Ir direto para menu de acessibilidade.
Início do conteúdo da página
Impostos, contrabando e revoltas

Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Quinta, 22 de Fevereiro de 2018, 13h04 | Última atualização em Quinta, 22 de Fevereiro de 2018, 13h09

Taxação sobre o açúcar

Registro de lei que proibia as comarcas de venderem livremente o açúcar. Estabelecia que todo açúcar deveria ir para o reino pesado, com um termo assinado pelo comissário responsável e com suas caixas marcadas, com as inicias F, R e B, de acordo com sua qualidade ("fino", "redondo" e "abaixo"). Caso fosse encontrado açúcar falsificado seria o senhor de engenho condenado à multa de quarenta mil réis e ao degredo. Já seu respectivo caixeiro iria pagar a mesma quantia e cumprir dois anos de degredo em Angola, sem que a Relação da Bahia pudesse conceder perdão em qualquer um dos casos. Determina também a ampla divulgação da lei pelas ruas da cidade para que ninguém ficasse dela ignorante.

 

Conjunto documental: Registro original da Provedoria da Fazenda
Notação: códice 61 v.18
Datas-limite: 1730-1734
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Contrabando; devassas; impostos
Data do documento: 24 de maio de 1730
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -            

 

Luis Vahia Monteiro[1] do conselho de sua majestade que deus guarde cavaleiro professo na ordem de cristo[2] coronel de um regimento de infantaria paga e governador da capitania do Rio de Janeiro. Porquanto sua majestade que deus guarde foi servido ordenar-me por carta de nove de setembro do ano de mil setecentos e vinte e oito a observância da lei de quinze de dezembro de mil setecentos e vinte e sete pela qual fui servido mandar que as comarcas[3] não possam pôr preços aos açúcares[4] e se vendam livremente segundo a venda das partes e que todo açúcar que das tais conquistas for comprado para o reino se pese em um [trapesé] aonde há de haver o peso fazendo-se termo em que há de assinar o comissário em que declare a bondade e lei do açúcar e que nas caixas se ponha marca de fogo para que se conheça a qualidade de que é o açúcar na maneira seguinte. O fino com um F o redondo com um R e o abaixo com um B para que vindo assim carregadas e remetidas as caixas achando-se algum dano pague o comissário[5] toda a perda ao seu correspondente porque se não pode considerar dano em dolo seu e achando-se açúcar falsificado seja logo o senhor de engenho[6] degredado por tempo de dois anos para uma das capitanias deste Estado e pague quarenta mil réis em dinheiro, e o caixeiro do engenho pagará a mesma pena pecuniária e será degredado por anos para Angola e na segunda vez incorrerá nestas penas em dobro [ilegível] dias as taxas trarão o número aberto com ferro em tal profundidade que se lhe não possa tirar sem que se conheça o que serão obrigados a fazer debaixo das mesmas penas e as caixas que os senhores de engenho quiserem mandar por sua conta o que chama de liberdade não serão obrigados a ir ver o peso mas trarão a marca do engenho e o número da taxa na mesma forma que todas as mais para que achando-se nela falsidade se possa proceder os senhores de engenho com as penas acima declaradas as quais em todos os casos referidos não poderão estar compreendidos nos perdões que se concedem na relação da Bahia[7]: E porque a sobredita lei está sem a sua devida observância e para que os transgressores dela com este pretexto não possam alegar ignorância pretendendo evadir as penas cominadas mando fazer público a dita lei por este bando[8] a som de caixas pelas ruas mais públicas desta cidade para que venha a notícia de todos e depois de publicado se registrará nos livros da secretaria deste governo, nos da provedoria e da ouvidoria[9] geral. Rio de Janeiro a vinte e quatro de maio de mil setecentos e vinte e nove // registrada no livro das ordens bandos a folha 32 da secretaria do governo. Rio 24 de maio de 1729 José Ferreira da Fonte // Registre-se nos livros da fazenda real. Rio a 24 de maio de 1729// Cordovil // o qual bando Antônio de Faria e Mello escrivão da fazenda real aqui fiz registrar bem e fielmente do próprio que se lançou bom o qual está conforme este registro que ocorri, subscrevi e assinei.

Rio de Janeiro, vinte e quatro de maio de mil setecentos e trinta

Antônio de Faria e Mello

 

[1]MONTEIRO, LUIZ VAHIA (1660?-1732): governador do Rio de Janeiro entre 1725 e 1732, substituído interinamente por Manoel de Freitas da Fonseca (1732-1733) em consequência de problemas, na época, descritos por demência. Foi o primeiro a alertar a Coroa para a existência de intensa atividade comercial ilegal na região de Angra dos Reis (incluindo Parati e Ilha Grande), incluindo descaminho do ouro, comercialização de gêneros que só poderiam ser vendidos pela metrópole e pirataria. Sua forma rígida de governar valeu-lhe o apelido de “o Onça,” fama esta que conseguiu ao não compactuar com o que considerava desvios de conduta das elites locais, que a seu ver, acobertavam o contrabando. Envolveu-se em conflitos com o Senado da Câmara, com os Beneditinos e outras figuras proeminentes no governo colonial, todos acusados de desvios de conduta ou facilitação do contrabando. Acusado de possuir “maus modos” e de intolerância extrema, dizia-se rígido no cumprimento dos regulamentos e ordens régias e acusava seus detratores de difamarem seu caráter de forma a que não fossem levadas a sério suas investigações de irregularidades.

[2]ORDEM DE CRISTO: ordem fundada por d. Dinis em 1318, em substituição à Ordem dos Cavaleiros do Templo (Ordem militar dos Templários, extinta no ano de 1311 por ordem do papa Clemente V), sendo reconhecida por bula papal no ano seguinte. No hábito dos cavaleiros da ordem militar de Nosso Senhor Jesus Cristo há uma cruz vermelha, fendida no meio com outra branca. A Ordem de Cristo esteve presente nos descobrimentos e conquistas ultramarinas, financiando navegações e assegurando o domínio espiritual sobre as possessões. Simbolizando sua presença na aventura marítima, todas as armadas que se lançavam ao mar levavam os estandartes das armas reais assentes sobre a cruz da Ordem de Cristo. A Ordem Militar de Cristo era concedida por destacados serviços prestados ao reino e que mereciam especial distinção. Entre os seus cavaleiros incluem-se importantes navegadores do período da expansão marítima, como Gil Eanes, Vasco da Gama, Duarte Pacheco e Pedro Alvares Cabral.

[3]COMARCA: termo que designa as unidades administrativas de Portugal. No início do século XVI, as comarcas portuguesas correspondiam às atuais províncias ou regiões portuguesas de Entre-Douro-e-Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve. A partir de 1532, inicia-se a subdivisão dessas unidades em novas comarcas, processo que perdura até meados do século XVI, totalizando 27 unidades administrativas. A criação de novas comarcas viria a garantir um maior controle fiscal e administrativo do território, através da multiplicação da figura dos corregedores. Cabia ao corregedor, enquanto magistrado representante da coroa, a fiscalização do exercício do poder local tanto na esfera administrativa, quanto na jurídica. Estavam sob sua vigilância juizes, vereadores, procuradores dos concelhos, escrivães, tabeliães, alcaides, bispos, arcebispos, etc. A nova delimitação territorial levou em conta as características geográficas do território, com o respeito pelas bacias hidrográficas e o uso de cadeias montanhosas como fronteira entre diferentes comarcas.

[4]AÇÚCAR: produto extraído principalmente da cana-de-açúcar e da beterraba, também chamado sacarose, constituiu uma das fontes de financiamento da expansão portuguesa. Originária da Nova Guiné, a cana sacarina foi trazida pelos árabes que a introduziram no norte da África e na Europa mediterrânea. Por muito tempo foi uma especiaria rara e de propriedades medicinais, além de seu emprego como tempero nas conservas e doces. Em Portugal, a cultura da cana existiu desde o século XIV no Algarves e na região de Coimbra, passando para a ilha da Madeira na costa africana, em meados do século seguinte, até ser bem-sucedido nas ilhas de São Tomé e Príncipe na primeira metade do século XVI. Não há precisão quanto à data de introdução da cana-de-açúcar no Brasil, embora se assinale sua presença na capitania de Pernambuco nas primeiras décadas do Seiscentos. Já o início da maior sistematização de seu plantio teria se dado a partir da segunda metade do século XVI. A fabricação do açúcar exigia alguns requisitos: por um lado, a instalação de um engenho demandava capitais consideráveis, por outro, requeria trabalhadores especializados. Exceto por esses trabalhadores, livres e assalariados, a mão de obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas, após 1570, os africanos tornaram-se cada vez mais comuns. O comércio da escravatura converteu-se em um lucrativo negócio nessa época. O cultivo da cana-de-açúcar progrediu ao longo do litoral brasileiro na direção norte, se desenvolvendo mais no Nordeste, especialmente nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, sendo esta última a maior produtora de açúcar do Brasil, com 66 engenhos no fim do Quinhentos. Nesse período, a maior parte do açúcar brasileiro destinava-se ao mercado internacional, chegando a portos do norte da Europa, especialmente Londres, Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã, onde eram refinados e comercializados. A cultura da cana-de-açúcar foi também muito importante, para o mercado interno. Muitos engenhos aproveitavam o açúcar para a produção da aguardente que, consumida localmente, dava grandes lucros aos seus senhores chegando a ter sua comercialização proibida pela Coroa. A fabricação de açúcar foi, seguramente, o primeiro empreendimento econômico a funcionar de modo organizado nas terras brasileiras. Outras atividades surgiram, mas a empresa açucareira se manteve na liderança por mais de um século.

[5]COMISSÁRIO: o termo, no período colonial, referia-se a um oficial encarregado dos serviços fazendários da administração dos navios e estabelecimentos navais. De uma forma mais genérica, refere-se a qualquer indivíduo que desempenha determinada missão para o governo ou o representa em circunstâncias específicas.

