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Ilhas Atlânticas

Comentário

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 14h50 | Última atualização em Sexta, 03 de Agosto de 2018, 18h57

Vivien Ishaq
Pesquisadora do Arquivo Nacional
Doutora em História - UFF

João de Barros deixou registrado o sentimento de ruptura com o passado medieval, que pode ser estendido aos seus contemporâneos, ao escrever sobre o acontecimento protagonizado pelas naus portuguesas ao conseguirem contornar o Cabo da Boa Esperança: “encoberto por tantas centenas de anos, como aquele que quando se mostrasse não descobria a si mas a outro mundo de terras”. O novo século XVI representou para os habitantes do continente europeu a abertura de um mundo mais amplo, a partir do rompimento das fronteiras marítimas protagonizado pelos navegadores ibéricos que liberaram o Índico, os mares do Oriente e do Atlântico. Segundo as palavras de Antônio Manuel Hespanha, o mar, “enfim, vencido e aberto pelas naus portuguesas, se constituíra no próprio corpo do império” As riquezas que vinham da Ásia e da África e, mais tarde, da América, alimentaram as pretensões territoriais do monarca português que, em 1499, adotou a titulação de rei de Portugal e dos Algarves, de Aquém e de Além Mar em África Senhor de Guiné e da Conquista, da Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia.

O processo de conquista do Atlântico havia se iniciado no século XV, quando em 1420 os portugueses chegam a Madeira. A ilha Madeira foi a primeira área de reconhecimento e ocupação européia no Atlântico, servindo de modelo para a colonização das outras regiões e tornando-se um marco referencial no processo de expansão marítima no século XV. Esta região ainda que não estivesse no centro dos interesses régios, se constituiu em um espaço importante para afirmação da soberania marítima portuguesa. Assim, as ilhas Atlânticas vão ocupando um lugar de destaque na expansão européia ao serem gradativamente descobertas pelos portugueses ao longo do século XV: o arquipélago dos Açores em 1427, Cabo Verde em 1460 e em 1474 a ilha de S. Tomé. Como indicou António Manuel Hespanha, desde o início a decisão de colonizar os arquipélagos visou uma implantação duradoura do ponto de vista estratégico e comercial, acompanhada pela exploração agrícola.

Na década de 1940, Fernand Braudel na sua obra O mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Felipe II, destacou a contribuição deste espaço insular para a construção do universo atlântico. Mais recentemente, Luiz Felipe Alencastro evidenciou a importância das ilhas atlânticas como a primeira sociedade colonial ultramarina, compreendida como o primeiro sistema atlântico – formada pelos enclaves ibero-africanos nas Canárias, em Cabo Verde, na Madeira, nos Açores e em São Tomé. A colonização das ilhas proporcionou aos portugueses a realização de uma experiência-modelo visando a adaptação prévia aos trópicos e ao escravismo de técnicas portuguesas e luso-africanas que seriam, mais tarde, desenvolvidas na América portuguesa.

A afirmação do arquipélago madeirense, nos primeiros anos dos descobrimentos, deu-se como porto de escala ou de apoio para as embarcações quatrocentistas, que singravam o oceano. A Madeira tornou-se uma importante área econômica, fornecedora de cereais, vinho e açúcar; constituindo-se em modelo econômico, social e político para as demais intervenções portuguesas no Atlântico.
A colonização portuguesa era acompanhada por espectadores atentos que entraram também na disputa para a reivindicação de um mare liberum e o usufruto das novas rotas e mercados Podemos definir dois espaços de permanente intervenção dos corsários: os Açores e a costa da Guiné e Malagueta. Os ingleses iniciaram em 1497 as sucessivas incursões no oceano, ficando célebres as viagens de W. Hawkins (1530), John Hawkins (1562-1568), Francis Drake (1578, 1581-1588) e Thomas Howard (1591). É de salientar que os ingleses pouparam a Madeira, pois aí tinham uma importante comunidade residente com interesses comerciais a ser preservado. Assim, a sua ação incidiu, preferencialmente, nos Açores (1538, 1561, 1565, 1572) e Cabo Verde. Os holandeses atacaram Príncipe e São Tomé em 1598-99. Nestas circunstâncias o Atlântico não foi apenas mercado e via comercial, por excelência, da Europa, mas também um dos principais palcos em que se desenrolaram os conflitos que definiam as opções políticas das coroas européias, expressas muitas vezes na guerra de corso.

