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Correspondência entre conde de Galvêas e conde dos Arcos

Publicado: Quinta, 21 de Junho de 2018, 17h35 | Última atualização em Sexta, 20 de Agosto de 2021, 01h18

Carta em que o conde de Galvêas envia ao conde dos Arcos requerimento recebido dos comerciantes traficantes de escravos em protesto contra a atuação da coroa inglesa na repressão do referido comércio. Ao mencionar os prejuízos do comércio baiano em função da intervenção militar inglesa no comércio de escravos, revela sua admiração quanto à clara posição do rei português, que não acatava o fim definitivo do tráfico.

 

Conjunto documental: Generalidades – gabinete do ministro
Notação: IG1 112
Datas-limite: 1809-1814
Título do fundo: Série Guerra
Código do fundo: DA
Argumento de pesquisa: repressão ao tráfico de escravos
Data do documento: 30 de março de 1812
Local: Bahia
Folha(s): 240 a 243; 257 a 258

Tenho a honra de pôr na Presença da Vossa Excelência o requerimento que me apresentaram os Comerciantes desta Praça queixando-se contra o procedimento dos Ingleses na Costa da Mina[1] negócio este que confesso a Vossa Excelência ser o que me tem dado maior cuidado desde que tive a honra de empregar-me no serviço de nosso Augusto Amo. Hesitei e agora vejo que com alguma razão sobre a inteligência do artigo X do Tratado de 19 de Fevereiro de mil oitocentos e dez[2] em data de 7 de Maio do ano passado pedi a V.Exa as elucidações necessárias,

Fez-me Vossa Excelência a mercê de responder-me em 02 de agosto do mesmo ano da maneira mais conspícua, e com a claridade acostumada acrescentando, por Ordem de Sua Alteza Real[3] a declaração de que longe de ser da Sua Real Intenção restringir de qualquer modo semelhante Comércio de Escravatura[4]. O Mesmo Senhor se propõe a promovê-lo, e facilitá-lo quanto ser possa bem convencido da necessidade que há deste único recurso que temos de aumentar a população deste Vasto Continente. Tendo obtido esta explicação nada mais me restava a desejar para que com toda seguridade permitisse a continuação deste Comércio que, na minha opinião, é da mais vital importância para o Brasil.

Continuei pois a dar competentes passaportes, e continuaram ainda que por outras razões com menos atividade, as Negociações da Costa. Senão quando entra neste Porto no dia 12 do corrente o Bergantim[5] Piedade e anuncia que os Ingleses atacaram, fizeram presos os Navios desta praça da relação inclusa e trazendo já a seu bordo Mestres, e mais gente pertencente a algumas das embarcações apresadas. A comoção que este inaudito procedimento tem causado na Bahia[6] excede em muito a força das minhas palavras.

É necessário declarar que o comércio da Costa gera dinheiro de toda a gente da Bahia, o empregado público, o militar, o mais pequeno proprietário, todos, regularmente para aquele giro a porção que podem para o seu pecúlio. É também de outra parte necessário lembrar que o povo da Bahia é o menos civilizado que encontramos sobre a superfície do Brasil e que é o único que viu Franceses, e que tratou como bons amigos ficando da Esquadra de Jerônimo Bonaparte[7] muitos neste país, não devendo nunca esquecer a quem Governa, que os terríveis acontecimentos de Buenos Aires são aqui muito conhecidos. É portanto o atual procedimento dos Ingleses sem dúvida uma hostilidade praticada contra uma Nação amiga em tempo de paz, e que se torna individual contra os habitantes pode-se dizer que todos da Bahia, os quis achando-se nas circunstâncias que acima noto a Vossa Excelência que me tem posto no mais súbito grau de cuidado para evitar qualquer demonstração pública e criminosa de seu ressentimento.

Um dos meios que pus em prática para serenar os ânimos de alguns dos comerciantes mais ávidos, e que me pareceram mais alterados foi persuadir-lhes que fizessem um requerimento a Sua Alteza Real recomendando muito humildemente a Suprema Beneficência daquele Augusto Senhor neste negócio, medida esta que tomei forçado de ver em desesperação um povo inteiro cujas as queixas não tenho dúvida de confessar que não sei responder.

