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Prisão nos caminhos de Paraty

Publicado: Sexta, 15 de Junho de 2018, 14h40 | Última atualização em Segunda, 19 de Abril de 2021, 23h36

Carta de Gomes Freire de Andrade à corte informando seu sucesso em prender Antônio Pereira de Souza e seus sócios, responsáveis pela falsificação das moedas. Informa ainda o esforço de Fernando Leite Lobo, ouvidor geral da capitania para a mesma prisão. O padre Manoel Carneiro, conhecido sócio de Pereira também foi preso. Finaliza a carta com detalhes sobre a prisão.

 

Conjunto documental: Correspondência ativa e passiva dos governadores do Rio de Janeiro com a corte. Registro original.
Notação: cód. 80, vol. 06.
Datas-limite: 1733-1737
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: ouro
Data do documento: 19 de dezembro de 1733
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): 15

 

Sobre Antônio Pereira e outros criminosos do ouro.

Senhor.

Em observância das reais ordens que tive de vossa majestade pela secretaria de estado, logo que tomei posse deste governo, pus maior cuidado e diligência em prender Antônio Pereira de Souza[1] e seus sócios nos altos delitos de fundir barras e fazer moedas. O primeiro que pude alcançar foi Christóvão Cordeiro de Castro em cuja diligência teve grande parte o ouvidor geral[2] desta capitania, Fernando Leite Lobo.. E tendo notícia que o padre Manoel Carneiro[3], sócio de Antônio Pereira vinha dos Goyazes[4], para onde se tinha retirado no tempo em que meu antecessor buscava, e que não entrando neste porto para onde vinha à vila de Paraty[5] arribava a [...]. e como eu tinha alguma suspeita de que o dito Antônio Pereira estava nesta capitania, pus toda atividade e cuidado em encontrar eu, o outro delinquente, não perdoando diligência alguma em alcançar tão importante fim, e assim foi uma noite encontrado o dito padre. No caminho desta cidade para onde vinha em um bom cavalo, armado de pistolas, e uma engatilhada na mão, sendo encontrado por uma esquadra de soldados e posto em custódia em uma das fortalezas da barra. Compareceram dois ministros que aqui se acham, foi emitida a ordem de vossa majestade na fragata Nossa Senhora das Ondas que fez comboio à frota da Bahia.

No dia 15 de outubro tive segura notícia de Antônio Pereira de Souza, e mandei o capitão tenente Dom Pedro de [Tre] a esta execução, que fez com valor, fortuna e acerto, trazendo preso o dito Antônio Pereira e seu companheiro, Manoel da Silva Soares, ambos recomendados nas reais ordens de vossa majestade e havendo-se mudado quatro dias antes da Serra dos Órgãos[6], aonde eu tinha espião [...] para uma [...], e nela se acham indícios de pertencerem ao grupo `...`, a nova fábrica, o que se justifica com mais alguns documentos, os quais estão com a frota, com os presos na forma da ordem de vossa majestade.

[...] contavam ser impossível a prisão deste homem, tanto pela aspereza do país, como pelo conhecimento que se tem de seu infernal espírito sobrenatural, viveza e forte desconfiança e também pelos valedores, que de sentinelas serviam nesta cidade, porém com alguma despeza grande, dissimulação e maior segredo, se manejou este negócio em forma que venceu o modo, e é certo que para terem [...] semelhantes dependências entre tantos inimigos da Real Fazenda[7] deve governá-las a arte, porque na América, em semelhantes casos, tem império a força.

Tendo notícia das diligências que meu antecessor havia feito por descobrir uma picada ou vereda, os metedores de ouro, com grande despeza e trabalho haviam feito das minas a atividade mais incógnita que se foi possível, o que não pode conseguir fazendo em vários destacamentos a seu descobrimento, tive a fortuna de dar nela. O mestre de campo da ordenança, Estevão Pinto com os seus negros e mais família, trabalhou com grande zelo do serviço de vossa majestade e alcançou encontrá-la, achando algumas canoas em que no rio faziam sua passagem, e eu entro pela devassa[8] a ver se posso descobrir os cabeças desta máquina, persuado-me a encontrar algumas delas. Ao conde de Galveas[9] avisei logo dando-lhe alguma notícia de quem manejava esta negócio daquela parte `...`, aqui não posso saber com certeza quem era seu correspondente desta.

A frota não é chegada a este porto. Dos governadores das Minas, São Paulo, Angola e Colônia tenho cartas e tudo se acha sem novidades.

