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Sala de aula

Escrito por cotin | Publicado: Quinta, 22 de Fevereiro de 2018, 18h24 | Última atualização em Quinta, 22 de Fevereiro de 2018, 18h55

Cadeia do Aljube

Declaração do mestre de carpintaria e do mestre do ofício de pedreiro à secretaria da Intendência da Policia sobre o andamento das obras na cadeia do Aljube. Informam acerca das reformas feitas,  e dos espaços já concluídos, como uma enxovia e um xadrez para mulheres, as partes que puderam ser reparadas, como a capela, as áreas da cadeia que já muito danificadas não poderem ser reaproveitadas.

 
Conjunto documental: Ministério dos Negócios do Brasil, Ministério dos Negócios do Reino, Ministério dos Negócios do Reino e Estrangeiro, Ministério dos Negócios do Império e Estrangeiros, Instituições policiais. 
Notação: 6J-83 
Datas-limite: 1816 - 1817
Título do fundo: Diversos GIFI
Código do fundo: OI  
Argumento de pesquisa: cadeia do Aljube (Rio de Janeiro)
Data do documento: 13 de julho de 1816
Local: Rio de Janeiro
Folha (s): -
 

Os mestres José Feliciano e Joaquim Coelho encarregados da obra desta cadeia de Aljube[1], sejam chamados à secretaria da Intendência[2], para baixo desta declararem especificamente as obras que ali se tem feito à custa da pensão de 1:00:000 de réis que dá o real Erário[3], e o que falta para se concluir o que positivamente a determinam. Rio 12 de julho de 1816.

[rúbrica]

José Feliciano de Oliveira e Joaquim Coelho Marinho mestres do oficio de carpinteiro e pedreiro, e encarregados do concerto da cadeia do Aljube declaram que as reformas que se tem feito na mesma cadeia são as seguintes: uma nova enxovia[4] para mulheres, pois a que havia estava toda arruinada ameaçando perigo.

Por cima desta enxovia se fez um xadrez de mulheres, por que o que existia também estava em ruína.

Por cima do xadrez se fez no todo a sala livre que compreende três casas grandes com cento e tantos palmos de extensão, com quarenta de largura, e da antiga sala livre nada se aproveitou por estar em considerável ruína, pois até o vigamento se achava suspenso pelos sualhos e pontaleces que antigamente se meterão.

Se fez no todo uma enxovia para homens, a qual ainda não tem serventia por precisar de comunicação para outra enxovia. Fizeram se dois segredos, em uma sala, e precisaram se mais outros dois. Reformou-se uma parte do xadrez e o resto está arruinado.

Reformou-se a canteira da sala livre, e enxovias, fizeram janelas novas, nove grades de ferro e estão reformando outras, e precisa-se grades para as enxovias da rua do Aljube, pois as que existem estão muito arruinadas.

Fechou-se todo pátio da cadeia com um grande paredão de pedra e cal, pela ladeira da conceição e acima e no fim dele se fez um pequeno quarto para sentinelas, cujo paredão compreende não só o pátio como toda extensão da cadeia, procurando a enxovia das mulheres, aonde teve grande profundidade para evitar as águas que vem do monte da Conceição[5].

Fizeram dois portões com portas e uma delas vai chapada de ferro, cantaria cunhaes, e o mais do que foi preciso, e entre eles compreende a casa para os guardas.

Reformando se também a capela[6]. Consertou-se o telhado de toda a cadeia, e casa dos vigários gerais, e seus competentes reboques e se tem feito outras muitas reformas na cadeia toda. Falta consertar o resto do xadrez cujo vigamento está escancarado e em ruína. Levantar o [cagedo] de duas enxovias por estarem muito baixo, e inferior ao nível da rua e uma delas rompesse a serventia com concreto limpeza dos canos dos despejos das prisões até o mar da prainha.

José Feliciano de Oliveira

Joaquim Coelho

 

[1]CADEIA DO ALJUBE: localizada no Rio de Janeiro, na antiga rua do Aljube (hoje rua Acre), entre as ruas do Ourives e Camerino, no bairro da Saúde. A palavra “aljube” deriva do árabe, e significa cárcere, masmorra, cisterna, e as descrições apontam para uma prisão úmida, suja e escura. Fora instituída pelo bispo d. Antônio de Guadalupe em 1735, para os eclesiásticos que tivessem cometido delitos, separando-os dos criminosos comuns. Com o tempo e em especial a partir de 1808, em consequência da falta de edifícios após a chegada da Corte, o aljube se fundiu com a cadeia comum e serviu de prisão para contrabandistas, estelionatários, presos comuns em geral, denominando-se a partir de 1823 “cadeia da Relação”. Em 1856, foi desativada face às péssimas condições de higiene e salubridade, tornando-se uma casa de cômodos. Foi definitivamente demolida em 1906.

