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Questão Cisplatina

Deserção das tropas

Escrito por Super User | Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 18h12 | Última atualização em Quinta, 12 de Agosto de 2021, 18h48

Ofício do barão de Laguna a Tomás de Vila Nova Portugal em que mostra o seu desagrado com o estado do batalhão dos negros, que estavam com uma aparência miserável, e faz reclamações sobre o resto das tropas onde as deserções se fazem cada vez mais constantes, e estes desertores ainda freqüentemente levavam consigo os seus armamentos. Reclama também o envio de ao menos 3 mil cavalos ao Rio Grande para remontar a cavalaria, e de pessoal, posto que os 1400 homens que vieram com o general Pinto estavam tão maltratados que era impossível contar com eles.

 

Conjunto documental: Coleção Cisplatina
Notação: caixa 975 A
Data-limite: 1818-1818
Título do fundo: Coleção Cisplatina
Código do fundo: 1A
Argumento de pesquisa: Questão Cisplatina
Data do documento: 12 de abril de 1818
Local: Montevidéu
Folha(s): -

 

Em consequência da mudança acidental, que só pelas informações, e motivos de prudência, que informei a V. Exª no meu ofício de 28 de fevereiro, n° 27, julguei conveniente, e muito melhor julgaria se pudesse saber, como sei agora, a indispensável necessidade, que haveria de tal medida, chegou os dias passados a esta praça de divisão ligeira comandada pelo General Pinto, o muito sinto de ver a V. Exª que pela sua chegada fiquei mais embaraçado. E débil do que estava antes.

Eu nada tenho visto, que seja tão uniformemente mal na realidade, e na aparência, e para que V. Exª conceba de uma vez, tudo o que eu poderia explicar a este respeito, bastará dizer, que o batalhão dos negros[1], e a gente de Santa Catarina[2], que o acham dentro dessa praça servindo só de peso ao comissariado, aos aquartelamentos, e a polícia, nem a guarnição podem ajudar pela sua miserável aparência, e pelo seu nenhum préstimo, (os negros precisam ilegível vestido, eles, e os de Santa Catarina necessitam, ser disciplinados) e que o resto das tropas daquela divisão, colocadas no campo, tem o espírito de deserção de tal modo arraigado, que desaparecem em turmas, levando consigo os seus armamentos, sem que tenham sido bastantes para obviar esses caudaloso procedimento, e que tão mau efeito poderá vir a fazer nessa divisão, os cuidados de rondas, guardas, e sentinelas, porque elas também desertam ao mesmo tempo; resultando-me daqui a ser necessário encarregar outras tropas a fim de as vigiar, e cortar uma tão numerosa deserção: com esta oportunidade não ocultarei por mais tempo a dizer a V. Exª, que este mal há de continuar, e este aumenta-se enquanto os soldados souberem, que ele é apoiado pelas autoridades na capitania do Rio Grande[3], que dela escrevem pessoas de conceito animado a deserção, e pintando lisonjeiramente o benigno acolhimento, que os desertores hão de receber; e finalmente, que eles com efeito ali são bem recebidos, e festejados.

Além disto esperando eu, que viessem da capitania do Rio Grande ao menos 3 mil cavalos para remontar a cavalaria desta divisão, e da quem houvesse de operar com ela, sucede que vieram unicamente com o general pinto 1400 tão maltratados, que foi necessário trazê-los a mão, vindos os soldados a pé, e sendo impraticável contar com eles este inverno para nada.

Sem embargo posso assegurar a V. Exª que estes inconvenientes, não prejudicam essencialmente a ocupação desta banda oriental[4]; obrigam só a tolerar as partidas de campanha, porém este é um mal irremediável, e que melhor há de ceder as insinuações da política do que ao efeito das armas: partidas soltas há de havê-las sempre que os povos não queiram impedi-los, e só isto há de chegar quando os povos conheçam que deste passo lhes resulta atitude os meios de política hão de mostrar-lhe sua conveniência, e então caem por si as nenhumas forças do Frutuoso[5], que não passando de 300 homens, são as maiores da campanha[6].