O arquipélago do Açores, formado por nove ilhas, graças à sua excelente posição estratégica foi uma importante base para a navegação atlântica. Os navios que vem da África, da Índia, do Brasil e da América Central passam por ali, devido aos ventos favoráveis para se reabastecerem. O crescimento da cidade de Angra (1534) atesta esta posição chave nas carreiras das Índias Ocidentais e Orientais. A economia dos Açores é baseada na produção de trigo, na criação de gado e a laranja exportada para a Inglaterra, traz a Ilhas de São Miguel uma grande prosperidade, desde o final do século XVIII.
O arquipélago de Cabo Verde, formado por dez ilhas, tem uma posição privilegiada, está situado a meio caminho entre os três continentes e em frente a chamada Costa dos Escravos. Esta posição estratégica fez de cabo Verde o ponto de escala e de aprovisionamento dos navios, ponte de penetração portuguesa no continente, entreposto de escravos, que posteriormente, eram exportados para a Europa - particularmente para Portugal e Espanha - e para as Américas. Durante os dois primeiros séculos de colonização, os escravos representaram a mercadoria mais importante das exportações caboverdianas.
Transplantada do Mediterrâneo e do Algarve para a Madeira, as Canárias e Cabo Verde, a sociedade escravista conheceu em São Tomé uma etapa decisiva de adaptação no ultramar. A ação colonizadora européia rapidamente ocupou as terras realizando um sistema de latifúndio e monocultura da cana-de-açúcar, introduzida em 1501. Os primeiros colonos começaram a se fixar em São Tomé no século XVI quando se desenvolvem grandes plantações de açúcar chegando a contar ainda no século XV com cerca de 60 engenhos de açúcar. Para a realização do trabalho nos engenhos foi importada dezena de milhares de escravos do continente africano, os quais se rebelaram diversas vezes contra o sistema colonial. Colônia açucareira e plataforma giratória da frota negreira, São Tomé reexportou também para a América portuguesa indivíduos mais resistentes às doenças européias ou oriundas do litoral africano já treinados no fabrico do açúcar.Estas ilhas assumiram uma grande importância estratégica para os portugueses, como ponto de escala nas rotas de navegação, mas também para o próspero comércio de escravos do Congo e Angola. Posteriormente, foram introduzidas as culturas de cacau e fumo e implementou-se o comércio de pimenta.

No acervo do Arquivo Nacional encontram-se, predominantemente, no fundo Negócios de Portugal documentos sobre as ilhas atlânticas referentes ao século XIX. Destacamos as Memória ou descrição físico-política das ilhas de Cabo Verde que reúne documentos sobre cada uma das dez ilhas que compõem o arquipélago (Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia São Nicolau, Sal, Boavista, Maio, Santiago, Fogo e Brava). Na Memória predominam informações geográficas, as principais atividades econômicas desenvolvidas e o perfil da população da sociedade cabo-verdiana.
Outro importante conjunto de documentos é relativo as nove ilhas que formam os Açores (Santa Maria, São Miguel, Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico, Faial, Flores e Corvo) também pertencendo ao fundo Negócios de Portugal. Os assuntos são variados tais como: atividades comerciais desenvolvidas na ilha de São Jorge, os conflitos gerados pelas redes clientelares estabelecidas na Iha do Faial, a questão da defesa territorial, e reorganização da polícia da Ilha do Fogo, entre outros.

 

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