[2]INTENDÊNCIA GERAL DA POLÍCIA DO REINO: órgão criado em 1760 pelo marquês de Pombal, tinha entre suas atribuições a segurança pública e a manutenção da ordem, inclusive fazendo uso de espiões e informantes. Seu intendente mais conhecido foi Diogo Inácio de Pina Manique, nomeado em 1780 por d. Maria I, e esteve à frente da instituição por 25 anos, até sua morte. Durante o período das invasões francesas o papel da Intendência foi se desvalorizando gradualmente, principalmente face ao crescimento de importância da Guarda Real da Polícia, que atuava como instrumento repressivo e militar, sob a orientação inglesa. Esse processo culminou com a extinção do órgão em 1833. A Intendência funcionou fortemente na repressão aos crimes, comuns ou políticos, e inovou ao propor uma estratégia de prevenção à criminalidade, promovendo a educação de meninos órfãos e pobres, com a criação da Casa Pia de Lisboa. Respondeu ainda pela censura de livros e ideias “perigosas” e revolucionárias, pela circulação, em oposição, de panfletos difundindo os “bons costumes” e também ordenando e controlando o espaço urbano. O órgão era responsável pela iluminação da cidade, pela inspeção dos portos, para impedir a entrada de epidemias e febres pelos navios, pelo combate ao contrabando, pelas reformas de melhoramento de ruas, calçadas e chafarizes e até mesmo pela arborização de ruas e praças.

[3]REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[4]ENXOVIAS: Eram celas localizadas no subterrâneo (às vezes, no andar térreo) das antigas prisões, e abrigavam os prisioneiros acusados de crimes mais graves, tidos como mais perigosos. Assemelhavam-se às masmorras medievais, caracterizadas por sua escuridão, humidade e insalubridade.

[5]MORRO DA CONCEIÇÃO: localizado na região da Saúde, compõe com a Gamboa e o Santo Cristo a zona portuária do Rio de Janeiro. Juntamente com o morro do Castelo, o de Santo Antônio e o de São Bento formam o quadrilátero que formava e limitava a cidade colonial. Sua ocupação desde o século XVII esteve ligada a atividades militares e religiosas da colônia. Em 1624 foi erguida uma ermida dedicada à Nossa Senhora da Conceição (que deu nome ao morro); posteriormente o terreno onde ficava a capela foi doado à Ordem do Carmo para construção de um convento, e em 1669 passou aos frades capuchinhos franceses para construção de um asilo para doentes mentais. Com a expulsão dos frades franceses do Rio de Janeiro em 1701, o prédio passou ao Cabido da Câmara e depois de obras de ampliação tornou-se o Palácio Episcopal, ocupado em 1702 pelo terceiro bispo da cidade, d. Francisco de São Jerônimo. A Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição foi erguida nos fundos do Palácio e sucedeu a Bateria do Morro mandada fazer pelo corsário francês Duguay-Trouin em 1711, quando da segunda invasão francesa a cidade, que se estabeleceu no Palácio. A edificação, pensada como parte do plano de defesa do porto e da cidade, iniciou em 1715 e as obras só ficaram totalmente concluídas em 1763, com um potencial de 36 bocas de fogo. Na fortaleza ficaram presos alguns dos inconfidentes de Minas Gerais, entre eles Tomás Antônio Gonzaga, e ao longo do Oitocentos a fortificação foi armada e desarmada algumas vezes, vindo novamente a servir como prisão. No século XIX o morro servia de moradia para comerciantes e empregados do comércio, que trabalhavam nos trapiches e companhias da região da Prainha, conhecida como Valongo, principalmente depois da transferência do mercado de escravos e da atividade portuária da região do Largo do Paço nas últimas décadas do XVIII, por ordem do vice-rei, o marquês do Lavradio. Essa transferência levou à criação do cemitério dos pretos novos, que na verdade não passava de uma área onde os escravos que não resistiam à longa viagem, submetidos a condições extremas, eram enterrados ou abandonados em valas comuns. Na descida do morro voltada para o porto, a Pedra do Sal recebia o sal importado de Portugal, descarregado por escravos estivadores. A região, já no século XX, transformou-se em ponto de encontro, tornando-se posteriormente palco de variadas manifestações da cultura afro-brasileira, considerada um dos locais de nascimento do samba.

[6] CAPELA: templo cristão secundário, usualmente constitui local para atendimento religioso de grupos específicos de pessoas ou comunidades religiosas, como em aldeias, colégios, universidades, presídios, quartéis, castelos e fazendas. A capela está subordinada e pertence a uma determinada paróquia. Normalmente, uma capela apresenta uma estrutura física modesta, comportando apenas um altar. Dada a ampla penetração da Igreja Católica em praticamente todas as instâncias da vida no Brasil colônia, era previsível a existência de uma capela em uma instituição pública, inclusive em uma cadeia. A ideia de os presos passarem os longos períodos de encarceramento sem assistir missa ou confessar seus graves pecados era inconcebível: a submissão aos princípios cristãos deveria ser reafirmada constantemente, e o papel do sacerdote (capelão) era justamente o de reforçar a educação cristã, intensificar sentimentos de arrependimento e temor dos castigos divinos.