[6]SENHOR DE ENGENHO: o engenho era uma unidade de produção açucareira que conferia status no Brasil colonial. Ele incorporava a propriedade, a produção e a difusão de um modo de vida senhorial, e imprimia poder e prestígio ao proprietário, por vezes levava à nobreza da terra, e riqueza, muito embora esses elementos simbólicos não dependam exclusivamente das posses dos senhores. Até o século XVIII, ser proprietário de engenho era a maior aspiração dos colonos que ascendiam e enriqueciam. No dizer de um personagem da época, o jesuíta João Antônio Antonioni, pseudônimo André João Antonil, que escreveu Cultura e Opulência no Brasil, 1711, o senhor de engenho "traz consigo, o ser servido, obedecido, e respeitado de muitos." Os senhores de engenho variavam de prestígio e riqueza, de acordo, principalmente, com o tamanho e importância de suas propriedades. Os senhores dos maiores engenhos – chamados de reais, detentores de maior número de escravos, trabalhadores livres, dependentes e agregados, e maior produção de açúcar e aguardente – tinham mais poder e prestígio junto ao reino. Exerciam influência e poder na região de sua propriedade, embora este não fosse ilimitado, e administravam a produção bem como a casa, a família, os agregados, os escravos. Os proprietários dos engenhos menores, ou engenhocas, tinham uma esfera de ação mais restrita, mas, ainda assim, desfrutavam de alguma importância. Mesmo que os engenhos fossem um símbolo de riqueza, na maior parte das vezes os senhores tinham prejuízo ou muito pouco lucro. Seu prestígio advinha de uma relevância mais simbólica do que propriamente ligada a seus rendimentos e, frequentemente, os engenhos, quando passados de pais para filhos, pouco rendiam, a não ser esse legado de status e muitas vezes de títulos de nobreza. O século XIX assistiu a um renascimento da importância do engenho, já que o açúcar brasileiro voltou a ter aceitação no mercado europeu depois da independência e das guerras civis no Haiti. Não durou muito devido à baixa produtividade, ao arcaísmo da empresa açucareira brasileira e ao advento de uma nova cultura, mais barata e simples, e muito mais lucrativa: o café. No oitocentos brasileiro, melhor do que ser senhor de engenho, tal como no século XVIII, era ser barão do café.

[7]RELAÇÃO DA BAHIA: também conhecido como Tribunal da Relação do Brasil (até a criação da Relação do Rio de Janeiro em 1751), foi o primeiro tribunal de 2ª instância no Brasil, somando-se às Relações do Porto e de Goa, além da Casa de Suplicação de Lisboa, como as principais instituições judiciais superiores do império português. Apesar de criado efetivamente em 1609, desde 1588 já se pretendia instalar uma corte de apelação nos territórios americanos, quando se redigiu o primeiro regimento da instituição, que foi a base do regulamento de 1609, dentro do plano de modernização e legalização da burocracia estatal empreendido por Felipe II para todo o império luso-espanhol. A princípio funcionou por menos de vinte anos, até 1826, sendo reestabelecido em 1652, tendo encerrado suas atividades aparentemente durante o período em que tanto a Bahia quanto Pernambuco foram invadidos e comandados pelos holandeses. A principal atribuição da Relação consistia em julgar a 2ª instância, já que todos os recursos de casos no Brasil eram encaminhados para Lisboa, o que era demorado e custoso, a fim de melhorar e acelerar a justiça entre os colonos, além de contribuir para a centralização, pelo governo metropolitano, da burocracia e aparelho judicial colonial. Era também uma forma de a Coroa tomar conta mais amiúde da colônia, diminuindo os poderes dos donatários. Órgão colegiado, na segunda fase, o Tribunal contava com oito desembargadores, entre eles um chanceler, um ouvidor-geral e um procurador da Coroa, além de oficiais, e o presidente seria o vice-rei geral do Brasil, e estava subordinado diretamente à Casa de Suplicação de Lisboa, que serviu de modelo para sua organização. A seleção desse conjunto de letrados formados e treinados para a função foi uma tarefa difícil para a Coroa, que precisava confiar nesses membros para representá-la e ao mesmo tempo torna-los distintos e respeitáveis pela população muito avessa a obedecer as leis e a ordem, além da pequena elite colonial, que já dera sinais de insatisfação com a presença da justiça da metrópole passando por cima da local. A maior parte das ações que chegavam a Relação eram processos criminais (crimes passionais e de sedução, além de assassinatos pelos mais diversos motivos), disputas sucessórias, disputas cíveis (como brigas por terras e propriedades, contestações de contratos de dízimos, repressão ao contrabando, e ao comércio ilegal de pau-brasil), além de questões de tesouro (como fraudes e evasão fiscal). Os casos tratados prioritariamente eram os que envolviam diretamente a Coroa e a Casa Real. Desse modo, pode-se dizer que o Tribunal da Relação do Brasil (ou da Bahia) exerceu não somente funções judiciais (atuando ainda como juízes itinerantes pelas capitanias e responsáveis por investigações especiais), mas também funções administrativas, informando e aconselhando o rei sobre os acontecimentos e negócios da colônia, conduzindo devassas e administrando, por exemplo, missões especiais como a coleta de 1 % de impostos sobre as vendas para a construção de igrejas ou obras pias. 

[8]BANDO: nome dado a uma determinação ou decreto do governador, tratando de repasse de ordens régias sobre determinados assuntos, tendo, na maioria das vezes, caráter circunstancial para atender as necessidades momentâneas. O bando deveria ser lido nas ruas da vila ou arraial e fixado nos lugares públicos mais frequentados.

[9]OUVIDOR: o cargo de ouvidor foi instituído no Brasil em 1534, como a principal instância de aplicação da justiça, atuando nas causas cíveis e criminais, bem como na eleição dos juízes e oficiais de justiça (meirinhos). Até 1548, a função de justiça, entendida em termos amplos, de fazer cumprir as leis, de proteger os direitos e julgar, era exclusiva dos donatários e dos ouvidores por eles nomeados. Neste ano foi instituído o governo-geral e criado o cargo de ouvidor-geral, limitando-se o poder dos donatários, sobretudo em casos de condenação à morte, entre outros crimes, e autorizando a entrada da Coroa na administração particular, observando o cumprimento da legislação e inibindo abusos. Cada capitania possuía um ouvidor, que julgava recursos das decisões dos juízes ordinários, entre outras ações. O ouvidor-geral, por sua vez, julgava apelações dos ouvidores e representava a autoridade máxima da justiça na colônia. Sua nomeação era da responsabilidade do rei, com a exigência de que o nomeado fosse letrado. Dentre as suas muitas atribuições, cabia-lhe informar ao rei do funcionamento das câmaras e, caso fosse necessário, tomar qualquer providência de acordo com o parecer do governador-geral. Ao longo do período colonial, o cargo de ouvidor sofreu uma série de especializações em função das necessidades administrativas coloniais. Dentre os cargos instituídos a partir de então, podemos citar o de ouvidor-geral das causas cíveis e crimes em 1609 (quando da criação da Relação do Brasil, depois desmembrada em Relação da Bahia e do Rio de Janeiro); o de ouvidor-geral do Maranhão em 1619, quando há a criação do Estado do Maranhão; e o de ouvidor-geral do sul em 1608, quando foi criada a Repartição do Sul.

Quinto do ouro

Em virtude do trabalho de ourives oriundos de São Paulo, que transformavam ouro em pó em objetos como, por exemplo, jóias, dificultando a cobrança do imposto, o rei ordena a dom Álvaro da Silveira, governador do Rio de Janeiro, que proíba qualquer trabalho com ouro sem que antes este fosse "quintado". Se descobertos, seriam os ourives condenados a quatro anos de degredo em Angola, e se fossem escravos e seus senhores estivessem cientes de tal trabalho, também seriam condenados a tal pena e perderiam a posse dos escravos para a Real Fazenda.    

 

Conjunto documental: Cartas régias, provisões, alvarás e avisos
Notação: códice 952, vol. 14
Datas-limite: 1703-1704
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: impostos; Comércio colonial com estrangeiros, proibição de
Data do documento: 7 de maio de 1703   
Local: Lisboa
Folha(s): -            

 

Dom Álvaro da Silveira de Albuquerque[1]: Eu El Rei[2] vos envio muito saudar. Por ser informado que pelas vilas da capitania de São Paulo[3] há muitos ourives[4] que fundem o ouro em pó e o convertem em cordões, [ilegível], jóias, e outras peças que se não quintam, o que fazem pela grande utilidade que disso lhe resulta, e ser preciso dar-se remédio a este dano; pelo que, resulta aos quintos[5] que tocam a minha fazenda sendo vista esta matéria em junta particular que para este efeito e para outros pertencentes a este negócio mandei fazer. Fui servido ordenar que os ourives que se acharem em qualquer das terras dessa capitania não possam reduzir a barras, nem fazer obra alguma de ouro que não for quintado; e que fazendo paguem o nomeado valor do dito ouro e sejam degredados[6] quatro anos para Angola, e sendo os ourives, escravos[7], os senhores deles sendo participantes, ou cientes do descaminho[8], pagarão a mesma pena do nomeado e perderão o escravo para a Fazenda Real[9], e não sendo participantes, ou cientes, ficará na sua escolha pagarem o nomeado ou perderem o escravo; e da quantia do nomeado será a terça parte para o acusador, e o mais para a Fazenda Real; e para que venha a notícia de todos esta minha resolução me pareceu ordenar-vos a mandeis publicar nas partes necessárias e façais dar a execução pelo que vos [ilegível].

Escrita em Lisboa a 7 de maio de 1703

Rei

 

[1]ALBURQUERQUE, ÁLVARO DA SILVEIRA (c.a.1660 – 1716):  Administrador colonial português, foi governador da província que reunia os atuais estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais de 1702 a 1704, quando regressou a Portugal por motivos de saúde.

[2]PEDRO II, D. (1648-1706): conhecido como “o Pacífico”, por ter estabelecido a paz com a Espanha em 1668, d. Pedro II era filho de d. João IV e de d. Luísa de Gusmão. Proclamou-se príncipe regente em 1668, alegando que seu irmão, Afonso VI, sofria de instabilidade mental e casou-se com sua cunhada no mesmo ano. Assumiu o trono após a morte do irmão em 1683. Sob seu reinado ocorreram a paz definitiva com a Espanha, pondo fim à Guerra de Restauração; a descoberta das primeiras jazidas de ouro no Brasil (1695) e a assinatura do tratado de Methuen com a Inglaterra (1703) de consequências econômicas nefastas, pois determinou um desequilíbrio crônico e negativo para Portugal, além de minar irremediavelmente a ainda incipiente produção manufatureira no reino ibérico. D. Pedro II dissolveu as cortes deliberativas em Portugal, governando com plenos poderes e representando a figura clássica do monarca absolutista. Ao final do seu reinado, acabaria por envolver-se novamente em um conflito armado com a Espanha, deixando de herança para seu filho, d. João V, um país com várias áreas ocupadas pelo exército inimigo.

