chácara cem mil réis – 100$000

Gado Vacum
Duas vacas a seis mil réis cada uma importam em doze mil réis – 12$000
Um touro avaliado em quatro mil réis – 4$000
Um cavalo castanho selado e sic avaliado em vinte mil réis – 20$000

Escravos[10]
Miguel Benguela[11] que pareceu ter sessenta anos de serviço de roça avaliado em duzentos e um mil réis – 201$000
Joana Rebola[12], mulher do dito que pareceu ter quarenta e cinco anos do dito serviço avaliada em setenta e seis mil e oitocentos – 76$800
Rita Crioula[13]  filha que pareceu ter vinte e cinco anos do dito serviço, avaliada em setenta e seis mil e oitocentos réis – 76$800
Agostinho Crioulo, irmão da dita que pareceu ter 16 anos do dito serviço avaliada em cento e dois mil e quatrocentos réis – 102$400
Francisca Crioula, irmã que pareceu ter doze anos do dito serviço e de casa avaliada em noventa mil réis – 90$000
Albano Crioulo, irmão que pareceu ter oito anos, avaliada em cinqüenta e um mil e duzentos réis – 51$200
Refina Crioula, irmã que pareceu ter cinco anos, avaliada em trinta e oito mil e quatrocentos réis – 38 $400
Valério Crioulo, irmão que pareceu ter dois anos e meio, avaliado em trinta e oito, digo, avaliado em vinte e cinco mil e seiscentos réis – 25$600
José Benguela que pareceu ter vinte e seis anos do dito serviço, avaliado em cento e quinze mil e duzentos réis – 115$200
Maria Benguela pareceu ter quarenta anos do dito serviço avaliada em noventa e seis mil e oitocentos réis – 96$800
Manoel Crioulo, filho da dita que parece ter quatorze anos do serviço de casa avaliado em cem mil réis – 100$000
Januário Pardo[14]  irmão que parece ter treze anos, avaliado em cento e quinze mil e duzentos réis – 115$200

Ouro
Um jogo de botões de ouro que pesam duas oitavas[15]  e nove grãos[16]  a mil e quatrocentos réis importam em dois mil oitocentos e oitenta réis – 2$880
Uma imagem da Conceição com uma volta de cordão tudo de ouro pesam seis oitavas e meia a mil quatrocentos réis importam em nove mil e cem réis – 9$100

Prata
Uma colher e um garfo já usados pesam vinte cinco oitavas a cem réis a oitava, importam em dois mil e quinhentos réis – 2$500
Um par de esporas com duas fivelas pesam um marco[17] e cinco oitavas e meia, importam em seis mil novecentos e cinqüentas réis – 6$950
Um par de fivelas de calção quadrada sic de prata pesam dez oitavas e meia, importam em mil e cinqüenta réis – 1$050
Uma boceta de tabaco pesam vinte oitavas a cem réis a oitava importam em dois mil réis – 2$000

Espingarda
Uma espingarda velha de coronha portuguesa avaliada em dois mil e quinhentos e sessenta réis – 2$560

Cobre
Um forno de torrar farinha na roça com vinte e oito libras a duzentos réis importam em cinco mil e seiscentos réis – 5$600

Latão
Uma espada da cavalaria avaliada em dois mil e oitocentos réis – 2$800
Um ferro de engomar avaliado em setecentos e vinte réis - $720
Uma palmatória[18]  de latão avaliada em duzentos e sessenta réis - $260
Um baú grande de folha avaliada em dois mil e quatrocentos réis – 2$400

E não se continha mais coisa alguma em as certidões de avaliações escritas pelos próprios e competentes avaliadores os quais se acham apensas do inventário que com o teor das mesmas fiz extrair a presente cópia bem e fielmente que pelo conferir, e em tudo achar conforme subscrevi, assinei e concertei nessa Cidade do Rio de Janeiro aos dez dias do mês de dezembro do ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos. Eu, José Joaquim da Silva. Escrivão."

 

[1] LAGOA RODRIGO DE FREITAS: localizada na atual zona sul da cidade do Rio de Janeiro, a lagoa Rodrigo de Freitas, no início da colonização, era conhecida como Sacopenapã, que significa "Lagoa do Sacó" (uma ave que se alimenta, preferencialmente, de peixes mortos). A região da lagoa, primeiramente ocupada pelos indígenas Tamoio foi conquistada pelos portugueses durante o governo de Antônio de Salema (1576-1577). Após a conquista, suas terras foram vendidas e transformadas em um engenho de cana-de-açúcar por volta de 1575, denominado Engenho Del Rei, que teve entre seus donos, no início do século XVIII, Rodrigo de Freitas. Também ali foi erguida, no início do século XVII, a capela de Nossa Senhora da Cabeça. Sob sua administração, foram comprados e instalados novos engenhos nos arredores, sendo estas terras batizadas com o seu nome. Depois de sua morte, a lagoa e o seu entorno ficaram praticamente abandonados, até que, em princípios do século XIX, o príncipe regente d. João desapropriou o engenho da lagoa que passou a ser a Fazenda Nacional da Lagoa Rodrigo de Freitas e construiu no local a Real Fábrica de Pólvora, fundando na mesma localidade um jardim para aclimatação de plantas exóticas, o Real Horto Botânico, área do atual Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