Presiganga

Informação do corregedor do crime da corte e casa José Albano Fragoso sobre o requerimento dos mordomos dos presos da Casa da Misericórdia. Neste aviso repassa as ordens expedidas pelo ministro e secretário de estado conde da Barca para que os degredados fossem à presiganga até a ocasião de seu embarque.

 

Conjunto documental: Ministério da Justiça
Notação: caixa 774, pacote 04
Datas-limite: 1808-1821
Título do fundo: Ministério da Justiça
Código do fundo: 4t
Argumento de pesquisa: Prisões
Ementa: informação do corregedor do crime da corte e casa José Albano Fragoso sobre o requerimento dos mordomos dos presos da Casa da Misericórdia. Neste aviso repassa as ordens expedidas pelo ministro e secretário de estado conde da Barca para que os degredados fossem à presiganga até a ocasião de seu embarque, para com isso separar os réus já condenados dos ainda em julgamento.  O corregedor faz ainda uma série de considerações sobre o sistema prisional tratando desde o motivo de se cumprir à ordem expedida até problemas como a corrupção e abuso dos carcereiros para com os presos.
Data do documento: 10 de fevereiro de 1819
Local: Rio de Janeiro 
Folha(s): -
 
 

Por aviso régio expedido pelo ministro e secretário de estado Conde da Barca[1] se ordenou que os degredados[2] fossem para a Presiganga[3] até haver ocasião do embarque, determinação fundada na razão e na praxe de todas as nações que legislaram sobre prisões, com vistas da [ilegível] filosofia legal.

É oposto aos fins do exemplo que na mesma casa se conserve o réu que espere sua decisão, gozando ainda a consoladora esperança de mostrar sua inocência ao lado do réu já convencido e condenado. A prisão[4] para o primeiro é privação, mas para o segundo é já castigo e salvos os direitos da humanidade[5] é necessário ferir a imaginação fazendo visível que para o degredado respira tudo coação, e pena consequência indispensável da maldade do seu procedimento.

A ociosidade, primeiro móvel de todos os crimes[6], que preside nos ajuntamentos da prisão, faz com que os condenados porque nada mais temem se entretenham na conversa das suas façanhas, suas ações, faltas e sucessos, aperfeiçoem a teoria de seus crimes, cogitem meios de prevenção e façam ali prosélitos, e um preso de pouca monta que podia conservar ainda restos de moralidade corrompe-se com aquele trato, perde os estímulos do pejo, temor e arrependimento, e no caso de sair por inocente ou pequeno castigo, entra na sociedade um malvado consumado das teorias e projetos que ali ouviu, e até calcula que pode adoçar a sua sorte ainda que cometa grandes crimes pelo meio do interesse ou proteção com que viu que os condenados deixaram de seguir a regra geral e ficaram retidos na prisão sem ir para nau.

Os degredados quando pedem a retenção na cadeia é para viverem nessa ociosidade, e escaparem aos serviços da nau, e trabalhos com que ali são ocupados, pois ao contrário ali tem certo o sustento, e o trato nas moléstias. Pode suceder alguma vez que um condenado possa inspirar interesse pelas suas circunstâncias, e a não serem eles os que disso tirem o partido, sejam a mulher, e os filhos que tenham direito a esses sentimentos, mas não se deve verificar-se em se conservar em ócio ao lado daqueles que ainda os podem parecer cidadãos inocentes.

Para o degredado a prisão é um ferrete[7] de opróbrio e de vergonha quando nos outros é só meio de segurança. A prisão dos degredados é olhada com horror pelo cidadão pacifico e virtuosos, que contempla em cada indivíduo um inimigo da sociedade, mas nos outros é objeto de dó porque pode ser inocente e [ilegível] não sofre a moral pública que se anivelem homens tão desvairados nas relações sociais.

Nos tempos antigos eram quase desconhecidas as prisões. Entre os gregos, principalmente em Atenas e Lacedemônia, e entre os Romanos no tempo da República eram presos só os condenados, salvo dois casos de crimes contra os deuses e estado.

Passaram no tempo dos Imperadores a haver cinco qualidades. Mas no influxo feudal foram as prisões um patrimônio desses pequenos soberanos, de que ainda resta o contágio, porque em geral os presos são vítimas se não compram com dinheiro o bom trato.

Não é animosidade contra algum carcereiro em particular, é o que ensina a voz geral de todos os carcereiros atuais, que exigem pagar para se obter a melhoria de maneira que um réu de crimes graves fique na sala livre, e o pobre e desvalido vai para as enxovias [8] ao par dos malfeitores e isto em um preso civil vítima da miséria revolta à humanidade. 