Da letra do Tratado de 19 de Fevereiro de 1810, e muito mais ainda da explicação acima referida que Vossa Excelência me fez mercê de dirigir-me, segue-se inquestionavelmente que o presente caso é justamente o em que tem lugar represálias quando o Governo Inglês não efetue em tempo competente a reparação que lhe deve ser reclamada, que é de esperar de sua boa fé que seja concedida: entretanto como me não compita dirigir as precedentes reclamações nem depois expedir cartas de represálias empreguei todos os meios termos que pude para evitar que se me fizesse um requerimento pedindo-me surtos neste porto, o que ponho na presença de Vossa Excelência por me constar que sobem à Real presença queixas de eu ter dificultado aquele extraordinário recurso fora das formas escritas em Direito das Gentes.

E junto um dos panfletos que apareceram na madrugada do dia seguinte ao da chegada da notícia podendo acrescentar que eles foram lidos por isso que se havia tomado precauções para serem arrancados cedo se fossem postos de noite como era fácil de esperar a quem já conhece o gênio destes Povos.

O presente caso que na verdade é novo na história das Nações tem feito nascer ódio tão geral, e tão pronunciado contra os Vassalos de S.M.B residentes na Bahia que não devo esconder V.Exa que  cada passo é para recear algum insulto de tristes consequências contra algum deles; tenho contudo tomado as medidas de prevenção que me parecem prudentes.

Igualmente tenho espiado com a possível alerta os homens da Praça, assim se chama aqui o Corpo dos Comerciantes, que não falam uns com os outros de outra matéria desde que aqui chegou aquela notícia.

Entre suas conversações sempre de notável veemência e ressentimento tem ressaltado de vez em quando ideias bastante perigosas, mas que passam logo, e não tomam consistência pela maravilhosa estupidez de que felizmente são dotados: Tem todavia tomado certo vulto uma opinião terrível que trabalho quanto posso por desvanecer que é a seguinte: Bem sabe V. Exa que a inteligência do Artigo X do Tratado de 19 de Fevereiro de 1810 não me pareceu tão óbvia como V. Exa me disse que ela era no Régio Aviso acima mencionado, e por isso enquanto no recebi aquela explicação, alguma tal e qual dificuldade fazia sentir na emissão dos Passaportes para a  Costa da Mina, e vendo os Negociantes desta Praça desaparecer de repente aquela dificuldade, e antes ser ela transformada na mais ilimitada prontidão, e facilidade, trazem agora à memória aquela época, souberam eles depois que eu tinha tido dúvida, e resultando desta Determinação uma tanto considerável perda, parece claro que o atual procedimento dos Ingleses é mais depressa um ajuste com o Ministério, do que uma atrocidade até agora desconhecida entre os homens qual a de fazer e guardar como boas presas os Navios que pertencem aos Vassalos da Nação amiga, e aliada em temo de paz, e que comerciam nos termos expressos do Tratado. Parece-me contudo que esta terrível opinião felizmente a sofrer algum descrédito desde que tenho feito, sempre indiretamente, lembrar a antipatia que ela envolve com a conhecida religiosidade de Sua Alteza Real, e com o Paternal amor que todos adoramos em tão Querido Soberano.

Noto a V. Exa que o que fica dito é resultado de notícias secretíssimas do que se passa no íntimo de conversações familiares, e entre amigos sem que por ora, graças à Providência, tenham tomado qualquer vulto.

No entanto a Bahia está em tal grau de desgraça, e seus habitantes em tal estado de aflição que não é fácil representá-lo à V.Exa em toda a sua altura. Estou aqui a 18 meses, e vi esfumar o comércio! O importantíssimo ramo do açúcar[8] secou de todo a ponto de não ter extração senão quando é necessário para o consumo interior do País: O tabaco[9] já não tem preço nenhum porque não há um comprador nesta Cidade: Murchou de todo com a guerra o outro riquíssimo ramo do Rio da Prata: O Trato dos Escravos acaba agora de um modo tão doloroso!! Em conseqüência todos os lavradores andam estupefatos sem saber resolver em que cultura devem empregar seus Escravos! De outra parte os Comerciantes que lhes tinham adiantado fundos o na passado de que se haviam embolsar no presente gêneros de sua respectiva lavouras, não tendo estes saída, nem lhos recebem e não só os verão por seus pagamentos, mas não lhes adiantam, como até agora, novos fundos sem os quais o Lavrador pobre fica impossibilitado de continuar seus trabalhos. Entretanto um tal procedimento de esperança que resulta do estado das coisas aumentando demais, e mais com a probabilidade da guerra com os Estados Unidos, tudo faz que o desgraçado Baiano tenha o mais Sagrado dos Direitos Suprema Beneficência de Sua Alteza Real à qual humildemente imploro em sua consolação e Benefício, e também como mais poderoso calmante no estado de ansiedade, e aflição em que a Bahia fica gemendo.

