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Conjuração em Minas Gerais

Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Terça, 06 de Fevereiro de 2018, 15h11 | Última atualização em Sexta, 03 de Agosto de 2018, 14h04

Perguntas ao Alferes

Depoimento do alferes Joaquim José da Silva Xavier, sobre a conversa com o ajudante João José Nunes Carneiro, relatando que o povo de Minas queria se lançar contra a derrama, e de como era perigoso não se contentar o povo. E em conversa com o coronel Joaquim dos Reis, este dissera que o povo estava impaciente, principalmente os que deviam à fazenda real e os que estavam mais levantados eram o desembargador Thomas Antonio Gonzaga, o coronel Ignácio José de Alvarenga, o vigário de São José, “padre Carlos” e outros que não se lembrava.


 
Conjunto documental: Inconfidência em Minas Gerais - Levante de Tiradentes
Fundo ou coleção: Diversos Códices SDH
Código do fundo: NP
Notação: códice 5 , vol. 5
Datas-limite: 1789-1792
Argumento de pesquisa: Inconfidência Mineira
Local: Fortaleza da Ilha das Cobras, Rio de Janeiro
Data do documento: 27 de maio de 1789
Folhas. 6 e 7

 

Carta Régia de 17 de julho sobre Alçada do Rio de Janeiro. Sebastião Xavier de Vasconcellos Coutinho, do meu conselho do de minha Real Fazenda[1] e Chanceler nomeado da Relação do Rio de Janeiro[2]. Sendo-me presente o horrível atentado contra a minha Real Soberania e Suprema autoridade com que uns malévolos indignos do nome português, habitantes da capitania de Minas Gerais, possuídos do espírito da infidelidade, conspiração, perfidamente para se subtraírem da sujeição devida ao meu alto e supremo poder que Deus me tem confiado, pretendendo corromper a lealdade alguns dos meus fiéis vassalos mais distintos da douta capitania, e conduzir o povo inocente à uma infame Rebelião. Fui servida nomear-te e aos doutores Antonio Gomes Ribeiro e Antonio Diniz da Cruz e Silva para passarem à cidade do Rio de Janeiro e sentenciarem sumariamente em Relação os réus, que se acharem culpados nas devassas[3], que deste detestável delito se tiraram tanto por ordem do Vice Rei[4] e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil Luiz de Vasconcellos e Souza[5], como por ordem do Governador e Capitão General de Minas Gerais o Visconde de Barbacena[6], havendo por suprida qualquer falta de formalidade, e por sanadas quaisquer nulidades jurídicas, positivas, pessoais, ou territoriais que possa haver nas ditas devassas resultantes das disposições de Direito Positivo[7], atendendo somente às provas, segundo o merecimento delas conforme o Direito Natural[8], e sendo vós relator, e adjuntos certos e sobreditos doutores Antonio Gomes Ribeiro, e Antonio Diniz de Souza e Silva com os mais ministros, que o vice rei nomear, ou dos desembargadores que servem na Relação do Rio de Janeiro, ou quaisquer outros ministros de qualquer graduação da mesma capitania, ou das outras do Estado do Brasil, os quais sendo requeridos por vocês ao vice rei, ele os fará convocar em conformidade das ordens que lhe mando expedir. Havendo porém nas devassas alguns dos mesmos réus, que sejam eclesiásticos[9] e separáveis deles a parte que lhes tocar, para em auto separado, com a cópia das suas culpas e serem sentenciados por você com os adjuntos, como for justiça, por não terem privilégio algum de isenção nos crimes executados, dos quais o de lesa majestade[10] é o primeiro, e o mais horroroso, com declaração porém, que a sentença condenatória que contra eles for proferida, deverá ficar em segredo e eu me farei presente para resolver o que for serviço, considerando-se entre tanto os réus em rigorosa e segura custódia. Havendo igualmente entre os mesmos réus, outros que não foram dos chefes e cabeças da dita conjuração, nem entraram ou consentiram nela, nem a fomentaram, nem se acharam nas assembleias, em que os conjurados tinham as suas criminosas seções, e faziam os pérfidos ajustes; mas que tendo tão somente notícia ou conhecimento da mesma conjuração, nem a declararam, nem a denunciaram em tempo competente: Ordeno que as sentenças proferidas contra esta última qualidade de réus, se remetam a minha real presença, suspendendo-se entretanto a execução delas, ficando os réus em segura custódia até eu determinar o que for servido. Para escrivão ou escrivães dos autos das Devassas, o vice-rei nomeará os que vocês propuserem, sejam desembargadores ou magistrados inferiores, e para os auxiliar na proposição de tão volumoso processo, poderão valer-se de qualquer dos desembargadores da casa da suplicação[11] e seus adjuntos. Para os casos de empate ou outro qualquer incidente que necessite de nomeação de juízes, ou de comissão, ainda especial, e imediatamente emanada de minha real pessoa, e também nos casos de impedimento, ou falta de escrivão, o vice rei com o nosso parecer nomeará os que forem mais idôneos, ou da Relação do Rio de Janeiro, ou de entre os magistrados de maior ou menor graduação, que me serviram ou atualmente servem em toda a extinção das capitanias do Brasil; e para casos de empate em que a decisão compete ao Governador da Relação, o voto do vice rei como regedor deverá ter lugar, e será igualmente decisivo. Achando-se, porém, impedido o douto vice-rei, vós o substituireis, e o nosso voto terá a mesma força e qualidade. E porquanto a Conjuração[12] de que se trata, foi maquinada na capitania de Minas Gerais e do resultado das sobreditas devassas poderá ser necessário expedirem-se ordens aos ministros daquela capitania, ou ainda à os das mais, ou mandarem-se à ela outros ministros incumbidos de comissões particulares, ou para conhecerem, inquirirem, e devassarem sobre objetos relativos à esta comissão que os tenho encarregado, ou enfim para outras quaisquer diligências de diversa natureza concernentes ao meu real serviço: ordeno que em todos, e cada um dos referidos casos, ou outros semelhantes, procedendo-os sempre de acordo e inteligência com vice rei, expedindo todas as ordens que lhe parecerem convenientes, aos referidos ministros, para que concedo à todos a necessária jurisdição, encarregando-se o mesmo vice rei de as auxiliar e sustentar na forma que lhe determino em carta que a este fim lhe dirijo. E no caso de impedimento, qualquer que seja, o mesmo vice-rei também proverá como tendo ordenado, e isto sem embargo de qualquer lei, disposição de Direito, privilégios, ou ordens em contrário, que todas darei por derrogadas para ordens e feitos por esta vez somente ficando aliás sempre em seu vigor. Escrita em Lisboa em 17 de julho de 1790. Rainha. Para Sebastião Xavier de Vasconcellos Couto

 

[1]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[2]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[3]DEVASSA: a devassa era um processo ou rito processual judicial estabelecido nas Ordenações do Reino, de natureza criminal, com características inquisitoriais, que concedia pouco ou nenhum direito de defesa ao acusado. Esse rito processual vigorou no Brasil até a promulgação do Código Criminal do Império, em 1830. Nas Ordenações Filipinas, assim como previsto nas Manuelinas, as devassas se dividiam em gerais e especiais: as gerais versavam sobre delitos incertos e eram realizada anualmente, sendo de competência do juiz de fora, ordinários e corregedores; as devassas especiais supunham a existência de um delito já cometido, cuja a autoria era incerta. A primeira tinha por objetivo o delito de autor incerto e eram tiradas uma vez por ano; a segunda se ocupava somente da autoria incerta. (Lucas Moraes Martins. Uma Genealogia das Devassas na História do Brasil. http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/f

[4] VICE-REI: Até o ano de 1720, o posto administrativo mais alto da colônia era habitualmente o de governador-geral, tendo sido por três vezes o título de vice-rei atribuído ao marquês de Montalvão (1640-1641), ao conde de Óbidos (1663-1667) e ao marquês de Angeja (1714-1718), homens de alta fidalguia no Reino. A partir de 1720, a denominação foi substituída definitivamente pelo de vice-rei, tendo sido o primeiro o conde de Sabugosa, Vasco Fernandes César de Meneses (1720-1735). O novo termo, tal como se usava já no estado da Índia desde o século XVI, deixava mais clara a ideia de um império português, constituído por territórios ultramarinos pertencentes a Portugal e a ele submissos. Contudo, em termos concretos, a mudança de nome não trouxe nenhuma alteração significativa, e a administração continuou a mesma. O Brasil não constituiu um vice-reinado unificado e a utilização do título explicita mais uma decisão política do que administrativa. A utilização da nova denominação para o posto mais alto do Estado do Brasil (os estados do Grão-Pará e Maranhão tinham governadores independentes) expressava, na verdade, a nova preponderância dos territórios brasileiros, entre si e em decorrência da expansão aurífera e relativa decadência do vice-reinado da Índia, do que transformações concretas no plano administrativo. Com a chegada da família real portuguesa em 1808, o Brasil passou a ser, em 1815, Reino Unido e acabou com o cargo de vice-rei, tendo o último sido o conde dos Arcos, d. Marcos de Noronha e Brito (1806-1808).

[5] SOUZA, LUÍS DE VASCONCELOS E (1742-1809): nasceu em Lisboa e se formou em bacharel em cânones pela Universidade de Coimbra. Ainda em Portugal, ocupou importantes cargos da magistratura. Entre os anos 1779 e 1790, foi vice-rei do Brasil, sucedendo o 2º marquês do Lavradio. Em seu governo criou uma prisão especial destinada à punição dos escravos, como alternativa aos violentos castigos impostos pelos seus senhores; promoveu a cultura do anil, do cânhamo e da cochonilha; apoiou as pesquisas botânicas realizadas por frei José Mariano da Conceição Veloso e patrocinou a criação de uma sociedade literária no Rio de Janeiro em 1786. Entre as melhorias realizadas na cidade do Rio de Janeiro durante sua administração, destacam-se a reforma do largo do Carmo; o aterro da lagoa do Boqueirão; a construção do Passeio Público – primeiro jardim público do país – em 1783 e de novas ruas para facilitar seu acesso, como a rua do Passeio e das Bellas Noutes – atual rua das Marrecas. Foi um incentivador das obras de Mestre Valentim – um dos principais artistas do período colonial – responsável pelo projeto do Passeio Público e de outras obras públicas na cidade. Destacou-se, ainda, na repressão à Inconfidência Mineira [conjuração mineira], sendo um dos interrogadores de Joaquim Silvério dos Reis. Pelos serviços prestados à Coroa portuguesa, recebeu a honraria da Grã-Cruz da Ordem de Santiago e o título de conde de Figueiró.

[6] CASTRO, LUÍS ANTONIO FURTADO DE (1754-1830): 8º visconde e 1o conde de Barbacena, nasceu em Lisboa e foi o primeiro a receber o grau de doutor em filosofia pela Universidade de Coimbra e um dos fundadores da Academia Real de Ciências de Lisboa. Em 1788, assumiu o cargo de governador de Minas Gerais, substituindo o mal afamado Luis da Cunha Meneses. Barbacena recebeu a dura incumbência de levar a cabo a cobrança de impostos atrasados que, segundo o ministro da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, só se haviam acumulado em consequência do contrabando e da “perversidade” dos habitantes da região das minas. Ao chegar, contudo, Barbacena percebeu não apenas que a produção de ouro de fato caía, mas também que o clima de inquietação já existente poderia fomentar revoltas e desordens generalizadas, caso os habitantes se vissem forçados a uma despesa com a qual não tinham como arcar. Apesar de disposto a cumprir as ordens recebidas e impor a disciplina e as regras ditadas pela Coroa, Barbacena procurou convencer o governo metropolitano que a excessiva rigidez na cobrança de impostos atrasados talvez não se mostrasse adequada naquele momento. Suspensa a derrama, que ocorreria em fevereiro, Barbacena vê suas suspeitas se confirmarem com a denúncia de Silvério dos Reis acerca do movimento conhecido como Conjuração Mineira. Tenta realizar uma investigação discreta, mas, quando se vê obrigado a informar o vice-rei da denúncia, abre um processo criminal contra os inconfidentes que são facilmente presos por suas tropas.