Nada é, portanto, tão próprio das altas virtudes de Vossa Majestade que assegurar por meio de uma nova legislação a sorte desses infelizes. Foi este objeto matéria de cuidado em algumas nações no século passado sobressaindo a da Filadélfia[8] . A ocorrência das circunstâncias posteriores a nossa ordenação e a vária forma que o senhor Rei D. José I[9] deu a legislação faz com que seja necessário um cadastro novo, e que se entregue aos cuidados da polícia administrativa pela raiz os abusos. Aquela polícia, que precede a justiça, e que tem a cargo a segurança geral, a paz publica, e que vigia sobre a conservação das pessoas e propriedades. Aquela polícia que entrega aos tribunais o cidadão que infligiu para que a justiça lhe decrete a pena taxada na lei, e que quando são condenados os guardas, e vigia sobre eles como sobre todos os edifícios públicos destinados para o bem geral, bem como deve vigiar sobre toda a sociedade: não ficando em simples apanágio de título vão, pois como diz [ilegível] são os carcereiros os senhores absolutos, apesar da alta autoridade, a quem se dá a vigilância segurando-se os meios de escala, e de vigia para reprimir excesso e evitar relaxações.

E se a necessidade de prevenir desordens e dar a justiça[10] o tempo de descobrir a verdade faz necessária a prisão antes da sentença que o receptáculo destes seja separado daqueles que já são condenados, e destes que seja a sua morada conforme o grau da condenação. Esta vária posição se acha estabelecida nesta corte, guardando se na cadeia pública[11] os réus até se julgarem e indo para os depósitos de obras públicas os condenados para correção, e para a nau os condenados que tem de seguir viagem para os lugares indicados na sua sentença.

(...)

Corregedor do Crime da corte e casa[12]José Albano Fragoso[13]

 

[1]AZEVEDO, ANTÔNIO DE ARAÚJO E (1754-1817): conde da Barca, iniciou os estudos superiores em filosofia na Universidade de Coimbra, mas acabou dedicando-se ao estudo da história e da matemática. Ingressou na diplomacia a partir de 1787 e, tanto neste campo como na política palaciana, opõe-se seguidas vezes a um dos homens fortes de d. João VI: d. Rodrigo de Sousa Coutinho. Considerado de tendências “francófilas” (em oposição a este último, “anglófilo”), Araújo e Azevedo esteve no centro das delicadas negociações de paz entre Portugal e a França do Diretório, tentando negociar um acordo em 1797. O acordo não foi bem-sucedido e Araújo e Azevedo foi abertamente censurado por seus pares, acusado de não defender os interesses da nação. A situação deteriorou-se ainda mais quando os franceses o acusaram de conspiração e o mantiveram detido por cerca de três meses na Torre do Templo. Entre 1804 e 1808, ocupou os cargos de ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e ministro do Reino. Defendeu a vinda da família real para o Brasil, em 1808, ano em que acaba sendo substituído por d. Rodrigo. Instala-se no Rio de Janeiro, acompanhado de toda a sua biblioteca particular, que viria a compor o acervo bibliográfico inicial da Biblioteca Nacional; uma tipografia completa (que se tornou a base da Imprensa Régia); além de uma coleção de minerais e de instrumentos científicos, que passam a ocupar a maior parte do seu tempo após sua substituição no conselho do Reino. A dedicação às ciências o leva a instalar um laboratório em sua residência, onde produzia licores e aguardentes. Também teria, para alguns autores, participado da vinda da Missão Artística Francesa, em 1816. Seu retorno à política ocorre em 1814, quando é nomeado ministro da Marinha e Ultramar. O título de conde da Barca foi criado especificamente para ele em 1815, pouco depois da concretização do Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarve, há tempos defendida por Araújo e Azevedo, e do seu envolvimento nas discussões do Congresso de Viena. Sua ascensão continuou com a nomeação para o cargo de ministro da Fazenda (1816), da Guerra (1816), primeiro-ministro do Reino Unido (1817) e secretário de Estado dos Negócios do Reino (1817). O triunfo político de Araújo e Azevedo foi interrompido por sua morte aos 63 anos.

[2]DEGREDO: punição prevista no corpo de leis português, o degredo era aplicado a pessoas condenadas aos mais diversos tipos de crimes pelos tribunais da Coroa ou da Inquisição. Tratava-se do envio dos infratores para as colônias ou para as galés, onde cumpririam a sentença determinada. Os menores delitos, como pequenos furtos e blasfêmias, geravam uma pena de 3 a 10 anos, e os maiores, que envolviam lesa-majestade, sodomia, falso misticismo, fabricação de moeda falsa, entre outros, eram definidos pela perpetuidade, com pena de morte se o criminoso voltasse ao país de origem. Além do aspecto jurídico, em um momento de dificuldades financeiras para Portugal, degredar criminosos, hereges e perturbadores da ordem social adquiriu funções variadas além da simples punição. Expulsá-los para as “terras de além-mar” mantinha o controle social em Portugal e, em alguns casos também, em suas colônias mais prósperas, contribuindo para o povoamento das fronteiras portuguesas e das possessões coloniais, além de aliviar a administração real com a manutenção prisional. Constituindo-se uma das formas encontradas pelas autoridades para livrar o reino de súditos indesejáveis, entre os degredados figuraram marginais, vadios, prostitutas e aqueles que se rebelassem contra a Coroa. Considerada uma das mais severas penas, o degredo só estava abaixo da pena de morte, servindo como pena alternativa designada pelo termo “morra por ello” (morra por isso). Porém o degredo também assumia este caráter de “morte civil” já que a única forma de assumir novamente alguma visibilidade social, ou voltar ao seu país, era obtendo o perdão do rei.

