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Juiz Conservador da Nação Britânica

Publicado: Segunda, 03 de Abril de 2017, 11h34 | Última atualização em Terça, 17 de Agosto de 2021, 21h32

Requerimento do desembargador Antônio Rodrigues Veloso de Oliveira, juiz conservador da nação britânica, solicitando que o novo desembargador lhe dê a mesma fiança que o antigo, Joaquim de Amorim Castro. O Conselho da Fazenda responde que muitos privilégios foram dados à nação britânica, porém nenhum ordenado específico extraordinário foi designado aos juízes conservadores por lei.

 

Conjunto documental: Conselho da Fazenda, Consultas sobre vários assuntos
Notação: códice 41
Data limite: 1808 - 1830
Título do fundo: Conselho da Fazenda
Código de fundo: EL
Argumentação de pesquisa: Portugal, comércio exterior - Grã-Bretanha
Data do documento: 5 de dezembro de 1810
Local: Rio de Janeiro
Folhas: 26v a 27v

 

Sobre pretender o Desembargador Antônio Rodrigues Velozo de Oliveira, Juiz Conservador[1]  da Nação Britânica, que na Chancelaria se lhe admite fiança, aos novos direitos respectivos à sua conservatória, visto não lhe estar ainda arbitrado o correspondente ordenado como se praticava com seu antecessor o Desembargador Joaquim de Amorim Castro.

Parecer do Conselho, que segundo a legislação estabelecida sobre os novos direitos da Chancelaria pode deferir-se a fiança, que o suplicante pede, para os `ilegível`, e precauções desta conservatória, ou mandando-se proceder à lotação deles, ou a uma avaliação provisional; Não há porém expresso na mesma legislação, que se devam novos direitos na Chancelaria pelo ordenado, gratificação ou `emolumento] que estes conservadores recebem da nação de cujos nacionais são juízes em virtude de tratados; antes o que dita a razão, e é corrente com os princípios do direito público, é que não se devem semelhantes direitos por um ordenado, ou `emolumento`, que não é determinado por Vossa Alteza Real, mas designado e pago por uma Nação Estrangeira, cuja autoridade de estabelecer ordenados, ou `emolumentos] a vassalos de V. A. R. empregados na Administração Pública, não se pode admitir sem ofensa dos direitos da `ilegível].

Os augustos predecessores de V. A. R. concederam entre outros muitos Privilégios de juízes privativos ou conservadores a quase todas as nações, que iam comercializar a Lisboa, acham-se movimentos destes concessores desde o ano de mil quatrocentos e cinquenta e dois, e na ordenação do Reino[2] Livro primeiro, título cinqüenta e dois, parágrafo nono, foi designado o ouvidor da Alfândega para conservador dos Ingleses. Pelo tratado de 1654[3],  converteu-se em direito, o que até ali fora Privilégio; separou-se a conservadoria dos Ingleses da Ouvidoria da Alfândega, como se vê no Alvará de 20 de Outubro de 1656, e todas as outras Nações, a este exemplo estipularão também terem conservadores como era concedido à nação Inglesa. Nem nesse tratado se estipulou ordenados dos Conservadores, nem se acham designados no sobredito Alvará de 1685 o favor dos franceses para terem Conservadores, como tinham os Ingleses. No parágrafo 15 do regimento da Chancelaria se mandão pagar novos direitos das Conservadorias, e cargos de Juízes Privativos, como dos feitos da Misericórdia, e outros semelhantes; e da que se pretenderia tirar por argumento, que nessa generalidade ficarão compreendidas as Conservatórias, de que se trata.

O argumento não pode prevalecer contra os princípios de direito e menos pode produzir obrigações, ou dever, que só emanam da Lei expressa. O Soberano nesse regimento teve em vista, como é claro no seu preâmbulo, taxar as Mercês[4] úteis que emanavam da Coroa, ou dos donatários dela, o ordenado, [emolumento] ou gratificação; que uma Nação Estrangeira dá ao seu conservador, está inteiramente fora da Coroa, e dos seus donatários, e portanto não fez, nem podia fazer, objeto para a imposição dos nossos direitos.