[7] DIREITO POSITIVO: Podemos caracterizar o direito positivo (jus civile) através do seguinte preceito básico: origina-se de um povo, a ele referindo-se e orientando-o. É uma construção explicitamente jurídico-política, que encontra nas leis o seu anteparo concreto. O direito positivo tem sido visto pelos filósofos e estadistas como limitado no tempo e no espaço, sendo bastante claro o seu aspecto particular, específico. Mesmo se considerarmos que a ascensão da Igreja durante a Idade Média de certa forma apagou, ou deixou em plano secundário, a existência do político como origem das regras de orientação da vida em sociedade, ainda assim o direito positivo permanece sendo associado à vida dos povos, à vida em sociedade.

[8] DIREITO NATURAL: “A justiça política é em parte natural e em parte legal; são naturais as coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não, e é legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente” Platão, Ética a Nicomano. O direito natural (jus gentium), em geral, encontra-se associado à ideia mais abstrata de justiça, de um direito inerente à condição de ser humano, para além da sua vida em sociedade. O jusnaturalismo do período do Iluminismo coloca o direito natural no centro da discussão da origem da soberania e do próprio fazer político, algumas vezes utilizando o conceito como armadura protetora contra a arbitrariedade e tirania dos reis. O jusnaturalismo defende a existência dos direitos naturais a todos os seres humanos, anteriores e superiores ao Estado, com validade universal e irrevogáveis. As raízes do direito natural podem ser traçadas à Antiguidade clássica: No verbete Direito do Dicionário de política, Guido Fasso dá como exemplo o mito de Antígona, a qual se recusou a cumprir a lei dos homens (que impedia que ela enterrasse o irmão) por considerar que violavam a lei dos deuses. As regras que norteiam a conduta ética dentro da concepção do direito natural podem ter três origens, de acordo com a linha política/filosófica seguida: o mundo divino; a razão humana; e a natureza. Se em sua origem e até o final da Idade Média tais concepções naturalistas enfatizavam o universo das regras objetivas inatas, a partir da transição para a Idade Moderna as discussões políticas dominantes colocaram no centro do debate os direitos inerentes aos indivíduos, inalienáveis, que mesmo reis e imperadores deveriam respeitar.

[9] ECLESIÁSTICOS [PARTICIPAÇÃO NA CONJURAÇÃO MINEIRA]: a Igreja sempre foi um braço do Estado português na colônia, no entanto, contrariando as diretrizes da Santa Sé, vários grupos religiosos atuaram politicamente em movimentos sociais que questionavam a ordem vigente, como foi o caso da Conjuração Mineira. Os clérigos inconfidentes mostravam grande interesse por filosofia e política e, ao mesmo tempo, um maior desprendimento da vida sacerdotal, que podia significar não apenas maior participação na política, mas também uma atitude tão corrupta em relação aos negócios quanto a de seus pares leigos. A levar-se em conta relatos da época, podemos dizer o mesmo quanto ao seu comportamento privado, considerado muitas vezes imoral. Sobre alguns deles, por exemplo, pesavam acusações de relações impróprias com suas fiéis. Eram leitores das ditas “ciências profanas” (filosofia, história, literatura, etc) – principalmente o cônego Luis Vieira da Silva que possuía uma das melhores e mais modernas bibliotecas da capitania – e tinham como referência autores como Voltaire, Raynal e Montesquieu (ver ESCRITOS PERIGOSOS). Os principais réus eclesiásticos que se envolveram na conjuração foram: o cônego Luis Vieira da Silva, e os clérigos Carlos Correia de Toledo e José da Silva Oliveira Rolim. Contudo, o total de cinco réus eclesiásticos foram enviados a Lisboa – Luís Vieira da Silva, José da Silva e Oliveira Rolim, José Lopes de Oliveira, Carlos Correia de Toledo e Melo, e Manoel Rodrigues da Costa –, onde deveriam cumprir prisão perpétua, mas tiveram parte de suas penas atenuadas. Os clérigos inconfidentes não receberam sua sentença no Rio de Janeiro, como os civis e militares: foram encaminhados a Lisboa, onde d. Maria I faria a declaração da sentença definitiva. Oliveira Rolim foi sentenciado a 15 anos nos mosteiros de Lisboa, mas em 1805 já estava de volta ao Brasil. Correia de Toledo morreu em Portugal, e Vieira da Silva retornou ao Brasil em data incerta. Manoel Rodrigues, outro inconfidente religioso menos conhecido, condenado a dez anos de cárcere em Lisboa, retornou ao Brasil e tornar-se-ia um dos primeiros membros do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, e também deputado por Minas Gerais.

[10] LESA-MAJESTADE: definido pelas Ordenações Filipinas, trata-se de um crime contra a pessoa do rei ou seu real estado – definição que explicita claramente a ausência de fronteiras entre a pessoa do monarca e o estado que governava. Tido como “contagioso” – comparado à lepra – o crime de lesa-majestade suscitava punições severas e muitas vezes hereditárias, dada sua tendência de “se espalhar” e de “passar de geração para geração”. Havia os crimes de primeira cabeça e os de segunda cabeça. Entre os primeiros, encontravam-se a traição, a insurreição, a autoria ou cumplicidade em atentados contra o rei, contra sua família ou contra qualquer pessoa que estivesse em sua companhia ou, mesmo, a destruição de imagens, armas ou símbolos representativos do reino ou da Casa Real. Segundo as ordenações, qualquer desses crimes seria punido com a pena de "morte natural cruelmente", ou seja, execução pública por meio de torturas. Todos os bens dos justiçados passariam para a Coroa e as duas gerações de descendentes ficariam "infamados para sempre”, pois se tratava de uma tendência hereditária. O segundo tipo, relativamente menor e com penas mais leves, dizia respeito ao auxílio àqueles já condenados por traição. Outra característica específica dos crimes de lesa-majestade era ocasionar a perda das garantias que limitavam a ação da Justiça: "não gozará o acusado de privilégio algum (...) para ser metido a tormento, bastarão menores indícios (...). E as pessoas, que em outros casos não poderiam ser testemunhas, nestes o poderão ser e valerão seus ditos".

[11] CASA DA SUPLICAÇÃO: era o órgão judicial responsável pelo julgamento das apelações de causas criminais envolvendo sentenças de morte. A Casa da Suplicação de Lisboa era o tribunal de segunda instância ganhou estatuto das mãos de Filipe I em fins do século XVI, embora a sua constituição tivesse ocorrido ao longo das décadas anteriores. Era a corte suprema diante da qual respondiam os tribunais de relação. Compunha-se de diversos órgãos, com funções distintas. Os cargos mais altos da Casa eram o de regedor e o de chanceler. Atuava nas comarcas da metade sul do país e nos territórios de além-mar, com exceção da América portuguesa e da Índia. No Brasil, este órgão foi instalado na Corte pelo alvará de 10 de maio de 1808, com atribuições semelhantes à Casa da Suplicação de Lisboa e em substituição ao Tribunal da Relação, existente na cidade desde 1752. Considerada como Supremo Tribunal de Justiça, nela eram resolvidos todos os juízos e apelações em última instância, como as sentenças de morte. Suas atribuições eram similares às da Casa da Suplicação de Lisboa. Nesse sentido, compunha-se de vários órgãos com funções distintas de caráter jurídico-administrativo, destacando-se o Juízo dos Agravos e Apelações; a Ouvidoria do Crime; o Juízo dos Feitos da Coroa e da Fazenda; o Juízo do Crime da Corte; o Juízo do Cível da Corte e o Juízo da Chancelaria. O distrito de atuação compreendia as áreas do centro-sul da América, além da superposição dos agravos provenientes do Pará, Maranhão, Ilha dos Açores e Madeira e Relação da Bahia. Era composta por um regedor, um chanceler da Casa, oito desembargadores dos Agravos, um corregedor do Crime da Corte e da Casa, um juiz dos Feitos da Coroa e da Fazenda, um procurador, um corregedor do Cível da Corte, um juiz da Chancelaria, um ouvidor do Crime, um promotor de Justiça e seis extravagantes.

[12] CONJURAÇÃO: o termo conjuração tem origem em Conjura, um tipo de resistência essencialmente aristocrática, herdeira direta das “Conjurationes” das ligas medievais como indica o historiador Luís Henrique da Silva Dias (Apud Valim, P. Da Sedição dos Mulatos à Conjuração Baiana de 1798: a construção de uma memória histórica. Dissertação de mestrado. USP, 2007). Outros especialistas no período medieval ligam as conjurationes às federações nas quais comerciantes e trabalhadores se reuniam para exigir mais direitos civis e políticos daqueles concedidos. Na América portuguesa o termo, à época do movimento mineiro em 1789 [ver Conjuração Mineira], foi bastante utilizado nos autos do processo contra os rebeldes, e ressalta o caráter de movimento político antigoverno (no caso, a monarquia portuguesa). Considerado crime de lesa-majestade, na perspectiva dos juízes carregava uma conotação jurídica e institucional de uma conspiração organizada por indivíduos que compunham o poder administrativo e militar na capitania de Minas Gerais. A utilização do termo inconfidência parece ter sido utilizada pelo advogado dos revoltosos em uma tentativa de diminuir a relevância dos seus atos, retirando-lhes a conotação de movimento político organizado. Contudo, e no caso do movimento de Tiradentes, o termo conjuração foi aos poucos – em especial depois da condenação dos réus – sendo substituído por inconfidência, em um processo que também buscava construir uma imagem de militar indisciplinado e insano atribuída a Tiradentes. A conotação política e ideológica implícita no termo conjuração foi, assim, esvaziada e substituída por uma caracterização pejorativa que remete a traição e desorganização. Tal escolha ressalta a intenção de tornar “traidores” aqueles que participaram do movimento: “infidelidade, deslealdade, esp. para com o Estado ou um governante,” é a definição de inconfidência no mesmo dicionário. Imputando-lhes uma falha de caráter inerente, transformando-os em infiéis indignos, a coroa portuguesa faz do movimento político uma traição pessoal, uma falha moral.

Tal dia é o batizado

Carta de Domingos Vidal Barbosa em que confessa que estando ele na casa de Francisco Antônio Lopes, participou de conversas de cunho subversivo. Temas como “liberdade econômica” foram discutidos pelos presentes: desembargador Tomas Antônio Gonzaga, o cônego Luiz Oliveira, dentre outros. Segundo Gonzaga a independência do Brasil era também de interesse das nações estrangeiras, que teriam por conveniência comercializar diretamente com o mesmo. Concluíram os participantes que o momento oportuno para o levante, era quando o povo se encontrasse no auge de seu descontentamento, daí inconfidentes influentes na política incentivarem sigilosamente a instauração da derrama. Gonzaga argumenta que o Brasil dispunha dos recursos necessários para se manter autônomo, estabelecendo uma comparação com os norte-americanos que “não tendo outras minas que um pouco de peixe seco, algum trigo, e poucas fábricas tinham sustentado uma guerra tão grande”. Decidiram ainda favorecer no tocante ao comércio, às nações aliadas na guerra contra Portugal, e orquestraram o plano de execução do visconde de Barbacena, seguida pela instauração da República.