Deus Guarde a Vossa Excelência

Bahia 30 de março de 1812.

Ilustríssimo Excelentíssimo Conde Galvêas[10]

Conde dos Arcos[11]

 

[1] COSTA DA MINA: os termos Costa da Mina e Guiné por vezes se confundem, tendo não raro o mesmo significado em um único documento. Define uma região da África Ocidental localizada no golfo da Guiné, onde atualmente se encontra o Benim (antigo Daomé), Togo e parte de Gana. A sociedade que ali floresceu a partir do século IV encontrou seu auge em torno dos séculos IX e X da era cristã, com a exploração do ouro, que existia em abundância. Com o tempo, a região ficaria conhecida pelos portugueses como Costa do Ouro. Em 1470, navegadores lusos alcançam a região, estabelecendo o comércio de ouro. Em 1482, a coroa portuguesa consegue construir o Castelo de São Jorge, através de uma concessão do líder local, para garantir o tráfico de escravos da região e impedir quaisquer avanços dos reinos espanhóis. O termo "mina" era largamente usado como denominação genérica para designar a etnia dos escravos africanos ou descendentes no continente americano que vinham da região, muito embora muitos dos embarcados nesta região viessem de outras áreas mais ao interior do continente africano, portanto, de origem diversa. Em 1637, os holandeses invadiram o Castelo de São Jorge da Mina determinando que os navios sob bandeira portuguesa comprassem escravos apenas em quatro portos: Grande Popó, Ajudá, Janquim e Apá (mais tarde conhecido como Badagri) na região denominada Costa dos Escravos mais ao leste, onde hoje se encontra o Benim. Dessa forma, o termo Costa da Mina passou a se referir aos portos tanto da Costa do Ouro, quanto da Costa dos Escravos. A demanda por escravos na América conheceria significativo aumento no século XVII, mas apenas no século XVIII ocorreria o chamado ciclo da Mina, durante o qual cerca de 350 mil indivíduos foram escravizados e enviados para outras colônias portuguesas, sobretudo a Bahia. Eram trocados por fumo refugado em Portugal, mas ainda apreciado na África, em um esquema de escambo que, muitas vezes, passava por cima do comércio triangular (intermediado pela metrópole). Outras nações europeias também se estabeleceram na região (holandeses, ingleses, franceses), cada uma iniciando acordos com populações locais para o suprimento de escravos. No final do século XVIII e início do XIX, percebe-se um grande aumento na oferta de cativos na região, em decorrência de guerras locais, em especial a guerra religiosa (jihad) liderada por Dan Fodio que deu origem um grande império islâmico na África. As diversas etnias africanas (nagô, jeje, hauça), traficadas a partir da Costa da Mina para a Bahia promoveram o maior ciclo de revoltas escravas no Brasil colonial. O cabo de Palmas, marco inicial da região, foi utilizado como limite de apresamento legal, após os tratados de limitação do tráfico negreiro no século XIX [ver Abolição gradual do tráfico de escravos]. Com a extinção do tráfico humano, a região foi tomada pelos ingleses e tornou-se colônia britânica.