[3]SÃO PAULO, CAPITANIA DE: ao final do século XVII, período da descoberta do ouro no interior da região sudeste do Brasil, a administração das terras encontrava-se pulverizada entre as capitanias de São Vicente, Rio de Janeiro, e territórios em seu entorno. Em 1693, criou-se a capitania de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas do Ouro, o que se mostrou ineficaz para organizar as atividades decorrentes da exploração do ouro. Considera-se ainda que a Guerra dos Emboabas – conflito que envolveu "paulistas", os primeiros descobridores das minas de ouro no sertão brasileiro, e reinóis e seus aliados, pelo controle da região, levou à fundação da capitania de São Paulo em 1709. Os territórios das capitanias de São Vicente e de Santo Amaro foram anexados, por meio de compra, aos territórios da Coroa e a então formada capitania de São Paulo passou a integrar, juntamente com a região das minas, a capitania de São Paulo e Minas de Ouro. Esta abrangia um território bastante extenso, incorporado a partir da fundação de missões religiosas e das explorações de sertanistas e bandeirantes do planalto na região de São Vicente, onde se localizava a vila de São Paulo de Piratininga – fundada ainda no século XVI nos arredores do colégio dos jesuítas. A relação entre bandeirantes e jesuítas resultou em um conflito que marcou a história da capitania de São Paulo. A Companhia de Jesus, tanto na América espanhola quanto na portuguesa, investia na arregimentação de índios como forma de garantir a ocupação e presença da Igreja nas colônias. Suas missões agrupavam milhares de índios que viviam da sua própria produção agrícola, produziam artesanato, aprendiam música sacra e eram forçados à conversão ao cristianismo. Uma vez que o objetivo das entradas era a captura de nativos para o trabalho nas minas e lavouras (até o momento em que a mão de obra africana substituísse a local, que acabou sendo legalmente abolida entre 1755 e 1758), o conflito com a Companhia de Jesus se tornou inevitável. As tensões só tiveram fim com a expulsão dos jesuítas em 1759. A capitania deu origem a um grupo social bastante típico, que criou raízes no planalto, se acostumou a sobreviver por conta própria, devido às distâncias em relação ao litoral e ao descaso da administração metropolitana, e desenvolveu uma percepção aguda da necessidade de se explorar o vasto território desconhecido como única forma de encontrar novas riquezas. Estes exploradores abriam entradas e organizavam bandeiras, expedições de exploração territorial, busca de ouro e captura de escravos indígenas. Taubaté, São Paulo, São Vicente (a vila), Itu e Sorocaba se tornaram centros irradiadores deste movimento. Com a promessa de títulos e riquezas, os colonos investiam intensamente na busca de minérios, sonho alimentado pelas descobertas, ainda que limitadas, do mineral em ribeirões na região do vale do Ribeira e Santana do Parnaíba. O solo inadequado ao cultivo de produtos de exportação e o isolamento comercial condenaram a região a ocupar uma posição secundária nos interesses dos colonizadores. Até o século XVIII, São Paulo representou no cenário luso-brasileiro uma espécie de ponto estratégico de passagem e de organização das bandeiras, responsáveis pela descoberta do ouro, na região mais à noroeste, para além da serra da Mantiqueira, que ficaria conhecida como minas gerais, região que seria, a partir de então, o centro das atenções da metrópole e polo dinamizador da economia colonial. Em 1720, a capitania de São Paulo e Minas do Ouro seria desmembrada dando origem a duas capitanias: de São Paulo e de Minas Gerais. A primeira, após um processo de desmembramento que criou ainda as capitanias de Santa Catarina, São Pedro do Rio Grande, Goiás e Mato Grosso, foi extinta e incorporada à capitania do Rio de Janeiro em 1748. Voltaria a ganhar autonomia somente em 1765, no contexto de medidas da metrópole que visavam fortalecer a região centro-sul da colônia, objetivando manter a irradiação da colonização para além dos limites estabelecidos pelo tratado de Tordesilhas (movimento para o qual a tradição sertanista dos paulistas se mostrava indispensável).

[4]OURIVES: artífices dedicados ao trabalho com metais preciosos, os ourives eram peças-chave em todo o sistema de arrecadação do ouro e, por conseguinte, do contrabando do mesmo, já que por eles passava boa parte do ouro extraído na colônia, fosse para transformação em barras ou pó, fosse para marcação desse mesmo ouro com os selos de taxação da coroa. As tentativas de conter o contrabando fracassaram e levaram à expulsão desses oficiais, restando apenas quatro em Minas “um sendo para abridor e os demais para fundidores na Casa da Moeda”. A despeito da carta régia de 30 de julho de 1766, que vedou o exercício dos ourives nas colônias portuguesas, os ourives continuaram a exercer a profissão clandestinamente. Em 11 de agosto de 1815 um alvará revogou a proibição (OZANAN, Luiz Henrique. A joia mais preciosa do Brasil [manuscrito]: joalheria em Minas Gerais: 1735-1815, 2013. https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-9GHK9V/1/a_joia_mais_preciosa_do_brasil.pdf)

[5]QUINTO: tributo devido à coroa correspondente a 20% (ou seja, 1/5, um quinto) sobre as riquezas adquiridas. Incidia sobre os produtos como ouro, prata, diamantes, couro, entre outros. O imposto remonta ao alvará de 1557 e visava taxar riquezas que ainda nem haviam sido detectadas na América portuguesa: determinava que aqueles que descobrissem veios de metais preciosos deveriam pagar o quinto a Coroa, depois que estes tivessem sido fundidos. Para a arrecadação do tributo, a coroa estabeleceu os chamados registros, que funcionavam como alfândegas e ficavam em pontos estratégicos localizados nas estradas do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. Para a área mineradora, foram designados funcionários especiais: provedores das minas, superintendentes, ouvidores e guardas-mores, buscando uma melhor fiscalização da atividade mineradora. A primeira forma de arrecadação do quinto ocorreu pelo sistema “de bateia”, entre 1711 e 1713, que consistia no pagamento de dez oitavas (35 gramas) de ouro por bateia (tipo de prato cônico utilizado na mineração). Depois, instalou-se a arrecadação por fintas e avenças, entre 1713 e 1719, ou seja, uma taxa anual repartida entre as comarcas, que contribuíam com uma cota proporcional a sua produção. Em 1719, foram instaladas as oficinas dos quintos, ou casas de fundição, onde o ouro extraído era fundido e reduzido a barras marcadas com o selo real, indicando peso, quilate e ano de fundição, e onde o quinto era recolhido. Durante este período, a porcentagem tributada ao rei variou entre 12 e 20%, por vezes sendo adotada uma taxa fixa resultado de cálculos das médias. Em 1735, foi instituído um sistema de capitação e censo de indústria, baseado na contagem de braços que produziam. Em 1750, a coroa novamente volta ao sistema de cobrança nas casas de fundição, forma definitiva de recolhimento do quinto.

[6]DEGREDO: punição prevista no corpo de leis português, o degredo era aplicado a pessoas condenadas aos mais diversos tipos de crimes pelos tribunais da Coroa ou da Inquisição. Tratava-se do envio dos infratores para as colônias ou para as galés, onde cumpririam a sentença determinada. Os menores delitos, como pequenos furtos e blasfêmias, geravam uma pena de 3 a 10 anos, e os maiores, que envolviam lesa-majestade, sodomia, falso misticismo, fabricação de moeda falsa, entre outros, eram definidos pela perpetuidade, com pena de morte se o criminoso voltasse ao país de origem. Além do aspecto jurídico, em um momento de dificuldades financeiras para Portugal, degredar criminosos, hereges e perturbadores da ordem social adquiriu funções variadas além da simples punição. Expulsá-los para as “terras de além-mar” mantinha o controle social em Portugal e, em alguns casos também, em suas colônias mais prósperas, contribuindo para o povoamento das fronteiras portuguesas e das possessões coloniais, além de aliviar a administração real com a manutenção prisional. Constituindo-se uma das formas encontradas pelas autoridades para livrar o reino de súditos indesejáveis, entre os degredados figuraram marginais, vadios, prostitutas e aqueles que se rebelassem contra a Coroa. Considerada uma das mais severas penas, o degredo só estava abaixo da pena de morte, servindo como pena alternativa designada pelo termo “morra por ello” (morra por isso). Porém o degredo também assumia este caráter de “morte civil” já que a única forma de assumir novamente alguma visibilidade social, ou voltar ao seu país, era obtendo o perdão do rei.

