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Cidades

Comentário

Escrito por cotin | Publicado: Segunda, 05 de Fevereiro de 2018, 17h25 | Última atualização em Sexta, 03 de Agosto de 2018, 19h53

Ana Carolina Eiras Coelho Soares
Mestre em História - UERJ
Elaine Cristina Ferreira Duarte
Mestre em História - UERJ

 

Uma das características que permearam a história do Brasil colonial, especialmente nos séculos XVII e XVIII, estava no contraste da pobreza das vilas em comparação com a relativa pujança das moradias rurais. A vida girava em torno dos interesses e das riquezas no campo. Como conseqüência, as vilas urbanas perdiam a importância e o investimento dos colonizadores. Entretanto, pode-se perceber algumas mudanças desse cenário, no século XVIII, produzidas pela política pombalina, que buscou a valorização da atividade comercial - através inclusive das companhias de comércio - demonstrando um certo deslocamento da importância exclusiva do meio rural, que não deixava de ser o eixo central da economia, mas acrescentava um certo valor ao espaço urbano.
Na historiografia, diversos trabalhos apontam para as diferenças entre as cidades portuguesas e espanholas erigidas na América. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, o planejamento que as cidades espanholas tiveram desde os seus primórdios asseguraram melhores condições de moradia, pelas maiores facilidades de locomoção e saúde, apresentando consequentemente uma maior concentração da população nestas áreas. Ao contrário, as cidades portuguesas do Novo Mundo, foram marcadas por uma ausência de planejamento prévio e uma geometria arquitetônica que seguia a tradição medieval através da escolha de lugares íngremes e de difícil acesso para o estabelecimento do posto matriz da regíão. Assim, dentro dessa perspectiva, buscava-se a defesa do território, através das práticas há muito utilizadas na Europa. No entanto, não havia uma preocupação na edificação das vilas, pois a América Portuguesa era um posto de exploração das riquezas naturais, e portanto, suas cidades refletiam este caráter fugaz e provisório.
A partir do século XVII, houve a preocupação de uma maior ordenação das cidades, como afirma Fernanda Bicalho, devido à crescente valorização do Brasil no comércio ultramarino. Esta tendência revela-se através, por exemplo, dos indícios da interferência de engenheiros militares na edificação do espaço urbano. Mesmo assim, os relatos do período retratam as cidades do Brasil colonial com ruas desordenadas, sem planejamento prévio, seguindo em geral, o traçado geográfico da região em que foram sendo construídas.
Nas cidades coloniais era imprescindível a presença de prédios religiosos - como conventos, mosteiros e igrejas - e espaços destinados ao setores administrativos tais como a câmaras e a cadeia. Dessa forma, o simbolismo desses lugares refletia a ordem e os códigos de valores vigentes.
Ao longo da história colonial brasileira, algumas cidades destacaram-se por sua posição estratégica e suas riquezas, como por exemplo o Rio de Janeiro, Recife, Salvador, São Paulo e Minas Gerais. As cidades mineiras foram beneficiadas em sua conjuntura urbanística pelo chamado “século do ouro”, e tiveram portanto, uma arquitetura bastante peculiar marcada, sobretudo, pelas diversas atividades oriundas da extração de metais e pedras preciosas.
Apesar de um papel secundário na economia colonial, as cidades foram espaços extremamente importantes para a formação da sociedade, uma vez que permitiam a reunião de todos os elementos sociais da colônia: senhores, mulheres, escravos, homens livres, religiosos, pobres, prostitutas, libertos, vadios. As diferenças de cor, raça e status social eram bastante definidas dentro dos espaços da cidade. As mulheres das camadas mais elevadas, por exemplo, não tinham permissão para circularem livremente pelas ruas, sob risco de ficarem “mal faladas”. Seu lugar era no interior das casas. As camadas sociais mais baixas, tinham a liberdade de circular pelas ruas, mas eram atentamente vigiados, pois em alguns locais sua presença era indesejada e mesmo proibida em muitos lugares. Nesta situação estavam sobretudo os negros. Em diversas igrejas, por exemplo, sua presença era proibida ou apenas permitida em determinados espaços, em geral, próximos das portas de saída. Esta segmentação definidora dos espaços físicos e simbólicos destinados aos elementos sociais da colônia, interferiu diretamente nas formas e disposições arquitetônicas das cidades. Desta forma, as cidades do Brasil colonial foram uma espécie de “imensa escultura” das diferenças sociais, políticas e culturais.