Deus Guarde a V. Exª. m. a. Quartel General de Montevidéu, 12 de abril de 1818.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Tomás de Vila Nova Portugal

Barão de Laguna

 

[1] BATALHÃO DOS NEGROS: o “Batalhão de caçadores de pretos libertos” foi criado pelo decreto de 10 de maio de 1817 para servir na Banda Oriental, atual Uruguai, alguns meses após a conquista de Montevidéu pelas tropas luso-brasileiras comandadas pelo general Carlos Frederico Lecor em 20 de janeiro daquele ano. O “batalhão dos negros” foi constituído de escravos adquiridos por compra e doação de senhores aliados de Lecor. Outra parte desses efetivos foi recrutada entre os escravos que integravam as tropas comandadas por José Artigas, que lutava pela independência da Cisplatina. Os escravos engajados nas tropas artiguistas, que quisessem desertar, receberiam em troca a alforria, condicionada ao alistamento no exército luso-brasileiro. Entre os anos 1817 e 1821, 237 escravos desertores das tropas de Artigas foram recrutados e alforriados. Com essa medida, o general Lecor constituiu parte do contingente do “batalhão dos negros”, uma força considerável nos anos subsequentes à derrota de Artigas que continuaria lutando contra a ocupação portuguesa, reorganizando as suas forças a partir da campanha (o interior do país). A estratégia de conceder a liberdade para os escravos fugidos foi um recurso utilizado por Lecor, que visava não só manter os seus efetivos durante a ocupação, mas também infligir algumas baixas às tropas inimigas. O alistamento de escravos nos exércitos que lutaram nas guerras cisplatinas de 1811 a 1828 foi uma entre tantas estratégias utilizadas pelos cativos que buscavam a liberdade.

[2]SANTA CATARINA, CAPITANIA DE: o núcleo de povoamento original chamou-se Nossa Senhora do Desterro, fundado na década de 1670, com a chegada do bandeirante Francisco Dias Velho, acompanhado de outras famílias e mais de 500 nativos. A capitania de Santa Catarina foi pela Provisão Régia em 1738, com base na desvinculação da ilha de Santa Catarina – originalmente chamada de ilha dos Patos –, e sua fronteira continental, até então sob jurisdição de São Paulo. No ano seguinte, José da Silva Paes é nomeado governador da nova capitania, com a incumbência de fortificar a ilha e organizar a ocupação sistemática da região. Batizada pelo navegante veneziano Sebastião Caboto, que chegou à ilha em 1526 à frente de uma expedição espanhola, foi um dos pontos mais utilizados para desembarque de contrabandistas, corsários e estrangeiros na costa do Brasil devido a sua proximidade com continente, às boas baías para atracar embarcações e aos ventos brandos. Seu povoamento estaria relacionado à importância desse litoral para as navegações que se dirigiam à região do rio da Prata, que ficava em um ponto geográfico estratégico a meio caminho entre a cidade do Rio de Janeiro e o sul do continente. Era, assim, parada quase obrigatória dos navios que passavam pelo litoral. A ilha oferecia madeira abundante e de qualidade para reparos de embarcações, além de gêneros alimentícios e água para abastecimento das tripulações em viagem. Essa privilegiada posição geográfica despertou o interesse, principalmente, de espanhóis, que chegaram a ocupar a ilha em alguns momentos, mas também de ingleses e franceses. Em 1777, a ilha foi ocupada por espanhóis, liderados por d. Pedro de Cevallos, governador de Buenos Aires. A invasão foi resultado dos conflitos entre as nações ibéricas, decorrentes da anulação do Tratado de Madri e da Guerra dos Sete Anos, travada na Europa entre diversos reinos, entre eles França e Inglaterra, nos anos 1756-1763. O domínio português na região só foi reestabelecido com a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, face ao pequeno interesse demonstrado pelos portugueses de ocupar o território no início da colonização, quando ocorreram algumas tentativas de tomar a ilha, levando a Coroa portuguesa a iniciar a ocupação efetiva de Santa Catarina por imigrantes açorianos ainda no século XVII. Nesse mesmo período, os povoados de São Francisco, Desterro e Laguna foram fundados. As atividades produtivas estavam em torno do cultivo de subsistência e da tradição pesqueira. Em meados do século XVIII Portugal autorizou a pesca de baleias no litoral catarinense. A produção de óleo ("azeite", como então chamado) encontrava uso local ou era enviada a Portugal. Não demorou muito e os animais passaram e evitar a costa o que, junto à substituição de óleo por querosene, no início do século XIX, ocasionou o declínio da atividade. No início do século XIX, os tratados da Coroa portuguesa com a Inglaterra incluíram a entrega de portos catarinenses para facilitar a rota de comércio inglês na região do Prata.

