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Pau Brasil

Importação e exportação do pau-brasil

Escrito por Super User | Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 18h27 | Última atualização em Sexta, 28 de Mai de 2021, 17h51

Nota de José Antônio de Miranda enviada a d. João, juntamente com o extrato dos mapas de importação e exportação das capitanias de Pernambuco, Bahia, Rio Grande, Angola e Benguela, relativos aos anos de 1808 e 1809. Declara serem pouco exatos os balanços dos mapas enviados por não incluírem os excedentes do comércio clandestino, especialmente no que diz respeito ao extravio de pau-brasil. Sugere o franqueamento do gênero, enumerando os seus benefícios tais como evitar os extravios da madeira, multiplicar os lucros, abastecer o erário e impedir a devastação das matas por aqueles que se têm proposto a tal furto. A finalidade maior seria aumentar as rendas do Estado, contribuindo para a “prosperidade nacional”.

 

Conjunto documental: Junta do Comércio. Importação e exportação.
Notação: caixa 448, pct. 01
Data-limite: 1802-1822
Título do fundo ou coleção: Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação
Código do fundo: 7X
Argumento de pesquisa: pau-brasil
Data do documento: 14 de setembro de 1810
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): - 

 

... Suposto que não se possa formar conceito dos balanços, resultantes dos mapas acima descritos em resumo, pela pouca exação dos mesmos mapas, nos quais se observam faltas muito consideráveis; contudo, pode-se ter por certo, que o débito em que por exemplo aparece o comércio da Bahia[1], mostrando exceder a importação à exportação no ano de 1808 a folha 3 a quantia de 929 contos, é insubsistente por dever julgar-se este excedente compensado por meio do comércio clandestino[2], que talvez houvesse, muito principalmente com os navios estrangeiros. O mapa da importação, e exportação de Liverpool[3], relativo ao ano de 1809, justifica bem esta asserção, e aclara melhor as ideias referidas, quando nele se vê importados do Brasil só para aquele porto 22,722 quintais[4] de pau-brasil[5]. Adiantando eu o meu discurso sobre esse tão importante ramo, julgo dever expor o quanto seria útil a franquear-se o comércio deste gênero. Em primeiro lugar, por este modo se evitaria muitos e extraordinários extravios, tão prejudiciais, que não só fazem perder o valor porque ele se costuma exportar dos Armazéns Reais, mas até se prejudica a sua origem pela devastação que aqueles que se propõem a tal furto, fazem nas matas que o produzem. Em segundo lugar, a franqueza[6] deste comércio será de uma utilidade muito relevante para o Estado, sabendo-se (pelo cálculo junto assaz aproximativo) que aqueles 22,722 quintais de pau-brasil não produziram liquidamente menos de 283 contos de réis;  Este lucro, não se limitando a uma só mão, mas multiplicando-se por diversos, impondo-se-lhe os direitos correspondentes, faria um rendimento bem digno de que se empregasse nele a atenção das vistas zeladoras que reputo desejarão certamente ver o Erário abastecido.   Acrescentarei a isto mais, a reflexão de que, seria também muito necessário acautelar a destruição que costumam vulgarmente fazer os povos nas matas, por meio dos fogos; porque posto que hajam Ordens positivas a este fim, há segundo me consta bastante negligência na sua execução, abrangendo igualmente nesta falta a ordem dos extravios. Estas são as recusas que sobre tal artigo me lembram poder interessar ao comércio, e a Real Fazenda[7] do príncipe regente nosso senhor; e me parecem próprias ao aumento das rendas do Estado, pois só aumentando-se as rendas dele de maneira que sobre-excedam o total do seu consumo se consegue a prosperidade nacional. Rio de Janeiro 14 de setembro de 1810.  (assinado) = José Antônio de Miranda

 

[1] BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

[2] CONTRABANDO: na América portuguesa, o contrabando consistia no comércio ilegal, sem que esse tráfico fosse autorizado ou reportado as autoridades coloniais. Seu desenvolvimento deveu-se, principalmente, ao monopólio do comércio, às pesadas taxações e à falta de regularidade no abastecimento da colônia. Este tipo de comércio fazia circularem mercadorias nacionais e estrangeiras, recebendo destaque o ouro, diamantes e pedras preciosas. O contrabando constituía ainda um dos poucos meios para escravos alcançarem a liberdade, daí muitos deles dedicarem-se ao garimpo clandestino. O fluxo de mercadorias contrabandeadas envolvia países como Inglaterra, Holanda e França, tendo alcançado tal vulto que parcela significativa do mercado colonial era abastecida por esta prática. [Ver também DESCAMINHOS]