[7]ESCRAVOS [AFRICANOS]: pessoas cativas, desprovidas de direitos, sujeitas a um senhor, como propriedades dele. Embora a escravidão na Europa existisse desde a Antiguidade, durante a Idade Média ela recuou para um estado residual. Com a expansão ultramarina, no século XV, revigorou-se, mas adquiriu contornos bem diferentes e proporções muito maiores. No mundo moderno, um grupo humano específico, que traria na pele os sinais de uma inferioridade na alma estaria destinado à escravidão. Diferentemente da escravidão greco-romana, onde certos indivíduos eram passíveis de serem escravizados, seja através da guerra ou por dívidas, o sistema escravocrata moderno era mais radical, onde a escravidão passa a ser vista como uma diferença coletiva, assinalada pela cor da pele, nas palavras do historiador José d'Assunção Barros, “um grupo humano específico traria na cor da pele os sinais de inferioridade” (“A Construção Social da Cor - Desigualdade e Diferença na construção e desconstrução do Escravismo Colonial. XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 2008). Muitos foram os esforços no sentido de construir uma diferenciação negra, buscando no discurso bíblico, justificativas para a escravidão africana. No Brasil, de início, utilizou-se a captura de nativos para formar o contingente de mão de obra escrava necessária a colonização do território. Por diversos motivos – lucro com a implantação de um comércio de escravos importados da África; dificuldade em forçar o trabalho do homem indígena na agricultura; morte e fuga de grande parte dos nativos para áreas do interior ainda inacessíveis aos europeus – a escravidão africana começou a suplantar a indígena em número e importância econômica quando do início da atividade açucareira em grande extensão do litoral brasileiro. Apesar disso, a escravidão indígena perduraria por bastante tempo ainda, marcando a vida em pontos da colônia mais distantes da costa e em atividades menos extensivas. O desenvolvimento comercial no Atlântico gerou, por três séculos, a transferência de um vasto contingente de africanos feitos escravos para a América. A primeira movimentação do tráfico de escravos se fez para a metrópole, em 1441, ampliando-se de tal modo que, no ano de 1448, mais de mil africanos tinham chegado a Portugal, uma contagem que aumentou durante todo o século XV. Tal comércio foi um dos empreendimentos mais lucrativos de Portugal e outras nações europeias. Os negros cativos eram negociados internacionalmente pelos europeus, mas estes, poucas vezes, tomavam para si a tarefa de captura dos indivíduos. Uma vez que o aprisionamento de inimigos e sua redução ao estado servil eram práticas anteriores ao estabelecimento de rotas comerciais ultramarinas, em geral consequência de guerras e conflitos entre diferentes reinos ou tribos, os comerciantes passaram a trocar estes prisioneiros por produtos de interesse dos grandes líderes locais (os potentados) e por apoio militar nos conflitos locais. Embora a escravização de inimigos fosse uma prática anterior à chegada dos europeus, deve-se salientar que o estatuto do escravo na África era completamente diferente daquele que possuía o escravo apreendido e vendido para trabalho nas Américas. Nos reinos africanos, a condição não era indefinida e nem hereditária, e senhores chegavam a se casar com escravas, assumindo seus filhos. O comércio com os europeus transformou os homens e sua descendência em mercadoria sem vontade, objeto de negociação mercantil. Os europeus passaram a instigar guerras e conflitos locais, de forma a aumentar a captura de possíveis escravos, desintegrando a antiga estrutura econômica e social dos reinos africanos. A produção historiográfica sobre a escravidão vem crescendo nos últimos anos, não só escravismo colonial, mas também o comércio de cativos para a própria Europa, sobretudo na bacia mediterrânea, têm sido estudados. A presença de escravos negros em Portugal tornar-se-ia uma constante no campo mas, sobretudo, nas cidades e vilas, onde podiam trabalhar em obras públicas, nos portos (carregadores), nas galés, como escravos de ganhos e domésticos, entre outros. No século XV, os negros africanos já tinham suas habilidades reconhecidas tanto em Portugal quanto nas ilhas atlânticas (arquipélagos de Madeira e Açores). Localizadas estrategicamente e com solo de origem vulcânica, logo foi implantado um sistema de colonização assentado na exploração de bens primários, como o açúcar.  A escravidão foi um dos alicerces essenciais do sucesso desse empreendimento, que acabou sendo transferido para o Brasil, quando essa colônia se mostrou economicamente vantajosa. Dessa forma, no litoral da América portuguesa logo seria implantado o sistema de plantation açucareiro, com a introdução da mão de obra africana. E, ao longo do processo de colonização luso, o trabalho escravo tornou-se a base da economia colonial, presente nas mais diversas atividades, tanto no campo quanto nas cidades. Uma das peculiaridades da escravidão nesse período é representada pelos altos gastos dos proprietários com a mão de obra, muitas vezes mais cara do que a terra. Iniciar uma atividade de lucro demandava um alto investimento inicial em mão de obra, caso se esperasse certeza de retorno. A escravidão e a situação do escravo variavam, dentro de determinados limites, de atividade para atividade e de local para local. Mas de uma forma geral, predominavam os homens, já que o tráfico continuou suas atividades intensamente pois, ao contrário do que ocorria na América inglesa, por exemplo, houve pouco crescimento endógeno entre a população escrava na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco foram os principais centros importadores de escravos africanos do Brasil. Além de formarem a esmagadora maioria da mão de obra nas lavouras, nas minas, nos campos, e de ganharem o sustento dos senhores menos abastados realizando serviços nas ruas das vilas e cidades (escravos de ganho), preenchendo importantes nichos da economia colonial, os escravos negros também eram recrutados para lutar em combates. A carta régia de 22 de março de 1766, pela qual d. José I ordenou o alistamento da população, inclusive de pardos e negros para comporem as tropas de defesa, fez intensificar o número dessa parcela da população nos corpos militares. Ingressar nas milícias era um meio de ascensão social, tanto para o negro escravo quanto para o forro. A escravidão é um tema clássico da historiografia brasileira e ainda bastante aberto a novas abordagens e releituras. A perspectiva clássica em torno do tema é a do “cativeiro brando” e o caráter benevolente e não violento da escravidão brasileira, proposta por Gilberto Freyre em Casa Grande e senzala no início da década de 1930. Contestações a essa visão surgem na segunda metade do século XX, nomes como Florestan Fernandes, Emília Viotti, Clóvis Moura, entre outros, desenvolvem a ideia de “coisificação” do negro e as circunstâncias extremamente árduas em que viviam, bem como a existência de movimentos de resistência ao cativeiro, como é o caso das revoltas de escravos e a formação dos quilombos. Já perspectivas historiográficas recentes reviram essa despersonalização do escravo, considerando-o como agente histórico, com redes de sociabilidade, produções culturais e concepções próprias sobre as regras sociais vigentes e como os negros buscaram sua liberdade, contribuindo decisivamente para o fim da escravidão.

[8]DESCAMINHOS: em seu dicionário, o padre Rafael Bluteau define descaminho como a “má aplicação ou nenhuma aplicação das rendas públicas, distraídas e desviadas do fim para que estavam deputadas”. O descaminho ou contrabando sempre foi um problema enfrentado pela Coroa em relação aos produtos com grande peso para a economia colonial. Pau-brasil, vinho e, em especial, o ouro foram alvo de medidas que coibissem os descaminhos frequentes. Em 1702, foi baixado o Regimento das Minas que, junto a outras determinações oficiais, buscava controlar a circulação do ouro e fazer com que os impostos exigidos pela Coroa fossem coletados. Apesar das penas severas para quem falsificasse os cunhos oficiais utilizados para a marcação do ouro e para aqueles que desviassem esta riqueza, o contrabando – nos termos da época, descaminho – jamais deixou de ocorrer. Os contrabandistas criaram meios, os mais criativos, para escapar, desde inserindo ouro em estátuas religiosas até, acintosamente, montando casas de fundição, onde forjavam o selo de quintação da Coroa portuguesa. O contrabando apresentava-se como um negócio lucrativo, sustentado por uma rede que incluía contratadores e oficiais da própria Coroa. O chamado descaminho baseava-se também, em grande medida, na dificuldade de controlar o vasto e ainda selvagem território de escoamento da produção e fornecimento de víveres. Apesar dos esforços da Coroa para que apenas determinados caminhos fossem utilizados, os habitantes locais possuíam o conhecimento de vias alternativas, que escapavam ao controle oficial.

[9]REAL ERÁRIO:  instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

 

 

Imposto para segurança de navios e embarcações

Registro do que se discutia na câmara do Rio de Janeiro sobre o imposto, proposto pelo rei, que custeasse navios que guardariam a costa brasileira. Foram convocados a "nobreza da terra, povo, capitães, e senhores de navio", tendo o "terceiro estado faltado por completo". Estabeleceu-se que a taxa seria proporcional aos benefícios auferidos por uma segurança mais eficiente aos que navegavam em águas do Brasil. Estipula o valor do imposto de acordo com a carga e reitera a necessidade de defesa do porto do Rio de Janeiro do ataque de piratas.

 

Conjunto documental: Registro de cartas, provisões, ordens régias e alvarás, ao governador do Rio de Janeiro, provedor e juiz da alfândega, e provedor da Fazenda Real
Notação: códice 85
Datas-limite:1624-1725
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: impostos; devassas
Data do documento: 15 de junho de 1720                     
Local: Rio de Janeiro         
Folha(s): -    
        

Registro dos assentos[1] que se fizeram na câmara desta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro[2], para que se impôs o donativo para satisfação da nau de guarda costa que sua majestade que deus guarde, determina pôr nesta cidade.
Julião de Souza Rangel escrivão da câmara desta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro para sua majestade que deus guarde `ilegível]. Certifico que da página 74 até 83 do livro de vereanças se acham os assentos, por que se impôs o donativo para a satisfação da nau guarda costa que sua majestade, que deus guarde determina pôr nesta cidade dos quais o teor é o seguinte:

Primeiro Assento

Aos 22 dias do mês de junho de 1719 nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, em os passos do senado da câmara[3] estando em mesa o juiz, vereadores, e procurador do dito senado para efeito de se ajustar os efeitos, em que se há de impor o pedido que sua majestade faz para sustentação de um ou dois navios, que intenta pôr nesta cidade por guarda dos mares adjacentes a esta costa, ou se convém, ou não admitir o dito pedido, mandara convocar a nobreza da terra[4]povo[5], capitães e senhores dos navios que se acham neste porto e morando nesta cidade, e havendo obedecido prontamente os homens nobres, e capitães de navios, faltaram totalmente os do terceiro estado[6], vindo somente o tenente-coronel Salvador Viana da Rocha, Loureiro Antunes Viana, Bartolomeu Luiz, João ribeiro da Costa, Antônio João de Oliveira, e Paulo Pinto; e visto a rebeldia dos mais, e a qualidade do negócio que pede pronta resolução, e por evitar as conseqüências, e confusão que se segue de se determinar semelhante negócio com tumulto, resolveram que cada estado nomeasse por sua parte dois procuradores, e logo pelo da nobreza, foi nomeado o tenente-coronel Manoel Pinta Telo, e o tenente-coronel Francisco de Macedo Freire; e pela parte da mercância náutica o tenente-coronel Salvador Viana da Rocha e Jorge Maynard da Silva, Narcizo Galhardo e Francisco de Sexas da Fonseca, e por parte do último, e terceiro estado a revelia das partes nomearam os oficiais do senado da câmara a Manuel Ribeiro Pereira e Paulo Ribeiro de `ilegível`, aos quais deram os constituintes todos os seus poderes e direitos necessários e concedidos para que por eles, em seus nomes possam requerer, e alegar, ajustar, e determinar tudo por eles, e em seus nomes, e alegar, ajustar, e determinar tudo por quanto for de utilidade e conservação deste povo, e serviço de sua majestade, que deus guarde, e de como assim o ajustaram, disseram e assentaram, foi este termo, em que todos assinaram, e eu Jorge de Souza Coutinho tabelião público judicial, e notas que por impedimento do escrivão da câmara, escrevi, e eu Julião Rangel de Souza o subescrevi // Doutor Cordeiro // Ribeiro // Abreu // Porto // Leitão // E além das firmas das pessoas acima declaradas não se contém mais coisa alguma no sito assento.

Segundo Assento

Aos 30 dias do mês de junho de 1719 nesta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, em os passos do excelentíssimo senhor Ayres de Saldanha de Albuquerque Coutinho Matos Noronha[7] governador, e capitão-general desta repartição do sul; estando presente o mesmo senhor, e ilustríssimo senhor Dom Francisco de São Jerônimo bispo desta cidade, o `ilegível] delas o doutor Gaspar Gonçalves de Azevedo e o tesoureiro mor Gaspar Ribeiro Pereira, o reitor do colégio da Companhia de Jesus[8] Miguel Cardozo, e o provincial do convento de Nossa Senhora do Carmo [9] o padre mestre frei Miguel de Azevedo, o padre frei Pedro de Santo Tomáz, com comissão do abade de São Bento, juiz, vereadores, e procurador do senado da câmara, e o da coroa o doutor Salvador da Silva Brandão, e os ditos procuradores que constam do termo feito página 74 convocado todos pelo dito governador para efeito de se determinar se convém haver nos mares adjacentes a esta cidade e mais portos de sua comarca nau guarda costa, e é justo concorrerem os moradores desta cidade com donativo necessário para a sua sustentação na forma proposta, a uma vós, sem discrepância de pessoa alguma assentaram que convinha para conservação desta praça, e mais da costa, houvesse uma nau que a guardasse e que todos estavam prontos por si e pessoas que representavam, e de como assim o disseram fiz este termo em que todos assinaram e eu Julião Rangel de Souza escrevi // declaro que pelo provincial do Carmo que assistiu com comissão, e procuração sua o padre frei Antônio de Santa Roza presidente do mesmo convento sobredito o escrevi // Ayres de Saldanha de Albuquerque Coutinho Matos e Noronha // Francisco brito do Rio de Janeiro ; Gaspar Gonçalvez de Azevedo deão da sé // Gaspar Ribeiro pereira tesoureiro mor // Miguel Cardozo reitor do colégio // frei Antônio de Santa Roza presidente, o doutor frei Pedro de Santo Tomáz em nome do abade de São Bento // doutor Manuel Luis Cordeiro // Francisco Gomes Ribeiro, Ignácio Rangel de Abreu // Francisco Luis Porto, Luis da Mota Leite // Salvador da Silva Brandão // Manuel Pimenta Telo // Francisco de Macedo Freire // Salvador Viana da Rocha // Jorge Maynard da Silva // Francisco Sexas da Fonseca // Narcizo Galhardo// Paulo Ribeiro `ilegível] // Manoel Ribeiro Pereira.