[3]RIO GRANDE DE SÃO PEDRO: situado ao sul do estuário do rio da Prata, foi uma região descoberta ainda no século XVI, quando Martim Afonso de Souza realizou expedições para assegurar a manutenção dos territórios sob o domínio português, expulsando corsários franceses e fixando novos núcleos de povoamento. A capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul teve sua ocupação estabelecida tardiamente e ao longo do período colonial viveu sob intensas disputas territoriais, por se tratar de uma região limítrofe do império português na América, era uma base de operações militares e motivo de preocupação aos administradores do reino. Em agosto de 1736, foi criada a freguesia de São Pedro, pertencente a capitania de Santa Catarina, subalterna ao Rio de Janeiro. No ano seguinte, deu-se oficialmente o início de sua colonização, com o estabelecimento de fortificações militares para resguardar a região, sob o comando do brigadeiro José da Silva Paes. Em 1750, com a vinda de colonos provenientes dos Açores e Ilha da Madeira, o povoado de São Pedro foi elevado à condição de vila. Inicialmente, propunha-se que esta imigração se baseasse na agricultura familiar de pequena propriedade, em convivência estreita com as grandes estâncias pecuaristas. As dificuldades enfrentadas pelas famílias, contudo (pragas, falta de segurança, escasso mercado para seus produtos) empurraram a grande maioria delas para uma integração com o sistema predominante. Dez anos mais tarde, devido ao crescimento populacional, é criada a capitania do Rio Grande de São Pedro, ainda sob a dependência do Rio de Janeiro. As relações socioeconômicas do Rio de Janeiro com o território do Rio Grande de São Pedro referem-se a todo um esforço de manutenção da Colônia do Sacramento como entreposto do comércio luso-brasileiro, os comerciantes do Rio de Janeiro eram os mais interessados na manutenção daquele porto no rio da Prata. Apenas em 1807, o governo do Rio Grande se separou do Rio de Janeiro como divisão administrativa subalterna, tornando-se capitania geral e assumindo o comando da capitania de Santa Catarina. A capitania aderiu a causa brasileira pela independência, e ao longo do período imperial foi palco de importantes disputas territoriais e questões de limites.

[4] OCUPAÇÃO DA BANDA ORIENTAL: Uma das primeiras ações da Corte portuguesa no Rio de Janeiro foi oferecer a proteção real aos povos do Rio da Prata, uma vez que a Espanha sofria invasões francesas lideradas por Napoleão. A proposta foi rejeitada por Buenos Aires, optando pela independência. D. Carlota Joaquina, filha do destronado rei espanhol, insistiu na sua legitimidade sobre esses domínios na América, mas a solução monárquica não prevaleceu. Os conflitos envolviam, por um lado, a fragmentação do império, por muitas vias, como uma confederação leal ao trono espanhol mas não ao vice-rei local, até a efetiva emancipação da metrópole sob um poder centralizado. A movimentação revolucionária preocupava os portugueses que temiam a contaminação de tais ideias na fronteira. Esse perigo, somado aos interesses estratégicos e econômicos na região, serviram para justificar invasões portuguesas na Banda Oriental, atual Uruguai. A primeira invasão do território de Montevidéu ocorreu em 1811, o que impediu sua incorporação por Buenos Aires. A segunda invasão foi em 20 de janeiro de 1817, quando houve a conquista de Montevidéu pelo então tenente-general Carlos Frederico Lecor, inaugurando uma ocupação que se estendeu até 1828, quando foi reconhecida a independência do Estado Cisplatino Oriental. Entre 1817 e 1820, a luta pela autonomia da Banda Oriental foi dirigida por José Gervásio Artigas, restabelecendo a resistência depois de cada derrota. Em 1821, o congresso cisplatino instituiu uma anexação daquela região ao governo português. Essa dominação foi politicamente administrada por Lecor. Em 1823, os adeptos à causa brasileira da Independência derrotaram tropas fiéis a Portugal em Montevidéu, o que reproduziu os conflitos entre Lisboa e Rio de Janeiro naquele momento. Entre dezembro de 1825 e 27 de agosto de 1828, a região cisplatina foi motivo de guerra declarada entre os Estados sediados no Rio de Janeiro e em Buenos Aires. A intervenção na Banda Oriental, sob consentimento inglês, buscou evitar que as Províncias Unidas (atual Argentina) anexassem o território que se tornou o Uruguai e garantir a rota comercial – e de defesa – pelo rio da Prata. Essas invasões faziam parte do projeto de império português nos trópicos, ainda que a política externa da dinastia portuguesa na América estivesse em sintonia com a Europa.

