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Real Câmara

Publicado: Quinta, 09 de Agosto de 2018, 20h59 | Última atualização em Quinta, 22 de Julho de 2021, 23h06

Decreto do rei d. João VI concedendo a João de Campos Navarro de Andrade, lente de prima da faculdade de medicina na Universidade de Coimbra, a mercê de médico da Real Câmara com honras de físico-mor do reino.

Conjunto documental: Decretos relativos a nomeações e demissões de gentis homens, guarda-roupas, médicos, vereadores e maços da Casa Imperial
Notação: códice 571
Data-limite: 1808-1867
Título do fundo: Casa Real e Imperial / Mordomia-mor
Código do fundo: Ø0
Argumento de pesquisa: mercê, títulos e ordens honoríficas
Data do documento: 11 de setembro de 1817
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 60

 

"Tendo consideração aos distintos conhecimentos e mais qualidades que concorrem na pessoa do doutor João de Campos Navarro de Andrade[1] , lente de prima da faculdade de medicina na Universidade de Coimbra[2]: hei por bem fazer-lhe mercê[3] de o nomear médico da minha Real Câmara[4] com as honras de físico-mor[5] do reino. Tomás Antônio de Villa Nova Portugal[6] do meu Conselho, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino[7] o tenha assim entendido e lhe mande expedir os despachos necessários. Palácio do Rio de Janeiro em onze de setembro de mil oitocentos e dezessete. Rei[8]."

 

[1]ANDRADE, JOÃO DE CAMPOS NAVARRO DE (1761-1846): foi professor de medicina na Universidade de Coimbra e um dos médicos mais importantes de d. João. Adquiriu prestígio e reputação pelos seus conhecimentos, especialmente em anatomia, tornando-se responsável pela reforma do ensino dessa disciplina na Universidade. Em 1823, recebeu de d. João VI o título de primeiro barão de Sande e acumulou ainda as funções de doutor de capelo, físico-mor do Reino, comendador da Ordem de Cristo, fidalgo cavaleiro e do conselho de sua majestade. Casou-se, em 1810, com Maria Leonor Cabral de Aragão Calmon, com quem teve seis filhos. Faleceu aos 85 anos e foi sepultado na sé do Porto.

[2]UNIVERSIDADE DE COIMBRA: Fundada em 1290 por d. Dinis, foi a principal instituição responsável pela formação acadêmica da elite do Império português, proveniente da metrópole ou da colônia. Desde 1565, esteve sob a direção dos padres jesuítas e, em 1772, durante a administração do marquês de Pombal, ministro de d. José I, sofreu sua principal e mais significativa reforma. A renovação da Universidade resultou na elaboração de novos estatutos e fazia parte de um plano mais geral de reforma do ensino em Portugal e seus domínios, iniciada em 1759. A reforma educacional pombalina teve como principal diretriz a expulsão dos jesuítas de todo Império lusitano e, conforme os estatutos, “abolir e desterrar não somente da Universidade, mas de todas as Escolas públicas (...) a Filosofia Escolástica” que era atribuída aos árabes e aos comentadores de Aristóteles, aos quais eram associados os jesuítas. O processo educativo pedagógico, governado, anteriormente, pelos inacianos, seria substituído por um sistema público de ensino. Num primeiro momento, apenas os Estudos Menores (ensino elementar e médio) sofreram grandes mudanças, deixando-se os Estudos Maiores (superior) para um período posterior, quando a nova base da instrução estivesse organizada. Em 1771 d. José formou a Junta da Providência Literária, cuja principal missão seria a avaliação do estado da universidade durante o período em que esteve sob administração dos jesuítas e a proposição de mudanças, a fim de melhorar o ensino, conforme sua orientação. Os resultados dessa avaliação foram reunidos no Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra. Tratava-se do primeiro documento originário da Junta de Providência Literária, apresentado ao rei pela Real Mesa Censória e que daria sustentação, no ano seguinte, aos Novos Estatutos da Universidade de Coimbra, publicados em 1772. Segundo Nívia Pombo, “seu conteúdo reiterava a primeira lição a ser aprendida: a ideia de que o Estado deveria se aproveitar das novidades das ciências e das artes e colocá-las a serviço da sociedade. Tal aspecto aparece bem marcado com a recorrência das expressões “necessidade pública” e “nações civilizadas”, associadas à noção de que o “exame da Natureza” promovia “imensas utilidades em benefício das Famílias, e dos Estados” (Nívia Pombo. A cidade, a universidade e o Império: Coimbra e a formação das elites dirigentes (séculos XVII-XVIII). Intellèctus, ano XIV, n. 2, 2015. Acesso: https://www.e-publicacoes.uerj.br). A diretriz geral da reforma seria, por conseguinte, a secularização e a modernização do ensino superior, na busca por um conhecimento mais técnico, crítico e pragmático, orientado pelos princípios das luzes e da ciência [iluminismo], para a formação de cidadãos “úteis” ao Estado e à administração pública. Deste modo, foram reformuladas as faculdades de Filosofia e de Matemática; introduzidos os laboratórios para aulas práticas; a organização dos cursos e das disciplinas foi alterada, de modo a seguir um novo método; toda a metodologia de ensino e os compêndios usados pelos jesuítas foram proibidos e substituídos e a duração das aulas e dos cursos foi encurtada. Os professores religiosos deveriam ser paulatinamente substituídos por leigos escolhidos por seleção pública. Evidenciando o viés do ensino prático, foram criados, em paralelo, o Teatro Anatômico, o Observatório Astronômico, o Horto Botânico, o Museu de História Natural, o Laboratório de Física e o Dispensatório Farmacêutico. Para realizar a reforma foi nomeado d. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, intitulado bispo reformador da Universidade de Coimbra, natural do Rio de Janeiro, que ficou à frente da sua administração entre 1770 e 1779 (e depois entre 1799 e 1821) e que executou a reforma, nos moldes dos novos estatutos. A partir de então, a reformada Universidade de Coimbra passou a ser referência e modelo para as instituições de ensino existentes na época e as posteriormente criadas.

