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Prisão de escravos

Publicado: Sexta, 05 de Mai de 2017, 10h59 | Última atualização em Sexta, 23 de Abril de 2021, 15h55

Registro do juiz ordinário da vila de Rezende informando que os escravos que fossem presos por motivo de fuga deveriam, a todo custo, ser reencaminhados aos seus senhores originais. Determina o processo adequado para que tal aconteça, evitando-se assim que os escravos permaneçam nas cadeias indevidamente, e que, não reclamados, acabem sendo vendidos.

 


Conjunto documental: Registro de ordens e ofícios expedidos da Polícia aos ministros criminais dos bairros e comarcas da corte e ministros eclesiásticos.
Notação: códice 329, vol. 05
Título do fundo: Polícia da Corte
Código do fundo: ØE
Argumento da pesquisa: escravos, penalidades
Data do documento: 10 de julho de 182l
Local: Rio de Janeiro
Folha: -

 

 

Os escravos novos ou ladinos[1], que forem presos por fugidos, serão interrogados de quem são, e juntas suas declarações se farão avisos a seus senhores, para os mandarem receber, e pagarem as competentes despesas: passados quinze dias depois dos avisos não aparecendo eles, serão imediatamente remetidos a esta intendência[2]  para serem entregues, evitando-se deste modo escravos presos nas cadeias[3] dessa vila, cujos senhores residem em diferentes termos, e por isso ficam privados dos serviços dos seus escravos, até de seus valores pela arrecadação, que se faz pelo juizo dos cativos, sendo impraticável, que um senhor residente na corte, e em outros lugares possa saber, que nessa vila se trata de arrematar um seu escravo, por não aparecer o senhor a requerer a entrega dele, e com o processo, que muitas vezes se formaliza sem precederem os processos necessários, resultam demandas propostas pelos antigos senhores arrematantes de tais escravos havendo boa fé da parte de um e outro litigante, porque o antigo senhor não teve a ciência da apreensão do seu escravo, para impugnar; e o arrematante justamente defende pelo direito, que adquiriu com a arrematação[4] em praça pública. Recomendo-lhe, que tenha todo o cuidado possível para que assim se observe; e se evitarem deste modo questões escusadas, que um prudente juiz deve a cautelar: Recomendo-lhe mais, que haja vigilância nos capitães do mato[5] para não terem escravos presos em troncos[6] nas suas casas, fazendo cárcere privado, e devem logo que fazem as prisões recolhê-los a cadeia dessa vila, para vosmecê seguir as ordens a este respeito, e aqueles capitães do mato que obrarem o contrário, serão punidos, até com processo, que lhes deve formalizar.

Deus guarde a vosmecê. Rio 10 de julho de 1822 - João Ignácio da Cunha - Senhor juiz ordinário da vila de Resende. No teor deste ofício tal se expedirão aos juízes ordinários das vilas de são João do Príncipe, de Itaguaí, Cantagalo, e aos juízes de fora das vilas de Macacu, da Praia Grande, Cabo Frio, e Paraty.

 

[1] LADINOS: eram chamados escravos ladinos os africanos considerados social e culturalmente adaptados: sabiam falar português e transitavam pela sociedade escravocrata com certa desenvoltura (o que não significa aceitação ou passividade). O termo normalmente se contrapunha a boçal, que designava um africano recém-chegado, que desconhecia o português e não conseguia se comunicar através de sinais. O domínio do idioma português e a importância que assume naquela sociedade, em contrapartida à partilha das diversas línguas africanas que não iriam desaparecer, teria impacto nas formas de comunicação e resistência, como assina Ivana S. Lima (A língua de branco no Rio de Janeiro. Revista do AGCRJ. n.9, 2015, p.63-76 http://wpro.rio.rj.gov.br/revistaagcrj/wp-content/uploads/2016/11/e09_a28.pdf). A maior ou menor presença de ladinos ou de boçais no Brasil também variou com a intensidade do tráfico, que chega legalmente ao fim em 1850. Essa classificação foi corrente na sociedade escravista, servindo para a sua descrição em documentos policiais ou na busca de fugitivos pelos jornais já no século XIX por exemplo.

[2] INTENDÊNCIA GERAL DA POLÍCIA DO REINO: órgão criado em 1760 pelo marquês de Pombal, tinha entre suas atribuições a segurança pública e a manutenção da ordem, inclusive fazendo uso de espiões e informantes. Seu intendente mais conhecido foi Diogo Inácio de Pina Manique, nomeado em 1780 por d. Maria I, e esteve à frente da instituição por 25 anos, até sua morte. Durante o período das invasões francesas o papel da Intendência foi se desvalorizando gradualmente, principalmente face ao crescimento de importância da Guarda Real da Polícia, que atuava como instrumento repressivo e militar, sob a orientação inglesa. Esse processo culminou com a extinção do órgão em 1833. A Intendência funcionou fortemente na repressão aos crimes, comuns ou políticos, e inovou ao propor uma estratégia de prevenção à criminalidade, promovendo a educação de meninos órfãos e pobres, com a criação da Casa Pia de Lisboa. Respondeu ainda pela censura de livros e ideias “perigosas” e revolucionárias, pela circulação, em oposição, de panfletos difundindo os “bons costumes” e também ordenando e controlando o espaço urbano. O órgão era responsável pela iluminação da cidade, pela inspeção dos portos, para impedir a entrada de epidemias e febres pelos navios, pelo combate ao contrabando, pelas reformas de melhoramento de ruas, calçadas e chafarizes e até mesmo pela arborização de ruas e praças.

