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Armações e invasões

Publicado: Segunda, 16 de Agosto de 2021, 15h24 | Última atualização em Segunda, 16 de Agosto de 2021, 15h24

Provisão na qual o rei ordena que se abatam seis mil cruzados do valor total do contrato da pescaria de baleias de Paulo Luiz da Gama, que durou de 1708 à 1711. A medida se explicava porque nos dois primeiros anos o contratador teve um prejuízo enorme que poderia ter sido remediado no terceiro ano, não fosse a invasão francesa, visto que havia muitas baleias nas armações nesse período. 

 

Conjunto documental: Governadores do Rio de Janeiro
Notação: códice 77, vol. 24
Datas-limite: 1644 - 1719
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: pesca, baleias
Data do documento: 13 de janeiro de 1717
Local: Lisboa
Folha(s): 265-267

 

Dom João[1] por graça de Deus, rei de Portugal e dos alcances daqueles do seu mar, na África senhor de Guiné, faço saber do que esta provisão chegar, que tendo em consideração ao que se me representou por parte de Paulo Luiz da Gama em razão de que arrematando o contrato[2] de pescaria das baleias[3] na capitania do Rio de Janeiro por tempo de 3 anos que tendo principio em abril de 1708 até o ultimo de março de 1711, em preço de 60 mil cruzados[4] não tendo passado no ano antecedente de quarenta mil e tantos cruzados sucedera por ser muito diminuída a pescaria no primeiro ano porque custando se matar na armação daquela cidade 25 baleias, se não mataram mais de 21 e na armação[5] da Marambaia as que se queriam e podiam aproveitar se não mataram mais que 14 e no segundo ano, as armações aumente 11 ou 12 baleias, no que receberam uma considerável perda, e da mesma maneira no terceiro ano, enquanto tento nele a esperança de grandes pescas pela grande quantidade de baleias, que se descobriam, sucedera ir aquela barca uma armada[6] de franceses, a armadilha de maneira que totalmente impedia a dita pesca, em ambas as armações por serem nos meses em que a armada ocupou os sítios em que se costumava fazer ficando por esta causa, irremediável a sua perda e que como esta fora originada pela dita guerra[7] e em uma das condições do seu contrato antecedendo-se o dito caso se permanecera que sucedendo a alguns meios inimigos e impedissem os tais contratos, digo do tal contrato as pescas que franceses se farão ou fazem fora da barra, se tomaram o prejuízo para se abater no preço de sua arrematação, me pedia lhe mandar-se dar o cumprimento a dita condição, seu requerimento, documento que com ele apresentou informações que se sucederam ao governador e provedor da fazenda a que se deu vista. Houve por bem resolução de 4 de março do ano passado, em consulta do meu conselho ultramarino ao Paulo da Gama se lhe abatam no preço do seu contrato 6 mil cruzados. Pelo mando ao meu governador da capitania do Rio de Janeiro e ao Provedor de minha fazenda, dela cumpram e guardem esta provisão e o façam cumprir e guardar como nela se contem.
O rei nosso senhor mandou a João Telles da Silva e Antonio da Costa conselheiros do seu Conselho Ultramarino[8] . Theotonio Pereira de Castro o fez em Lisboa a 13 de janeiro de 1717.

 

[1]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2]CONTRATO: desde o século XV, a coroa portuguesa estabeleceu o sistema de monopólio para a exploração das riquezas em suas colônias, incidindo sobre produtos, portos, rotas. A imposição do “exclusivo colonial” se encontra na base da relação colônia/metrópole. No final deste mesmo século, como forma de aumentar sua renda para além da arrecadação de impostos e das várias taxas (alfândega, circulação de mercadoria), a Coroa passou a arrendar para terceiros, sob a forma de contratos, o direito de monopólio em determinadas atividades, aumentando assim sua liquidez, diminuindo os riscos da empreitada. Na colônia americana, os contratos do sal, pau-brasil, escravos e pesca da baleia integravam o sistema de monopólio real, e ofereciam aos contratadores a oportunidade de aumentar negócios e acumular riquezas. Os contratos tinham data para começar e terminar, e a sua assinatura também exibia um caráter político muito forte: apenas fidalgos bem relacionados poderiam arrematá-los, dependendo o sistema de um jogo de interesses e influências.