[2] SENZALA: alojamento destinado à moradia dos escravos de uma fazenda ou de uma casa senhorial. O termo senzala é originário da língua banto (ramo de vários idiomas da África centro ocidental) e popularizou-se no Brasil através destes povos, sobretudo a partir do final do século XVIII. As moradas dos cativos também eram chamadas pelos viajantes e pela população local de choça, cabana, choupana, palhoça e mocambo, sendo ainda denominadas simplesmente de “casa de negros”. Robert Slenes, em Na Senzala, uma flor (2011), distingue três tipos de moradia: as senzalas " pavilhão" , edifício único com pequenos recintos ou cubículos separados para os escravos solteiros e casados, as senzalas " barracão" , onde viveriam escravos e escravas solteiros em grandes recintos separados, e as senzalas " cabana" , onde viveriam escravos casados ou solteiros de um mesmo sexo. Havia também a senzala em quadra, isto é, edifícios contínuos erigidos em formato retangular e subdivididos em compartimentos ou cubículos, todos voltados para um terreiro ou pátio com entrada única guardada por um portão de ferro. No Brasil, as senzalas geralmente ficavam próximas da habitação da família proprietária, ao contrário de outros lugares das Américas. Essa proximidade permitia maior vigilância sobre os escravos, mas também abria caminho para que os diferentes grupos – brancos e negros – partilhassem alguns traços culturais e linguísticos. A senzala acabou por se tornar local de reconstrução, na medida do possível, de uma identidade partida, onde laços entre grupos oriundos de regiões e etnias diferentes acabavam se formando em consequência da convivência forçada.

[3] PAIOL: local de armazenamento para diferentes produtos. O paiol para guardar gêneros da lavoura era, em geral, coberto com sapé, com parede e assoalho de bambu, pau roliço ou ripa de madeira, com frestas que facilitavam a ventilação. Com frequência localizava-se junto à casa. Na arquitetura militar, o paiol consistia numa fortificação destinada ao armazenamento de explosivos e munições. No seu dicionário, Bluteau define paiol num navio como um local separado e fechado, onde se guarda pólvora em barris ou cartuxos, e onde não se entra sem ordem do capitão. As naus de guerra têm o paiol na popa e as naus mercantis o têm na proa. Bluteau também faz referência que os navios da Índia portavam paióis de pimenta. (Raphael Bluteau. Vocabulario Portuguez & Latino. 1728, v. 6. acesso http://dicionarios.bbm.usp.br/pt-br/dicionario/1/)

[4] DESPEJO: refere-se à prática de despejar os dejetos em locais fora dos domicílios. Devido à falta de esgotos sanitários, caixas feitas de madeira, em geral em forma de barril, eram utilizadas para o transporte e descarte desses materiais. Na maioria das vezes, o despejo era efetuado nas ruas, terrenos desocupados próximos às casas ou nas praias por um escravo designado para tal. O cheiro fétido e a sujeira provocada por este costume foram relatados nos livros de memória dos viajantes que visitaram o Brasil ao longo do período colonial.

[5] GAMELA: utensílio doméstico, presente na cultura material de povos indígenas e escravizados. Vasilha esculpida comumente em madeira macia retirada de árvores como a gameleira. A gamela pode ser redonda ou ovalada e é utilizada na alimentação das pessoas ou de animais de criação.

[6] FRASQUEIRA: há três interpretações de época para o termo “frasqueira”: uma caixa com divisões para acomodar frascos; lugar onde se guardam frascos e garrafas; e ainda, garrafas de vidro próprias para servir vinho na mesa.

[7] CATRE: uma cama de viagem dobrável de lona.

[8] LIBRA: unidade de medida de massa utilizada antes da adoção do sistema métrico, decretado em Portugal em 1852 e no Brasil em 1862, muito embora o uso das medidas ainda tenha demorado para ser plenamente substituído. Equivalia a um arrátel, no antigo sistema português de medidas, ou 459 gramas, ou a 16 onças.