[3]PRESIGANGA: algumas naus, após serem consideradas imprestáveis para navegação, acabavam transformadas em depósitos, hospitais ou prisões. Define-se por presiganga uma antiga embarcação que passou a ser utilizada como cadeia, geralmente para marujos. A utilização de navios como prisões adaptadas ocorreu principalmente durante as três primeiras décadas do século XIX, marcando, portanto, todo o processo de independência nacional, como comenta Lilian Soares do Nascimento em Presiganga: navio-presídio da Marinha: “A atividade de se depositar pessoas criminalmente condenadas dentro das naus presigangas e utilizar sua mão de obra forçada em diversos empreendimentos da Marinha, foi uma atividade que surgiu em 1808 com a chegada da família Real ao Brasil e que perdurou até 1840.” Em muitos casos os prisioneiros detidos nas presigangas tinham incluídos em suas penas trabalhos forçados em obras públicas ou em reparos de navios da marinha. No Brasil, as mais famosas presigangas foram: Príncipe Real, no Rio de Janeiro (1808-1831); a do rio Guaíba, Rio Grande do Sul, em que ficaram detidos alguns rebeldes da revolta Farroupilha; a Piranga, na Bahia, onde Cipriano Barata ficou preso em 1824; e a São José Diligente, anteriormente brigue O Palhaço, palco do assassinato de 232 revoltosos presos em Belém em 1824.

[4]PRISÃO: o encarceramento como forma de punição àqueles que transgrediam a lei é uma prática relativamente recente, uma vez que castigos físicos, degredos e pena de morte, ao menos na tradição europeia e até a Idade Moderna, mostraram-se muito mais disseminados como forma de punir e coibir comportamentos transgressores. Foi no século XVIII que as ideias iluministas colocaram as antigas práticas punitivas em xeque, argumentando que castigos demasiadamente severos e definitivos não apenas se mostravam ineficientes, mas também, originavam um sentimento de ódio no povo, que facilmente poderia desaguar em revoltas sociais. Homens públicos passaram a defender que o encarceramento era a melhor forma de punição e controle sobre o crime. Posteriormente, a ideia de recuperação do preso através do trabalho e da disciplina ganharia corpo, tendo sua expressão mais acabada nas casas e colônias de correção. No Brasil colônia, as poucas prisões apresentavam condições lastimáveis, situação que perdurou Império afora. A arbitrariedade de agentes públicos originava maus-tratos e muitas vezes mortes. Diante dos olhos do poder público, os detentos de uma forma geral (especialmente os já condenados) não passavam de um fardo pesado e descartável. Apesar de o Código Criminal de 1830 representar um avanço em relação às retrógradas Ordenações Filipinas, sua aplicação apresentava falhas significativas.

[5]DIREITOS DA HUMANIDADE: expressa uma ideia de normas de conduta inerentes, intersubjetivas, independentes das normas estabelecidas institucionalmente. Vinculam-se à ideia de direito natural (jusnaturalismo), em oposição ao direito positivo (legal). Sua origem reside, assim, no Iluminismo e no Jusnaturalismo da Europa dos séculos XVII e XVIII, quando se firmou a noção de que o homem tinha direitos inalienáveis e imprescritíveis, decorrentes da própria natureza humana e existentes independentemente do Estado. O pensamento iluminista, com suas ideias sobre a ordem natural, sua exaltação às liberdades e sua crença nos valores individuais do homem constitui a gênese da teoria dos direitos da humanidade, que não se confundem com os direitos humanos, consagrados no cenário político internacional ao longo do século XX.

[6]CRIME: as Ordenações Filipinas, última das ordenações reais, forneceram o arcabouço legal à monarquia portuguesa desde 1603, quando foram promulgadas por Filipe I. O Livro V das Ordenações definia e caracterizava os crimes e a punição dos criminosos, constituindo uma forma explícita de afirmação do poder régio. Cada capítulo dedicava-se a formas muito específicas de conduta, assim como orientava a atuação dos agentes da lei diante de situações e de criminosos os mais diversos. Tal livro vigorou no Brasil, por mais de 220 anos, já que deixou o ordenamento jurídico somente no ano de 1830, quando sobreveio o Código Criminal do Império.

[7] FERRETE: instrumento de ferro que pode ser utilizado para marcar pessoas ou animais costumava ser aplicado em brasa diretamente sobre a pele de escravos ou de criminosos. Sua marca era um estigma, fosse pela transformação do homem em objeto alheio, fosse pela explicitação indelével de um comportamento indesejado.