Conjunto documental: Inconfidência em Minas Gerais – Levante de Tiradentes
Fundo ou coleção: Diversos Códices SDH
Código do fundo: NP
Notação: códice 5, vol. 3
Datas-limite: 1789-1790
Argumento de pesquisa: Inconfidência Mineira
Data do documento: 9 de julho de1789
Local: Vila Rica – Minas Gerais
Folha(s): 24-27  

 

Além do que comuniquei aos ministros, que ontem me inquiriram a respeito do sucesso, que relatei acontecido em Montpellier, e para cujo objeto me foi tirado que V.Exa. ordenou a minha vinda a esta capitania me considero por esta circunstância na obrigação a que prontamente satisfaço de relatar a V.Exa. o que mais sei, e agora entendo ser indispensável delatar, servindo-me para isto da faculdade que V.Exa. me deu para esta escrita na presença do ministro, que nomeou e vem a V.Exa. Que havendo três para quatro meses, ido eu a Casa do Morro, a casa de meu primo o coronel Francisco Antonio de Oliveira Lopes, saí com o mesmo de tarde a ver um serviço mineral, e chegando ao dito que é perto de casa entramos a conversar, e o dito meu primo, a exagerar as comodidades deste país, e quanto ele seria delicioso se fosse livre e nestas práticas se consumiu a tarde. No dia seguinte tornou-me a fazer alguns discursos, soltar sobre as vantagens das ..., defendido pela natureza, consequentemente que digo, me disse, que tinha a contar-me certa coisa, e principiou outro discurso nesta substância. Que José Alvares Maciel[1], filho do capitão mor desta vila, tinha feito conhecer a ordem desse país que aqui havia com que se fizesse ..., que havia ferro, e com isso tudo quanto era necessário para o Brasil se fazer independente, e que o dito José Alves, tinha dado palavra de aprontar quanto vinha de fora, a vista do que nada faltasse. Que o dr. Cláudio[2], o cônego Luis Vieira[3] e o desembargador Gonzaga[4], não tinham feito as leis para se governarem, nas quais se ordenara que todo homem plebeu pudesse vestir ... que os diamantes fossem brancos, que os dízimos fossem para os vigários com condição de sustentarem uns tantos mestres, hospitais e outras coisas pias, que aquele que mais se distinguisse na primeira ação seria o mais premiado, e que a Nação que primeiro os socorresse durante a guerra essa teria mais vantagens em seus portos. Que o coronel Alvarenga[5] aprontava duzentos homens e que ele coronel dava cinqüenta, que o contratador[6] Domingos de Abreu dava a pólvora, e que o sinal era = tal dia é o batizado = que viriam todos de sobretudo para melhor ocultarem as armas. Disse mais que o cônego Luis Vieira tinha feito um plano para por ele verem a segurança deste país, e também para se regerem pelo mesmo dizendo o cônego Vieira que a natureza tinha feito este continente responsável por si mesmo e que a entrada do Rio de Janeiro faltava ser guarnecida por diversas emboscadas de sorte que qualquer tropa que subisse do ... se desbaratasse e que os que escapassem da primeira não escapariam da segunda, que era preciso buscar ocasião em que todo o povo estivesse descontente e que agora fazia muito boa porque se lançava a derrama[7]:  que o Exmo. Sr. Martinho de Mello tinha escrito ao Intendente[8] Procurador da Fazenda, dizendo-lhe que devia ser riscado do serviço por não ter requerido o lançamento da derrama e que o desembargador Gonzaga tinha feito um requerimento muito forte para o douto Intendente entrar com ele na junta excitando a derrama, que não tinham que recear Nação alguma pois que todos desejavam o Brasil independente para virem negociar nele. Que os americanos ingleses[9] em umas praias cavadas não tendo outras minas que um pouco de peixe seco, algum trigo e poucas fábricas, tinham sustentado uma guerra tão grande, vendo-se obrigados a retirar-se para os montes. Que tinham acertado que o alferes[10] Joaquim José[11] fosse a cachoeira e matasse o Exmo. General, e trazendo-lhe a cabeça amostrasse ao povo dizendo esse era quem nos governava, de hoje em diante vira a República[12] e que logo um subisse a um alto a fazer uma oração ao povo aguçando-lhe a futura felicidade, que matariam também o ajudante de ordens Antonio Xavier, o L. M. Pedro Afonso, duvidando se também matariam ou não o coronel Carlos José, e dizendo um que não era necessário que morresse, ... o dito Maciel dizendo que o devia ser porque os soldados o respeitavam mais do que ao Tenente Coronel. Que era necessário esperar ocasião em que fosse ... para baixo para o tomarem e haver dinheiro para pagamento dos soldados, que para as emboscadas na estrada do Rio eram milhares de homens pardos acostumados a andar no mato: que havia cinco ou sete negociantes do Rio de Janeiro que queriam que a revolução principiasse por lá e que lhe tinham mandado responder que essa gloria a queriam eles para cá: que tanto que se fizesse a sublevação nestas Minas se havia de escrever uma carta a praça do Rio dizendo que se queriam ser pagos de tudo que se lhes devia, haviam de ali fazer o mesmo que se tinha feito cá, e que então lhes mandariam socorro, e que no caso de vir grande poder contra o Rio mandariam ... para se retirarem, aqueles não fizessem ... de balas ardentes como haviam feito os ingleses em ... passados dois dias depois desta prática tendo eu ido a um batizado dos Prados foi encontrar-se comigo ao caminho, um estudante meu conhecido chamado José de Resende Costa, filho de um capitão do mesmo nome e quase chegando aquele Arraial dos Prados me disse, que talvez já não fosse a Coimbra[13] por certa circunstância e perguntando-lhe eu, me disse que era porque o Brasil se fazia brevemente uma República: pedi-me que me contasse como era isso porque já tinha ouvido falar em semelhante coisa, porém o sujeito a quem não dava crédito, respondeu-me que dissesse eu o que sabia que ele me daria o resto: contei-lhe então alguns dos passos referidos e ele me relatou outros do que se tinham a concluir que o dito Resende sabia pouco mais ou menos o mesmo que eu tinha ouvido, acrescentando que o Vigário de São José Carlos Correa de Toledo sabendo que seu pai estava na deliberação de mandar para os estudos de Coimbra, lhe tinha contado tudo o que referido fica além disto. Também o mesmo estudante me comunicou que em certo banquete ou batizado, tinha o irmão daquele mencionado Vigário o sr. Mor Luiz Vaz de Toledo Piza feito numa saúde do coronel Joaquim Silvério dos Reis[14], dizendo que tinha saúde de quem brevemente iria ficar livre da Fazenda Real[15], e que o mesmo sr. Mor se havia de armas para ir tomar São Paulo. Tudo que expressado venho ouvi unicamente ao dito meu primo, e estudante Resende que não merece a menor reflexão, assim pela incapacidade dos sujeitos, como pela impossibilidade da empresa ou de empreendê-la, e foi esta a causa porque me não dirigi logo a V. Exa. e relatar-lhe tudo como agora faço, muito mais por ignorar que houvesse lei, que assim me obrigasse porque a minha profissão é diversa e tudo o referido o juro aos Santos Evangelhos em firmeza do que me assino. Domingos Vidal de Barbosa.

 

[1] MACIEL, JOSÉ ALVARES (1760-1802): filho do capitão-mor de Vila Rica, herdou o nome do seu pai, um rico comerciante e fazendeiro. Como outros filhos da elite colonial, foi mandado com 21 anos à Universidade de Coimbra para completar seus estudos em Filosofia Natural, tendo seguido para a Inglaterra posteriormente para estudar técnicas de siderurgia e manufatura. Na Inglaterra, teve contato com as ideias liberais e a maçonaria e passou a adquirir e ler textos com relatos da Revolução americana, também discutindo com amigos ingleses a possibilidade da independência do Brasil. Na época em que retornou ao Brasil, em 1788, se engajou ao grupo daqueles insatisfeitos com a relação metrópole-colônia (em especial, no tocante à situação das Minas) e que pregavam a rebelião. Por ser uma figura próxima ao governador das Minas, o visconde de Barbacena – era tutor de seus filhos além de encarregado de prospecções mineralógicas nos arredores de Vila Rica –, acabou se tornando um informante privilegiado dos movimentos do visconde e de suas ações. Foi preso em 1789 pela Devassa e enviado para o Rio de Janeiro para interrogatório. Alvares Maciel foi condenado à morte, mas teve sua pena comutada para degredo perpétuo em Angola, conseguindo estabelecer-se com sucesso na região como negociante, inclusive a serviço da Coroa. Em 1799, tornou-se encarregado de uma missão para verificar a existência de riquezas minerais nos sertões de Angola, dando início à produção de ferro no ano seguinte.

[2] COSTA, CLAUDIO MANUEL DA (1729-1789): nasceu nas cercanias da atual Mariana, em Minas Gerais. Integrante da elite letrada da colônia formou-se em Coimbra e estabeleceu sua banca de advocacia ao voltar para o Brasil. Conquistara, ainda em Portugal, sua fama de poeta, e de volta a terra natal passou a compor poemas dramáticos que eram recitados em teatros no Rio de Janeiro e em Vila Rica. Foi nomeado secretário do governo de Minas pelo governador Gomes Freire de Andrade, conde de Bobadela, cargo que exerceu intermitentemente entre 1762 e 1773. Além de uma clientela respeitável, adquiriu riqueza com sociedades em minas de ouro, além de uma fazenda de criação e um negócio de concessão de créditos. Recebia em sua mansão intelectuais e poetas mineiros. Aos 60 anos de idade, integrou-se ao movimento conspiratório que viria a ser conhecido por Conjuração Mineira. Junto ao cônego Luis Vieira da Silva, Claudio Manoel da Costa recebeu a incumbência de elaborar uma constituição provisória. Homem de grande riqueza e prestígio na região, supõe-se ter sido um propagador dos ideais da rebelião entre a elite mineira. Preso, foi interrogado pelos juízes da Alçada em 2 de julho de 1789. Segundo alguns depoimentos da época, encontrava-se assustado e nervoso durante o interrogatório e acabou por comprometer os companheiros, esclarecendo pontos-chave da conspiração. Foi encontrado morto dois dias depois no cubículo da Casa dos Contos – imóvel que pertencia a João Rodrigues de Macedo, arrematante da Arrecadação Tributária das Entradas e Dízimos da Capitania de Minas Gerais, e que serviu de abrigo para as tropas do vice-rei, que vieram do Rio de Janeiro para abafar o movimento. Sua morte suscita polêmica há duzentos anos: para alguns, suicídio; para outros, assassinato, talvez por ordem do próprio visconde de Barbacena, governador de Minas Gerais, que, segundo os defensores da tese de assassinato, poderia ser implicado na conspiração pelo poeta e advogado. Era solteiro e deixou filhos naturais.

[3] SILVA, LUIS VIEIRA DA. CÔNEGO (1735-1809): nascido na atual cidade de Congonhas do Campo, em 1735, assumiu o posto de professor de filosofia no Seminário de Mariana em 1757 e lá permaneceu até 1789. No levante mineiro [conjuração mineira], sua participação incluiria a formulação de um arcabouço jurídico para o regime republicano a ser implementado. Luis Vieira era um padre erudito, com uma biblioteca composta por cerca de 600 volumes. Defendia a independência das terras americanas em relação aos países europeus, cujo exemplo maior eram os acontecimentos na América do Norte, na década anterior. O cônego demonstrava não se opor, se necessário fosse, à instalação de um império luso-brasileiro com sede no Brasil, ideia que já na época encontrava seus adeptos. Foi preso em junho de 1789 e interrogado na Casa dos Contos, em Vila Rica. A sentença de d. Maria I o enviou para degredo em São Tomé, onde passou 4 anos, depois dos quais conseguiu sair do cárcere e recolher-se em convento.