[3] LIVERPOOL: cidade situada ao norte do estuário do rio Mersey, na Inglaterra, Liverpool notabilizou-se por seu porto, principal porta comercial para o Novo Mundo a partir do século XVII, e foi pioneira em muitos elementos da metrópole industrial moderna. A peste de 1664 e o grande incêndio de 1666, em Londres, provocaram a mudança de muitos mercadores para Liverpool, o que contribuiu para a prosperidade do porto. Baseada em novos sistemas de comércio e do capital internacional durante os séculos XVIII e XIX, em seu auge ela se voltou exclusivamente para promover os negócios e a movimentação de mercadorias. Foi isso que a tornou, depois de Londres, o maior porto da nação e do Império britânico. O centro histórico e comercial da cidade é hoje parte da área considerada Patrimônio Mundial.

[4] QUINTAIS: antiga unidade de medida usada no império português antes da adoção do sistema métrico e decimal. O peso de um quintal equivale a quatro arrobas, ou seja, aproximadamente 60 quilos.

[5] PAU-BRASIL (CAESALPINIA ECHINATA): madeira de excelentes propriedades como corante e matéria-prima para fabricação de instrumento musicais, estendia-se no litoral brasileiro, desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Norte. Referido por cronistas como pau de tinta, a exemplo de Gabriel Soares de Souza, o pau-brasil recebeu diferentes denominações. Ibirapitanga, pelos povos tupi, arabuton por Jean de Lery ou verzino por Américo Vespucio, essa espécie foi descrita pela primeira vez em 1648 por Piso e Marcgrav – Historia Naturalis Brasilae. seguida pelas descrições elaboradas por Lamarck (1789) e por Martius (1876). Recentemente, a denominação Caesalpinia echinata de Lamarck foi modificada para Paubrasilia echinata (https://revistapesquisa.fapesp.br/pau-brasil-vira-genero-de-arvore/). Objeto de exploração exclusiva da Coroa portuguesa [estanco], a importância do pau-brasil foi tão expressiva e lucrativa, durante os séculos XVI e XVII, que era corrente o uso da expressão “fazer Brasil” para designar o complexo de operação para a extração da madeira: derrubada, corte, transporte até os portos. Assim, era incumbência da Coroa portuguesa disciplinar a exploração desordenada da madeira e evitar o descaminho uma vez que a saída da madeira, sem controle, causava danos à Fazenda Real e ao comércio. A exploração sem critérios, o corte aleatório da madeira e o comércio ilícito, realizados tanto por corsários quanto pelos súditos da metrópole, deixaram rastros de destruição das florestas, o que levava a uma interiorização dessa exploração na busca das árvores mais afastadas do litoral. Os instrumentos jurídicos que respaldavam a ocupação da terra pelos portugueses – Carta de Doação da capitania de Pernambuco e Foral (1534) e depois, os Regimentos dos governadores-gerais Tomé de Souza (1548), Francisco Giraldes (1588) e Gaspar de Souza (1612) faziam menção à exploração da madeira, mas não expunham uma preocupação efetiva em sistematizar a exploração. De acordo com Maria Isabel de Siqueira, a Coroa luso-espanhola, por intermédio de Filipe III (1598-1621), preocupada com os interesses da Fazenda Real e com os prejuízos decorrentes não só do descaminho do pau-brasil, mas também da má utilização do solo, acarretando baixa nos lucros do reino, elaborou uma legislação específica para o trato da madeira: o Regimento do Pau-brasil de 1605. Tratava-se de um conjunto de ações normativas e coercitivas para viabilizar a exploração colonial, que autorizavam a extração da madeira com a licença por escrito do Provedor-mor da Fazenda de cada uma das capitanias (artigo 1), concedia a licença para explorar a madeira somente às pessoas de qualidade (artigo 2) e exigia o registro das licenças com a declaração da quantidade de árvores a ser cortada (artigo 3). (Considerações sobre a ordem em colônias: as legislações na exploração do pau-brasil. Clio – Revista de Pesquisa Histórica, v. 29, n. 1, 2011. Disponível em https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/24300)

[6] FRANQUEZA: ato de franquear, de abrir, de tornar acessível.

[7] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

 

Sugestões de uso em sala de aula

Utilização(ões) possível(is):
- No eixo temático  sobre a "História das relações sociais da cultura e do trabalho"
- No sub-tema "As relações sociais, a natureza e a terra"
- Ao trabalhar o tema transversal "Meio ambiente"  

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

- A sociedade colonial: culturas naturais
- Economia colonial
- Brasil colonial: riquezas naturais

 

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