[8]FILADÉLFIA: capital do estado de Pensilvânia, nos Estados Unidos, é uma das mais antigas cidades americanas, fundada em 1681. Teve um papel de destaque na história e no desenvolvimento dos EUA, pois foi sede de dois congressos continentais que marcaram o processo de independência do país. Após a guerra, uma convenção se reuniu na cidade em 1787, sob a presidência de George Washington, com o intuito de dirimir as divergências mais flagrantes entre as constituições elaboradas pelos estados. Resultou na redação de uma Carta Constitucional que, embora mantivesse muito da autonomia das unidades federativas, conseguiu unificar o território sob um governo mais centralizado. A defesa de vários direitos políticos (de voto, de associação, de expressão) e individuais (direito ao “due process”, ou devido processo legal; o julgamento pelo Tribunal do Júri; à ampla defesa; estabelecia também a proibição da aplicação de penas cruéis ou aberrantes), explicitada no texto, tornou esta Constituição modelo para nações futuras. Durante parte do século XVIII, foi a maior cidade do país, o segundo maior porto do Império Britânico, superado apenas por Londres. Tornou-se, a partir desta época, um centro de efervescência política e intelectual, com a formação de sociedades de filosofia e literatura como a Sociedade de Incentivo a Manufatura e a Sociedade para a Promoção da Agricultura, ainda no século XVIII; e a Academia de Ciências Naturais e o Instituto Benjamin Franklin, no início do século XIX. A posição central da cidade em relação às Treze Colônias britânicas da América do Norte tornou-a ponto de encontro entre os rebeldes, que a partir de 1773, ali se reuniram para discutir sua posição frente as novas medidas da metrópole – a Inglaterra. A cidade foi capital da nova nação até 1800, quando a construção do Distrito Federal em Colúmbia foi concluída. Após a queda do governo revolucionário de Pernambuco em maio de 1817, os rebeldes exilaram-se nos Estados Unidos, fugindo da repressão das forças do poder central. Muitos deles escolheram a Filadélfia como destino.

[9]JOSÉ I, D. (1714-1777): sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro. 

[10] JUSTIÇA: o termo encontra-se identificado com o mecanismo que implementa a justiça, as instituições judiciárias responsáveis por desvendar a verdade, aplicar sanções e fazer prevalecer o que é justo. Em sua origem clássica, a filosofia considerava a justiça como a virtude por excelência, embora, em termos de aplicabilidade a grupos amplos dentro da própria polis, fosse admitida uma diferenciação entre o bom e o justo. O desenvolvimento do sistema jurídico-político enfatizou a conexão da justiça com o direito: é justo o que segue as regras estabelecidas. Para a concretização deste princípio, regras e leis foram desenvolvidas para serem aplicadas por indivíduos especificamente apontados para tal e por instituições constituídas com este fim. Essas regras e leis, no contexto europeu moderno, ganharam peso e injunção ao longo do período durante o qual o Estado moderno se consolidou, em especial na segunda metade do século XVIII. Segundo Tereza Kirshner, sobre o caso português, “até a segunda metade do século XVIII, no âmbito da cultura jurídica portuguesa, a lei era uma fonte de menor importância no campo de um direito cuja natureza era basicamente doutrinal” (Dossiê: Justiça no Antigo Regime; Textos de História, v. 11, 2003). No Antigo Regime, o Estado era um amálgama de funções em torno do rei e o papel da justiça real era diverso, absorvendo atividades políticas e administrativas, ao mesmo tempo que coexistia com outras instituições judiciais, como a justiça eclesiástica. A ideia de que seres humanos são inerentemente desiguais permeava a aplicação da justiça e o seu acesso. A consolidação do poder absoluto das monarquias da Europa ocidental teve o controle da justiça pelo soberano como aspecto fundamental. O fortalecimento do poder real, em que pese a permanência do privilégio e da aplicação discricionária das regras (concebidas, aliás, de forma a punir de acordo com o criminoso, e não com o crime), teve como consequência maior a imposição e a aplicação de leis escritas por parte do monarca, sobrepujando costumes e poderes locais. A criação de um funcionalismo mais ou menos especializado nas diferentes funções judiciais e a existência de uma legislação que, gradativamente, aumentava as atribuições reais em detrimento dos costumes e outros direitos locais foram fatores que contribuíram para definir uma esfera de atuação da monarquia, não sem ter que enfrentar o despreparo de funcionários dela encarregados e a resistência em abrir mão do direito consuetudinário por parte de setores mais tradicionalistas. No Brasil, a justiça profissional era exercida pelos juízes de fora, pelos ouvidores e pelos tribunais da Relação. Observe-se que a justiça ordinária exercida pelas câmaras municipais foi a mais constante em todo o período colonial, normalmente compartilhada, para as alçadas superiores, pelos ouvidores de capitania. Os juízes de fora (magistrados profissionais) somente foram estabelecidos no Brasil a partir de fins do século XVII e os tribunais da relação funcionaram, na Bahia, entre 1609 e 1624 e 1652-1808 e no Rio de Janeiro entre 1752 e 1808 (Wehling, Arno e Wehling, Maria José. Direito e justiça no Brasil colonial: o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro 1751 e 1808. https://core.ac.uk/reader/71612420)

[11]CADEIA DO ALJUBE: localizada no Rio de Janeiro, na antiga rua do Aljube (hoje rua Acre), entre as ruas do Ourives e Camerino, no bairro da Saúde. A palavra “aljube” deriva do árabe, e significa cárcere, masmorra, cisterna, e as descrições apontam para uma prisão úmida, suja e escura. Fora instituída pelo bispo d. Antônio de Guadalupe em 1735, para os eclesiásticos que tivessem cometido delitos, separando-os dos criminosos comuns. Com o tempo e em especial a partir de 1808, em consequência da falta de edifícios após a chegada da Corte, o aljube se fundiu com a cadeia comum e serviu de prisão para contrabandistas, estelionatários, presos comuns em geral, denominando-se a partir de 1823 “cadeia da Relação”. Em 1856, foi desativada face às péssimas condições de higiene e salubridade, tornando-se uma casa de cômodos. Foi definitivamente demolida em 1906.