[2] TRATADOS DE 1810: o controle do comércio e navegação entre o reino e suas colônias sempre foi uma preocupação do Estado português. Esse comércio era regido pelas convenções do pacto colonial, que reservava o monopólio dos produtos coloniais para a metrópole, embora o contrabando entre as colônias e outros reinos evidencie as falhas e brechas no sistema.  Considerado um verdadeiro contrato político, pressupunha uma série de instrumentos político-institucionais para a sua manutenção. Na prática, a coroa não conseguia reservar esses mercados apenas para si e, desde o século XVII, eram feitas concessões cada vez maiores a aliados históricos, como os ingleses. Durante a chamada Viradeira – período que se iniciou em 1777 com a nomeação de novos Secretários de Estado, em substituição do marquês de Pombal, por d. Maria I – empreendeu-se uma tentativa de controlar o contrabando e estreitar os laços comerciais intercoloniais, reservando à colônia seu papel de produtora de gêneros agrícolas e de consumidora de manufaturados, visando a controlar a erosão do sistema colonial, que já apresentava sinais de crise. Essa estrutura seria invertida com a chegada da corte joanina em 1808 e a consequente abertura dos portos às nações amigas de Portugal. Eliminava-se o exclusivismo mercantil e essa medida, na prática, favorecia mais à Inglaterra, que exigiu a manutenção e ampliação de certos privilégios econômicos. A situação de dependência comercial com a Inglaterra seria agravada com a assinatura dos Tratados de 1810. Em 19 de fevereiro desse ano, dois importantes tratados foram firmados entre Portugal e Inglaterra: o Tratado de Comércio e Navegação e o Tratado de Aliança e Amizade, que regulamentavam as relações comerciais entre as duas nações, como consequência da nova situação política e econômica resultante abertura dos portos brasileiros. A justificativa dos tratados expressava principalmente o desejo das nações em estreitar os laços de amizade e ampliar os benefícios de seus vassalos por meio de um novo sistema de livre comércio entre os envolvidos, incluindo seus domínios, e no caso português, a nova sede do Império português, o Brasil. Foram acertados, entre outros pontos, assuntos relativos ao comércio entre os países envolvidos, como no artigo VIII, que abolia monopólios que pudessem restringir o comércio entre Portugal e Inglaterra (e seus respectivos domínios), embora fossem mantidos os estancos a certos produtos, como os tecidos de lã ingleses, os vinhos portugueses e o pau-brasil. O artigo principal (XV), que regulava as novas tarifas alfandegárias, estabelecia que todos os gêneros ingleses – à exceção dos estancados – deveriam ser admitidos sem limitações nos domínios portugueses, pagando direitos de 15%. O acordo firmado revela o precário equilíbrio de forças e as dependentes relações de Portugal em relação à Inglaterra, resultando em uma concessão que favorecia diretamente os produtos ingleses em detrimento dos próprios gêneros portugueses, que pagariam 16% de impostos, desigualdade corrigida quase um ano depois, e dos estrangeiros de outras nações amigas, taxados em 24%. Este tratado resultou, praticamente, em um domínio inglês no mercado do Brasil, uma vez que se tornava bastante difícil para as outras nações competir com os preços, a variedade e a qualidade dos produtos oriundos da Inglaterra e suas colônias. Provocou profundo mal-estar e insatisfação entre os produtores e negociantes portugueses, uma vez que se sentiam lesados no comércio colonial, anteriormente, controlado com exclusividade. Também desagradou aos ingleses, desejosos de mais benefícios e privilégios em troca de terem ajudado na transmigração da Corte e na manutenção da integridade do Império português. Os acordos referiam-se, ainda, as concessões previstas no Tratado de 1654 como a liberdade de culto aos súditos ingleses e o direito de julgamento por juízes ingleses segundo leis inglesas, caso algum súdito britânico cometesse delito nos domínios da Coroa portuguesa. O artigo X do Tratado tratava, ainda, sobre a gradual extinção do tráfico de escravos africanos e sua limitação às possessões portuguesas. Tal resolução suscitou inúmeras acusações de arbitrariedade, pois, segundo comerciantes portugueses, se foi elevado o número de embarcações apreendidas sob alegação de tráfico ilegal, também foi grande o número de traficantes que alegavam comerciar apenas nas possessões portuguesas, onde o governo britânico não deveria atuar. Em termos práticos, a medida mostrou-se ineficaz, a abolição do comércio de escravos só seria efetivada quatro décadas mais tarde.