À real pessoa de vossa majestade. Deus `...] como seus vassalos havemos mister. Rio de Janeiro, dezenove de dezemb

 

[1] SOUZA, ANTÔNIO PEREIRA DE: ocupou o cargo de abridor dos cunhos da Casa da Moeda do Rio de Janeiro, responsável por moldar numa peça de ferro o molde para a cunhagem das moedas reais. A partir de 1730, entretanto, Antônio Pereira aparece nos registros oficiais como um falsário e contrabandista. Suas conexões com figuras envolvidas no comércio ilícito (indivíduos de várias origens, de escravos a clérigos) tornaram-se claras aos olhos das autoridades da metrópole e seu nome foi registrado em devassas realizadas entre 1730 e 1740. Parte do ouro vindo dos sertões era cunhado em moedas falsas que atravessavam as fronteiras da América portuguesa ou se dirigiam para outros reinos europeus. Por trabalhar na Casa da Moeda, o funcionário da Coroa encontrava-se em posição privilegiada, tanto para falsificar, como para desviar o ouro que vinha da região das minas. Inácio de Souza Jácome, juiz de fora da capitania do Rio de Janeiro, foi o primeiro a acusá-lo de falsário, em 1730. Ficou preso por ordem de Luís Vahia Monteiro no palácio dos Governadores, no Rio de Janeiro, com a justificativa da falta de segurança da cadeia pública da cidade. No entanto, Antônio Pereira logrou escapar, instalando-se nas cercanias da cidade, onde continuou a sua atividade de falsário. Tinha conexões com homens de negócios, religiosos e outros funcionários da Coroa. O depoimento de uma companheira sua, Brites Furtada, indicava, inclusive, que o próprio procurador da Coroa na época, Sebastião Dias da Silva e Caldas, integrava esta rede de corrupção, sem falar no juiz de órfãos Antonio Teles de Menezes, que o abrigou em sua propriedade após sua fuga. Foi preso por Gomes Freire em 1733, em meio a planos de construir uma fábrica de moeda e barras falsas em Itabera, capitania de Minas Gerais.

[2] OUVIDOR: o cargo de ouvidor foi instituído no Brasil em 1534, como a principal instância de aplicação da justiça, atuando nas causas cíveis e criminais, bem como na eleição dos juízes e oficiais de justiça (meirinhos). Até 1548, a função de justiça, entendida em termos amplos, de fazer cumprir as leis, de proteger os direitos e julgar, era exclusiva dos donatários e dos ouvidores por eles nomeados. Neste ano foi instituído o governo-geral e criado o cargo de ouvidor-geral, limitando-se o poder dos donatários, sobretudo em casos de condenação à morte, entre outros crimes, e autorizando a entrada da Coroa na administração particular, observando o cumprimento da legislação e inibindo abusos. Cada capitania possuía um ouvidor, que julgava recursos das decisões dos juízes ordinários, entre outras ações. O ouvidor-geral, por sua vez, julgava apelações dos ouvidores e representava a autoridade máxima da justiça na colônia. Sua nomeação era da responsabilidade do rei, com a exigência de que o nomeado fosse letrado. Dentre as suas muitas atribuições, cabia-lhe informar ao rei do funcionamento das câmaras e, caso fosse necessário, tomar qualquer providência de acordo com o parecer do governador-geral. Ao longo do período colonial, o cargo de ouvidor sofreu uma série de especializações em função das necessidades administrativas coloniais. Dentre os cargos instituídos a partir de então, podemos citar o de ouvidor-geral das causas cíveis e crimes em 1609 (quando da criação da Relação do Brasil, depois desmembrada em Relação da Bahia e do Rio de Janeiro); o de ouvidor-geral do Maranhão em 1619, quando há a criação do Estado do Maranhão; e o de ouvidor-geral do sul em 1608, quando foi criada a Repartição do Sul.

[3] CARNEIRO, MANOEL: o padre Manoel Carneiro é citado na documentação oficial como um dos cúmplices mais importantes do Mão de Luva. Oriundo do interior (Goyazes), o religioso foi preso por Gomes Freire, enquanto se encontrava a caminho do Rio de Janeiro, e a partir da região de Parati, onde se escondia.

[4] GOIÁS, CAPITANIA DE: região localizada no centro-oeste brasileiro, já era conhecida pelos portugueses desde o século XVI. No entanto, seu processo de colonização iniciou-se apenas no final do século XVII, a partir das descobertas de minas de ouro por bandeirantes paulistas – com destaque para Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, considerado o descobridor de Goiás. Entre 1590 e 1670, diversas bandeiras percorreram a região, vindas de São Paulo e, a partir de 1653, outras partiram de Belém pelo Amazonas e alcançaram a região dos rios Tocantins e Araguaia. Além de bandeirantes em busca de ouro e escravos, também jesuítas chegaram para catequizar, principalmente, os povos indígenas. Assim, em 1727 é fundado o arraial de Santana, que viria a se transformar na vila Boa de Goiás, próximo da fronteira com o atual estado do Mato Grosso. A exploração do cobiçado mineral na região ampliou as fronteiras ocupadas da América portuguesa, inicialmente com a chegada dos colonos de São Vicente, tradicionalmente berço de desbravadores e caçadores de riquezas, aos quais logo se seguiram reinóis e aventureiros de diversas capitanias. Índios chamados Goyazes habitavam a Serra Dourada e deram origem ao nome da capitania. Aparentemente, haviam migrado da região amazônica em tempos não muito remotos e juntaram-se a outros grupos em resistência às seguidas tentativas de extermínio e escravização pelos brancos que chegavam atrás do ouro. As “minas dos Goyazes” estiveram inicialmente subjugadas à jurisdição da capitania de São Paulo. No entanto, sua criação data de 9 de maio de 1748, quando a capitania de São Paulo foi desmembrada dando origem a três capitanias distintas: São Paulo, Mato Grosso e Goiás. Foi o segundo maior produtor de ouro durante o período colonial, depois de Minas Gerais. Mas observa-se também a existência de uma economia de subsistência para alimentar os mineiros e escravos que trabalhavam nas minas. Com o declínio da mineração, em fins do século XVIII, os goianos passariam a se dedicar a atividades agropastoris, exportando gado e seus subprodutos, além de algodão e açúcar, para as capitanias vizinhas do Norte e Nordeste.

