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Café para o príncipe regente

Escrito por cotin | Publicado: Terça, 03 de Abril de 2018, 14h16 | Última atualização em Sexta, 13 de Agosto de 2021, 21h18

Carta na qual Francisco Antonio da Veiga Cabral comunica a d. Rodrigo de Souza Coutinho o pedido do príncipe regente de que lhe sejam enviadas anualmente dez arrobas do melhor café do Estado e algumas arrobas do melhor café de Moca, armazenados e transportados com a maior cautela possível. Em resposta, d. Rodrigo de Souza Coutinho informa que os caixotes de café foram devidamente armazenados e enviados pela nau de viagem Marialva, sob os cuidados do capitão de mar e guerra Antonio Joaquim dos Reis Portugal.

 

Conjunto documental: Registro da correspondência de Goa com a Secretaria de Estado

Notação: códice 519, vol. 01

Datas-limite: 1800-1802

Título do fundo: Negócios de Portugal

Código do fundo: 59

Argumento de pesquisa: café

Data do documento: 10 de maio de 1801

Local: Goa

Folha (s): 548-548v

 

Leia esse documento na íntegra

 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

príncipe regente[1] nosso senhor é servido que V. EXª. mande todos os anos dez arrobas do melhor café[2], mais escolhido, mais assazonado[3], e conduzido com todo o resguardo que possa haver neste Estado, com o sobrescrito «Para S. A. R. o príncipe regente nosso senhor, e seu serviço particular» vindo encarregado o mestre ou comandante da embarcação que o trouxer de o ir mesmo apresentar logo no Real Palácio apenas chegar, e vindo também distribuído em caixões de duas arrobas cada um. Além da sobredita porção de café, recomenda sua Alteza Real a V.EXª., que veja se pode mandar também anualmente algumas arrobas do melhor café de Moca[4], com o mesmo resguardo, e sobrescrito acima indicado.

Deus guarde a V. EXª. Palácio de Queluz em 2 de março de 1800. D. Rodrigo de Souza Coutinho[5] = Senhor Francisco Antonio da Veiga Cabral[6]

 

Resposta

Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor

Em execução da Real ordem de sua Alteza Real o príncipe regente nosso senhor, remeto pela nau de viagem Marialva cinco caixotes, com dez arrobas do café de Goa, e mais dois caixotes um deles com duas arrobas do café de Moca, e outro com arrobas do café de Balagate[7], tudo acondicionado o me que coube no possível na presença do capitão de mar e guerra Antonio Joaquim dos Reis Portugal, a quem vão encarregados os ditos sete caixotes, com as recomendações que sua Alteza Real foi servido determinar.

A ilustríssima e excelentíssima pessoa de V. Excelência. Guarde Deus ms. asGoa[8] a 10 de maio de 1801. Ilustríssimo e excelentíssimo senhor d. Rodrigo de Souza Coutinho. Francisco Antonio da Veiga Cabral.

Diogo Vieira de Tovar e Albuquerque[9]

 

[1]PEDRO I, D. (1798-1834): batizado como Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, d. Pedro I era filho de d. João VI e de d. Carlota Joaquina. Tornou-se herdeiro da Coroa portuguesa após a morte do primogênito Antônio, recebendo o título de príncipe real no mesmo ano da sagração de d. João como rei de Portugal, em 1816. Casou-se com a arquiduquesa da Áustria, Carolina Josefa Leopoldina em 1817, que veio a falecer no Brasil nove anos depois. Contraiu segundas núpcias com a duquesa alemã Amélia Augusta em 1829. Com o retorno da família real a Portugal, em 1821, d. Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Os planos políticos que as cortes de Lisboa destinavam ao Brasil levaram d. Pedro a romper definitivamente com Portugal, proclamando a independência do Brasil em setembro de 1822, quando foi sagrado e coroado imperador e defensor perpétuo do Brasil. O reinado de d. Pedro I (1822-1831) foi marcado por acontecimentos importantes como a convocação e dissolução da Assembleia Constituinte (1823); a outorga da primeira constituição do Brasil (1824); a criação do Conselho de Estado e a Guerra Cisplatina (1825-1828). Com a morte de d. João, em 1826, d. Pedro ascendeu ao trono, recebendo o título de Pedro IV. Forçado a abdicar em favor de sua filha primogênita, Maria da Glória, nomeou seu irmão d. Miguel como regente. Em 1831, foi a vez de d. Pedro abdicar do trono no Brasil, em favor do seu filho Pedro de Alcântara. A esta altura o monarca já havia dado várias demonstrações de seu caráter autoritário, a exemplo da dissolução da Assembleia Legislativa e do afastamento dos irmãos Andrada do governo por defenderem ideias consideradas radicais como o fim da escravidão e a limitação dos poderes do imperador. Os empréstimos com a Inglaterra, conflitos internos e a Guerra da Cisplatina agravaram a situação financeira do recém-criado Império, além das disputas entre os grupos políticos formados pelos partidos português, brasileiro e radical, que incendiavam ainda mais o contexto instável do governo e contribuíam para a impopularidade do imperador que, também no aspecto pessoal, era visto como boêmio e mantinha um famoso caso extraconjugal com a marquesa de Santos. Todos esses fatores levaram à abdicação do trono brasileiro e, ao regressar a Portugal, d. Pedro assumiu a liderança nas lutas contra seu irmão pelo trono. Amante da música, d. Pedro I compôs o hino da Carta (posteriormente adotado como hino nacional português até 1910) e o hino da independência do Brasil. Morreu tuberculoso em 1834.