[5] RIVERA, FRUTUOSO (1784-1854): José Frutuoso Rivera nasceu em Montevidéu em 1784 e foi importante militar e político uruguaio. No início do século XIX, já se destacava ao lado de José Artigas, na luta contra o domínio espanhol na Banda Oriental, atual Uruguai, apoiados pela Junta Revolucionária de Buenos Aires de 1810 – governo provisório do Vice-reino do rio da Prata durante o processo de independência. Após a derrota definitiva dos espanhóis de Montevidéu em 1814, Artigas e Frutuoso Rivera lutaram contra os antigos aliados portenhos e suas pretensões de manter a unidade dos territórios que integravam o Vice-reinado do Rio da Prata sob o controle de Buenos Aires. Em 1815, Rivera venceu os portenhos em Guaybo e as tropas artiguistas derrubaram o governo que representava Buenos Aires em Montevidéu. Com a invasão da Banda Oriental pelas tropas luso-brasileiras sob o comando do general Lecor e a tomada de Montevidéu no início de 1817, Artigas e Rivera se refugiaram na campanha, onde reorganizaram as suas forças e lutaram contra os invasores até 1820. A derrota definitiva de Artigas ocorreria em 22 de janeiro de 1820. Após a derrota, Rivera incorporou-se ao exército português, levando com ele uma força de 400 homens. Em 1821, a Banda Oriental foi anexada à Coroa portuguesa com o nome de província da Cisplatina. A repercussão da independência do Brasil acarretou uma cisão dentro das tropas luso-brasileiras, Rivera logo apoiou a independência e, acompanhado de Lecor, tomou Montevidéu, que se encontrava em poder de d. Álvaro Costa, fiel a d. João e a Portugal. Frutuoso Rivera serviu como oficial no exército brasileiro e, posteriormente, foi promovido de coronel a brigadeiro. Buenos Aires continuaria, contudo, contestando a incorporação da Cisplatina ao Brasil e lutaria para integrar Montevidéu e sua campanha às Províncias Unidas do Reino da Prata. Com o apoio dos estancieiros portenhos, Juan Lavalleja e os “Trinta e três orientais” ocupariam a Cisplatina. Rivera lutaria ao lado de Lavalleja pela emancipação da Cisplatina. Com a independência do Uruguai em 1828, apoiada pelo governo britânico, seria o primeiro presidente e governaria até 1834. Em 1838, reassumiu a presidência do Uruguai. Fundou o Partido Colorado (simpatizante das posições brasileiras) em oposição ao Partido Blanco (mais próximo das posições argentinas). Mesmo assim, a atuação de Rivera foi bastante controversa durante a Farroupilha: ora apoiava as forças imperiais, ora as forças republicanas que se rebelaram contra o governo central. Exilado no Brasil algumas vezes durante a Guerra civil do Uruguai (1843-1851), faleceu antes de retornar ao Uruguai, onde participaria de uma Junta Governativa ao lado de Juan Lavalleja.

[6] CAMPANHA: termo usado para designar o interior do país, isto é, o interior da Banda Oriental (atual Uruguai). Em 1817, quando o comandante Lecor tomou a cidade de Montevidéu, Artigas se refugiou na campanha e reorganizou suas tropas para resistir à invasão luso-brasileira até 1820, quando foi definitivamente derrotado, se exilando no Paraguai. Artigas conhecia bem a região da campanha, onde passou parte de sua juventude vivendo entre gaúchos, índios e tropeiros. Devido a sua atividade no comércio de couro e gado Artigas percorreu o interior do país convivendo com a população rural que mais tarde lhe daria apoio. As vitórias obtidas em 1815 sobre o governo representante de Buenos Aires contribuíram para sua popularidade notadamente nas províncias de Santa Fé, Entre Rios e Corrientes, situadas na margem oriental do rio Uruguai. Estas províncias lhe outorgariam o título de “Chefe dos Orientais e Protetor dos Povos Livres”.

 

Sugestões de uso em sala de aula

- No eixo temático "História das representações e das relações de poder"
- No sub-tema "Nações, povos, lutas, guerras e revoluções"

Ao tratar dos seguintes conteúdos

- Guerra da Cisplatina (1825-1828)
- Estados Modernos: política e diplomacia (tratados) no período colonial
- A expansão territorial e as fronteiras do Brasil
- América: os conflitos luso-castelhanos

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