[4]GONZAGA, TOMÁS ANTONIO (1744-1810): nascido em 1744, ganhou fama como poeta, em especial como autor de Marília de Dirceu e das Cartas Chilenas, sátira virulenta que tinha como alvo o venal governador de Minas Gerais na época, Luís da Cunha Meneses. O antagonismo entre Cunha Meneses e Tomás Gonzaga, aliás, bem demonstra o tipo de conflito que emergia na confusa e dinâmica região das minas, resultado de uma máquina administrativa que permitia a sobreposição dos interesses da Coroa, daqueles que ocupavam postos de funcionários desta e de indivíduos que apenas tencionavam explorar a riqueza da terra de forma privada. Ouvidor de Vila Rica, nascido em Portugal, mas criado no Brasil, era apontado como provável primeiro governante de um Brasil livre – ou antes, das Minas Gerais livre. Seus escritos por ele permitem entrever um pensador alerta, perspicaz, crítico da tirania de alguns monarcas, mas muito mais afinado com uma monarquia não-despótica do que com a democracia republicana dos norte-americanos. Foi um dos primeiros implicados no levante de 1798 (Conjuração Mineira), preso ainda no mês de maio e logo remetido para o Rio de Janeiro. Seus depoimentos pouco revelaram, sustentando até o fim que jamais ouvira falar em sedição alguma. Foi condenado a degredo em Moçambique, onde acabou por casar-se e reconstruir sua vida, terminando a carreira como funcionário da Coroa no cargo de promotor de defuntos e ausentes e advogado dos auditórios públicos.

 

 

[5]ALVARENGA, IGNACIO JOSE DE (1744-1792): nascido no Rio de Janeiro, viveu desde criança em Portugal, onde frequentou o curso de Leis na Universidade de Coimbra na mesma época que Tomás Antônio Gonzaga. Terminados seus estudos lecionou em uma das cadeiras do mesmo curso e começou a carreira na magistratura em Portugal. Protegido do marquês de Pombal, veio a ocupar o cargo de ouvidor de rio das Mortes na capitania de Minas Gerais, até a queda do ministro, quando abandona a vida pública e passa a dedicar-se aos negócios da família da sua esposa, a poetisa Bárbara Heliodora Alvarenga Peixoto. Ignacio José também se dedicava à poesia, mas para parte da crítica sua obra não se equipava a de outros inconfidentes. Uma parcela de sua produção lírica perdeu-se devido ao seu envolvimento na conspiração em Minas Gerais da qual foi um dos principais líderes. Em fins da década de 1780, encontrava-se extremamente endividado, o que funcionava como mais um incentivo para a sua participação na Conjuração Mineira e para seu entusiasmo pela ideia de independência, atribuindo-se a ele a proposta da legenda da bandeira revolucionária “Libertas quae sera tamem”. Apesar das dívidas, contudo, suas propriedades superavam o montante devido, e o arrolamento de bens dos inconfidentes nos Autos da Inconfidência ainda o colocam no topo da lista de homens mais ricos. Diz-se que a senha para a eclosão da revolta nasceu de uma celebração em sua casa – o batizado de um dos filhos. Um dos únicos a defender o fim da escravidão – embora fosse, ele próprio, dono de terras, minas e escravos, foi um dos principais denunciados e estava entre os primeiros a serem presos por ordem do visconde de Barbacena, ainda em maio de 1789. Condenado ao degredo em Angola, morreu pouco tempo depois da sua chegada.

[6]CONTRATADOR: a quem cabia a cobrança dos mais variados impostos sobre produção e circulação de bens, a figura do contratador existia desde o nascimento do estado absolutista português. Ela foi incorporada a estrutura de poder na América portuguesa, tornando-se peça chave nas relações de poder existentes entre os colonos e entre os colonos e a Coroa. Apresentava-se como um oficial particular a serviço do Rei, que havia conquistado tal privilégio através de arrendamento. O sistema de administração colonial português permitia que interesses particulares se imiscuíssem na lógica pública e vice-versa, em uma relação obscura e mal delineada que caracterizava o próprio estado português e seguia o princípio básico do absolutismo que confundia o monarca com o estado que administrava e o povo que governava: a esfera privada, portanto, ainda não existia de forma independente da figura do monarca soberano. O arremate de contratos em geral era feito por pessoas “de cabedal”, e representava status e capital político importante.

[7] DERRAMA: mecanismo de recolhimento de tributos para fazer face a déficits orçamentários da Coroa. A criação e regulamentação da derrama, por meio do alvará régio de 3 de dezembro de 1750, se inseriam no âmbito de uma política ostensiva de restrições e exigências financeiras que sustentavam o pacto colonial, com o objetivo de combater o contrabando e a evasão fiscal. Os descaminhos do ouro conduziram a medidas de reforma da administração pombalina para Minas Gerais, dentre as quais se destaca a decretação da derrama, cuja primeira aplicação ocorreu entre os anos de 1763-1764. A cobrança forçada dos impostos atrasados buscava arrecadar 17 arrobas de ouro correspondentes aos 13 anos de quinto insuficiente. As sucessivas derramas decretadas em Minas Gerais entre 1764 e 1777 revelam que, antes de ser opressiva, a política ilustrada de Portugal buscou envolver os mineiros na tarefa de arrecadação do quinto, além de estreitar seus vínculos com a metrópole. Quanto mais intenso o contrabando, maior seria a possibilidade do não preenchimento da cota aurífera nas Casas de Fundição, dando causa, por conseguinte, ao acometimento da derrama. Dessa forma, articulava-se uma política fazendária em que o súdito, deixando de ser apenas alvo da carga tributária, passava a participar diretamente nos esforços de arrecadação. (Tarcísio de Souza Gaspar. Derrama, boatos e historiografia: o problema da revolta popular na Inconfidência Mineira. Topoi vol.11, no.21, Rio de Janeiro, jul/dez.2010)

[8] INTENDENTE DAS MINAS: a Intendência das Minas foi o órgão responsável pela gestão dos serviços de mineração e pela arrecadação dos impostos sobre o ouro produzido na colônia. Antes da existência da Intendência foi criado, no Regimento das terras minerais do Brasil de 1603, o cargo de Provedor das Minas. Também chamado de Superintendente das Minas, era responsável por um grande número de atribuições, entre elas controlar a descoberta das minas, estabelecer e fiscalizar a exploração, presidir demarcações das datas (lotes), arbitrar conflitos entre os mineiros, informar o Governador-Geral da colônia sobre as casa de fundição, onde seriam recolhidos, fundidos, marcados, registrados o ouro e a prata, bem como cobrado o quinto, entre outras. O cargo de Intendente do Ouro foi criado pelo Registro do Regimento da Capitação de 26 de setembro de 1735, tendo sido a Intendência do Ouro criada apenas em decreto de 28 de janeiro do ano seguinte. O intendente do Ouro substituiu o Provedor, e passou a ter como subordinados fiscais, tesoureiro, escrivão, meirinhos e ajudantes. A administração das minas deixava de ser nacional e passava a ser regional, já que cada capitania onde houvesse distrito mineiro deveria ter pelo menos um Intendente do Ouro, que estaria subordinado apenas ao governador e capitão-general, e seria a maior autoridade dentro dos distritos. Entre suas incumbências estavam: matricular os escravos que trabalhassem direto na mineração, visitar as lavras e verificar se todos os escravos estavam matriculados, manter as balanças e marcos (pesos) aferidos para pesar o ouro corretamente sem prejuízo das partes e da Fazenda Real, fiscalizar o pagamento da capitação (imposto cobrado per capita de quem produzisse, trabalhasse ou fosse dono das minas), que veio a substituir o quinto, e prestar contas ao Governador-Geral, que por sua vez remeteria ao Conselho Ultramarino. O sistema de capitação, que pretendia controlar e agilizar a cobrança dos impostos e evitar os descaminhos, durou entre 1736 e 1750. Nesse período as jazidas começaram a enfrentar o escasseamento da produção e começou a haver diminuição da receita para a Fazenda. Em 1750 o sistema de tributação voltou ao quinto, desde que atingisse um mínimo de 100 arrobas anuais. Caso o valor fosse inferior, a derrama seria instaurada para completar o total. À Intendência do Ouro cabia fiscalizar as Casas de Fundição, examinar balanças e pesos, vigiar oficiais e fazer devassas sobre o ouro descaminhado, sobre barras e bilhetes falsos, inclusive julgando os culpados, receber anualmente o ouro dos quintos, somar e pesar para verificar se havia 100 arrobas, e remeter o ouro dos impostos à Casa dos Contos no Rio de Janeiro, além de examinar e controlar a entrada e saída dos valores e o cofre dos quintos. O alvará de 3 de dezembro de 1750 que retomou a cobrança do quinto e manteve o funcionamento das Intendências do Ouro e as casas de fundição sob sua responsabilidade, vigorou até o ano de 1803, quando foi criado o cargo de Intendente Geral das Minas, respondendo à Real Junta Administrativa de Mineração e Moedagem. As intendências regionais passaram para a responsabilidade das Relações da Bahia e do Rio de Janeiro e algumas atribuições foram passadas para os Juízos de Fora locais. A partir de 1808, com a queda na produção aurífera e diamantina, a Intendência Geral das Minas foi perdendo força e importância, e deixou de existir definitivamente em 1832.

[9] [AMERICANOS] INGLESES: a independência das colônias inglesas da América do Norte, levada a cabo em 1776 pelos treze territórios na costa leste do que é hoje os Estados Unidos, inspirou os rebeldes mineiros de 1789 [ver Conjuração Mineira]. Mesmo que não compartilhassem os mesmos ideais republicanos, verificaram-se alguns paralelos entre o processo que levou à independência norte-americana e as expectativas dos mineiros de liberdade. O historiador Kenneth Maxwell, em artigo de 1989, destaca que o exemplo da revolução americana era, aos olhos dos inconfidentes, semelhante ao que os movia, sendo o rompimento obrigado pelos “grandes tributos que lhe taxaram” conforme seus protagonistas. Também exemplares de Revolução da América, um dos livros que compõem a obra Histoire des deux Indes, do Abade Raynal, publicada desde 1770, circulava nas bibliotecas dos revoltosos. A inserção desse texto dedicado à Independência americana e o entusiasmo que permeia o texto pareceria aos conjurados uma projeção do que também iria se passar na capitania de Minas Gerais. Um episódio considerado marcante do ponto de vista da influência norte-americana entre os inconfidentes remonta a 1786: Thomas Jefferson, founding father da nação americana e na época embaixador dos Estados Unidos na França, recebeu correspondência assinada por “Vendek”, pseudônimo de José Joaquim Maia Barbalho, vinda da Universidade de Montpellier, com quem trocaria algumas cartas. Nelas, o remetente alegava que o Brasil se sentia impulsionado a seguir o exemplo dos norte-americanos e livrar-se da servidão em relação a Portugal. Afirmava encontrar-se em Paris a realizar a missão de conseguir apoio externo, notadamente dos Estados Unidos, para a empreitada. Embora sua atenção fosse atraída pelas riquezas do território brasileiro e pela possibilidade de obter privilégios comerciais com o Brasil, Thomas Jefferson mostrou-se cauteloso, provavelmente porque o auxílio envolveria recursos materiais e a uma nação recém independente não interessava entrar em conflito com outras mais poderosas.