Terceiro Assento

E feito e assinado o termo acima por todos os assistentes a este ato, foi determinado, que porquanto se acham todos os gêneros gravados com imposições; e em cujos termos fazendo-se a de que se trata, se deve aplicar às pessoas que dela recebem maior utilidade na nau guarda costa[10], e nesta forma convém em que se ajuste este donativo nos navios de negros na forma seguinte:
Que todos os negros, que entrarem por esta barra dentro de qualquer porto que for, pagará cada um mil rés; a saber. Oitocentos réis a pessoa que o receber, e despachar, e duzentos réis o mestre de embarcação que os trouxer por conta da mesma embarcação.
Que os navios ou outras embarcações que vierem de mar em fora do corpo da frota em companhia do comboio, pagarão os mestres das duas ditas embarcações por conta delas por cada pipa quatrocentos réis, por cada barril, cem rés, por cada barrica duzentos réis, por cada volume de pacote ou fardo,caixão, fecho,baú, ou outro qualquer volume duzentos réis, e por cada quintal de cobre,ferro, ou qualquer outro metal que vem a granel quarenta réis a que se deve atender nas coisas, que vem para negócio e não para matalotagem, ou para sua casa.
Que as embarcações desta costa do Brasil, assim de banda do sul, como do norte, pagarão pelos negros que trouxerem o mesmo que atrás se declara, e pela telha, tijolo demais coisas que não são de volume por virem a granel, pagará o mestre por conta da embarcação quatro mil e oitocentos réis e dos mais volumes que trouxerem o que atrás fica dito, e por cada peça de pano de algodão 50 r, e por cada dúzia de `cosueiras`, duzentos réis.
Que as lanchas [ilegível] que neste porto entrarem de qualquer parte que vierem, pagarão cada uma seiscentos e quarenta réis por cada viagem que fizerem.
E como por conseqüência sempre o gravame desta imposição carrega sobre o povo, e todo o fim dela seja para a sustentação da nau, será com a condição de que terão seu princípio, depois que a dita nau de guarda costa chegar a este porto, e não vindo, ou não se conservando para o dito efeito ficará a dita contribuição desvanecida, e o povo sem o tal gravame, sem que possa aplicar para outra alguma coisa.
A qual nau andará o tempo que for necessário, guardando esta costa sem se afastar dela, nem divergir para outra alguma outra viagem sem que seja necessário esperar-se notícia de pirata[11]; porque não será razão saia a ele depois do dano feito, e para se evitarem maiores despesas parece conveniente que a guarnição da mesma nau seja da infantaria desta praça só o mestre, o contramestre, guardião, e mancebos que forem necessários para o serviço atual que terão soldos efetivos, porque os marinheiros que forem necessários ao tempo de fazer viagem, se podem tomar dos contínuos que há na terra, pagando-lhes as soldadas por mês, e sobre a forma da arrecadação fique no arbítrio do excelentíssimo senhor general, de quem se espera fará tudo com aquele acerto que costuma, e o que por ele for uma vez assentado como câmara, ficará por estatuto invariável, outrossim que no caso que não chegue a consignação imposta, se fará em outra coisa para e acrescentar o que bastar, e nesta forma houve por ajustado por hora o dito donativo de que fiz este termo em que todos assinaram e eu Julião Rangel de Souza escrevi // Ayres de Saldanha de Albuquerque Coutinho Matos e Noronha // Francisco Brito do Rio de Janeiro // Gaspar Gonçalves de Azevedo deão da sé // Gaspar Ribeiro Pereira tesoureiro mor da sé // Miguel Cardozo reitor do colégio // frei Antônio de Santa Roza presidente // o doutor frei Pedro de Santo Tomáz em nome do dom abade de São Bento // doutor Manuel Pimenta Telo, Francisco de Macedo Freire // Salvador Viana da rocha, Jorge Maynard da Silva // Francisco de Sexas da Fonseca // Narcizo Galhardo, Paulo Ribeiro `ilegível] // Manoel Ribeiro Pereira // como teor dos quais assentos passei a presente por mim subescrita, e assinada em 6 de julho de 1719, e eu Julião Rangel de Souza a fiz escrever,subescrevi e assinei, Julião Rangel de Souza, e eu Amaro dos Reis Fibão escrivão da alfândega e almoxarifado, a fiz trasladar da própria que a tomei ao juiz e ouvidor da alfândega o capitão Marcos da Costa da Fonseca Castelobranco[12].

Rio 15 de junho de 1720

Amaro dos Reis Fibão

 

[1]ASSENTOS: registro de decisão tomada em sessão das câmaras municipais. Em Portugal, os assentos surgiram em virtude de uma forte preocupação com a segurança jurídica, pois a existência de muitas decisões díspares inquietava a sociedade lusitana àquela época. No Brasil, as súmulas surgiram como mecanismo de aceleração do processo de julgamento das causas. Tanto as súmulas como os assentos possuíam sistemática semelhante influindo direta e indiretamente na conduta dos jurisdicionados.

[2]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[3]CÂMARA MUNICIPAL: peças fundamentais da administração colonial, as câmaras municipais representam o poder local das vilas. Foram criadas em função da necessidade de a Coroa portuguesa controlar e organizar as cidades e vilas que se desenvolviam no Brasil. Por intermédio das câmaras municipais, as cidades se constituíam como cenário e veículo de interlocução com a metrópole nos espaços das relações políticas. Do ponto de vista da administração municipal e da gestão política, foram, durante muitos anos, a única instituição responsável pelo tratamento das questões locais. Desempenhavam desde funções executivas até policiais, em que se destacam resolução de problemas locais de ordem econômica, política e administrativa; gerenciamento dos gastos e rendas da administração pública; promoção de ações judiciais; construção de obras públicas necessárias ao desenvolvimento municipal a exemplo de pontes, ruas, estradas, prédios públicos etc.; criação de regras para o funcionamento do comércio local; conservação dos bens públicos e limpeza urbana. As câmaras municipais eram formadas por três ou quatro vereadores (homens bons), um procurador, dois fiscais (almotacéis), um tesoureiro e um escrivão, sendo presidida por um juiz de fora, ou ordinário empossado pela Coroa. Somente aos homens bons, pessoas influentes, em sua grande maioria proprietários de terras, integrantes da elite colonial, era creditado o direito de se elegerem e votarem para os cargos disponíveis nas câmaras municipais.

[4]NOBREZA: a ideia de nobreza está relacionada à distinção garantida por costumes e por lei, que diferencia os indivíduos nas sociedades de corte, pertencentes a certas famílias e com funções de mando, daqueles que executavam os trabalhos físicos, considerados a plebe, e dos religiosos. Essa distinção perpetuava a estrutura estamental herdada dos tempos medievais, na qual os nobres, entre eles o rei, estavam no topo da hierarquia social, eram responsáveis pela proteção e justiça, além de terem a função de guerreiros e, posteriormente, também de administradores. Já os plebeus, eram os que trabalhavam em ofícios mecânicos, na terra, no comércio e em outras atividades. A nobreza poderia ser dividida, grosso modo, em nobreza de sangue – natural, passada por herança familiar – e a nobreza civil ou política – conquistada pela prestação de serviços relevantes ao Estado e ao rei. Os nobres de sangue, em Portugal, eram normalmente oriundos de famílias tradicionais, ainda do período de formação do Estado português durante a Baixa Idade Média. Eram considerados nobres de linhagem somente após três gerações da família, passando a ter direito a um brasão de armas. A concessão de títulos de nobreza no Império português foi um fenômeno dos tempos modernos, principalmente depois da expansão ultramarina, que agraciava, inicialmente, aqueles que faziam grandes esforços para a conquista de novas terras e mais poder para a monarquia, especialmente se para isso expunham-se a risco de morte e se o faziam com seu próprio patrimônio. Era um prêmio pela dedicação ao Estado e uma compensação financeira para os gastos, usado habilmente pelos reis portugueses para incentivar empresas ultramarinas, sem aumentar as despesas do Estado. A partir do século XVIII, a nobreza civil passou a exercer cargos de governança no reino e nos domínios ultramarinos, sem, entretanto, ferir o estatuto nobre, já que esta forma de trabalho não implicava em exercer força física. Essa ampliação nos quadros acabou por criar um problema de “distinção de qualidade” entre os nobres. O Estado reformou as leis que definiam as formas de tratamento de nobres e fidalgos nos anos de 1597, 1739 e 1759, com vistas a restabelecer o equilíbrio de importância, sobretudo da nobreza de sangue, e a se adaptar aos novos tempos. Dentro dos quadros de linhagem, criou-se o título de grandeza, que elevava a “grandes” os nascidos nobres de famílias mais antigas, tradicionais e ricas, e que gozavam de maiores privilégios e proximidade aos reis. No Brasil, a nobreza adquiriu contornos muito particulares: em primeiro lugar, porque, praticamente, não existiam nobres de nascimento – a maior parte era de altos funcionários da Coroa que conquistaram o título por emigrarem para conquistar, ocupar e produzir na colônia. Eram chamados “principais” ou “nobreza da terra”, descendentes dos primeiros conquistadores, pioneiros desbravadores das novas possessões da coroa portuguesa. Esta elite senhorial, além de recebedora de mercês e de terras (capitanias, sesmarias), também desempenhava funções administrativas, ocupando cargos que, pouco a pouco, foram sendo criados na estrutura administrativa colonial. A presença de índios e negros relativizou, da mesma forma, a pureza do sangue da nobreza brasileira, já que muitos herdeiros dos capitães-mores e governadores dos Estados tinham também descendência indígena e mestiça. A escravidão, ainda, adicionou novas variáveis, tornando qualquer um que não fosse escravo e de cor passível, merecedor de receber tratamento diferenciado e criou um imperativo particular da colônia: para almejar ser nobre era preciso, além das riquezas e propriedades habituais, ter escravos. Essa “nobreza da terra”, composta basicamente de indivíduos que se distinguiam não tanto pelo nascimento, mas por ocupar cargos importantes, ter escravos e posses, podiam ser senhores de terras, comerciantes de grosso trato de grandes capitais, desde que não exercessem pessoalmente trabalhos físicos.