Por todas estas razões é o parecer do Conselho que não se devem novos direitos, pelo ordenado que houver de receber da Nação Inglesa, como seu Conservador, e que só deve pagar novos direitos na Chancelaria correspondente às assinaturas, [ilegível] e precauções desta conservatória, como por lei se acham designados a todos os julgamentos, e que por isso fizerão o objeto desta imposição no regimento, que a estabeleceu.

Vossa Alteza Real porém com a sua soberana soberania resolverá o mais justo. Rio em 5 de dezembro de 1810. A. R. Como parecer. Palácio do Rio de janeiro em 7 de dezembro de 1810.

 

[1]JUIZ CONSERVADOR: juízes privativos que se responsabilizavam por esferas específicas, sua jurisdição aplicava-se a grupos de indivíduos, atividades ou sobre certas matérias ou causas predeterminadas. Era o caso dos juízes conservadores que, por vezes definidos de forma muito semelhante, guardavam privilégios de certos grupos e também definiam a justiça em determinadas matérias. Os juízes conservadores das nações remontam ao século XIII, quando juristas europeus desenvolveram a teoria estatutária segundo a qual apenas os súditos do reino (ou da cidade) deveriam gozar dos direitos e seguir os deveres estabelecidos pela legislação local. Contudo, a superposição de esferas de jurisdição não era incomum, e o princípio segundo o qual a lei se aplicava apenas aos súditos encontrava limitações, geralmente inspiradas pelos antigos textos romanos, que tanto marcavam a estrutura jurídica portuguesa. De uma forma geral, “vigoravam os preceitos dos acordos e tratados com os países de origem, tendo muitas comunidades estrangeiras as suas conservatórias (juízes privativos), garantidas por tratado. ” [Antônio Manuel Hespanha. Direito luso-brasileiro no Antigo Regime. Boiteux, Florianópolis, 2005]. Ou seja, para determinadas pessoas, entidades ou corporações existia um juiz conservador para julgar suas causas privativamente. Era o caso de britânicos, espanhóis, holandeses que viviam em Portugal, da Universidade de Coimbra, da Ordem de Malta entre outros Se em Portugal o juiz conservador da nação britânica foi instituído no tratado de 1654, no Brasil ele surgiu com a vinda de d. João para o Rio de Janeiro, por um decreto de maio de 1808. Não se tratava propriamente de um juiz inglês, mas de juiz nacional escolhido pelos súditos ingleses residentes no local da jurisdição, aprovada a escolha pelo Embaixador ou Ministro da Grã-Bretanha, e levado o nome ao Rei (ao Príncipe Regente) que poderia vetá-lo. O cargo possuía jurisdição e competência nas causas de interesse nacional inglês. A existência deste cargo no Brasil representava um claro privilégio, já que somente a nação inglesa se encontrava assim defendida. Além do mais, não havia a reciprocidade em relação aos brasileiros. O privilégio foi ratificado pelo art. X do Tratado de Comércio e Navegação firmado aos 19 de fevereiro de 1810. A Constituição Imperial de 1824 questionou a sua permanência, vigorosamente defendida pelos ingleses, já que a sua continuação fora parte do acordo estabelecido entre Brasil e Inglaterra em que esta reconhecia a independência da nova nação em 1822. Em 1834, a polêmica novamente se fez perceber e o cargo foi definitivamente extinto em 1844, por decisão do Conselho de Estado.

[2]ORDENAÇÕES: trata-se de um conjunto de leis que refletiam o esforço do aparelho do Estado em registrar oficialmente as normas jurídicas vigentes nos diversos reinados, pois a dispersão das leis vigentes e aplicáveis trazia uma inevitável incerteza quanto à sua aplicação e, portanto, prejuízos à vida administrativa, política, econômica e jurídica de Portugal e seus domínios ultramarinos. As ordenações afonsinas, promulgadas por d. Afonso V (1432-1481), constituíram a primeira destas compilações, sendo substituídas pelas ordenações manuelinas (1521) e pelas filipinas (1603), compiladas sob o governo de Felipe I à época da União Ibérica, e vigoraram até 1868 em Portugal.