[10] ALFERES: presente em quase todos os exércitos do mundo, o posto de alferes designou originalmente aquele que levava o estandarte militar. Existiu no Brasil até 1905 e corresponde, atualmente, a patente de segundo-tenente ou subtenente. Na estrutura militar portuguesa transposta para a América e dividida em três forças, encontra-se sempre o alferes, oficial de baixa patente acima dos sargentos, ao qual pardos e mulatos aspiraram ser aceitos no período colonial. O posto se notabilizou na história brasileira graças à participação na Conjuração Mineira de Joaquim José da Silva Xavier conhecido como Tiradentes.

[11]XAVIER, JOAQUIM JOSÉ DA SILVA (1746-1792): Joaquim José da Silva Xavier nasceu em 1746 na região onde hoje se encontra a cidade de São João del-Rei, em Minas Gerais. Uma das suas ocupações consistia em arrancar dentes ruins e colocar “novos”, feitos de ossos, o que lhe rendeu, além da alcunha de Tiradentes, um importante papel como arregimentador para o movimento inconfidente mineiro [ver Conjuração Mineira]. Deixava abertamente implícito o seu descontentamento com o governo português e ressentimento em relação ao exército – por sentir-se preterido em missões e promoções na carreira militar, na qual ingressou em 1775, após uma experiência não muito bem sucedida na mineração. Era alferes – oficial de baixa patente –  no corpo de Dragões del-Rei: unidade do exército português criada em 1775 na cidade de Vila Rica, responsável pela arrecadação dos tributos da Coroa portuguesa; pela garantia da lei e da ordem nas atividades de exploração do ouro; pela vigilância das estradas, caminhos e rios, entre outros. Tal cargo fazia dele uma peça-chave no levante, já que dos soldados, dependeria o êxito inicial do movimento. Tiradentes foi um dos maiores propagandistas do levante, cujas ideias apresentavam, mais claramente, o viés do “nacionalismo econômico”, caracterizado pela defesa e enaltecimento dos recursos naturais da colônia, superiores, em muito, aos da metrópole. Não apoiou o fim do tráfico negreiro ou da escravidão, embora o autor que mais citasse publicamente, o Abade Raynal, iluminista francês e autor censurado na colônia, a condenasse. Compunha o grupo de inconfidentes para quem a questão política, ou seja, o rompimento com a metrópole portuguesa, colocava-se acima das contingências financeiras imediatas causadas pelos altos impostos. Pertencia ao núcleo central de revoltosos que dariam início ao levante assim que a derrama fosse anunciada em Minas Gerais, e era previsto que ele mostrasse a cabeça do governador Luís Antônio Furtado de Castro do Rio de Mendonça, visconde de Barbacena, clamando por liberdade. A seguir, seria proclamada a República e lida uma declaração de independência, conclui o historiador Kenneth Maxwell (Conjuração mineira: novos aspectos. Estudos Avançados, 3(6), 04-24. http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8518 ). No entanto, devido à denúncia do coronel Silvério dos Reis, a conspiração foi desmantelada. Instaurou-se uma devassa da inconfidência, desdobrada em dois processos, um aberto no Rio de Janeiro e outro na capitania de Minas Gerais, destinados a apurar e punir os crimes dos conjurados. Tiradentes foi preso por um destacamento de soldados do regimento europeu de Estramoz na casa em que se escondia no Rio de Janeiro em 10 de maio de 1789, portando um mosquete carregado, e admitiu a culpa que lhe fora atribuída, declarando-se o cabeça do levante, cujo objetivo seria, segundo os autores de sua sentença, “subtrair da sujeição, e obediência devida a mesma senhora [a rainha d. maria I]; pretendendo desmembrar, e separar do Estado aquela Capitania [Minas Gerais], para formarem uma república independente”. Seu processo durou aproximadamente três anos e, em abril de 1791, foi declarado culpado por crime de lesa-majestade. De todos os condenados à morte, Tiradentes foi o único que não recebeu indulto – os demais condenados à mesma pena tiveram sua sentença comutada ao degredo na África. Morreu na forca em 1792 e foi esquartejado, suas partes foram expostas ao longo do caminho para Minas Gerais. Todos os seus sucessores, incluindo filhos e netos, caso os tivesse, foram declarados infames, e seus bens foram revertidos para o Fisco e para a Câmara Real. Sua casa em Vila Rica foi derrubada e o terreno salgado, em um gesto que significa infertilizar as terras. Cerca de cem anos depois de sua morte, a figura de Tiradentes, como a própria “inconfidência” em si, seria recuperada pelos republicanos e, em torno desta personagem e deste evento, seriam tecidas teias complexas de mitos e significados, a confundir ideias e ideais, lenda e história. Os autos da devassa da inconfidência, contendo depoimentos e a sentença de Joaquim José da Silva Xavier, estão reunidos em oito volumes e formam o conjunto documental Inconfidência em Minas Gerais, levante de Tiradentes, sob custódia do Arquivo Nacional. Em 2007, os autos da devassa foram nominados ao Registro Nacional do Brasil do Programa Memória do Mundo da UNESCO.

[12]REPÚBLICA: o termo “república” vem do latim res publica, que significa literalmente “coisa pública”, ou seja, o bem público, o que era comum a todos os cidadãos. Considerando-se a tipologia de Estado moderno, o termo República representa o oposto das concepções monárquicas de soberania: a primeira, embora compreenda uma grande variedade de formas de governo e organização de Estado, pauta-se pelo exercício do poder político baseado na escolha do povo e em especial, na não hereditariedade do exercício deste poder. Na monarquia, ao contrário, o soberano herda o direito de ocupar o mais alto cargo político em função da sua linhagem. No entanto, o termo República é bastante anterior às teorias de Estado modernas, sua origem reside na necessidade de os romanos definirem em termos apropriados uma nova realidade de organização do poder depois que a forma de exercício dos antigos reis encontrou seu fim. Expressava uma ideia semelhante à politeia grega, qual seja, o bem comum. Cícero e Políbio estão entre os primeiros a estruturar as discussões em torno da coisa pública em um conceito coerente, ressaltando a importância de leis comuns para que o bem comum fosse alcançado, contrapondo assim, a República aos estados (ou antes, as formas de associação política) “injustos” (ilegais, ilegítimos). Na Idade Moderna, o termo se tornou caro àqueles que buscavam derrubar as formas de organização política típicas do Antigo Regime. Enfatizando o caráter de legitimidade do governo (fosse ele monárquico, democrático, aristocrático), havia uma tendência à defesa de um estado de direito que preservasse o bem dos seus cidadãos, em contraposição ao despotismo de reis que só respeitava a sua própria vontade, por terem recebido seu poder “diretamente de Deus”. Após as revoluções francesa e americana, no século XVIII, a definição de república passa por um sem número de discussões e reelaborações, em grande medida consequência das experiências práticas que se desenvolvem com o passar dos anos. Indissociável da ideia de república é a da constituição, na qual o direito deixa de ser expressão do poder real e se torna o espelho da nação organizada. Nesse sentido, e após a Revolução Francesa, o termo soberania deixará de designar a legitimidade dinástica, transferindo-se para a vontade popular (Cf. LAFER, C. O significado de República. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2. n. 4, 1989. http://bibliotecadigital. fgv.br/ojs/index.php/reh/article/download/2286/1425) A adoção de um governo republicano e a difusão dos princípios de liberdade, em um mundo no qual preponderavam governos absolutistas, passaram a ser vistos pelo mundo monárquico como os “abomináveis princípios franceses”. Ao lado da independência das treze colônias inglesas na América do Norte, que se libertaram do domínio metropolitano, tornando-se uma República, inspirariam, sobremaneira, movimentos anticoloniais. De todo modo, a noção mais antiga e abrangente de República, segundo a qual o Estado deveria expressar a vontade do povo, associada à construção de um novo pacto social, continuou a influenciar alguns movimentos políticos. No contexto do Brasil colonial, o conceito de República explicitava uma defesa não de um sistema de governo com maior participação popular, nem sequer, necessariamente, de um governo independente da metrópole, mas sim, de um governo mais justo entre os súditos do Reino e Ultramar. Ainda assim, considera-se que a seu modo, movimentos como a conjuração mineira de 1789 e a Revolução de 1817 guardaram a inspiração republicana, norte-americana, sem dúvida, e no último caso, francesa.

[13]COIMBRA:  Coimbra, cidade localizada nas proximidades do rio Mondego, se ergueu sobre a colina da Alta, o que lhe conferia um caráter estratégico, por sua privilegiada posição geográfica. Sua época de esplendor sob o domínio romano se encerrou no século V, após ter sido invadida pelos bárbaros suevos. Teve uma longa e significativa passagem sob domínio árabe (do século VIII ao XI), e foi reconquistada pelos portugueses em 1064, tornando-se uma importante cidade ao sul do Douro. Neste período, Coimbra foi capital da região, sendo depois substituída por Lisboa quando da unificação do Estado no século XIV. Coimbra ainda abriga uma das instituições superiores de ensino de maior relevo na Europa (a quarta universidade mais antiga do continente) e do mundo luso-brasileiro: a Universidade de Coimbra – fundada em 1290, inicialmente instalada em Lisboa, mas posteriormente transferida, em definitivo, para Coimbra. Em 1772, o marquês de Pombal realizou a Reforma da Universidade, abolindo, de modo geral, o ensino nos moldes da segunda escolástica praticado pelos membros da Companhia de Jesus e privilegiando a ciência moderna e experimental. A elite colonial, desde cedo, adquiriu o hábito de enviar seus filhos a Coimbra, onde puderam entrar em contato com as teorias liberais dos iluministas que começavam a revolucionar o mundo.

[14] REIS, JOAQUIM SILVÉRIO DOS (1755 OU 1756 - [1819]): Joaquim Silvério dos Reis passou para a história como o grande traidor da inconfidência mineira e, por conseguinte, da nação. Nascido em Portugal, havia sido contratante de entradas, e achava-se em débito com o Real Erário na época em que o levante começou a ser fomentado. Durante o governo de Luís da Cunha Meneses, período no qual granjeou fama de corrupto e distribuidor de subornos, chegou a receber alguns favores, como poderes especiais para a execução de dívidas, que permitiam burlar as autoridades formais da Coroa. Seu contrato encerrara-se em 1784, sua dívida só fazia crescer e, com a chegada do visconde de Barbacena, substituto de Cunha Meneses, Silvério dos Reis recebeu a primeira má notícia e que atingia indivíduos influentes: a extinção dos regimentos auxiliares e reorganização das tropas regulares, criados no antigo governo, tendo comprado patentes, tal como Alvarenga Peixoto e outros, que viria a perder sem qualquer contrapartida (FURTADO, João Pinto. Uma república entre dois mundos: Inconfidência Mineira, historiografia e temporalidade. Rev. bras. Hist., São Paulo, v.21, n.42, 343-363,2001. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010218820010003 00005&lng=en&nrm=iso). A anunciada derrama tornou-o ainda mais inquieto, fazendo com que esquecesse antigas desavenças (como por exemplo, com Tomas Antônio Gonzaga) para integrar-se ao grupo de conspiradores que pretendiam insurgir-se contra as arbitrariedades da coroa portuguesa. Em meados de março de 1789, após anunciada a suspensão da derrama e consequentemente do próprio levante, Silvério dos Reis denuncia verbalmente o movimento ao visconde de Barbacena. As razões para a denúncia parecem obscuras: a carta à câmara de Vila Rica anunciando a suspensão da derrama, que inicialmente fora prevista para fevereiro, é enviada em 14 de março, antes da delação. Assim, provavelmente, Barbacena tomara a sua decisão com bases outras que não o conhecimento de um levante a ser iniciado pelo anúncio da cobrança dos impostos atrasados. Por outro lado, a expectativa quebrada ainda em fevereiro possivelmente arrefeceu os ânimos dos inconfidentes, que perceberam que, sem o sentimento de indignação e opressão desencadeados pela derrama, seria difícil realizar uma revolta bem-sucedida. A denúncia de Silvério, realizada no dia seguinte à suspensão formal da derrama, talvez possa ser explicada pelo desânimo em relação à não realização do levante, que para ele significava a manutenção da sua condição de grande devedor do Real Erário, ao passo que a rebelião o libertaria das amarras da sua antiga condição frente a coroa. E, de fato, no início de março a Junta da Fazenda já havia convocado Silvério, descrevendo-o como “fraudulento e falsificador”. Sua deserção expressa a fragilidade de um grupo considerável dentro do movimento, que agia com base em motivações exclusivamente pessoais e econômicas contingentes. Barbacena transformou o delator em espião e, poucas semanas depois da denúncia verbal, intimou Silvério dos Reis a formalizar sua queixa em papel. Enviado ao Rio de Janeiro pelo visconde para entregar sua imputação ao vice-rei, acaba preso ele mesmo, posto que este último o considerava perigoso e possivelmente participante da inconfidência que denunciava. Recebeu o perdão real e uma série de recompensas. Contudo, jamais voltaria a se sentir confortável entre seus pares, que o consideravam venal e indigno. Morreu no Maranhão.