Além disso, era nas cidades que se encontravam os núcleos administrativos e políticos, os quais permeavam as relações político-econômica da colônia. Portanto, mesmo a “casa-grande” rural deveria reportar-se as autoridades estabelecidas nas regiões urbanas.
Sobre as cidades do Brasil colonial, o Arquivo Nacional dispõe de um acervo amplo e diversificado, formado por fundos variados, os quais reúnem documentos como correspondências, livros de registro de receitas e despesas, escrituras, requerimentos e processos administrativos, consultas aos órgãos públicos, entre outros. Através desses documentos, pode-se obter informações sobre aspectos importantes do meio urbano colonial como, por exemplo, aqueles relacionados às questões do comércio, da ordem pública, da higienização e da iluminação pública.
Com relação ao comércio varejista, os documentos revelam a ação governamental destinada à regulamentação e fiscalização dessa atividade. Esta era a proposta presente, por exemplo, no edital que regulamentava as casas, armazéns e vendas da Corte, segundo o qual estava proibida a adulteração de bebidas e comidas para obtenção de maiores lucros. Determinava também a fiscalização periódica desses locais por oficiais do governo para que se verificasse o cumprimento da lei (Série Saúde; Livro IS4 1; setembro de 1816). Por outro documento, Paulo Fernandes Viana, intendente geral da Polícia da Corte, informava sobre a ordem de pagamento da licença para “mascatear”, que a Polícia obrigava aos “mascates de fazendas, louças e quincalherias” (Polícia da Corte; códice 236, vol.3; março de 1819).
Também é possível conhecer algumas das ações postas em prática pelo governo para a garantia da saúde pública. Entre essas ações, figuram aquelas voltadas para a limpeza da cidade como a proibição do lançamento de “imundices” ou animais mortos no rio ou na beira da estrada (Câmara de Macaé; códice 42; dezembro de 1820) e o aterramento de pântanos, “que além de nocivos à saúde pública ainda de mais a mais é cemitério de cadáveres de negros novos” (Polícia da Corte; códice 329, vol. 3; dezembro de 1815). Sobre o lançamento de imundices, em 1808, o intendente geral da Polícia mandou publicar um edital determinando que toda pessoa que fosse flagrada jogando água suja ou qualquer outra imundice na rua fosse presa imediatamente, retomando a sua liberdade apenas após o pagamento de multa no valor de dois mil réis (Polícia da Corte; códice 318; abril de 1808). Tratava-se, portanto, de evitar o surgimento de locais propícios à proliferação de doenças. Os leprosos igualmente mereceram a atenção das autoridades que, já em 1763, solicitavam a S.A. R. a criação de um hospital fora da cidade do Rio de Janeiro, pois os doentes estavam contaminando as águas das fontes, por utilizá-las para banharem-se (Vice-reinado; caixa 744, pct. 01; dezembro de 1763).
Quanto à ordem pública, esta faz-se presente na documentação referida por meio das ações voltadas à conservação da ordem vigente como revela o controle da entrada de estrangeiros no país feito pela Polícia da Corte, cujos registros de legitimação de passaportes reuniam informações como nome, idade, características físicas, país originário e destino (Polícia da Corte; códice 423). Medidas como essa visavam a impedir que opiniões contrárias à religião e ao Estado se alastrassem, como explicita o ofício do conde de Linhares, datado de 1798, o qual repassava instruções ao vice-rei de “usar da maior severidade contra toda e qualquer pessoa, que se mostrar infecta de tais princípios [franceses]; muito particularmente se for magistrado, militar ou comerciante” (Vice-reinado; Caixa 746 pct. 01; setembro de 1798).
Finalmente, sobre a iluminação pública pode-se atestar os cuidados para a manutenção desta nos espaços urbanos e a sua utilização para comemoração de datas e fatos. É o que revela o registro da ordem da Junta Provisional do Governo da Província da Bahia ao intendente da Marinha e Armazéns Reais para enviar ao Palácio do Governo 76 tochas de cera e outros materiais, destinados a sua iluminação no dia 25, escolhido como feriado em decorrência do juramento às bases da Constituição Portuguesa, decretada em março daquele ano (Série Marinha; IXM-18; maio de 1821).

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