[2]CAFÉ: planta de origem etíope da família das rubiáceas, começou a ser utilizada como bebida na Arábia. A expansão do consumo pela Europa deu-se entre os séculos XVII e XVIII, por suas qualidades estimulantes. Consta que sua introdução no Brasil, em 1727, foi feita pelo oficial português Francisco de Melo Palheta, que plantou as primeiras mudas no Pará. Ao longo do século XX, o café tornou-se uma bebida popular e seu consumo e produção se expandiram, principalmente a partir de 1865, quando passou a ser comercializado torrado e empacotado (anteriormente era vendido em grãos). Destacam-se no Brasil duas grandes fases de expansão cafeeira. A primeira, no início do Oitocentos até os anos 1850, teve início nas encostas do morro da Tijuca em plantações caseiras, até a expansão por todo o vale do rio Paraíba do Sul, a leste e oeste, com foco na região da cidade de Vassouras, o maior centro produtor da época. Nestas regiões, o café iniciou seu grande desenvolvimento pela abundância de terras férteis, pelo bom clima e pela mão de obra escrava disponível. Ocupou o lugar das plantações de cana, algodão e alimentos, gerando escassez e carestia dos gêneros de abastecimento, além de ter promovido a derrubada e queimada de grandes extensões da mata atlântica. A segunda fase, que se iniciou a partir de metade do século XIX, após a proibição do tráfico de escravos, foi marcada pela expansão das lavouras para São Paulo, seguindo o vale do Paraíba e avançando pelo oeste paulista, depois de 1870. A grande demanda de mão de obra promoveu um aumento no preço dos cativos e um despovoamento das áreas de produção de açúcar no Nordeste, sobretudo. As lavouras do café no Rio de Janeiro e de São Paulo gerou significativas divisas, e uma nova, poderosa e politicamente forte aristocracia rural, a dos “barões do café”. Embora lucrativo, o plantio do café desgastava muito rapidamente o solo, razão para a constante movimentação nas áreas de cultivo e declínio da produção na região fluminense. Outro problema era a carência do uso de novas técnicas e instrumentos. A adoção de ferramentas como o arado e de máquinas a vapor para o beneficiamento, e mesmo de procedimentos simples como o enfileiramento dos pés, só foram adotados a partir dos anos 1870. Essa era uma das razões para o café brasileiro ser considerado de qualidade inferior, se comparado ao de outros países, o que não impediu, no entanto, que, ao longo do período imperial, o Brasil fosse o responsável por 50% da produção mundial, número que aumentou para 75% nas primeiras décadas da República.

[3]ASSAZONADO: assazonar ou sazonar significa amadurecer, tornar mais saboroso, temperar; neste caso o café mais assazonado é o café mais maduro, que está no ponto de colheita.

[4]CAFÉ MOCA: o café Moca (ou Moka, ou ainda Mocha) é uma variedade superior de café da espécie Coffea arabica, que era comercializada pelo porto de Moca, na península arábica, atual Iêmen. Entre os séculos XVI e XVII Moca foi um dos mais importantes mercados de café do mundo, sendo a esta época, a principal cidade do território otomano. Os portugueses já conheciam o porto desde o século XV, quando iniciaram as navegações pelo mar Vermelho, e posteriormente tornaram-se importadores e consumidores do café oriundo daquela região, bem como outros países da Europa. O café dessa região, que recebeu o mesmo nome, tem o grão um pouco menor e mais redondo do que outros do tipo arabica, e embora nativo da região da Etiópia, adaptou-se bem e foi muito cultivado na província arábica. Conhecido principalmente pelo sabor peculiar que lembra o do chocolate, o café Moca é muito consumido até hoje no mundo, e diversas vezes o termo é usado para descrever não exatamente o café desta qualidade de grão, mas a bebida, café comum ao qual se adiciona chocolate.

[5]COUTINHO, RODRIGO DE SOUZA (1755-1812): afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.

[6]PIMENTEL, FRANCISCO ANTÔNIO DA VEIGA CABRAL DA CÂMARA (1733-1810): nascido em Bragança, no seio de uma família fidalga, os Veiga Cabral, prestou importantes serviços militares ao Reino. Foi nomeado pelo vice-rei marquês de Lavradio, em 1778, governador e capitão-general da capitania de Santa Catarina, logo após a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso (1777), quando a ilha foi restaurada ao governo português, permanecendo no cargo até 1779. Em 1792 exerceu o lugar de comandante das tropas do Estado português na Índia, até que, em 1794, foi nomeado governador e capitão-general do Estado das Índias, posto que ocupou até 1806. Embarcou com a Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, e foi conselheiro de guerra de d. João entre 1808 e 1810, quando o príncipe regente lhe concedeu o título de visconde de Mirandela. Faleceu neste mesmo ano, no Rio de Janeiro.