[15]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

 

Atestado de dom José de Castro

Atestado em que o conde de Resende, dom José de Castro, confirma a prisão da maior parte dos envolvidos na revolta de Minas Gerais. Constata também que a vigilância e a cautela em relação aos réus era satisfatória, adequada ao risco que eles ofereciam. 

Conjunto documental: Inconfidência em Minas Gerais – Levante de Tiradentes
Fundo ou coleção: Diversos Códices SDH
Código do fundo: NP
Notação: códice 5 , vol. 8
Datas-limite: 1789-1792
Argumento de pesquisa: Inconfidência Mineira
Data do documento: 25 de julho de 1792
Local: Rio de Janeiro
Folhas: 77

 

ATESTADO DE DOM JOSÉ DE CASTRO – CONDE DE REZENDE – DO CONSELHO DE SUA MAJESTADE VICE-REI E CAPITÃO GENERAL DE MAR E TERRA DO ESTADO DO BRASIL Transcrição: Atesto que chegando a esta capital a 6 de junho do ano de mil setecentos e noventa, me constou acharem-se grande parte dos presos da Conjuração[1] de Minas Gerais com diferentes prisões na fortaleza da Ilha das Cobras[2], da qual passaram para os cárceres desta cidade, a exceção dos eclesiásticos[3] que em vinte e quatro do mês de junho do presente ano foram remetidos para a corte, como também José de Rezende Costa Pai[4], José de Rezende Costa Filho[5], Domingos Vidal Barbosa[6] e João Dias da Mota[7], que sentenciados a degredo[8] para as ilhas de Cabo Verde se faria impraticável a viagem deste porto para o das referidas ilhas, e como o governador da mencionada fortaleza em todo este considerável tempo foi o único guarda dos réus, e consequentemente responsável da sua segurança da qual deu a melhor conta, não só naquela parte que se dirigia as cautelas indispensáveis que recomendavam a gravidade da sua comissão, como também enquanto aos socorros com que prontamente lhe assistia com humanidade e com religião. E por me ser pedida a presente lhe mandei passar por mim assinada e selada com o sinete de minhas armas. Assinado Conde de Rezende[9]

 

[1] CONJURAÇÃO MINEIRA: movimento conspiratório, contrário a cobrança da derrama em Minas Gerais anunciada em 16 de julho de 1788 por Luís Antônio Furtado de Mendonça, o Visconde de Barbacena, cinco dias após de assumir o governo da capitania. Tal medida fazia parte do plano de reformas estruturadas pelo marquês de Pombal que buscava ampliar ao máximo os lucros provenientes da exploração colonial. Dentro desse projeto previa-se uma maior fiscalização sobre a exploração do ouro na região, principal fonte de riqueza para o governo português. De acordo com o alvará régio de 3 de dezembro de 1750, anualmente deveriam ser enviadas à Portugal cem arrobas de ouro, correspondente ao pagamento do quinto da extração aurífera. No entanto, com o esgotamento das minas da região, a partir da segunda metade do século XVIII, mineradores passaram a acumular dívidas com o fisco lusitano, pois não conseguiam atingir a quantidade estipulada. As sucessivas quedas na arrecadação levariam o governo português, através da câmara municipal de Vila Rica, a decretar a derrama – cobrança forçada das dívidas atrasadas. A notícia espalhou-se rapidamente pela capitania e traria consigo a possibilidade da deflagração de uma revolta logo que se publicasse a cobrança. Contando com a insatisfação geral que se abateu entre os moradores de Minas Gerais, os líderes do movimento – elite econômica endividada com o governo lusitano – propunham-se a instigar um motim popular. Sob influência das ideias liberais dos principais filósofos franceses da época – Abade Raynal, Rousseau, Montesquieu e Voltaire –, defensores dos princípios de Liberdade, Igualdade, Fraternidade e do movimento de independência e formação dos Estados Unidos da América, os conjurados, formados pela elite letrada da capitania, educada na Europa, especialmente na Universidade de Coimbra, intencionavam a proclamação de uma república em Minas Gerais, na qual tivessem maior participação política, além de defenderam a liberdade de comércio, a livre extração de diamantes, o desenvolvimento das manufaturas, a criação de uma universidade em Vila Rica, entre outros. No entanto, o historiador João Pinto Furtado, chama a atenção para a heterogeneidade dos envolvidos e seus múltiplos interesses, muitas vezes excludentes entre si. O movimento não chegou a acontecer, os conjurados foram denunciados por Joaquim Silvério dos Reis e a devassa suspensa. Durante o processo jurídico que julgou os inconfidentes, também conhecido como devassa, que durou quase dois anos, os conjurados foram presos e levados para o Rio de Janeiro. Isolados em cárceres, os réus tentaram minimizar suas ações no movimento em seus depoimentos. A maior parte da culpa foi atribuída ao alferes Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes, que assumiu toda a responsabilidade. Os réus só se viram uma única vez, após a prisão, na leitura das sentenças. Trinta e quatro homens foram acusados, sendo cinco membros da Igreja Católica. Onze réus foram condenados à morte, e destes, dez tiveram a pena comutada para degredo na África. Tiradentes foi o único que teve mantida sua pena. Os cinco réus eclesiásticos foram levados para as prisões de Lisboa (padres Luís Vieira da Silva, José da Silva e Oliveira Rolim, José Lopes de Oliveira, Carlos Correia de Toledo e Melo, e Manoel Rodrigues da Costa), onde deveriam cumprir prisão perpétua, mas tiveram parte de suas penas atenuadas. Os demais acusados cumpriram penas variadas, nas diversas colônias portuguesas na África (para ilhas de Cabo Verde: José de Rezende Costa, José de Resende Costa Filho, Domingos Vidal de Barbosa Lage, João Dias da Mota e para Moçambique: Tomás Antônio Gonzaga, Vicente e Vieira da Mota, José Aires Gomes, João da Costa Rodrigues, Antônio de Oliveira Lopes, Vitoriano Gonçalves Velloso, Salvador Carvalho do Amaral Gurgel). Destes, vários obtiveram sucesso em suas atividades nos lugares para onde foram degredados.

[2] COBRAS, ILHA DAS: localizada na baía do Rio de Janeiro, seu primeiro registro cartográfico foi feito pelo cartógrafo português Luiz Teixeira e sua primeira referência documental é uma carta de sesmaria datada de 1565, onde se encontra o direito de posse a Pedro Rodrigues, primeiro proprietário. Segundo o historiador beneditino dom Clemente Maria da Silva-Nigra, em crônica produzida pelo Mosteiro de São Bento, o nome surgiu devido a grande quantidade de cobras encontradas ali. Em 1589, o mosteiro compraria a ilha, passando então a ser conhecida também como Ilha dos Monges. Foram três as fortificações construídas na Ilha das Cobras: Fortaleza de São José; Baluarte de Santo Antônio e a fortaleza do Patriarca de São José. A primeira, datada de 1624, apesar de não possuir muitos recursos em termos de defesa, possuía uma posição geográfica estratégica e privilegiada. Posteriormente, em 1639, com utilização da mão de obra dos índios tutelados no mosteiro, foi construída no que havia restado da Fortaleza São José, a Santa Margarida da Ilha das Cobras, rebatizada com esse nome em homenagem à dona Margarida de Sabóia, que governava Portugal em nome do rei Felipe IV da Espanha, durante a União Ibérica. O Baluarte de Santo Antônio, concluído em 1709, com o objetivo de cruzar fogos com o Forte de Santiago, atual Museu Histórico Nacional, foi a segunda fortaleza da Ilha das Cobras. E por fim, em 1725, após a invasão francesa ao Rio de Janeiro e a preocupação em proteger o ouro que ia a Portugal passando pelo porto do Rio, a terceira e última fortificação da ilha, composta por três fortes: o de Santa Margarida (que voltou a se chamar São José); o do Pau da Bandeira e o de Santo Antônio. A unificação ficou denominada de fortaleza do Patriarca de São José da Ilha das Cobras e, em 1790, as fortalezas, os fortes e baterias continentais salvaguardavam a cidade do Rio de Janeiro. Ainda sobre fortaleza da ilha das Cobras, uma referência também é importante em relação à prisão: no período de 1790 a 1808, as prisões disponíveis na cidade do Rio de Janeiro eram as unidades militares existentes na Baía de Guanabara, onde os militares ficavam presos. Já os civis, eram encaminhados para a Cadeia Pública e a Cadeia da Relação, ambas no edifício do Senado da Câmara e o Calabouço, prisão destinada exclusivamente à punição de escravos fugitivos ou entregues pelos seus senhores para serem castigados.

[3] ECLESIÁSTICOS [PARTICIPAÇÃO NA CONJURAÇÃO MINEIRA]: a Igreja sempre foi um braço do Estado português na colônia, no entanto, contrariando as diretrizes da Santa Sé, vários grupos religiosos atuaram politicamente em movimentos sociais que questionavam a ordem vigente, como foi o caso da Conjuração Mineira. Os clérigos inconfidentes mostravam grande interesse por filosofia e política e, ao mesmo tempo, um maior desprendimento da vida sacerdotal, que podia significar não apenas maior participação na política, mas também uma atitude tão corrupta em relação aos negócios quanto a de seus pares leigos. A levar-se em conta relatos da época, podemos dizer o mesmo quanto ao seu comportamento privado, considerado muitas vezes imoral. Sobre alguns deles, por exemplo, pesavam acusações de relações impróprias com suas fiéis. Eram leitores das ditas “ciências profanas” (filosofia, história, literatura, etc) – principalmente o cônego Luis Vieira da Silva que possuía uma das melhores e mais modernas bibliotecas da capitania – e tinham como referência autores como Voltaire, Raynal e Montesquieu (ver ESCRITOS PERIGOSOS). Os principais réus eclesiásticos que se envolveram na conjuração foram: o cônego Luis Vieira da Silva, e os clérigos Carlos Correia de Toledo e José da Silva Oliveira Rolim. Contudo, o total de cinco réus eclesiásticos foram enviados a Lisboa – Luís Vieira da Silva, José da Silva e Oliveira Rolim, José Lopes de Oliveira, Carlos Correia de Toledo e Melo, e Manoel Rodrigues da Costa –, onde deveriam cumprir prisão perpétua, mas tiveram parte de suas penas atenuadas. Os clérigos inconfidentes não receberam sua sentença no Rio de Janeiro, como os civis e militares: foram encaminhados a Lisboa, onde d. Maria I faria a declaração da sentença definitiva. Oliveira Rolim foi sentenciado a 15 anos nos mosteiros de Lisboa, mas em 1805 já estava de volta ao Brasil. Correia de Toledo morreu em Portugal, e Vieira da Silva retornou ao Brasil em data incerta. Manoel Rodrigues, outro inconfidente religioso menos conhecido, condenado a dez anos de cárcere em Lisboa, retornou ao Brasil e tornar-se-ia um dos primeiros membros do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, e também deputado por Minas Gerais.