[3]PESCA DE BALEIAS: os primeiros acordos firmados entre contratadores da pesca (ou caça) de baleias e a Coroa portuguesa ocorreram durante a União Ibérica (1580-1640). A atividade, cujos primeiros passos se deram ainda no início do século XVII, ganharia impulso na segunda metade do século e teria seu apogeu cerca de cem anos depois, entre 1730 e 1760. Era frequente a presença de baleias na baía de Guanabara, convertendo a capitania do Rio de Janeiro em importante núcleo baleeiro durante o período colonial. No entanto, com a intensificação do trânsito de embarcações, após a descoberta de metais preciosos em Minas Gerais, os animais migraram para fora da baía. Logo, uma nova armação (local em que a baleia era morta e destroçada) seria construída na região de Búzios, mais ao norte da cidade. Além do litoral fluminense, também Santa Catarina, Bahia e Ilha Bela (SP) desenvolveram a atividade. As chamadas fábricas ou engenhos de azeite integravam as armações e era o local onde a gordura era processada e, posteriormente, utilizada na iluminação de ruas, casas e engenhos. O negócio de pesca de baleias era muito lucrativo, produzindo diferentes subprodutos: o azeite era combustível e o que não fosse aproveitado na iluminação era utilizado no preparo de argamassa usada nas construções; as barbatanas eram matéria prima para fabricação de leques e espartilhos; a carne, para alimentação e os ossos, usados na feitura de botões. A pesca encontrou seu declínio no século XIX, com a introdução da iluminação a querosene, mas só foi proibida no Brasil nos anos 1980.

[4]CRUZADO: moeda portuguesa introduzida por d. Afonso V em 1457 durante uma expedição contra o Império Otomano. No início, era cunhada apenas em ouro e apresentava uma cruz em seu reverso. Na época, o sistema monetário português tinha por base o real. A introdução do cruzado, que em seu lançamento valia 253 reais, marcou o período de estabilização da moeda portuguesa. Lastreada no ouro extraído das minas africanas de Portugal, a moeda teve boa aceitação tanto no mundo cristão quanto muçulmano. Em 1555 foi suspensa a sua cunhagem e, no reinado de Afonso VI, em 1663, o cruzado voltou a ser produzido, desta vez feita em prata.

[5]ARMAÇÃO: conjunto de instalações erguidas no litoral para o processamento da baleia. Em geral, incluía um armazém para o estoque dos produtos processados a partir do animal; o engenho, onde a gordura era processada, e o engenho de azeite; uma casa de ferramentas específicas à atividade; o telheiro para a embarcação. Normalmente, em torno desse conjunto se desenvolviam outras atividades de subsistência e se agregavam capelas, boticas, depósitos de lenha, dando origem a núcleos populacionais, muitos de importância regional. Nas cercanias de Cabo Frio, a armação ali instalada viria a se tornar a cidade de [Armação dos] Búzios, estado do Rio de Janeiro. [ver também PESCA DE BALEIAS].

