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Quilombos e Revoltas de Escravos

Desordens Urbanas

Escrito por Super User | Publicado: Quinta, 01 de Fevereiro de 2018, 11h50 | Última atualização em Quarta, 18 de Agosto de 2021, 14h16

Ofício de Paulo Fernandes Vianna, intendente de Polícia, para o coronel José Maria Rebello de Andrade Vasconcelos e Souza, primeiro comandante da guarda real de polícia da corte, em que defende que as desordens dos negros vinham sendo motivadas pelos jogos de “casquinha”, e que deveriam ser destacadas diferentes patrulhas pela cidade a fim de prender todos os negros que fossem encontrados jogando ou agrupados nas portas das tabernas. Os presos seriam levados a prisão do Calabouço para serem castigados com açoites e serviços de obras públicas. 

 

Conjunto documental: Registro de ofícios da Polícia ao comandante da Real e depois Imperial Guarda da Polícia
Notação: códice 327, vol. 01
Data-limite: 1811-1815
Título do fundo: Polícia da Corte
Código do fundo: ØE
Argumento de pesquisa: quilombos
Data do documento: 9 de Outubro de 1816
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 70

 

Leia esse documento na íntegra

As desordens dos negros por esta cidade têm tido excesso, motivados pelos jogos de casquinha[1], que há publicamente nos Rocios[2], e pelos cantos, principalmente onde há tabernas, e já com motim e escândalo dos moradores, pelos alaridos, que fazem com excesso de bebidas. Deve Vossa Senhoria destacar diferentes patrulhas pela cidade, e dar ordens para todos aqueles que forem encontrados nos jogos forem presos, e conduzidos imediatamente à prisão do Calabouço[3] para serem castigados com açoites e serviço de obras públicas. Estas mesmas prisões se farão em todos os negros que forem encontrados à porta das tavernas assentados sobre os barris em que conduzem água, e aí em ajuntamento, donde se tem seguido imensas desordens: e por que em muitas das tabernas consta que os taberneiros consentem tais ajuntamentos pela utilidade que tira-o da venda de bebidas espirituosas, e outros gostos, que fazem nas tabernas, deve Vossa Senhoria isto mesmo recomendar as patrulhas para igualmente serem presos os mesmos taberneiros, pois resulta descrédito a polícia que havendo inúmeras patrulhas pela cidade, e um oficial que ronda sobre estas, ajuntamentos tais nos rocios, e portas de tavernas, resultando deles tais desordens continuadas, e mesmo queixas dos moradores. Recomendo muito a Vossa Senhoria que tenha todos os cuidados no bom êxito destas diligências, para que os povos conheçam quanto a polícia se entrega na segurança pública, e que para tais providências não precisa que se representem pelos moradores. Rio de Janeiro 9 de outubro de 1816 = Paulo Fernandes Vianna[4]= Senhor coronel José Maria Rebelo de Andrade.

 

[1] JOGOS DE CASQUINHA: denominação genérica para jogos de azar praticados, especialmente, pela população negra nas ruas do Rio de Janeiro. Sofria forte repressão por parte dos órgãos oficiais, não apenas por dar origem de aglomerações de indivíduos considerados “perigosos” pelas forças da ordem (escravos, escravos fugidos, capoeiras), mas também por muitas vezes incorporarem práticas ilegais características de jogos de azar, como a fraude, de onde os negros conseguiam obter algum ganho. Os jogos de casquinha, assim como a capoeiragem, aconteciam nas praças e esquinas, principalmente próximo a tabernas. Para tentar sanar o problema, em 1816 a Guarda Real foi advertida a destacar patrulhas para prender aqueles que fossem encontrados praticando esses jogos.

[2] ROSSIO: o termo rossio, por vezes grafado rocio, deriva de roça, de um terreno roçado, usado para usufruto coletivo. Os rossios eram campos de serventia pública, usados para pasto de animais, paragem de carruagens, feiras e atividades coletivas. Muitos tornaram-se largos e praças com a urbanização das cidades e conservaram o nome rossio. No Rio de Janeiro, havia dois importantes, o Rossio Grande, também chamado de Campo dos Ciganos, Campo da Lampadosa, Praça da Constituição e, como é chamada até os dias atuais, praça Tiradentes, e o Rossio Pequeno, a antiga praça Onze (praça 11 de junho), demolida no início dos anos 1940 para abertura da avenida Presidente Vargas. O Rossio Grande, quando da chegada da família real em 1808, era um campo com poucas casas ao redor, onde fora instalado o pelourinho da cidade e se faziam exercícios de artilharia, que, segundo o padre Luís Gonçalves dos Santos (o padre Perereca) na Memória para servir à História do Reino do Brasil, virava um lamaçal quando chovia. Já em 1813, época da construção do Teatro de São João, o Rossio já estava cercado de mais casas e construções, mais bem demarcado e urbanizado.