[4] COSTA, JOSÉ DE RESENDE [PAI] (1728-1798): nascido na comarca de Rio das Mortes, na época do seu envolvimento na Conjuração Mineira, possuía uma fazenda com engenho, moinho e uma biblioteca mais abrangente do que se esperaria encontrar dada a época e o lugar, local onde foram realizadas reuniões secretas com os inconfidentes. Era capitão do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Vila de São José do Rio das Mortes. Condenado ao degredo, foi enviado para a Guiné, onde morreu em 1798. Na década de 1930, fragmentos de seu crânio foram localizados na África e trazidos para o Brasil. Através de uma tomografia computadorizada, realizada na Universidade de Londres, reconstituiu-se a feição de Resende Costa, atualmente, na cidade mineira de Resende Costa – homenagem ao inconfidente – foi erguida uma estátua, graças a recomposição de seus traços.

[5] COSTA, JOSE DE RESENDE [FILHO] (1767-1841): o mais jovem dos inconfidentes condenados [ver Conjuração Mineira], também foi o único entre os que conseguiram retornar ao Brasil que não pertencia ao clero. José de Resende Costa foi condenado ao degredo na África Ocidental, em Cabo Verde, onde ocupou cargos oficiais. No início do século XIX, era secretário do Real Erário. Retornou ao Brasil em 1809, continuando a ocupar postos na administração real. Elege-se deputado para as cortes de Lisboa por Minas Gerais. Depois da Independência (1822), integrou a Constituinte de 1823, ao lado de outro antigo inconfidente, o cônego Manoel Rodrigues da Costa. Ambos se tornaram membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

[6] BARBOSA, DOMINGOS VIDAL (1761-1793): inconfidente da Conjuração Mineira estudou medicina na Universidade de Montpellier, na França. A partir da correspondência entre José Joaquim Maia e Barbalho, estudante em Coimbra e Thomas Jefferson, Barbosa redigiu o relatório dos comentários que o embaixador americano teceu acerca da intenção de se fazer um movimento de independência no Brasil. Membro de família tradicional e de posses. Possuía uma fazenda em Juiz de Fora, a meio caminho para o Rio de Janeiro. Foi preso em junho de 1789 e condenado à morte, junto com outros líderes da inconfidência, tendo sua pena comutada para degredo. Partiu para Cabo Verde em 1792, onde faleceu dois anos depois.

[7] MOTA, JOÃO DIAS DA: oficial da cavalaria e pequeno fazendeiro, nascido em Vila Rica foi condenado ao degredo apesar de sua participação quase fortuita no planejamento do levante. 

[8] DEGREDO: punição prevista no corpo de leis português, o degredo era aplicado a pessoas condenadas aos mais diversos tipos de crimes pelos tribunais da Coroa ou da Inquisição. Tratava-se do envio dos infratores para as colônias ou para as galés, onde cumpririam a sentença determinada. Os menores delitos, como pequenos furtos e blasfêmias, geravam uma pena de 3 a 10 anos, e os maiores, que envolviam lesa-majestade, sodomia, falso misticismo, fabricação de moeda falsa, entre outros, eram definidos pela perpetuidade, com pena de morte se o criminoso voltasse ao país de origem. Além do aspecto jurídico, em um momento de dificuldades financeiras para Portugal, degredar criminosos, hereges e perturbadores da ordem social adquiriu funções variadas além da simples punição. Expulsá-los para as “terras de além-mar” mantinha o controle social em Portugal e, em alguns casos também, em suas colônias mais prósperas, contribuindo para o povoamento das fronteiras portuguesas e das possessões coloniais, além de aliviar a administração real com a manutenção prisional. Constituindo-se uma das formas encontradas pelas autoridades para livrar o reino de súditos indesejáveis, entre os degredados figuraram marginais, vadios, prostitutas e aqueles que se rebelassem contra a Coroa. Considerada uma das mais severas penas, o degredo só estava abaixo da pena de morte, servindo como pena alternativa designada pelo termo “morra por ello” (morra por isso). Porém o degredo também assumia este caráter de “morte civil” já que a única forma de assumir novamente alguma visibilidade social, ou voltar ao seu país, era obtendo o perdão do rei.

[9]CASTRO, D. JOSÉ LUÍS DE (1744-1819): 2º conde de Resende foi governador e capitão-general da Bahia de 1788 a 1801, de onde seguiu para o Rio de Janeiro como vice-rei do Estado do Brasil até 1806. Considerado um administrador colonial com baixa popularidade, durante sua administração ocorreram a Conjuração Mineira e o julgamento e condenação dos envolvidos, dentre eles, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, preso, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro. Foi responsável também pelo fechamento e pela devassa da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, academia voltada para literatura e filosofia natural, acusada pela sedição conhecida como a Conjuração do Rio de Janeiro, ocorrida em 1794. A administração de conde de Resende contribuiu para a urbanização da cidade do Rio de Janeiro e melhoria das condições sanitárias. Em relação à iluminação pública, instalou lamparinas com óleo de peixe, criou o primeiro Regulamento de Higiene, em 1797, e acabou com o despejo sanitário no Campo de Santana, aterrando a área contaminada e transformando-a em um grande “rossio”. Concluiu a reforma do Paço dos Vice-Reis, entre outras importantes obras de canalização e distribuição de água. Em 1792, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho foi criada, instituição encarregada da formação de engenheiros militares no país. A nomeação como Marechal de Campo, em 1795, sugere que atuou nas guerras contra a França, entre 1793 e 1795, concomitantemente com o vice-reinado. De volta a Portugal, foi nomeado Conselheiro de Guerra e recebeu a Grã-Cruz da Ordem de São Bento de Avis.

Infame Rebelião

 

Carta régia ao conselheiro Sebastião Xavier de Vasconcellos Coutinho determinando a sua ida e a de mais dois doutores que teriam por incumbência sentenciar os réus acusados pelas devassas relacionadas ao levante em Minas Gerais. Ordena também que a devassa e sentença dos réus eclesiásticos devem ser realizadas em separado.

Conjunto documental: Inconfidência em Minas Gerais – Levante de Tiradentes
Fundo ou coleção: Diversos Códices SDH
Código do fundo: NP
Notação: códice 5 , vol. 9
Datas-limite: 1789-1792
Argumento de pesquisa: Inconfidência Mineira
Data do documento: 17 de julho de 1790
Local: Lisboa
Folhas 2-5 