[6]ARMADA: no começo do século XV significava um conjunto de embarcações de guerra. Quando este conjunto era numeroso, chamava-se frota, fundamental para o sucesso das economias europeias, visto que a maior parte das riquezas (fossem especiarias, ouro, prata, tecidos) circulava entre os vários continentes através dos oceanos. A empreitada colonial apresentava a necessidade de proteção dos territórios conquistados em outros continentes, acentuando a importancia da defesa naval. Coube aos portugueses o pioneirismo nos descobrimentos marítimos, cujas primeiras navegações foram feitas em navios como a barcha ou barca e o barinel. Em meados de 1440, os lusos aperfeiçoaram um novo tipo de embarcação, que viria a ser o mais característico da época: a caravela. Era uma espécie mais alongada que os anteriores, de borda alta e usando velas latinas triangulares, o que a tornava apta a navegar quase contra o vento. Já no século XVIII, bergantins, as naus e fragatas foram os navios de guerra mais utilizados pela Coroa portuguesa.

[7]INVASÕES FRANCESAS [AO RIO DE JANEIRO]: durante todo período colonial, registrou-se a presença de franceses ao longo da costa brasileira, fosse por meio da atividade corsária, incorrendo junto à população nativa o escambo do pau-brasil, ou através de tentativas de colonização de parte do território, como foi o caso do Rio de Janeiro e do Maranhão. A primeira investida para fundação de uma colônia francesa na Baía de Guanabara foi realizada, ainda, em 1555, quando a expedição comandada por Nicolas Durand de Villegagnon estabeleceu um núcleo de povoamento conhecido como França Antártica. A campanha de Estácio de Sá para a expulsão dos franceses se estendeu de 1660 a 1667, período em que foi fundada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, a princípio num istmo entre o morro Cara de Cão e o morro do Pão de Açúcar e, posteriormente, transferida para o alto do morro do Castelo. No entanto, uma segunda invasão francesa ao Rio de Janeiro ocorreria em setembro de 1711, sob o comando do corsário francês René Duguay-Trouin. Liderando uma esquadra fortemente armada, conseguiu reparar a derrota sofrida por Jean François Duclerc, que tentara ocupar a cidade alguns meses antes. O Rio de Janeiro transformou-se em palco de acirradas batalhas, foi saqueado e teve várias de suas construções destruídas. Duguay-Trouin libertou parte da tripulação feita prisioneira durante a invasão comandada por Duclerc em 1710, assim como cripto-judeus que seriam enviados para a Inquisição em Portugal. Depois de pilhar a cidade e afastar a população para o interior, Duguay-Trouin exigiu o pagamento de um resgate sob pena de destruí-la. O governador Francisco de Castro Morais acabou permitindo que o corsário levasse todo o ouro e riqueza que conseguisse encontrar, tendo em vista que, na fuga para o interior, a população carregara consigo seus pertences de valor, tornando impossível arrecadar o resgate exigido. Parte do que os franceses conseguiram obter foram bens e produtos sequestrados, em parte revendidos aos próprios moradores da localidade, contribuindo para o sentimento de humilhação dos habitantes do Rio de Janeiro, em  face de uma entrega tão fácil da cidade aos estrangeiros.

[8]CONSELHO ULTRAMARINO: criado em 1642, à semelhança do Conselho da Índia que atuara durante a União Ibérica, tinha como objetivo padronizar a administração colonial. Sua alçada incluía os Estados do Brasil, Índia, Guiné, São Tomé, e outras partes da África, provendo os cargos relacionados à administração colonial. Responsabilizava-se pelas finanças das possessões portuguesas, a defesa militar das mesmas, a aplicação de justiça. Desde a cobrança de impostos, até o tráfico de escravos, passando pela emissão de documentos e as ações de defesa territorial, pouco acontecia nas colônias que não tivesse que passar pelo conselho, que tinha prerrogativas de fiscalização e também executivas. O processo decisório no âmbito do conselho e a efetivação das suas decisões transcorriam de forma lenta, devido à necessidade de informes e contra-informes em variadas instâncias, somadas às distâncias abissais entre as várias localidades do império colonial português. Já no período do marquês de Pombal, o conselho entrou em declínio, e suas atribuições foram pouco a pouco assumidas por outras secretarias de Estado, que administravam de forma mais ágil por dispensarem as várias instâncias de comunicação e decisão.

 

 

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