[3]TRATADO DE 1654: com o fim da União Ibérica – união dinástica entre as coroas portuguesa e espanhola, incluindo suas possessões coloniais, sob o controle do rei da Espanha, Felipe II –, a difícil situação de Portugal, economicamente derrotado, e ainda sob ameaça da coroa espanhola, levou o reino a realizar alianças e assinar tratados, em especial com a Inglaterra, de quem Portugal passou a se tornar cada vez mais dependente, a ponto de, em certos momentos, comprometer sua soberania. Um destes tratados foi assinado em Londres no ano de 1654,  e reduzia para 23% as taxas sobre as mercadorias inglesas que passavam pelas alfândegas portuguesas, além de permitir aos navios ingleses o comércio com as colônias lusas, salvo algumas exceções – no Brasil, por exemplo, alguns produtos continuavam a ser comercializados apenas pela Coroa portuguesa. Este tratado também garantia a liberdade religiosa para os súditos ingleses (em sua maioria não católicos) e instituía o juiz conservador da nação britânica, que tratava dos privilégios jurisdicionais dos súditos britânicos em Portugal e no Brasil colonial. Segundo Rodrigo Ricupero (O exclusivo metropolitano no Brasil e os tratados diplomáticos de Portugal com a Inglaterra. Revista de História, n.17. São Paulo, 2017), o tratado era muito desfavorável à Portugal, sobretudo em se tratando do fim do exclusivo metropolitano, ao ponto de que o mesmo só fosse ratificado por d. João IV em 1656 mediante a ameaça de ataque da armada inglesa aos navios portugueses na entrada da barra de Lisboa.

[4]MERCÊ: o mesmo que graça, benefício, tença e donativos. Na sociedade do Antigo Regime, a concessão de mercês era um direito exclusivo do soberano, decorrente do seu ofício de reinar. Cabia ao monarca premiar o serviço de seus súditos, de forma a incentivar os feitos em benefício da Coroa. Desse modo, receber uma mercê significava ser agraciado com algum favor (concessão de terras, ofícios na administração real, recompensas monetárias), condecoração ou título pelo rei, os quais eram concedidos sob os mais variados pretextos. Em 1808, após a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, foi criada a Secretaria do Registro Geral das Mercês, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, quando da recriação, no Rio de Janeiro, dos órgãos da administração do Império português. Tinha por competência o registro dos títulos de nobreza e de fidalguia concedidos como graça, benefício e recompensa pelo monarca. As formas mais frequentes de mercês eram os títulos de nobreza e fidalguia, com as terras e tenças correspondentes, os hábitos das Ordens Honoríficas, cargos e posições hereditários. A concessão de mercês era também uma forma do monarca balancear os privilégios entre seus súditos, mantendo os bons serviços prestados por quem já havia conquistado alguma graça e incentivando o bom trabalho dos que almejavam obtê-las. Com a transferência da Corte da Europa para a América, poder-se-ia crer que os súditos da terra passariam a obter mais mercês, mas a hierarquia que havia entre a metrópole e a colônia, reproduzida na concessão de benefícios acabaria por se manter na colônia, mesmo depois da elevação a Reino Unido. Poucos títulos de nobreza foram concedidos, uma vez que na América não havia a nobreza de sangue, de linhagem, mas somente a concedida por grandes favores prestados ao reino, políticos ou militares. Entre as ordens honoríficas observa-se que houve a concessão de mais títulos, mas a maioria de baixa patente ou menor importância, os mais altos graus ainda eram reservados para a nobreza metropolitana. Mesmo concedendo hábitos, títulos de cavaleiros, posições e cargos, as mercês reservadas aos principais da colônia eram inferiores àquelas reservadas aos grandes da metrópole.

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