[3]JOÃO VI, D. (1767-1826):  segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[4]TRÁFICO DE ESCRAVOS: uma das atividades econômicas mais lucrativas do período colonial, o tráfico de escravos oriundos da África foi responsável pela entrada de mais de 4 milhões de africanos no Brasil durante cerca de três séculos (Hebert Klein. A demografia do tráfico atlântico de para o Brasil. Estudos econômicos. Maio/ agosto, 1987). Alimentando-se de prisioneiros das guerras étnicas e, posteriormente, tribais que assolavam os reinos africanos, a procura por cativos foi fomentada pela expansão colonial baseada no sistema de plantation, dominante nas Américas, que se apoiava na mão-de-obra escrava. A pressão europeia pelo fornecimento de mercadoria humana levou à um crescimento exponencial da escravidão no continente. O tráfico negreiro resultou no chamado comércio triangular que envolvia África, Europa e América, integrados em um sistema de comercialização de diferentes tipos de riqueza: os escravos africanos, normalmente empregados nas grandes plantações de café, açúcar e algodão da América, eram trocados por tabaco, tecido, cachaça, rum ou armas na costa africana, ao longo da qual várias nações europeias acabaram estabelecendo feitorias para viabilizar o comércio. Transportados em navios tumbeiros ou negreiros, os escravos provinham principalmente do Senegal, da Gâmbia, da Costa do Ouro e da Costa dos Escravos, durante os séculos XVII e XVIII e do delta do Níger, do Congo e de Angola nos séculos XVIII e XIX. De acordo com os dados da The Trans-Atlantic Slave Trade Database – portal internacional de catalogação de dados sobre o tráfico atlântico –, navios portugueses ou brasileiros embarcaram escravos em quase 90 portos africanos, fazendo mais de 11,4 mil viagens negreiras. Dessas, 9,2 mil tiveram como destino o Brasil. A atividade mercantil teve sua expansão inicial entre os séculos XV e XVI – os primeiros escravos africanos chegaram ao Brasil com a expedição de Martim Afonso de Souza em 1530, vindos da Guiné e, em 1568, o governador-geral Salvador de Sá tornou-a oficial. Mas, foi entre os anos de 1750 e 1850, que o tráfico negreiro conheceu seu auge e teve como principal porto importador a cidade do Rio de Janeiro, sobretudo em função da necessidade de abastecimento da região das minas. O comércio de homens mulheres e crianças, tornava-se objeto de dupla exploração: a “mercadorização”, através do tráfico atlântico e a expropriação de sua força de trabalho dentro do sistema escravagista colonial nas Américas, gerando lucros extraordinários, apesar do custo elevado, das “perdas em trânsito”, como diria Manolo Fiorentino, referindo-se aos diversos riscos que envolviam a travessia atlântica (pirataria, epidemias, naufrágios) e das dificuldades para administrar tal atividade, sobretudo pela resistência africana a esse processo de coisificação (Maria Jorge dos Santos Leite. Tráfico Atlântico, Escravidão e Resistência no Brasil. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana. Agosto de 2017). Os traficantes de escravos, conhecidos como homens de negócios, foram os grandes beneficiários da atividade, tornando-se a elite econômica colonial, mas que precisavam recorrer a relações sociais mais amplas, tanto na metrópole quanto na América e na África, indispensáveis para o funcionamento do comércio atlântico de escravos. Segundo Jaime Rodrigues, o tráfico de escravos envolveu não apenas os africanos escravizados, mas toda uma rede formada por negociantes, feirantes, oficiais e marinheiros comuns, autoridades administrativas e colonos. (De costa a costa: escravos e tripulantes no tráfico negreiro. Rio de Janeiro/ São Paulo: Companhia das letras, 2005). Esse comércio de almas, foi, durante séculos tido como algo natural e justificado tanto economicamente quanto pela religião, que enxergava o processo de escravização como uma forma de levar a fé católica à povos infiéis. No entanto, no alvorecer do século XIX, filósofos liberais colocariam em debate a escravidão, iniciando uma intensa campanha abolicionista, liderada pela Inglaterra. Apesar das pressões britânicas pelo fim do comércio atlântico de escravos, que resultou na assinatura de diversos tratados abolindo a importação de africanos, como a lei Feijó de 1831, mas que seriam apenas “para inglês ver”, o tráfico negreiro, atividade econômica basilar no Brasil colonial, resistiria ainda meio século, mantendo-se, durante alguns anos, na clandestinidade após a proibição do tráfico de escravos em 1850.