[12]CORREGEDOR DO CRIME DA CORTE E CASA: magistrado superior criminal, o cargo estava previsto como um dos ministros que integravam a Casa de Suplicação. Também servia à Casa Real, e atuava na comarca onde estava instalada a Corte, comandando, em matéria de justiça, as vilas da região.

[13]FRAGOSO, JOSÉ ALBANO (1768-1843): jurista português foi nomeado ouvidor do Rio de Janeiro em 1843, passando depois para a Relação da mesma cidade no lugar de desembargador. Quando a Relação da cidade se tornou a Casa de Suplicação do Brasil em 1808, Albano Fragoso tornou-se desembargador ordinário extravagante. No ano seguinte, foi nomeado Juiz Conservador da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação do Estado do Brasil e Domínios Ultramarinos. Quando da Revolução Pernambucana de 1817, foi designado Juiz das Diligências para apuração das circunstâncias relativas à sublevação. Foi nomeado Corregedor do Crime da Corte e Casa, em decreto de 6 de fevereiro de 1818, e dois anos depois recebeu a delicada incumbência de organizar o processo e punir os responsáveis pelo assassinato de Gertrudes Angelica Pedra, mulher de Fernando Carneiro Leão, posteriormente barão e conde da Vila Nova de São José. Dizia-se então, que o esposo da vítima mantinha um notório relacionamento com dona Carlota Joaquina, considerada responsável pelo crime.

 

  

Casa de Correção

Cópia da Carta Régia de 8 de julho de 1769 dirigida ao marquês do Lavradio mandando criar na cidade do Rio de Janeiro uma casa de correção destinada a receber homens e mulheres considerados ociosos e desordeiros pelas autoridades coloniais.

 
Conjunto documental: Secretaria de Estado do Brasil
Notação: códice 67 v. 5, fl. 31
Datas-limite: 1769-1778
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Casa de Correção
Ementa: cópia da Carta Régia de 8 de julho de 1769 dirigida ao marquês do Lavradio mandando criar na cidade do Rio de Janeiro uma casa de correção destinada a receber homens e mulheres considerados ociosos e desordeiros pelas autoridades coloniais.
Data do documento: 8 de julho de 1769
Local: Lisboa
Folha: -
 

Honrado Marquês do Lavradio[1]  V. Rei e Capitão geral de Mar, Terra do Estado do Brasil; Amigo. Eu El Rei vos envio muito saudar, como aquele que prezo. Sendo-me presente os muitos indivíduos de um, e outro sexo, que grassam nessa Cidade[2], e que pela sua ociosidade se acham existentes em uma vida licenciosa pervertendo com o seu mau exemplo aos bons: e considerando eu, o quanto seja indispensavelmente necessária uma providência, que evite os males que daqui se seguem, a que por serviço de Deus, e do bem público devo ocorrer. Sou servido façais praticar nessa Cidade o estabelecimento das calcetas[3]Casa de Correção[4] para os homens, e mulheres, que se acharem nos referidos termos, e na conformidade do que se observa nesta Corte pelos meus reais decretos, de que serão com estas as cópias; esperando eu com esta providência se evitem as perniciosas consequências, que se seguem das ditas gentes e se contenham estas em menos desordem com o medo do castigo. Escrita no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda[5] a oito de julho de mil, setecentos e sessenta e nove. Rei // para o marquês do Lavradio. Carta régia de 8 de julho de 1769.

 