[9] CAFÉ: planta de origem etíope da família das rubiáceas, começou a ser utilizada como bebida na Arábia. A expansão do consumo pela Europa deu-se entre os séculos XVII e XVIII, por suas qualidades estimulantes. Consta que sua introdução no Brasil, em 1727, foi feita pelo oficial português Francisco de Melo Palheta, que plantou as primeiras mudas no Pará. Ao longo do século XX, o café tornou-se uma bebida popular e seu consumo e produção se expandiram, principalmente a partir de 1865, quando passou a ser comercializado torrado e empacotado (anteriormente era vendido em grãos). Destacam-se no Brasil duas grandes fases de expansão cafeeira. A primeira, no início do Oitocentos até os anos 1850, teve início nas encostas do morro da Tijuca em plantações caseiras, até a expansão por todo o vale do rio Paraíba do Sul, a leste e oeste, com foco na região da cidade de Vassouras, o maior centro produtor da época. Nestas regiões, o café iniciou seu grande desenvolvimento pela abundância de terras férteis, pelo bom clima e pela mão de obra escrava disponível. Ocupou o lugar das plantações de cana, algodão e alimentos, gerando escassez e carestia dos gêneros de abastecimento, além de ter promovido a derrubada e queimada de grandes extensões da mata atlântica. A segunda fase, que se iniciou a partir de metade do século XIX, após a proibição do tráfico de escravos, foi marcada pela expansão das lavouras para São Paulo, seguindo o vale do Paraíba e avançando pelo oeste paulista, depois de 1870. A grande demanda de mão de obra promoveu um aumento no preço dos cativos e um despovoamento das áreas de produção de açúcar no Nordeste, sobretudo. As lavouras do café no Rio de Janeiro e de São Paulo gerou significativas divisas, e uma nova, poderosa e politicamente forte aristocracia rural, a dos “barões do café”. Embora lucrativo, o plantio do café desgastava muito rapidamente o solo, razão para a constante movimentação nas áreas de cultivo e declínio da produção na região fluminense. Outro problema era a carência do uso de novas técnicas e instrumentos. A adoção de ferramentas como o arado e de máquinas a vapor para o beneficiamento, e mesmo de procedimentos simples como o enfileiramento dos pés, só foram adotados a partir dos anos 1870. Essa era uma das razões para o café brasileiro ser considerado de qualidade inferior, se comparado ao de outros países, o que não impediu, no entanto, que, ao longo do período imperial, o Brasil fosse o responsável por 50% da produção mundial, número que aumentou para 75% nas primeiras décadas da República.

[10] ESCRAVOS [AFRICANOS]: pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

[11] BENGUELA: província situada ao sul de Angola. Face ao clima temperado, foram desenvolvidas nessa região, várias culturas de subsistência importantes, tais como as da banana, açúcar, milho, algodão, além de hortaliças e da pesca. Destacou-se como principal porto de embarque de escravos para a América portuguesa. A partir do século XVII, verifica-se no Rio de Janeiro uma entrada maciça de escravos provenientes dessa província africana, tornando os “benguelas” o maior grupo étnico na cidade.

[12] ESCRAVO DE NAÇÃO REBOLA: o termo “escravo de nação” não necessariamente indica a etnia ou nação ou a precisa procedência geográfica dos cativos africanos. Na maior parte das vezes indica o lugar de embarque ou de aprisionamento do negro africanos que foi escravizado. No caso dos escravos rebolos (ou rebolas), a procedência mais específica indica uma nação ou etnia da região do alto do rio Kwanza, na região norte de Angola. Os rebolas eram um grupo minoritário entre os que vieram para o Brasil e possivelmente embarcavam no porto de Luanda, mais próximo da região de captura, e não no de Benguela.

 

[13] CRIOULO: termo que designava os escravos nascidos no Brasil e, em alguns casos, os cativos originados de outras colônias portuguesas. De origem portuguesa, crioulo é derivado da palavra “crea”, como era escrita a palavra “cria”, ou seja, pessoas criadas na terra. Antonio Moraes Silva, em seu Diccionario da língua portugueza, publicado em 1813, registrou o termo crioulo empregado ao escravo que nascia em casa do senhor; significando também o animal, cria, que nascia “em nosso poder”. O sentido dado a “crioulo” era menos uma exclusividade do negro “nacional” do que um designativo social “de cor” aplicado aos descendentes de escravos, mas que também podia ser atribuído àqueles escravos vindos de uma parte da África. Nesse sentido, era usual o nome do escravo estar seguido do adjetivo “crioulo”, da nação a que pertencia ou do porto do qual fora embarcado para as terras americanas, a exemplo de João crioulo Angola.