[5] PARATY: o primeiro registro oficial do povoado data de 1597, quando da expedição de Martim Correia de Sá. Na época, o vilarejo pertencia à capitania de São Vicente. Em 1667, Parati fica independente de Angra dos Reis, em função de seguidas rebeliões dos moradores, passando a pertencer à capitania do Rio de Janeiro. Seu porto tornar-se-ia de importância central para a exportação do ouro nos primeiros anos da atividade mineradora. Logo, entretanto, o Caminho Velho, que ligava o litoral à região das minas e que se iniciava em Parati e cruzava o vale do Paraíba, foi substituído pelo Caminho Novo, que levava da serra, no interior a Angra dos Reis, e daí, por terra, ao Rio de Janeiro. Em 1720, a vila ficou sob a jurisdição da capitania de São Paulo, mas, em 1726, uma carta régia determina a volta da vila para o domínio da capitania do Rio de Janeiro. Embora o desvio do percurso do ouro tenha esvaziado a região, o declínio de fato se acentuou em meados do século XIX. Naquela época, parte da produção de café que começava a crescer no vale do Paraíba era escoada pelo porto de Parati. Com a chegada da estrada de ferro à Piraí, o produto passou a ser transportado por uma outra rota. A região voltou-se para as lavouras de cana-de-açúcar e para a produção de aguardente.

[6] SERRA DOS ORGÃOS: localizada no estado do Rio de Janeiro, erguendo-se a partir do seu litoral e alcançando a divisa com o estado de Minas Gerais, integra a Serra do Mar, cadeia de montanhas que forma um obstáculo natural entre o mar e o interior da região sudeste do Brasil. Seu nome deve-se à semelhança percebida pelos primeiros portugueses que chegaram à região no século XVIII entre os picos e suas alturas e os tubos de órgãos encontrados nas igrejas da Europa. Durante o ciclo do ouro em Minas, havia um trecho do Caminho Novo, aberto nos anos 1720, que cruzava esta serra, encurtando o trajeto entre o Rio de Janeiro e a região das minas em 20 dias, quando em comparação com o Caminho Velho, que passava por Parati. Nessa época, as tropas que realizavam comércio entre Minas e Rio de Janeiro utilizavam pontos da serra para abastecimento e descanso.

[7]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[8] DEVASSA: a devassa era um processo ou rito processual judicial estabelecido nas Ordenações do Reino, de natureza criminal, com características inquisitoriais, que concedia pouco ou nenhum direito de defesa ao acusado. Esse rito processual vigorou no Brasil até a promulgação do Código Criminal do Império, em 1830. Nas Ordenações Filipinas, assim como previsto nas Manuelinas, as devassas se dividiam em gerais e especiais: as gerais versavam sobre delitos incertos e eram realizada anualmente, sendo de competência do juiz de fora, ordinários e corregedores; as devassas especiais supunham a existência de um delito já cometido, cuja a autoria era incerta. A primeira tinha por objetivo o delito de autor incerto e eram tiradas uma vez por ano; a segunda se ocupava somente da autoria incerta. (Lucas Moraes Martins. Uma Genealogia das Devassas na História do Brasil. http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3245.pdf) Havia também as devassas eclesiásticas, instrumento extrajudicial e temporário acionado por ocasião da presença do visitador do Tribunal Eclesiástico a uma localidade, em geral longe dos centros, com o objetivo de observar o controle dessa população no tocante ao cumprimento da doutrina católica e à conduta atentatória à família e aos bons costumes. Um Auto de Devassa é uma peça produzida no decorrer do processo judicial que reúne as petições, termos de audiências, certidões, entre outros itens.

[9] CASTRO, ANDRÉ DE MELO E (1668-1753): 4º conde das Galveias, foi embaixador junto à Santa Sé no governo de d. João V, nomeado governador e capitão-general de Minas Gerais em 1732. Quatro anos depois, 1736, foi nomeado vice-rei do Estado do Brasil, cargo que ocupou até 1749. Logo no início de seu governo, a colônia de Sacramento foi invadida pelos espanhóis, mas, com seu apoio, conseguiu resistir ao cerco até 1737, quando foi novamente retomada. Promoveu a criação de tropas na Bahia e o povoamento dos sertões, como Minas Gerais e Goiás, e do Sul, no Paraná e Rio Grande do Sul.

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