[5] BERGANTIM: os bergantins eram navios de remos de traça, muito rápidos e de fácil manobra. Eram equipados com dez a dezenove bancos corridos de bordo a bordo. Envergavam tanto vela redonda quanto latina com um ou dois mastros. Nos primeiros tempos da presença portuguesa no Oriente realizavam as missões de contato, reconhecimento e transporte. Prestavam-se ainda a servir as fortalezas mais importantes, particularmente nas zonas onde a presença naval não era permanente. O bergantim era também uma embarcação de ostentação, favorito de monarcas e grandes senhores.

[6] BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

[7] BONAPARTE, JERÔNIMO NAPOLEÃO (1784-1860): príncipe francês e rei da Vestfália (1807-1813), irmão mais jovem de Napoleão Bonaparte. Em 1806, aporta com sua esquadra na cidade da Bahia (Salvador), onde foi bem recebido pela população local e pelo governo da capitania, então liderada por d. João de Saldanha da Gama. Além de realizar operações de reparos nas embarcações e providenciar cuidados com doentes, Bonaparte ainda negociou víveres com comerciantes locais, já que necessitava de reabastecimento para viagem de volta à Europa. Esta boa recepção, em um momento em que as pressões da coroa britânica sobre Portugal no sentido de rompimento com a França se intensificavam, é vista como uma pálida tentativa de demonstrar a toda poderosa Inglaterra que Portugal não se curvaria totalmente às vontades do seu aliado maior.

[8] AÇÚCAR: produto extraído principalmente da cana-de-açúcar e da beterraba, também chamado sacarose, constituiu uma das fontes de financiamento da expansão portuguesa. Originária da Nova Guiné, a cana sacarina foi trazida pelos árabes que a introduziram no norte da África e na Europa mediterrânea. Por muito tempo foi uma especiaria rara e de propriedades medicinais, além de seu emprego como tempero nas conservas e doces. Em Portugal, a cultura da cana existiu desde o século XIV no Algarves e na região de Coimbra, passando para a ilha da Madeira na costa africana, em meados do século seguinte, até ser bem-sucedido nas ilhas de São Tomé e Príncipe na primeira metade do século XVI. Não há precisão quanto à data de introdução da cana-de-açúcar no Brasil, embora se assinale sua presença na capitania de Pernambuco nas primeiras décadas do Seiscentos. Já o início da maior sistematização de seu plantio teria se dado a partir da segunda metade do século XVI. A fabricação do açúcar exigia alguns requisitos: por um lado, a instalação de um engenho demandava capitais consideráveis, por outro, requeria trabalhadores especializados. Exceto por esses trabalhadores, livres e assalariados, a mão de obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas, após 1570, os africanos tornaram-se cada vez mais comuns. O comércio da escravatura converteu-se em um lucrativo negócio nessa época. O cultivo da cana-de-açúcar progrediu ao longo do litoral brasileiro na direção norte, se desenvolvendo mais no Nordeste, especialmente nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, sendo esta última a maior produtora de açúcar do Brasil, com 66 engenhos no fim do Quinhentos. Nesse período, a maior parte do açúcar brasileiro destinava-se ao mercado internacional, chegando a portos do norte da Europa, especialmente Londres, Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã, onde eram refinados e comercializados. A cultura da cana-de-açúcar foi também muito importante, para o mercado interno. Muitos engenhos aproveitavam o açúcar para a produção da aguardente que, consumida localmente, dava grandes lucros aos seus senhores chegando a ter sua comercialização proibida pela Coroa. A fabricação de açúcar foi, seguramente, o primeiro empreendimento econômico a funcionar de modo organizado nas terras brasileiras. Outras atividades surgiram, mas a empresa açucareira se manteve na liderança por mais de um século.