[3]MERCÊ: o mesmo que graça, benefício, tença e donativos. Na sociedade do Antigo Regime, a concessão de mercês era um direito exclusivo do soberano, decorrente do seu ofício de reinar. Cabia ao monarca premiar o serviço de seus súditos, de forma a incentivar os feitos em benefício da Coroa. Desse modo, receber uma mercê significava ser agraciado com algum favor (concessão de terras, ofícios na administração real, recompensas monetárias), condecoração ou título pelo rei, os quais eram concedidos sob os mais variados pretextos. Em 1808, após a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, foi criada a Secretaria do Registro Geral das Mercês, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil, quando da recriação, no Rio de Janeiro, dos órgãos da administração do Império português. Tinha por competência o registro dos títulos de nobreza e de fidalguia concedidos como graça, benefício e recompensa pelo monarca. As formas mais frequentes de mercês eram os títulos de nobreza e fidalguia, com as terras e tenças correspondentes, os hábitos das Ordens Honoríficas, cargos e posições hereditários. A concessão de mercês era também uma forma do monarca balancear os privilégios entre seus súditos, mantendo os bons serviços prestados por quem já havia conquistado alguma graça e incentivando o bom trabalho dos que almejavam obtê-las. Com a transferência da Corte da Europa para a América, poder-se-ia crer que os súditos da terra passariam a obter mais mercês, mas a hierarquia que havia entre a metrópole e a colônia, reproduzida na concessão de benefícios acabaria por se manter na colônia, mesmo depois da elevação a Reino Unido. Poucos títulos de nobreza foram concedidos, uma vez que na América não havia a nobreza de sangue, de linhagem, mas somente a concedida por grandes favores prestados ao reino, políticos ou militares. Entre as ordens honoríficas observa-se que houve a concessão de mais títulos, mas a maioria de baixa patente ou menor importância, os mais altos graus ainda eram reservados para a nobreza metropolitana. Mesmo concedendo hábitos, títulos de cavaleiros, posições e cargos, as mercês reservadas aos principais da colônia eram inferiores àquelas reservadas aos grandes da metrópole.