[5] POVO: a partir do momento em que a vida gregária dos seres humanos realizou-se em uma existência mais ou menos sedentária e organizada, passou também a existir uma noção que identificasse o grupo mais próximo, o grupo necessário, sem o qual o indivíduo teria dificuldade em existir ou sequer se reconhecer. Tribos, genos, povo, inúmeras palavras e significados variados expressaram essa identidade de grupo que pode ser étnica, geográfica, religiosa, linguística. Especificamente, a noção de povo nem sempre engloba toda a comunidade. Nasceu da necessidade de se definir a parte da comunidade que detém e exerce os direitos políticos (os “iguais”). Mas a noção de “povo” encontra-se vinculada à prática política como conhecemos no mundo moderno, ou seja, pode ser localizada na antiga Grécia, onde diferentes concepções de governo e vida em sociedade eram discutidas por um grupo – o povo (formado por adultos livres do sexo masculino que viviam na polis). Desde então, a palavra ganhou contornos muito diferentes e acabou transformando-se em objeto central para algumas disciplinas surgidas na era moderna, em especial as ciências sociais. Em Portugal, no século XVIII, “povo” dificilmente evocaria a nossa ideia atual de “nação”, em geral, referindo-se aos grupos sociais politicamente relevantes, de alguma forma economicamente influentes (aqueles que contribuíam para a riqueza do Estado, isto é, do rei). A transformação da massa heterogênea de diferentes classes ou estamentos, de indivíduos mergulhados em miséria absoluta e completo analfabetismo, em um povo com os mesmos direitos políticos e proteção do Estado dos mais abastados, ainda seria um processo que levaria séculos, tendo se iniciado com as revoluções americana, francesa e inglesa a partir da emergência da ideia moderna de democracia, como indica o vocábulo, e de uma discussão em torno de noções como vontade geral, soberania popular entre outras disputadas pelo direito, filosofia e demais disciplinas.

[6]TERCEIRO ESTADO: a expressão refere-se a um dos três estamentos nos quais a sociedade medieval europeia se dividia. Estes estamentos eram categorias hierarquicamente estabelecidas e, cada uma, representava um conjunto de valores e possuíam um lugar específico na ordem sociopolítica de então. Eram delimitados não apenas pelos costumes, pela tradição, mas também por seu status jurídico. O primeiro e segundo estados, respectivamente clero – responsável pela vida espiritual – e nobreza – encarregada da defesa – eram grandes proprietários de terras. Já o terceiro estado aglutinava os grupamentos menos favorecidos em termos políticos da época, abrangia cidadãos cuja ocupação não se ligava nem as armas e nem a igreja e que sustentavam os estamentos superiores, através do pagamento de impostos. Era formado, em geral, por camponeses e trabalhadores urbanos, incluindo a burguesia em ascensão. Em Portugal, por exemplo, a legislação definia, desde o século XVI, os modos de vida aceitáveis, sendo os negócios, um deles, como indicou Vitorino Magalhães Godinho em Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa e que constituiria, com outros indivíduos, o terceiro estado. O termo, característico de uma sociedade de Antigo Regime, ficaria marcado pela sua associação aos movimentos revolucionários do século XVIII, sobretudo às vésperas da Revolução Francesa quando foram convocados os Estados Gerais, o que não ocorria desde o século anterior. Os representantes dessa ordem assumiram a vanguarda dos acontecimentos, transformando a reunião e a si mesmos em deputados de uma assembleia nacional. Emmanuel Sieyès, escritor e político francês, que participou do Estados Gerais, defendia a ideia de que o Terceiro Estado seria o estrato social mais importante para formação de uma nação, formado por aqueles encarregados de todas atividades produtivas, que os outros dois estratos se recusavam a cumprir, mas que usufruíam da riqueza gerada. Ainda segundo o autor: “Que é o Terceiro Estado? Tudo. Que tem sido até agora na ordem política? Nada. Que deseja? Vir a ser alguma coisa” e, isso só poderia se concretizar, com a demolição do Antigo Regime e de sua sociedade fortemente estratificada. A difusão do pensamento liberal, que nasceu estimulado pelas ideias iluministas e que teve seu apogeu com a eclosão das revoluções americana e francesa, influenciou decisivamente movimentos políticos em toda Europa, provocando o fim do absolutismo monárquico e da estrutura social estamental. Em contraposição à vontade real, ganhava força a tese de um governo representativo liberal em que a soberania reside essencialmente na nação e em seus indivíduos livres e iguais. Tal proposição ganharia apoio de setores do terceiro estado, sobretudo, da burguesia, interessados em ampliar sua participação política, a liberdade econômica e suas garantias e direitos individuais. Portugal, que no início do século XIX ainda vivia uma monarquia absolutista, assistiu, em 1820, à Revolução do Porto, que representou o ingresso do pensamento liberal no ideário luso. O movimento revolucionário anunciava uma monarquia limitada por uma constituição liberal, elaborada pelas Cortes Constituintes, formadas por representantes eleitos. Fortalecida economicamente pela prosperidade das atividades comerciais, a burguesia ascendia politicamente, em detrimento da aristocracia de corte. A derrubada do Antigo Regime, expressou os interesses do Terceiro Estado, que poderia assim fortalecer-se em campo político e ascender socialmente com o fim dos estamentos enquanto lugares a que se pertenciam por hereditariedade, substituídos por uma sociedade de classes.

 

 

[7]NORONHA, AYRES DE SALDANHA DE ALBUQUERQUE COUTINHO MATOS (1681-1756): nascido em Lisboa, era membro de uma das principais famílias da corte portuguesa e foi homem-gentil da câmara do infante d. António, quinto filho de Pedro II de Portugal. Prestou serviços militares no norte da África e em Portugal. Nomeado governador e capitão-general do Rio de Janeiro por carta patente de 3 de janeiro de 1719, Ayres de Saldanha assumiu a administração a 13 de maio do mesmo ano, cargo que ocupou até 1725. O período de seu governo coincide com uma crescente valorização da capitania como centro de atividades mercantis, já que do seu porto escoava-se o ouro das Minas. A localização estratégica do porto também atraia muitos estrangeiros que navegavam pelo Atlântico Sul, causando preocupação à metrópole com a segurança e a conservação da capitania. Em carta ao rei, no ano de 1719, Ayres de Saldanha, aflito com a quantidade de navios no entorno da cidade, defende que se corte relações com estrangeiros, por conta da incidência de piratas. Em decorrência da contínua entrada e saída de navios, do aumento das transações comerciais e da grande circulação de pessoas, a alfândega tornou-se alvo de atividades ilícitas como contrabando e sonegação de impostos. As precárias instalações físicas da alfândega não comportavam todo o material a ser armazenado, o que facilitava os furtos, além de faltarem guardas e outros funcionários para garantir o controle da arrecadação. Ciente de tais problemas, o governador forneceu, já em seu primeiro ano, parecer ao Conselho Ultramarino, segundo o qual defendia a instalação de balança apropriada em um lugar adequado, sob orientação de um juiz nomeado especificamente para tal função, pois sem tal providência, a arrecadação de fazendas continuaria a sofrer prejuízos. Outra importante medida de seu governo foi a adução das águas do rio Carioca, prolongando as obras até o campo de Santo Antônio, atual largo da Carioca. Inspirado no aqueduto das Águas Livres de Lisboa, ligava o morro do Desterro (Santa Teresa) até o morro de Santo Antônio. Concluída a obra em 1723, a fonte da Carioca passaria a ser abastecida com suas águas. O conflito entre espanhóis e portugueses na colônia do Sacramento, que estava sob jurisdição da capitania do Rio de janeiro, também foi uma preocupação constante durante sua administração.

[8]JESUÍTAS: ordem religiosa fundada em 1540 por Inácio de Loyola e marcada por severa disciplina, profunda devoção religiosa e intensa lealdade à Igreja e à Ordem. Criada para combater principalmente o protestantismo, sua fundação respondeu à necessidade de renovação das ordens regulares surgida das determinações do Concílio de Trento (1545-1563). A instalação da Companhia de Jesus em Portugal e nos seus domínios ultramarinos deu-se ainda no século XVI. O primeiro grupo de missionários jesuítas chegou ao Brasil em 1549, na comitiva de Tomé de Souza. Seus membros eram conhecidos como ‘soldados de Cristo’, dadas as suas características missionárias. Responsáveis pela catequese, coube também, aos jesuítas, a transmissão da cultura portuguesa nas possessões americanas por meio do ensino, que monopolizaram até meados do século XVIII. Fundaram, por todo território colonial, missões religiosas e aldeamentos indígenas de caráter civilizador e evangelizador. Em fins do século XVII, o modelo missionário já estava bem consolidado, difundido por quase toda a América, e os jesuítas acumulando grande poder. Os primeiros jesuítas a chegar ao Maranhão, em 1615, foram os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes, detentores de uma posição privilegiada na região, tanto na evangelização e defesa dos índios, quanto no monopólio do comércio e armazenamento das drogas. São de religiosos da Companhia de Jesus relatos sobre os primeiros séculos da colonização. O padre italiano João Antonio Andreoni (André João Antonil) publicou em 1711 Cultura e opulência no Brasil. História da Companhia de Jesus no Brasil escrito por Serafim Leite, os dois volumes de Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas (1722-1776) do padre João Daniel, Tratados da terra e gentes do Brasil de Fernão Cardim e os numerosos sermões e cartas da Antonio Vieira são testemunhos importantes e reveladores do Brasil colonial. Os jesuítas também foram os responsáveis por espalhar a língua dos Tupinambá, chamada língua geral (nheengatu), largamente falada no Brasil até meados do século XVIII. O grande poderio e influência dos jesuítas na América portuguesa foram contestados durante a administração pombalina (1750-1777), gerando um conflito de interesses entre a Companhia de Jesus e o governo, que culminou com a expulsão dos membros dessa ordem religiosa em 1759. Cabe ressaltar que a decisão de expulsar os jesuítas de Portugal e de seus domínios, tomada pelo marquês de Pombal, não buscava reduzir o papel da Igreja, mas derivava da intenção de secularizar a educação, dentro dos moldes ilustrados.