[3] CADEIAS: o sistema prisional, baseado no encarceramento diferenciado e delimitado por penas variáveis, aparece no mundo contemporâneo (ou, pelo menos, na maior parte dele) como concretização de sanções impostas a indivíduos que quebram as regras estabelecidas. Na realidade, a privação da liberdade e o isolamento como punição em si – e também reeducação – surgiu na Europa. Não há registros na Antiguidade, por exemplo, do uso punitivo do encarceramento, utilizado na época como detenção temporária do suspeito até que a punição final fosse imposta, após julgamento. O banimento, a infâmia, a mutilação, a morte e a expropriação eram as penas mais recorrentes. Na Idade Média, o cenário era semelhante. O crescimento populacional, a urbanização e as graves crises de fome que marcaram a Idade Moderna resultaram em aumento de criminalidade e em revolta social, movimentos estes que, às vezes, se sobrepunham. Diante dessa situação, as penas cruéis e a própria pena de morte, aplicadas em público, utilizadas na Idade Média em resposta a crimes frívolos (roubar um pão, ofender o senhorio, blasfemar), deixaram de ser adequadas, posto que poderiam facilmente causar um levante popular. Além disso, cada vez mais se considerava o espetáculo bizarro das punições públicas uma afronta ao racionalismo e ao humanismo que marcaram o século XVIII. Se no Antigo Regime o sistema penal se baseava mais na ideia de castigo do que na recuperação do preso, no século XVIII se intensificam as tentativas, esboçadas no século anterior, de transformar as velhas masmorras, cárceres e enxovias infectas e desordenadas, onde se amontoavam criminosos, em centros de correção de delinquentes. Em boa parte do mundo, entretanto, tais ideias demorariam a sair do papel. No Brasil, no início do século XIX, muitas fortalezas funcionaram como prisões para corsários, amotinados e, algumas vezes, para criminosos comuns. Na maior parte do vasto território da colônia, as cadeias eram administradas pelas câmaras municipais e, geralmente, localizavam-se ao rés do chão das mesmas, ou nos palácios de governo. A tortura, meio de obtenção de informações conforme previsto pelas Ordenações Filipinas, era utilizada tanto em casos de prisão por motivos religiosos, quanto em prisioneiros comuns. As cadeias não passavam de infectos depósitos de pessoas do todo o tipo: desde pessoas livres, já condenadas ou sofrendo processo, até suspeitos de serem escravos fugidos, prostitutas, indígenas, loucos, vagabundos. Proprietários, homens ricos e influentes e funcionários da Coroa permaneciam em um ambiente separado. Para os escravos, havia uma cadeia denominada Calabouço, embora também fossem encerrados em outros estabelecimentos.

[4]ARREMATAÇÃO [DE ESCRAVOS]: se o tráfico de escravos em geral exigia um montante de capital que limitava a atividade a grandes comerciantes, ou a comerciantes que contassem com forte apoio da atividade do setor financeiro, isso não impedia que negociantes de menor cabedal se envolvessem no comércio de escravos, em especial no mercado interno. Ao chegarem à cidade de destino (Rio de Janeiro ou Salvador, por exemplo), os escravos sobreviventes eram organizados para a venda em praça pública, onde eram arrematados após negociações com os comerciantes. Os senhores das grandes fazendas muitas vezes se ressentiam da atuação dos comerciantes menores, pois estes chegavam cedo ao mercado e deixavam poucas “peças” (termo utilizado no período para se referir aos africanos escravizados) disponíveis, com a intenção de revender esses escravos arrematados a preços bem mais elevados. Eram conhecidos como atravessadores e, em algumas ocasiões, a sua atuação foi coibida ativamente pelos agentes da Coroa. Na década de 1720, a câmara dos vereadores do Rio de Janeiro e o ouvidor-geral estabeleceram uma multa a quem atravessasse o comércio. Contudo, diante de novas denúncias, em 1756, o governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire Andrada, após parecer de um grande negociante da época (Antônio Pinto de Miranda), orienta que o rei não aceite a denúncia da câmara. O argumento de Miranda defendia que uma repressão aos menores comerciantes traria muito mais prejuízo do que lucro aos grandes, contrariando a posição da própria câmara e afirmando que os pequenos comerciantes se dedicavam a lidar com o refugo do mercado, desonerando os grandes comerciantes de trabalhar com “peças” pouco lucrativas. Escravos fugidos, presos e não reclamados pelos senhorios, também eram vendidos em praça pública.

[5] CAPITÃES-DO-MATO: eram, geralmente, homens pobres que trabalhavam para os senhores de engenho, bem como para os homens livres e os escravos libertos que possuíam cativos, encontrando-se pardos e forros entre eles. Os capitães-do-mato exerceram função na manutenção do sistema colonial, atuando como agentes da repressão. Seus serviços eram empregados na perseguição de fugitivos, principalmente na captura de escravos. Sua atuação variou conforme as capitanias; em Minas Gerais, por exemplo, onde havia grande população escrava, foi instituído o Regimento dos Capitães-do-mato de 1716, que deu lugar a outro em 1722. A remuneração desses oficiais e de seu bando oscilava de acordo com o modo de aprisionamento dos escravos, como local, tempo empregado, origem dos mesmos etc.

[6] TRONCO: na Idade Média, esse instrumento de tortura era extremamente comum nas praças das vilas e cidades, deixando o condenado ao suplício exposto às intempéries, aos ratos e insetos e aos insultos públicos. No Brasil, era comum, no período de escravidão, que cada fazenda possuísse um tronco no terreiro, usado pelos senhores e seus feitores para punir o escravo por “desobediência” ou tentativa de fuga. Formado por duas peças de madeira retangular, presas em uma das extremidades por dobradiças de ferro e na outra um cadeado, com orifícios onde eram encaixados o pescoço, pulsos e tornozelos do escravo, que ficava ali cativo por dias e noites.

 

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