[4]CASA REAL: expressão utilizada para se referir tanto ao local físico onde viviam o rei e sua família, quanto à própria instituição monárquica em si. Compreende além da família real, as famílias fidalgas e a nobreza de Portugal. Instituição absolutista, foi responsável pela jurisdição e manutenção da hierarquia da numerosa criadagem subordinada diretamente ao rei, nos moldes da sociedade de corte do Antigo Regime. Sua organização encontrava-se dividida em áreas como o serviço nas câmaras e casas, cozinha, atividades relacionadas à caça, guarda, serviço religioso, entre outros. Os ofícios ligados à real câmara – neste caso, câmara é alusivo ao espaço de intimidade do monarca, a casa em que se dorme – compreendiam funções que envolviam um contato mais direto com o rei. O titular do ofício atuava no núcleo da corte, conferindo grande influência política àquele que a Coroa concedia autoridade para executar um determinado tipo de tarefa. Via de regra, as atividades estavam divididas entre ofícios maiores – que tinham vastas competências, era o caso do mordomo-mor e camareiro-mor – e os menores – que englobava trabalhos ligados a profissões “mecânicas”, como pintor, barbeiro, boticário, cirurgião e físico. Os cargos do serviço real eram muito disputados pelos fidalgos – ser criado da Casa Real não significava ser inferior, muito pelo contrário, além de ser um canal direto com o Rei, proporcionava honra, status e a possibilidade de obtenção de uma mercê. A Casa Real era organizada em seis setores administrativos, as “repartições”: a Mantearia Real, que tratava de assuntos relativos à mesa do Rei, sua família e dos fidalgos de sua casa, como toalhas, talheres, guardanapos, etc; a Cavalariça Real, que responde pelos equinos, muares, pelas seges e carruagens reais; Ucharia e Cozinhas Reais, que cuidavam da despensa – alimentação e bebidas – de toda a família real e de todas as famílias nobres e fidalgas do reino; a Real Coutada, responsável pelos terrenos reais, florestas e bosques; Guarda-Roupa Real, ocupado das vestimentas do rei e parentes; e a Mordomia mor, cuja principal atribuição era a organização e fiscalização dos outros setores. Houve grande dificuldade na reorganização da Casa Real no Brasil, principalmente pelos recursos escassos do Real Erário – e enormes gastos –, pelas intrigas e conflitos entre portugueses do reino e os colonos, pela precária utensilagem e falta de pessoal preparado para o serviço real, e pela própria dificuldade de adaptar costumes absolutistas antigos ao Brasil colonial. Ficaram conhecidas da população do Rio de Janeiro as frequentes contendas entre Joaquim José de Azevedo, tesoureiro da Casa Real, e d. Fernando José de Portugal e Castro, mordomo mor da Casa Real, presidente do Real Erário e secretário de Estado de d. João VI, em torno de recursos para manter o luxo da família real, que era considerada uma das mais simples da Europa. O excesso de gastos gerava problemas de fornecimento e abastecimento em toda a cidade, e frequentemente resultava em carestia de gêneros, principalmente para os mais pobres, que sentiam mais o peso de gerar divisas para sustentar a onerosa Casa Real de Portugal.

[5]FÍSICO-MOR: a denominação de físico é devida à ideia de a medicina ser tida como física, devido à natureza de seus estudos. Equivale de modo geral ao médico. No século XVIII, o número de médicos habilitados na América portuguesa era bastante reduzido, sendo por isso mesmo a medicina exercida por outros profissionais, entre eles os cirurgiões e os boticários. Porém, eram os médicos que gozavam de maior prestígio em razão da elevada formação que possuíam, dominando os conhecimentos necessários para o restabelecimento da saúde. A única instituição do mundo luso voltado para os estudos superiores da medicina nesse período era a Universidade de Coimbra. A proibição do ensino universitário na colônia fez necessária a importação de um modelo curativo europeu. No entanto, essa prática médica precisou adaptar-se ao clima, ao meio social, aos “novos remédios” provenientes das florestas tropicais e a ausência dos antigos. No mundo colonial, o saber médico coexistia com agentes diversos “não oficiais” na arte de curar, como os curandeiros. O pouco conhecimento científico em relação a várias doenças e a carência de médicos incentivaria as práticas médicas baseadas no misticismo e religiosidade dos curandeiros, quase sempre descendente de indígenas ou de africanos. Nesse contexto, merece destaque a figura do físico-mor, autoridade responsável pela prática e fiscalização da medicina. Através da figura do físico-mor e do cirurgião mor a ação real, no tocante as práticas médicas, se fez presente na América portuguesa. Em 1521, uma carta régia regulamentaria suas atribuições, prevendo a nomeação de delegados e comissários, responsáveis por inspeções periódicas para examinar a regularidade das boticas existentes em seus distritos e seus responsáveis, inclusive no ultramar. A eles também caberia a averiguação e aplicação de multas no caso de infrações ou irregularidades. Tais atribuições buscavam um maior controle das práticas de cura e dos seus diferentes agentes na colônia – físicos, cirurgiões, barbeiros, boticários, sangradores e parteiras. Cabia também ao físico-mor conceder ou não carta de habilitação para àqueles interessados no exercício da medicina. Apesar de toda regulamentação sanitária, era precário o papel desempenhado pela fisicatura-mor e seu corpo de funcionários, sobretudo devido ao reduzido número de profissionais que atuavam na colônia, ao vasto território e longas distâncias que deveriam ser percorridas. Em 1782, o cargo de físico-mor foi extinto com a criação da Junta do Protomedicato, sendo reestabelecido em 1809. Somente no século XIX, a medicina começou a institucionalizar-se no Brasil, com a criação das primeiras academias médico-cirúrgicas, na Bahia, em 1808 e no Rio de Janeiro em 1809, decorrentes da transferência da família real portuguesa.