Carta Régia de 17 de Julho sobre Alçada do Rio de Janeiro.Sebastião Xavier de Vasconcellos Coutinho, do meu conselho do de minha Real Fazenda 1 e Chanceler nomeado da Relação do Rio de Janeiro 2. Sendo-me presente o horrível atentado contra a minha Real Soberania e Suprema autoridade com que uns malévolos indignos do nome português, habitantes da capitania de Minas Gerais, possuídos do espírito da infidelidade, conspiração, perfidamente para se subtraírem da sujeição devida ao meu alto e supremo poder que Deus me tem confiado, pretendendo corromper a lealdade alguns dos meus fiéis vassalos mais distintos da douta capitania, e conduzir o povo inocente à uma infame Rebelião. Fui servida nomear-te e aos doutores Antonio Gomes Ribeiro e Antonio Diniz da Cruz e Silva para passarem à cidade do Rio de Janeiro e sentenciarem sumariamente em Relação os réus, que se acharem culpados nas devassas 3, que deste detestável delito se tiraram tanto por ordem do Vice Rei 4 e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil Luiz de Vasconcellos e Souza 5, como por ordem do Governador e Capitão General de Minas Gerais o Visconde de Barbacena 6, havendo por suprida qualquer falta de formalidade, e por sanadas quaisquer nulidades jurídicas, positivas, pessoais, ou territoriais que possa haver nas ditas devassas resultantes das disposições de Direito Positivo 7, atendendo somente às provas, segundo o merecimento delas conforme o Direito Natural 8, e sendo vós relator, e adjuntos certos e sobreditos doutores Antonio Gomes Ribeiro, e Antonio Diniz de Souza e Silva com os mais ministros, que o vice rei nomear, ou dos desembargadores que servem na Relação do Rio de Janeiro, ou quaisquer outros ministros de qualquer graduação da mesma capitania, ou das outras do Estado do Brasil, os quais sendo requeridos por vocês ao vice rei, ele os fará convocar em conformidade das ordens que lhe mando expedir. Havendo porém nas devassas alguns dos mesmos réus, que sejam eclesiásticos 9 e separáveis deles a parte que lhes tocar, para em auto separado, com a cópia das suas culpas e serem sentenciados por você com os adjuntos, como for justiça, por não terem privilégio algum de isenção nos crimes executados, dos quais o de lesa majestade 10 é o primeiro, e o mais horroroso, com declaração porém, que a sentença condenatória que contra eles for proferida, deverá ficar em segredo e eu me farei presente para resolver o que for serviço, considerando-se entre tanto os réus em rigorosa e segura custódia. Havendo igualmente entre os mesmos réus, outros que não foram dos chefes e cabeças da dita conjuração, nem entraram ou consentiram nela, nem a fomentaram, nem se acharam nas assembléias, em que os conjurados tinham as suas criminosas seções, e faziam os pérfidos ajustes; mas que tendo tão somente notícia ou conhecimento da mesma conjuração, nem a declararam, nem a denunciaram em tempo competente: Ordeno que as sentenças proferidas contra esta última qualidade de réus, se remetam a minha real presença, suspendendo-se entretanto a execução delas, ficando os réus em segura custódia até eu determinar o que for servido. Para escrivão ou escrivões dos autos das Devassas, o vice-rei nomeará os que vocês propuserem, sejam desembargadores ou magistrados inferiores, e para os auxiliar na proposição de tão volumoso processo, poderão valer-se de qualquer dos desembargadores da casa da suplicação 11 e seus adjuntos. Para os casos de empate ou outro qualquer incidente que necessite de nomeação de juízes, ou de comissão, ainda especial, e imediatamente emanada de minha real pessoa, e também nos casos de impedimento, ou falta de escrivão, o vice rei com o nosso parecer nomeará os que forem mais idôneos, ou da Relação do Rio de Janeiro, ou de entre os magistrados de maior ou menor graduação, que me serviram ou atualmente servem em toda a extinção das capitanias do Brasil; e para casos de empate em que a decisão compete ao Governador da Relação, o voto do vice rei como regedor deverá ter lugar, e será igualmente decisivo. Achando-se porém impedido o douto vice rei, vós o substituireis, e o nosso voto terá a mesma força e qualidade. E porquanto a Conjuração 12 de que se trata, foi maquinada na capitania de Minas Gerais e do resultado das sobreditas devassas poderá ser necessário expedirem-se ordens aos ministros daquela capitania, ou ainda à os das mais, ou mandarem-se à ela outros ministros incumbidos de comissões particulares, ou para conhecerem, inquirirem, e devassarem sobre objetos relativos à esta comissão que os tenho encarregado, ou enfim para outras quaisquer diligências de diversa natureza concernentes ao meu real serviço: ordeno que em todos, e cada um dos referidos casos, ou outros semelhantes, procedendo-os sempre de acordo e inteligência com vice rei, expedindo todas as ordens que lhe parecerem convenientes, aos referidos ministros, para que concedo à todos a necessária jurisdição, encarregando-se o mesmo vice rei de as auxiliar e sustentar na forma que lhe determino em carta que a este fim lhe dirijo. E no caso de impedimento, qualquer que seja, o mesmo vice rei também proverá como tendo ordenado, e isto sem embargo de qualquer lei, disposição de Direito, privilégios, ou ordens em contrário, que todas darei por derrogadas para ordens e feitos por esta vez somente ficando aliás sempre em seu vigor.Escrita em Lisboa em 17 de julho de 1790. Raynha. Para Sebastião Xavier de Vasconcellos Couto 
1 REAL FAZENDA FAZENDA REAL. O termo se refere a economia real de uma forma geral. No presente contexto, a instituição mais relevante parece ter sido o Erário Régio. Criado em 1761 com a intenção de diminuir a pulverização da administração financeira e especialmente na arrecadação e depósito de rendas, o erário é um exemplo significativo das reformas centralizadoras empreendidas pelo marques de Pombal. Em março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. 
2 RELAÇÃO DO RIO DE JANEIRO. Criado em 1752, o Tribunal de Relação do Rio de Janeiro representou uma solução para as queixas das câmaras municipais da região sudeste, que já superava a região do norte-nordeste em importância, em relação à distância que se encontravam do tribunal mais alto da colônia, até então a Relação da Bahia. A atuação da Relação do Rio de Janeiro ia da capitania do Espírito Santo até a colônia de Sacramento. Sua fundação expressava claramente a preponderância crescente das porções mais ao sul do continente, com o crescimento da extração de ouro e os conflitos de fronteira no extremo sul. 3 DEVASSA. Trata-se da investigação das provas e averiguação de testemunhas a fim de se apurar um ato criminoso. No direito antigo, era denominado como devassa um ato jurídico no qual as testemunhas eram indagadas acerca de qualquer crime. Mais tarde, a palavra devassa teve o seu significado alargado às investigações sobre determinadas pessoas ou determinados fatos. 
4 VICE-REI. Até 1720 o posto administrativo mais alto da colônia era o de governador geral, denominação naquele ano substituída pelo de vice-rei. Tal denominação explicitava a idéia de um império português, constituído por territórios externos a Portugal e a ele submissos. Contudo, em termos concretos, a mudança de nome não trouxe nenhuma alteração significativa, e a administração continuou a mesma. O Brasil não constituiu um vice-reinado no senso estrito, e a utilização do título explicita mais uma decisão política do que administrativa. A utilização da nova denominação para o posto mais alto da colônia expressava mais a nova preponderância dos territórios brasileiros, em decorrência da expansão aurífera, e a relativa decadência do vice-reinado da Índia do que transformações concretas no plano administrativo. Pela lei, aliás, o vice-reinado não se tornou uma instituição, nem aqui, e nem na Índia. A chegada da família real portuguesa em 1808 transformou o Brasil em Reino Unido e acabou com o cargo de vice-rei.    
5 LUIS DE VASCONCELOS E SOUZA. Vice-rei do Brasil entre 1778 e 1790, tio do visconde de Barbacena, criou o famoso Passeio Público, no centro do Rio, entre outras melhorias urbanas, além de patrocinar alguns artistas, como o mestre Valentim. A postura que tomou logo após ser informado de uma sedição em Minas, através de Silvério dos Reis — que recebera ordens de fazê-lo do visconde de Barbacena — acabou por precipitar os acontecimentos: determinou prisão imediata de vários implicados, inclusive do próprio mensageiro; decretou o início de uma devassa oficial a partir do Rio de Janeiro, contrariando as recomendações do governador de Minas, que não achava necessário no momento, abrir um processo judicial, preferindo agir de forma cautelosa. Contudo, a reação do vice-rei deixou Barbacena na difícil posição de escolher entre tomar as rédeas do processo ou ver-se implicado no movimento, no mínimo por omissão. 
6 VISCONDE DE BARBACENA. Nascido em Lisboa em sete de setembro de 1754, Luís António Furtado de Castro foi o primeiro a receber o grau de doutor em filosofia pela universidade de Coimbra. Foi uma dos fundadores da academia real de ciências, e assumiu o cargo de governador de Minas Gerais em 1788, substituindo o mal afamado Luis da Cunha Meneses. Barbacena recebeu a dura incumbência de levar a cabo a cobrança de impostos atrasados que, segundo o ministro da Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro, só se haviam acumulado em consequência do contrabando e da “perversidade” dos habitantes das Minas. Ao chegar em Minas, contudo, Barbacena percebeu não apenas que a produção de ouro de fato caía, mas também que o clima de inquietação já existente poderia fomentar revoltas e desordens generalizadas caso os habitantes se vissem forçados a uma despesa com a qual não tinham como arcar. Apesar de disposto a cumprir as ordens recebidas e impor a disciplina e as regras ditadas pela coroa, Barbacena procura convencer o governo metropolitano que a excessiva rigidez na cobrança de impostos atrasados talvez não se mostrasse adequada naquele momento.Suspensa a derrama que ocorreria em fevereiro, Barbacena vê suas suspeitas se confirmarem com a denúncia de Silvério dos Reis. Tenta realizar uma investigação discreta, mas quando se vê obrigado a informar o vice-rei da denúncia, abre um processo criminal contra os inconfidentes que são facilmente presos por suas tropas. 
7 DIREITO POSITIVO. “A justiça política é em parte natural e em parte legal; são naturais as coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não, e é legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente” Platão, Ética a Nicomano. Assim, podemos caracterizar o direito positivo (jus civile) através do seguinte preceito básico: origina-se de um povo, a ele se referindo e orientando-o. É uma construção explicitamente juridico-politica, que encontra nas leis o seu anteparo concreto. O direito positivo tem sido visto, pelos filósofos e estadistas, como limitado no tempo e no espaço, sendo bastante claro o seu aspecto particular, específico. Mesmo se considerarmos que a ascensão da Igreja durante a Idade Média de certa forma apagou, ou deixou em plano secundário, a existência do político como origem das regras de orientação da vida em sociedade, ainda assim o direito positivo permanece sendo associado à vida dos povos, à vida em sociedade.  
8 DIREITO NATURAL. “A justiça política é em parte natural e em parte legal; são naturais as coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não, e é legal aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente” Platão, Ética a Nicomano . O direito natural (jus gentium) em geral encontra-se associado a idéia mais abstrata de justiça, de um direito inerente a condição de ser humano, para além da sua vida em sociedade. O jusnaturalismo do período do Iluminismo coloca o direito natural no centro da discussão da origem da soberania e do próprio fazer político, algumas vezes utilizando o conceito como armadura protetora contra a arbitrariedade e tirania dos reis. 
9 ECLESIÁSTICOS. Os principais réus eclesiásticos que se envolveram na conjuração foram: o cônego Luis Vieira da Silva, e os clérigos Carlos Correia de Toledo e José da Silva Oliveira Rolim. Contudo, o total de réus eclesiásticos enviados a Lisboa chegou a 5 — Luís Vieira da Silva, José da Silva e Oliveira Rolim, José Lopes de Oliveira, Carlos Correia de Toledo e Melo, e Manoel Rodrigues da Costa — onde deveriam cumprir prisão perpétua, mas tiveram parte de suas penas atenuadas. Os clérigos inconfidentes mostravam grande interesse por filosofia e política, e ao mesmo tempo um maior desprendimento da vida sacerdotal. Tal desprendimento podia significar não apenas maior participação na política, mas também uma atitude tão corrupta em relação aos negócios quanto a de seus pares leigos, a levar-se em conta relatos da época, podendo-se dizer o mesmo quanto ao seu comportamento privado considerado imoral, sendo que sobre alguns deles pesavam acusações de relações impróprias com suas fiéis. Eram leitores das ditas “ciências profanas” (filosofia, história, literatura, etc) — principalmente o cônego Luis Vieira da Silva que possuía uma das melhores e mais modernas bibliotecas da capitania — e tinham como referência autores como Voltaire, Raynal e Montesquieu.Os clérigos inconfidentes não receberam sua sentença no Rio de Janeiro, como os civis e militares: seriam encaminhados para Lisboa, onde a rainha d. Maria I faria a declaração da sentença definitiva. Oliveira Rolim foi sentenciado a 15 anos nos mosteiros de Lisboa, mas em 1805 já estava de volta ao Brasil. Correia de Toledo morreu em Portugal, e Vieira da Silva retornou ao Brasil em data incerta. Manoel Rodrigues, outro inconfidente religioso de menor relevância, condenado a dez anos de cárcere em Lisboa, retorna ao Brasil e acaba por se tornar um dos primeiros membros do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, e também deputado por Minas Gerais. 
10 LESA-MAJESTADE. Definido pelas Ordenações Filipinas, o crime de lesa-majestade é um crime contra a pessoa do rei, ou seu real estado — definição que explicita claramente a ausência de fronteiras entre a pessoa do monarca e o estado que governava. Tido como “contagioso” — comparado à lepra — o crime suscitava punições severas e muitas vezes hereditárias, dada sua tendência de “se espalhar” e de “passar de geração para geração”. Havia os crimes de primeira cabeça, e os de segunda cabeça. Entre os primeiros, encontravam-se os mais graves, que atingiam diretamente o rei. O segundo tipo, mais leve, dizia respeito ao auxílio àqueles já condenados por traição. 
11 CASA DE SUPLICAÇÃO. Alto Tribunal de Justiça na corte (Lisboa), ganhou estatuto das mãos de Filipe I em fins do século XVI, embora a sua constituição tivesse ocorrido ao longo das décadas anteriores. Era a corte suprema diante da qual respondiam os tribunais de relação. Compunha-se de diversos órgãos, com funções distintas, e os cargos mais altos da Casa eram o de regedor e o de chanceler. O órgão foi instalado no Rio de Janeiro em 1808, com a chegada da corte, sucedendo-se ao Tribunal da Relação, existente desde 1752.
12 CONJURAÇÃO. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, de Antônio Houaiss, conjuração é uma “associação de indivíduos, às vezes por juramento, para um fim comum; essa associação, secreta ou clandestina, ger. contra um governo; conspiração, trama, inconfidência.” O termo, à época do movimento mineiro em 1789, foi bastante utilizado nos autos do processo contra os rebeldes, e ressalta o caráter de movimento político anti-governo (no caso, a monarquia portuguesa). Considerado crime de lesa-majestade, na perspectiva dos juízes carregava uma conotação jurídica e institucional de uma conspiração organizada por indivíduos que compunham o poder administrativo e militar na capitania de Minas Gerais. A utilização do termo “inconfidência” parece ter sido utilizada pelo advogado dos revoltosos em uma tentativa de diminuir a relevância dos seus atos, retirando-lhes a conotação de movimento político organizado. Contudo, e no caso do movimento de Tiradentes, o termo conjuração foi aos poucos — em especial depois da condenação dos réus — sendo substituído por “inconfidência”, em um processo que também construiu uma imagem de militar indisciplinado e insano atribuída a Tiradentes. A conotação política e ideológica implícita em Conjuração foi assim esvaziada e substituida por uma caracterização pejorativa que remete a traição e desorganização. Tal escolha ressalta a intenção de tornar “traidores” aqueles que participaram do movimento: “infidelidade, deslealdade, esp. para com o Estado ou um governante,” é a definição de inconfidência no mesmo dicionário. Imputando-lhes uma falha de caráter inerente, transformando-os em infiéis indignos, a coroa portuguesa faz do movimento político uma traição pessoal, uma falha moral. 

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