[14] PARDO: um dos termos empregados para designar a cor dos escravos brasileiros. Grosso modo, era utilizado para descrever as pessoas cuja pigmentação da pele encontrava posição entre o branco e o negro, assim como os mulatos. Não raro o termo pardo aparecia em registros acompanhado de adjetivos como “pardo claro”, “pardo alvo”, “pardo trigueiro”, “pardo escuro”, “pardo disfarçado”, entre outros, quase sempre apontando para o distanciamento entre as categorias “preto” e “branco”. Considerados possuidores de “sangue impuro”, por serem fruto da mistura das etnias branca e negra, os pardos foram discriminados e perseguidos como os judeus, os mouros e os cristãos-novos. Ao longo do período colonial, sofreram várias tentativas de controle, dentre elas, a proibição de exercerem cargos nas câmaras municipais, de serem membros da Ordem de Cristo, ou mesmo de usarem roupas luxuosas. Tais restrições, entretanto, eram frequentemente ignoradas para aqueles que possuíam muitas riquezas ou eram considerados bem-sucedidos na sociedade.

[15] REFORMA DOS PESOS E MEDIDAS: com a unificação do território português surge a necessidade de padronização dos pesos e medidas no reino. Posteriormente, com a incorporação de novos territórios decorrente da expansão marítima e comercial, dos séculos XV e XVI, a preocupação com a uniformização dos pesos e medidas se estende a todo império ultramarino. A imprecisão das unidades de medidas usuais, que permitia fraudes, opunha-se à crescente importância de um sistema unificado e científico de pesos e medidas que facilitasse as transações comerciais, tanto no interior do império como entre as diferentes nações europeias. Apontando para uma tendência de uniformização dos pesos e medidas a nível mundial, em função do comércio e das trocas científicas, é adotado o “marco” em Portugal, medida de peso de uso corrente na Europa, por provisão, em outubro de 1488. Assim, observam-se diversas reformas e regramentos no sentido de estabelecer uma uniformização, e a partir do século XIX, a Academia Real das Ciências de Lisboa toma parte em algumas das comissões encarregadas das reformas. Ainda em 1812, é criada uma Comissão para o exame dos forais e melhoramentos da agricultura que, em conjunto com a Academia Real, propõe uma reforma baseada no modelo francês, mas que mantinha a terminologia portuguesa, de forma a atenuar a mudança. Finalmente, através de decreto de d. Maria II, em meados do século XIX, é implantado o sistema métrico decimal adotando a nomenclatura francesa. Até então, as unidades de medidas mais usadas em Portugal e, por conseguinte, no Brasil, eram: para comprimento, a légua (6.600 m), a braça (2,2 m), a vara (1,1 m) e o palmo (0,22 m); para peso, a arroba (≈15 kg), o marco (≈230 g), o arratel (≈460 g), a onça (28,691 g), o grão (50g) e a oitava (3,586 g). Já na pesagem do açúcar, utilizava-se o pão (63,4 Kg); o saco (75 Kg); o barril, a barrica e o tonel (120Kg); a caixa (300 Kg) e a tonelada (1000 Kg). Por fim, como medidas de volume, temos a cuia (1,1 l), a canada (2,662 l), o quartilho (0,665 l), o almude (31,944 l), o alqueire (36,4 l) e a pipa (485 l).

[16] GRÃOS: peso do valor de 50 gramas.

[17] Ver REFORMA DOS PESOS E MEDIDAS.

[18] PALMATÓRIA: pequena peça circular de madeira, não raro com cinco orifícios dispostos em cruz e com um cabo, a qual servia, nas escolas e em casa, para castigar as crianças e os escravos batendo-lhes na mão. O uso da palmatória e de outros castigos físicos era largamente empregado não apenas no universo escolar, mas em todo o processo que envolvesse relações humanas, fossem elas entre senhor e escravo, entre marido e esposa, fossem entre pais e filhos, entre outras situações. A promulgação da lei de 15 de outubro de 1827 que, entre diversas prescrições, incidia sobre a proibição de castigos físicos nas escolas, substituindo-os pelo de cunho moral, não detiveram as discussões sobre com que moderação devia o professor servir-se da palmatória para corrigir comportamentos ou fazer o aluno compreender a matemática, por exemplo. “A palmatória, o chicote, a vara, as carteiras, os livros, o quadro de giz e outros objetos faziam parte da cultura escolar daquele tempo histórico. Mesmo após a proibição de castigos físicos, a palmatória adentrava no século XX como um artefato ainda inserido na cultura material escolar.” (Aragão, M. e Freitas, A.G. Práticas de castigos escolares: enlaces históricos entre normas e cotidiano. Conjectura, v. 17, n. 2, p. 17-36, maio/ago. 2012) Recomendava-se que os golpes se limitassem a seis, no máximo, e não deveriam atingir o roto ou a cabeça.

Sugestões de uso em sala de aula:
Utilização(ões) possível(is):
 No eixo temático sobre a “História das relações sociais da cultura e do trabalho”.
 No eixo temático sobre a “História das representações e das relações de poder”.


Ao tratar dos seguintes conteúdos:
 Práticas e costumes coloniais
 A Economia Colonial
 A sociedade colonial: cotidiano e cultura
 O Rio de Janeiro colonial

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