[9]ORDEM DO CARMO: a ordem dos Carmelitas surgiu no século XII, por volta de 1177, na região de Monte Carmelo, na Palestina, região onde o profeta Elias teria se estabelecido, seguindo uma vida eremítica de oração e silêncio. Sua migração para o Ocidente ocorreu no século XIII, quando foi elevada à categoria de ordem mendicante pelo papa Inocêncio IV. Além de tomar como exemplo o ideal de vida simples representado pelo profeta, adota a Virgem Maria com símbolo. A Ordem é dividida em quatro segmentos: a dos Frades, Ordem Primeira; a das Monjas, Ordem Segunda; e a dos Terceiros, os quais são divididos em seculares, sendo compostos também por leigos, e por fim os regulares. Os Carmelitas passaram, na Espanha, por um movimento de renovação com Santa Tereza de Prea e São João da Cruz no século XVI, o que ocasionou a divisão da Ordem em Carmelitas Calçados, que seguiam a norma antiga, e os Carmelitas Descalços, seguidores do novo movimento. A Ordem Terceira do Carmo, ramo composto pelo grupo de membros leigos dos carmelitas da Antiga Observância ou Carmelitas Calçados, tem como finalidade ajudar os seus membros em âmbito universal, ou seja, independe da localidade da filial, esteja ela na América portuguesa ou em Portugal. Entretanto, para serem recebidos nas diferentes localidades, os seus membros deveriam pagar uma taxa. A ajuda da Ordem não se limitava apenas ao aspecto espiritual, mas também ao material, devendo os membros contribuírem com tais obrigações. A Ordem veio para o Brasil com a aprovação do cardeal d. Henrique, rei de Portugal, em 1580. O objetivo inicial era fortalecer a colonização da Paraíba, como forma de evitar possíveis invasões de franceses e outros estrangeiros através da Baía da Traição. Apesar do fracasso dos cinco primeiros freis, a Ordem Carmelita se manteve na província, fundando, em 1583, o primeiro convento em Olinda, seguido pelas fundações da Bahia (1586), Santos (1589), Rio de Janeiro (1590) e São Paulo (1596). Por sua vez, a instalação das Ordens Terceiras, durante o período colonial, estava relacionada à fundação dos conventos da Ordem Primeira do Carmo. Para entrar na Ordem Terceira era necessário entregar um formulário contendo informações da sua vida e costumes ao secretário da congregação. Além disso, eram excluídos da Ordem pessoas de baixa condição e que possuíssem ascendência negra, escrava, forra ou mulata. Excluíam-se também adeptos à religião judaica. O processo seletivo para o ingresso nessas ordens eram aqueles colocados pelo estatuto de “limpeza de sangue”. No caso das mulheres, era necessário que apresentassem uma licença de seus maridos para ingressarem à ordem, caso fossem solteiras a aprovação era de seu pai. Após a aprovação era preciso que o futuro membro passasse por um período denominado noviciado, no qual eram ensinadas as regras da associação e educação religiosa.

[10]NAUS E FRAGATAS DE GUERRA: nau designa uma extensa variedade de navios de médio e grande porte utilizada pelos portugueses desde o século XIV para fins bélicos e comerciais. Eram embarcações com acastelamentos na popa e na proa, apresentando um mastro de pano redondo. À época das grandes navegações, as naus se tornaram mais bojudas (a boca poderia apresentar cerca de um terço do comprimento da quilha), para enfrentar o mar revolto, sobretudo, no entorno do Cabo das Tormentas, onde as caravelas encontrariam dificuldades. Em geral, bem armadas com artilharia pesada, passaram e ter até três mastros com velas quadrangulares. Devido a forma de seu casco, bem mais largo do que comprido, em relação a outras embarcações da época, as naus ficaram conhecidas como “navios redondos”. Tais modificações a tornaram uma embarcação bastante imponente, usada para intimidar adversários e guardar territórios, mas também de difícil manejo. Eram intensamente utilizadas para proteger o pouco povoado litoral brasileiro de piratas e missões europeias rivais. A nau de guerra objetivava a segurança das embarcações comerciais e os combates marítimos, podendo ser classificada como de primeira, segunda e terceira classes, dependendo do número de peças de artilharia. Já as fragatas eram navios de guerra que, apesar de terem o mesmo comprimento, eram mais estreitas, o que lhe conferiam maior agilidade e velocidade frente às naus. Eram usadas em missões de escolta ou reconhecimento territorial e movidas por propulsão à vela. Em meados do século XIX, se desenvolveram as fragatas mistas e a vapor.

 

 

[11] PIRATAS: o saque, a pilhagem e o apresamento de embarcações e povoados vulneráveis foram, durante séculos, realizados por grupos organizados, que atuavam sob as ordens de um soberano ou de forma independente. O termo pirataria define uma atividade autônoma, sem qualquer consideração política ou razões de Estado (comerciais ou estratégicas). Sem nacionalidade juridicamente reconhecida, os piratas lançavam-se ao mar pilhando embarcações ou atacando regiões costeiras para angariar riquezas. Há registro de ataques piratas à costa brasileira, no período colonial, motivados pelo contrabando de produtos como o pau-brasil, bem como pela captura de escravos indígenas. Tornaram-se célebres os piratas franceses Jean Florin, Laudinière, Montbars, os irmãos Lafitte e Jean Davis, conhecido como o Olonês, que atuaram na região das Antilhas. Em um universo majoritariamente masculino, algumas mulheres disfarçadas também fizeram história, como Mary Head e Anne Bonney. O último reduto da pirataria ocidental foi o Mediterrâneo, onde piratas gregos e berberes eram atuantes desde a Idade Média. Não se deve confundir piratas com corsários. O corsário tem sua origem na Idade Média, mas se tornou especialmente importante durante os tempos modernos. Ao contrário do pirata, do ponto de vista do direito internacional, o corsário é um combatente regular, ligado a um Estado, a quem o governo dava uma carta de corso. Poderia ser mantido diretamente pelo governo ou por um particular. Não há grande diferença dos piratas quanto aos métodos. Porém, o corso reservava de 1/3 a 1/5 do butim para o tesouro real e executava ataques encomendados pelos Estados a que serviam, tal como DuGuay-Trouin, que invadiu o Rio de Janeiro em 1711 a serviço da Coroa francesa no âmbito da guerra de sucessão espanhola, colocando em lados opostos França e Portugal, aliados, respectivamente, à Espanha e à Inglaterra.

[12]CASTELO BRANCO, MARCOS DA COSTA DA FONSECA (? -1721): almoxarife da Fazenda Real do Rio de Janeiro, recebeu sesmarias em 1708, na região da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Serra Acima da Roça do Paty do Alferes, estabelecida em 1739. Sua casa grande foi erguida no sopé da Serra das Perobas e junto ao Caminho Novo de Minas, aberto entre 1700 e 1704 por sertanistas. A propriedade servia aos tropeiros que percorriam a serra pelo Caminho Novo em suas constantes viagens entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais, transportando as mais variadas mercadorias entre as duas províncias. Foi membro da Junta de governo que, em 1709, procurou, sob o comando do governador do Rio de Janeiro, d. Fernando de Lencastre, resolver as disputas entre portugueses e paulistas na região das minas – conflito conhecido como Guerra dos Emboabas.

 

 

Guerra dos emboabas

 Carta régia ao governador da capitania do Rio de Janeiro, Antônio de Albuquerque, em que se declara ter conhecimento de que os "paulistas" haviam agido "a força das armas e rigor da guerra" contra as pessoas que haviam chegado às minas para explorar o ouro lá encontrado. Contudo, o rei ordena que todos os envolvidos sejam perdoados, à exceção dos líderes, Manuel Nunes Viana e Bento do Amaral, recomendando-se a moderação dos ânimos. A cidade do Rio de Janeiro seria ajudada para que não ficasse desprotegida, pois tais riquezas, atraíam o interesse de outras nações européias, principalmente os franceses que continuamente navegavam pela costa brasileira. O conflito entre os "paulistas" e os grupos chegados posteriormente a estes à região das minas ficaria conhecido por guerra dos emboabas.

 

Conjunto documental: Cartas régias, provisões, alvarás e avisos
Notação: códice 952, vol.16
Data-limite: 1706-1707
Título do fundo ou coleção: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: impostos
Data do documento: 22 de agosto de 1709       
Local: Lisboa       
Folha(s): -            

 

Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho[1] Amigo Eu, El Rei[2]  vos envio muito saudar. Mandando ver no meu Conselho Ultramarino[3] os avisos que Dom Fernando Martins Mascarenhas[4] me fez pela Secretaria de Estado das alterações em que se achavam os paulistas[5] com a gente que havia concorrido às minas, e o que uns e outros tinham obrado sem respeito as minhas justiças e contra todo o direito e ordens especiais e gerais, usando não só da força das armas, e rigor da guerra, mas também de jurisdição despótica e absoluta, o que havia obrigado ao dito Dom Fernando passar em pessoa às mesmas minas e `ilegível] alterações pelas danosas que desta desunião se podiam recear; por assim se resolver na junta que mandara convocar, para o remédio de tão grande dano, o que poderá ser, tenha conseguido, e se achem hoje só `ilegível] as ditas alterações; porém no caso que assim não seja. Me pareceu ordenar-vos /como por esta faço/ para que `ilegível] minas para o que vos permito concederem um indulto geral para todos os agressores dessa desordem, com declaração que no tal indulto[6] se não compreendam os cabeças principais Manuel Nunes Viana[7], e Bento do Amaral[8] de cujos procedimentos se tem originado tantos insultos com a usurpação da jurisdição geral, privando de seus ofícios aos oficiais providos por mim, e promulgando bandos com pena de morte, incorrendo por este caminho justamente em toda a indignação para se proceder contra eles com o maior rigor do castigo. E para que possais unir os ânimos que se acham tão discordes uns contra os outros, vos encomendo useis neste negócio de toda a prudência e sagacidade, e quando considerais que esta não pode aproveitar, e se avalieis que é preciso recorrerão ao rigor para temperar estas desuniões e castigar aos que incitaram e podem renovar outras dissensões, vós ajudareis de toda aquela malícia e gente que vos for necessária para que o respeito nos faça mais obedecido não tirando, porém em nenhum caso dessa cidade do Rio de Janeiro toda a que nela há, por não deixardes sem defesa essa praça capital do governo, e que pelas suas riquezas se faz tão apetecida das nações européias, e principalmente no corrente tempo em que os franceses navegam tão continuamente esses mares que espreitaram para a levarem por entre presa, e lhe não será oculto qualquer descuido que neste particular tivermos. E quando totalmente vejais que dos terços não podeis levar todos os soldados para pôr em sossego esses homens, escrevereis ao governador da Bahia[9] que vos mande a gente que vos for precisa para que incorporada uma com a outra se faça um grosso mais formidável, que para este efeito lhe mando escrever e ordeno que pedindo-lhes algum socorro `ilegível] com efeito sem prejuízo da guarnição dessas praças na sua jurisdição.