[7]BALAGATE: a região conhecida pelos portugueses, até o século XIX, como Balagate (ou Balaghat) é a que compreende o antigo reino do Bijapur (um dos 5 sultanatos do Decão que ocuparam a península índica entre os séculos XV e XVII), hoje aproximadamente o estado de Madhya Pradesh. A cidade de mesmo nome situa-se atualmente no extremo nordeste do estado, no interior do território hindu. A oeste do território ficava a cidade de Goa, alvo de disputa por séculos entre os muçulmanos e portugueses, que conseguiram manter o controle da cidade, capital do Estado português na Índia, e do porto, principal local de exportação de produtos orientais para o ocidente. Da região do Balagate vinham principalmente os tecidos baratos de algodão, geralmente de cor azul e branca, que ficaram conhecidos pelo mesmo nome da região que os produzia. Para os portugueses, o Balagate era a região que ficava além dos Gates (Ocidentais), cordilheira de montanhas que atravessa longitudinalmente o território oeste da Índia, e que separa as cidades litorâneas, como Goa, do interior. Provavelmente o café do Balagate não provinha de uma cidade ou região específica daquele estado, mas da região central da Índia, além da cadeia dos Gates, e era exportada para Portugal e seus domínios pelo porto de Goa.

[8]GOA, DIU E DAMÃO:  foram as maiores cidades do Estado português da Índia, grandes centros comerciais e polos receptores de gêneros e matérias-primas das outras regiões, a serem redistribuídos pelo Império luso. Embora os portugueses tenham se espalhado pela costa da Índia, foram essas as três regiões que permaneceram pontos ativos do império atlântico até o século XX (reconquistadas em 1961). Goa, a maior dessas cidades, situada na costa do Malabar, foi desde o século XV, a sede das possessões no sudeste asiático. Conquistada em 1510 por Afonso de Albuquerque, era uma região estratégica, cercada de áreas de produção agrícola, recebia a maior quantidade de navios e cargas de outros pontos da península e proporcionava aos portugueses o controle de comércio do oceano índico. Goa foi um dos vértices do comércio luso no Atlântico – assim como Luanda, Lisboa, Salvador e Rio de Janeiro – e, embora o comércio com as possessões lusas na Índia tivesse entrado em decadência a partir do século XVIII (devido aos grandes gastos com guerras para mantê-las e ao contrabando, que diminuía consideravelmente os lucros da Coroa), a cidade permaneceu o ponto forte de Portugal na região. Ao longo do período colonial, os navios carregados de tecidos e outros produtos “finos” (como porcelanas e especiarias) da Índia deixavam os portos de Goa em direção a Luanda e, depois de uma escala em Salvador, iam para Lisboa, onde chegavam praticamente descarregados. A maior parte desses tecidos era vendida diretamente para os comerciantes destas cidades (o que levou ao aumento de impostos e à proibição da escala no Brasil). Depois da abertura dos portos do Brasil em 1808, o comércio com Lisboa enfraqueceu mais ainda, já que os navios eram diretamente direcionados para a África e depois para o Rio de Janeiro, de onde seriam redistribuídos para o restante do Império. Diu e Damão, localizadas respectivamente na costa de Guzerate e no golfo de Cambaia (ambos parte da região do Guzerate), mais ao norte da costa ocidental, foram peças-chave, desde o século XVI, no fornecimento de gêneros para o comércio metropolitano, sobretudo de tecidos de algodão, os mais finos reservados para envio a Lisboa por Goa, e os mais grosseiros a serem exportados para Moçambique, em troca de marfim, âmbar, ouro, escravos, entre outros.

[9]ALBUQUERQUE, DIOGO VIEIRA DE TOVAR: o desembargador Diogo Vieira de Tovar e Albuquerque nasceu em 1775, natural da vila de Molelos, e frequentou a Universidade de Coimbra, tendo-se formado na faculdade de Leis em 1797. Em 1807, depois de exercer a função de Opositor naquela Universidade desde 1803, recebeu a nomeação de desembargador da Relação de Goa, e serviu no Estado da Índia até 1815, tendo lá sido também procurador da Coroa e Fazenda e secretário Geral do Estado. Regressou a Portugal como desembargador da Casa de Suplicação, mas em 1818 seguiu para Madri, onde, além de tutor do infante d. Sebastião, atuou como conselheiro da legação portuguesa. Em 1823 voltou a Portugal, onde ocupou diversos cargos e presidiu comissões até 1834, quando se retirou da vida pública depois da mudança do regime político. Foi fidalgo da Casa Real, comendador das ordens de Cristo e da Conceição e conselheiro do Rei. Há dúvidas sobre a data de seu falecimento, entre os anos de 1846 e 1847.

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