[9]TABACO: planta nativa da América, era usada pelos indígenas com finalidades terapêuticas, religiosas e de lazer. Logo no início da colonização do Brasil, o plantio do tabaco foi estabelecido pelos colonos portugueses e seus descendentes. Mas, foi somente a partir de meados do século XVII, que sua produção deixou de ser um cultivo caseiro para espalhar-se por amplas regiões da colônia lusitana, sobretudo norte e nordeste. Ao contrário do açúcar, o cultivo do tabaco não necessitava de grande capital, e qualquer um podia cultivá-lo com certa facilidade (ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007). Popularmente chamado de fumo, era apreciado também na Europa, a princípio baseado em sua fama medicinal. A variedade do tabaco em pó – o rapé – era exportado, ainda, para a Índia e China. Foi o segundo maior produto de exportação da América portuguesa até o século XVIII e uma das principais mercadorias de troca utilizada no comércio de escravos na costa africana. O tabaco comercializado na África era chamado refugo – fumo de qualidade inferior, rejeitado para os mercados europeu e asiático, mas que tinha grande aceitação no escambo por escravos africanos. Devido a sua crescente importância, ainda em 1674, foi criada a Junta da Administração do Tabaco, responsável por administrar o monopólio real e coibir o contrabando. Posteriormente, em 1702, criaram-se superintendências nos portos mais importantes da colônia, com vistas a controlar a qualidade e o mercado. Ao superintendente cabia: assistir aos despachos e à boa arrecadação do tabaco; conceder licenças e fiscalizar a pesagem antes de enrolado e beneficiado; ter conhecimento sobre denúncias de descaminhos do tabaco; castigar os transgressores na forma da lei, entre outras atribuições. A partir de 1751, estas atribuições passaram às Mesas de Inspeção. Foram regiões produtoras de tabaco: Pará, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco e, sobretudo, Bahia.

[10] CASTRO, JOÃO DE ALMEIDA DE MELO E (1756-1914): 5º conde de Galvêas, foi um nobre e político português. Seguiu a carreira diplomática, tendo sido ministro de Portugal em Londres, Haia, Roma e embaixador em Viena de Áustria. Foi secretário para os Negócios Estrangeiros entre 1801 e 1803 e Ministro dos Negócios da Marinha e do Ultramar a partir de 1811, acumulou, posteriormente, as pastas da Fazenda (Real Erário) e da Guerra. Fundador do primeiro laboratório brasileiro, o Laboratório Químico-Prático do Rio de Janeiro (1812-1819), cujo propósito era o desenvolvimento de pesquisas químicas com finalidade comercial.

[11]BRITO, D. MARCOS DE NORONHA (1771-1817): oitavo conde dos Arcos, nasceu em Lisboa e foi o último vice-rei do Brasil. Destacou-se, ainda em Portugal, na carreira militar, e chegou a atingir a patente de tenente-general em 1818. Chegou à América portuguesa em 1803 para ocupar o cargo de governador da capitania do Pará e Rio Negro, onde permaneceu até 1806, quando foi promovido para o cargo de vice-rei, transferindo-se para o Rio de Janeiro. Ficou sob sua responsabilidade a preparação da cidade para ser a nova sede do Império português e receber a família real e a Corte. Em 1808, com a chegada do príncipe regente, findaram-se as funções de vice-rei, tendo sido nomeado, no ano seguinte, governador da Bahia, cargo que assumiu somente em 1810 e nele permaneceu até 1818. Neste período, ajudou a estabelecer a primeira tipografia e o jornal A Idade de Ouro na Bahia, fundou a Biblioteca Pública de Salvador e teve importante papel no combate a rebeliões e desordens causadas por escravos. Entrou em conflito algumas vezes com a classe senhorial local, que o considerava demasiadamente indulgente no trato com os escravos. O conde, por sua vez, acusava a elite baiana de ser selvagem, mesquinha e cruel com seus cativos, gerando sofrimento desnecessário e alimentando sentimentos de ódio e revolta. Durante a Revolução Pernambucana de 1817, destacou-se na repressão ao movimento, impedindo-o de penetrar na capitania da Bahia. No ano seguinte, retornou ao Rio de Janeiro como ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos, cargo que ocupou até o retorno da Corte para Portugal. O conde, entretanto, permaneceu ainda no Brasil até depois de declarada a independência e, só então, retornou à Europa.

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