[3] CALABOUÇO: prisão subterrânea, naturalmente úmida e escura, onde os acusados de um delito eram postos em cárcere. No Rio de Janeiro, havia também uma prisão que recebia apenas escravos, embora estes também fossem encerrados em outros estabelecimentos. Localizada ao pé do Morro do Castelo, essa prisão era denominada Calabouço. Suas condições de insalubridade superavam as de outras cadeias, e escravos que haviam sido enviados pelos seus senhores, para que recebessem o castigo devido, dividiam o espaço exíguo com escravos fugidos e recuperados que aguardavam que seus senhores viessem buscá-los. Os presos tinham em comum o estatuto jurídico: eram todos propriedade de outrem. Por vezes, os escravos ali depositados permaneciam indefinidamente, pois seus senhores não estavam dispostos a arcar com as despesas devidas à sua manutenção. [ver CADEIA]

[4] VIANA, PAULO FERNANDES (1757-1821): nascido no Rio de Janeiro, Paulo Fernandes Viana era filho de Lourenço Fernandes Viana, comerciante de grosso trato, e de Maria do Loreto Nascente. Casou-se com Luiza Rosa Carneiro da Costa, da eminente família Carneiro Leão, proprietária de terras e escravos que teve grande importância na política do país já independente. Formou-se em Leis em Coimbra em 1778, onde exerceu primeiro a magistratura, e no final do Setecentos foi intendente do ouro em Sabará. Desembargador da Relação do Rio de Janeiro (1800) e depois do Porto (1804), e ouvidor-geral do crime da Corte foi nomeado intendente geral da Polícia da Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808. De acordo com o alvará, o intendente da Polícia da Corte do Brasil possuía jurisdição ampla e ilimitada, estando a ele submetidos os ministros criminais e cíveis. Exercendo este cargo durante doze anos, atuou como uma espécie de ministro da ordem e segurança pública. Durante as guerras napoleônicas, dispensou atenção especial à censura de livros e impressos, com o intuito de impedir a circulação dos textos de conteúdo revolucionário. Tinha sob seu controle todos os órgãos policiais do Brasil, inclusive ouvidores gerais, alcaides maiores e menores, corregedores, inquiridores, meirinhos e capitães de estradas e assaltos. Foi durante a sua gestão que ocorreu a organização da Guarda Real da Polícia da Corte em 1809, destinada à vigilância policial da cidade do Rio de Janeiro. Passado o período de maior preocupação com a influência dos estrangeiros e suas ideias, Fernandes Viana passou a se ocupar intensamente com policiamento das ruas do Rio de Janeiro, intensificando as rondas nos bairros, em conjunto com os juízes do crime, buscando controlar a ação de assaltantes. Além disso, obrigava moradores que apresentavam comportamento desordeiro ou conflituoso a assinarem termos de bem viver – mecanismo legal, produzido pelo Estado brasileiro como forma de controle social, esses termos poderiam ser por embriaguez, prostituição, irregularidade de conduta, vadiagem, entre outros. Perseguiu intensamente os desordeiros de uma forma geral, e os negros e os pardos em particular, pelas práticas de jogos de casquinha a capoeiragem, pelos ajuntamentos em tavernas e pelas brigas nas quais estavam envolvidos. Fernandes Viana foi destituído do cargo em fevereiro de 1821, por ocasião do movimento constitucional no Rio de Janeiro que via no intendente um representante do despotismo e do servilismo colonial contra o qual lutavam. Quando a Corte partiu de volta para Portugal, Viana ficou no país e morreu em maio desse mesmo ano. Foi comendador da Ordem de Cristo e da Ordem da Conceição de Vila Viçosa, seu filho, de mesmo nome, foi agraciado com o título de barão de São Simão.

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