[1] MASCARENHAS, D. LUÍS DE ALMEIDA PORTUGAL SOARES ALARCÃO D' EÇA E MELO SILVA E (1729-1790) - MARQUÊS DO LAVRADIO: 5º conde de Avintes e 2º marquês do Lavradio era filho do 1.º marquês do mesmo título d. Antônio de Almeida Soares e Portugal e de d. Francisca das Chagas Mascarenhas. Governador da Bahia entre 1768 e 1769, conseguiu neste curto período apaziguar os conflitos entre as autoridades locais e restabelecer a ordem na guarnição de Salvador. Sua forma de governar se pautava pela prudência na utilização dos recursos procurando manter suas contas sob estrito controle. Foi nomeado décimo primeiro vice-rei do Brasil em 1769, e seu governo durou 10 anos. Durante este período, a cidade colonial do Rio de Janeiro, que abrigava a sede do vice-reinado, passou por uma série de melhorias, como o aterro de pântanos e lagoas que prejudicavam a qualidade do ar, calçamento e abertura de ruas na parte central (inclusive a que leva seu nome), além de incentivos à produção local de alguns itens como o café e o vinho. Também foi responsável pela fundação da Academia Científica, em 1772, obedecendo à política pombalina de fomento às atividades científicas, que incluiu a remessa de coleções de História Natural e a criação de um horto botânico na cidade. No entanto, ao longo de seu governo, medidas impopulares, implementadas por ordem direta da metrópole, foram adotadas, como: o cumprimento das leis do Livro da Capa Verde do Distrito Diamantino – regulamentação da exploração de diamantes na colônia, editado por iniciativa do marquês de Pombal – e a extinção da Companhia de Jesus. Foi também durante sua administração que a situação de crescente instabilidade na região do Rio da Prata, com ocasionais conflitos armados entre forças espanholas e lusas, demandou providências para contornar a situação, como iniciativas de povoamento da região sul do Brasil e a construção de fortalezas na região, com o envio de guarnições. Em 1779, dois anos depois do falecimento do rei d. José I, o marquês do Lavradio deixou o governo do Brasil, sendo substituído por Luís de Vasconcelos e Sousa. De volta a Portugal, tornou-se conselheiro da Guerra, presidente do Desembargo do Paço, inspetor-geral das tropas do Alentejo e Algarve, veador da rainha e recebeu a Grã Cruz da Ordem de Cristo. A correspondência trocada por ele com outras autoridades e membros da nobreza em Portugal gerou as Cartas da Bahia (1768 a 1769), e as Cartas do Rio de Janeiro (1769-1770) publicadas pelo Arquivo Nacional. A instituição conserva ainda o fundo privado Marquês do Lavradio em seu acervo.

[2]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[3]CALCETAS: argolas de ferro, fixadas no tornozelo, ligavam-se à cintura por meio de corrente de ferro ou ao pé de outro cativo. Embora a tortura tenha sido oficialmente abolida no Brasil pouco depois da independência, este instrumento não era considerado como tal e sua utilização estava prevista no artigo 44 do código penal de 1830: “A pena de galés sujeitará os réus a andarem com calceta no pé, e corrente de ferro, juntos ou separados, e a empregarem-se nos trabalhos públicos da província, onde tiver sido cometido o delito, à disposição do Governo. ” Longe de ser aplicado apenas nas prisões comuns, o uso deste instrumento foi disseminado durante todo o período colonial e parte do Império, onde quer que houvesse escravos, como forma de tortura, humilhação e limitação dos seus movimentos.

[4] CASA DE CORREÇÃO: A noção de uma casa “corretiva” para os delinquentes não integrava as noções de justiça do Antigo Regime, preocupado em punir e castigar o corpo dos réus. Daí a ausência, em especial no Brasil colonial, de qualquer instituição penal que fosse além de amontoar de indivíduos à própria sorte em celas escuras e fétidas. Mas na segunda metade do século XVIII encontram-se esboços de uma concepção de prisão com fins de correção do transgressor, propostas pelo poder público metropolitano. A denominação Casa de Correção já explicita uma preocupação em recolher o delinquente não apenas para isolá-lo e puni-lo, mas reeducá-lo de forma a que não tornasse a cometer os mesmos crimes. Em oposição às tradicionais prisões insalubres, escuras, cuja organização espacial e método de recolhimento e encarceramento não seguiam nenhuma lógica além da mera punição pelo isolamento, as Casas de Correção, ao menos teoricamente, propunham-se a utilizar o espaço de reclusão como meio de evitar que o preso reincidisse na infração, especialmente através do trabalho. Para tal, a disciplina e a arquitetura da instituição mostrar-se-iam fundamentais. Apesar de propostas no sentido de concretizar uma Casa de Correção no Rio de Janeiro surgirem na segunda metade do século XVIII, somente em 1833 ela começou de fato a ser erguida na região onde atualmente encontra-se o bairro do Catumbi. Não à toa erguida em um momento em que a presença das classes populares ganhava as ruas da capital do Império, exercendo suas atividades laborais, envolvidas em rixas políticas ou simplesmente “vadiando”, a Casa de Correção tinha por objetivo transformar o detento em súdito “probo e laborioso”.

[5]PALÁCIO REAL DA AJUDA: foi construído em Lisboa, no século XVIII, em função da destruição do Paço da Ribeira, então sede do governo, causada pelo terremoto de 1755, durante o reinado de d. José I. O Palácio da Ajuda foi edificado em madeira para melhor resistir aos abalos sísmicos e serviu residência oficial da monarquia portuguesa durante cerca de três décadas. Durante seu governo, marquês de Pombal mandou construir à volta do palácio o primeiro jardim botânico de Portugal. Em 1794, um incêndio destruiu por completo a habitação real e outro palácio em pedra e cal foi projetado. A construção do novo palácio se estendeu por mais de sessenta anos, durante os quais o palácio ora serviu de residência real (quando monarcas escolhiam alas já habitáveis do palácio como moradia), ora assumia plano secundário. As obras na estrutura do edifício foram concluídas em 1861, durante o reinado de d. Luís I.

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