[6]PORTUGAL, TOMÁS ANTONIO DE VILA NOVA (1755-1839): bacharel em leis pela Universidade de Coimbra, foi desembargador do Paço, chanceler-mor do Reino, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino e dos Negócios Estrangeiros. Figura de relevo no cenário político luso-brasileiro, destacou-se por sua participação como autor intelectual da elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves em 1815. Próximo a d. João, Vila Nova acumulou, em caráter ordinário e efetivo, vários cargos importantes. Foi ministro do Reino, do Erário Régio e dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, entre 1818 e 1820. Favorável aos ideais absolutistas, defendia os valores e fórmulas do Antigo Regime e a permanência da corte no Brasil, longe das ideias liberais que assolavam a Europa. Sem êxito em seu propósito, retornou a Portugal junto com a família real em 1821.

[7] SECRETARIAS DE ESTADO DO REINO: em 28 de julho de 1736, d. João V empreendeu um conjunto de reformas que tencionava tornar a administração pública portuguesa menos burocrática e mais ágil. Para isso, reorganizou as secretarias de Estado e atribuiu a elas instâncias mais precisas. Criaram-se, então, três secretarias: a dos Negócios Interiores do Reino; a da Marinha e Domínios Ultramarinos e a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Este sistema vigorou por mais de 50 anos, sendo alterado somente em dezembro de 1788, com a instituição da Secretaria dos Negócios da Fazenda, cuja organização só se completou em janeiro de 1801. Apesar de serem todas igualmente importantes para a governação do Estado, destaca-se a relevância política e funcional da Secretaria dos Negócios Interiores do Reino, também chamada Secretaria de Estado dos Negócios do Reino que, além de exercer numerosas funções e atuar em diversas áreas, como nos negócios eclesiásticos e no expediente do Paço e Casa Real, mantinha uma relação mais direta com o rei, recebendo as suas consultas, tratando dos seus despachos e os remetendo aos tribunais. Desta forma, zelava pelo controle de todo o processo burocrático e de informação, adquirindo uma posição de centralidade diante das outras secretarias. A Secretaria de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos cuidava dos assuntos relativos à marinha de Portugal, no âmbito civil e militar (não bélico), e dos assuntos concernentes às colônias e territórios portugueses do além-mar. Englobava o Conselho Ultramarino, que compartilhava das mesmas competências. Já a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra ficaria responsável pela política externa – como as negociações de paz, acordos comerciais, alianças e casamentos –, pelo exército e serviços relacionados – fortificações, armazéns de munições, hospitais – e administraria, ainda, a respectiva Contadoria Geral. Em 1808, com a vinda da Corte para o Brasil, os órgãos da administração do Império português foram recriados e a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino foi denominada Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil. Esta denominação foi alterada com a elevação do Estado do Brasil à categoria de Reino, em 1816, quando a secretaria voltou ao nome original, Negócios do Reino.

[8]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

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