E confio na vossa prudência que nesta matéria de que vos encarrego obrareis segundo os acidentes do tempo tendo entendido que sempre será mais seguro o recorrer aos meios brandos e suaves para se emendarem e moderarem estes movimentos entre uns e outros vassalos do que dos rigorosos de que podem resultar algumas perturbações que não tenham ao depois fácil composição, e porque pode acontecer que quase não receber desta ordem não estejais ainda entregue deste governo por se achar ausente Dom Fernando ocupado em compor as referidas alterações das minas e por esta causa não possais dar execução o que vos ordeno em que não convém haja dilação, mando escrever a Dom Fernando a carta que vai com esta em que lhe encarrego que logo, sem demora alguma, ainda esteja ausente, vos entregue o governo por assim convir ao meu serviço e por esta mesma carta lhe hei por levantada a homenagem a qual lhe remetereis prontamente a qualquer parte que estiver e pela Bahia se lhe remete também outra via e estou certo que ele como lhe encomendo vos participará para a notícia do estado em que se acha a alteração das minas e todas as mais que entender que podem ser úteis ao meu serviço.

Escrita em Lisboa a 22 de agosto de 1709

Rei

Para o governador da capitania do Rio de Janeiro

 

[1]CARVALHO, ANTONIO DE ALBUQUERQUE COELHO DE (1655-1725): comendador da Ordem de Cristo e da Ordem de Santo Ildefonso, foi nomeado governador da capitania do Rio de Janeiro e responsável pela pacificação da região das minas após a Guerra dos Emboabas. Para uma melhor administração daquela região, que aumentava significativamente a sua densidade demográfica devido à descoberta do ouro, Antonio Albuquerque sugeria à metrópole portuguesa a criação da capitania de São Paulo e das Minas Gerais, em 1709. Aceita sua proposta, foi nomeado primeiro governador. Sob sua administração, foram instituídas as primeiras vilas na região das minas, a partir de 1711: Nossa Senhora do Carmo e Albuquerque (Mariana), Vila Rica (Ouro Preto) e Sabará. Em 1711, comandou pessoalmente as tropas mineiras enviadas para combater a segunda invasão francesa ao Rio de Janeiro.

[2]JOÃO V, D. (1689-1750): conhecido como “o Magnânimo”, d. João V foi proclamado rei em 1706 e teve que administrar as consequências produzidas na colônia americana pelo envolvimento de Portugal na Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1712), a perda da Colônia do Sacramento e a invasão de corsários franceses ao Rio de Janeiro (1710-11). Se as atividades corsárias representavam um contratempo relativamente comum à época e nas quais se envolviam diversas nações europeias, a ocupação na região do Rio da Prata seria alvo de guerras e contendas diplomáticas entre os dois países ibéricos durante, pelo menos, um século, já que as colônias herdariam tais questões fronteiriças depois da sua independência. As guerras dos Emboabas (1707-09) na região mineradora e dos Mascates (1710-11) em Pernambuco completaram o quadro de agitação desse período. Entre as medidas políticas mais expressivas de seu governo, encontram-se: os tratados de Utrecht (1713 e 1715), selando a paz com a França e a Espanha respectivamente, e o tratado de Madri (1750), que objetivava a demarcação dos territórios lusos e castelhanos na América, intermediado pelo diplomata Alexandre de Gusmão. Este tratado daria à colônia portuguesa na América uma feição mais próxima do que atualmente é o Brasil. Foi durante seu governo que se deu o início da exploração do ouro, enriquecendo Portugal e dinamizando a economia colonial. O fluxo do precioso metal contribuiu para o fausto que marcou seu reinado, notadamente no que dizia respeito às obras religiosas, embora parte dessa riqueza servisse também para pagamentos de dívidas, em especial com a Inglaterra. Mesmo assim, as atividades relacionadas às artes receberam grande incentivo, incluindo-se aí a construção de elaborados edifícios (Biblioteca de Coimbra, Palácio de Mafra, Capela de São João Batista – erguida em Roma com financiamento luso e, posteriormente, remontada em Lisboa) e o desenvolvimento do peculiar estilo barroco, que marcou a ourivesaria, a arquitetura, pintura e esculturas do período tanto em Portugal quanto no Brasil. Seu reinado antecipa a penetração das ideias ilustradas no reino, com a fundação de academias com apoio régio, a reunião de ilustrados, a influência da Congregação do Oratório, em contrapartida à Companhia de Jesus.

[3] CONSELHO ULTRAMARINO: criado em 1642, à semelhança do Conselho da Índia que atuara durante a União Ibérica, tinha como objetivo padronizar a administração colonial. Sua alçada incluía os Estados do Brasil, Índia, Guiné, São Tomé, e outras partes da África, provendo os cargos relacionados à administração colonial. Responsabilizava-se pelas finanças das possessões portuguesas, a defesa militar das mesmas, a aplicação de justiça. Desde a cobrança de impostos, até o tráfico de escravos, passando pela emissão de documentos e as ações de defesa territorial, pouco acontecia nas colônias que não tivesse que passar pelo conselho, que tinha prerrogativas de fiscalização e também executivas. O processo decisório no âmbito do conselho e a efetivação das suas decisões transcorriam de forma lenta, devido à necessidade de informes e contra-informes em variadas instâncias, somadas às distâncias abissais entre as várias localidades do império colonial português. Já no período do marquês de Pombal, o conselho entrou em declínio, e suas atribuições foram pouco a pouco assumidas por outras secretarias de Estado, que administravam de forma mais ágil por dispensarem as várias instâncias de comunicação e decisão.

[4]LENCASTRE, FERNANDO MARTINS MASCARENHAS (1643-1719): administrador colonial português, teve uma curta passagem pelo governo do Estado da Índia (1691-1693), antes de ser governador e capitão-general de Pernambuco de 1699 a 1703. Assumiu a administração da capitania do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais em 1705, enfrentando diversos problemas, especialmente relacionados às disputas, na região mineradora, entre paulistas e os então designados emboabas. Em 1707, d. Fernando envolveu-se em acusações de favorecimento de cessão de contratos para fornecimento de víveres para Minas. O episódio, apesar de não diretamente relacionado aos embates entre paulistas e emboabas ao longo de 1709, prenunciava disputas acirradas por quaisquer atividades lucrativas que envolviam as minas. Embora tenha tentado negociações com o líder dos emboabas, Manuel Nunes Viana, em 1709, em uma inútil viagem a Ouro Preto, regressou ao Rio apenas para ser dispensado do cargo.

[5]PAULISTAS: categoria relacionada diretamente ao bandeirismo, iniciado em meados do quinhentos. Até cerca de 1690 os paulistas eram essencialmente desbravadores e voltados para o apresamento de índios, sem abdicar da intenção de encontrar metais preciosos. Sergio Buarque de Holanda, em seu livro Monções, chama a atenção para o aspecto da itinerância das populações da capitania de São Vicente, em oposição ao sedentarismo das outras regiões. De acordo com Mirian Silva de Jesus, os paulistas ficaram “famosos pelas suas experiências em penetrar sertões e aprisionar índios, e viverem de serviços particulares, ou ‘sertanismo de contrato’, foram contratados como mão-de-obra bélica para solucionar os problemas da conquista do sertão. Eram conhecidos pelos colonos da zona açucareira como indisciplinados e ignorantes da língua portuguesa (falavam a chamada língua geral)” (Os ‘paulistas’ na conquista do sertão nos séculos XVII e XVIII. Disponível em http://snh2013.anpuh.org/resources/pe/anais/encontro5/01-imaginario/Artigo%20de%20Miriam%20Silva.pdf). O movimento itinerante que caracterizou as várias expedições que recortavam o sertão, deu origem a uma cultura mameluca decorrente do intercâmbio cultural com os indígenas, fornecedores de técnicas e conhecimentos necessários a essa penetração para o interior da colônia. Essa cultura híbrida, conjugando saberes europeus e indígenas, tornaram possível a sobrevivência dos paulistas nas longas expedições. Em resenha ao livro de Gloria Kok intitulado O sertão itinerante: expedições da capitania de São Paulo no século XVIII, Francismar Alex Carvalho escreve: “De São Paulo às minas de Cuiabá, descobertas em 1719, os paulistas, em suas canoas copiadas aos indígenas, improvisavam soluções as mais diversas para enfrentar os rios encachoeirados, as ameaças (que não poucas vezes se concretizavam) de ataques indígenas, a fome cotidiana, os mosquitos, cobras, onças, formigas, carrapatos e outros desconfortos.” (Cultura mameluca: de condição da colonização a estigma. História, Ciências, Saúde — Manguinhos, v. 13, n. 4, p. 1029-33, out.-dez. 2006. Disponível em https://www.scielo.br/pdf/hcsm/v13n4/13.pdf).

[6]INDULTO: suspensão parcial ou total de pena imputada a um condenado. Perdão específico relativo a um ato considerado ilegal.

[7] VIANA, MANUEL NUNES (?-1735 OU 1738): Manuel Nunes Viana, português natural do Minho, filho de Antônio Nunes Viana, chegou jovem à Bahia, em torno de 1680. Em fins do século XVII e início do século XVIII teve lugar no então “sertão” (atual Minas Gerais) uma corrida ao ouro que ocasionou a afluência de fidalgos, aventureiros, comerciantes e indivíduos em busca de enriquecimento, tanto portugueses quanto nascidos no Brasil. Nunes Viana enriqueceu com a exploração do ouro em Minas, com a pecuária, comerciando escravos na Bahia, além de trabalhar como mascate, abastecendo a região das minas com produtos oriundos da Bahia e de Portugal. Era proprietário de ao menos duas fazendas e escravos, além de grandes lavras de ouro. Considerado uma figura controversa, tinha certa autoridade nas regiões limítrofes dos sertões, exercendo domínio e violência contra os índios, escravos fugidos e aquilombados. Os primeiros desbravadores, bandeirantes paulistas [bandeiras], não aceitaram facilmente a concorrência em uma terra que a seu ver lhes pertencia por fato e direito. Esta disputa encontra-se nas origens da Guerra dos Emboabas (1707-1709), conflito entre os paulistas e os emboabas (forasteiros), do qual se tornou líder desses últimos e foi aclamado governador da região das Minas por uma comissão de proprietários ricos locais em 1708. A auto-nomeação desagradou a Coroa portuguesa que, a esta altura, já se via enredada na disputa local levada a cabo por homens e famílias influentes e rivais em torno da exploração do mais precioso produto da colônia: o ouro. O conflito terminou com a expulsão dos paulistas da região de Minas Gerais e a destituição de Nunes Viana; no entanto, a estrutura administrativa emboaba permaneceria. A despeito das acusações de traição e das desavenças com o vice-rei, acabou por receber indulto real (1715) por seus crimes durante a revolta, e recebeu mercês como os ofícios de alcaide-mor em Maragogipe e de escrivão de Sabará, além de ser coronel de milícias. Foi aceito, inclusive, na Ordem de Cristo.

[8]AMARAL, BENTO DO: nasceu no Rio de janeiro, de onde partiu foragido, acusado de assassinato. Participou diretamente dos conflitos, inclusive no polêmico, infame e incerto episódio conhecido por Capaão da traição, em que grupos de combatentes paulistas foram assassinados a sangue frio após a rendição.

[9]BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

Fim do conteúdo da página