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Viagens e Expedições

Sala de aula

Escrito por Mirian Lopes Cardia | Publicado: Quarta, 23 de Mai de 2018, 13h48 | Última atualização em Segunda, 11 de Junho de 2018, 13h25

A viagem de Alexandre Rodrigues Ferreira

Carta dirigida ao ministro de Estado da Marinha e dos Negócios Ultramarinos, Martinho de Melo e Castro, em 18 de março de 1788, por Martinho de Souza e Albuquerque, informando o envio de caixotes de anil para a corte. Menciona uma carta do capitão João Pereira Caldas informando a posse de Manoel da Gama Lobo no governo do Rio Negro e a chegada do desenhador José Joaquim Freire para compor a expedição do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. Solicita ainda canoas, índios e mantimentos para a dita expedição.

 

Conjunto documental: Correspondência original dos governadores do Pará com a Corte. Notação: códice 99, volume 09.
Datas-limite: 1788 – 1788
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Alexandre Rodrigues Ferreira
Data do documento: 18 de março de 1788
Local: Pará
Folhas: 25, 25v. e 26

 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

Pelo recibo, que está acompanha, será a Vossa Excelência constante que fiz embarcar na charrua[1] dezenove caixões de anil[2], para serem entregues a ordem de Vossa Excelência nessa Corte: igualmente remeto a cópia da carta, que João Pereira Caldas[3] me escreveu quando fez aquela remessa, visto que o mesmo me pede que envie à Vossa Excelência a dita cópia, assim como a da relação do referido gênero. No dia nove do presente mês tive carta do mesmo João Pereira Caldas, escrita em doze de fevereiro, em qual me diz lhe continua a sua moléstia pelo que diz respeito ao embaraço das pernas, e do pouco dormir, mas que tem nutrição, não tem fastio, e vai vivendo, sem se achar contudo a sua queixa mais agravada. Igualmente me participou ter Manoel da Gama Lobo[4] tomado posse no dia nove de fevereiro do governo do Rio Negro[5], que Sua Majestade lhe conferiu, e certificando-me o mesmo, o referido governador em carta, que me escreveu de doze do dito fevereiro. Acha-se nesta cidade por mando do sobredito João Pereira Caldas o Desenhador José Joaquim Freire[6], que vem prover-se a esta cidade do que se lhe faz preciso para o seu transporte para Mato Grosso, para onde me diz o Capitão General João Pereira Caldas deve ir o Doutor Alexandre Rodrigues Ferreira[7], e seus companheiros, e para este transporte me requer agora o referido João Pereira Caldas canoas, índios, mantimentos, e outras coisas mais, que fico aprontando para lhe remeter, e a seu tempo enviasse a V. Exª. de tudo que lhe for, uma relação.

Hoje faço daqui expedir também duas canoas para Barcelos, que levam dinheiro, diversos gêneros, e mantimentos para o consumo da Expedição das Demarcações[8], indo tudo a entregar a ordem do Capitão General João Pereira Caldas, e igualmente lhe envio nesta ocasião os três caixotes com instrumentos destinados para as Demarcações do Rio Negro, que V. Exª. me dirigiu na charrua, e acusava no seu aviso de trinta do mês de outubro próximo passado, que me foi entregue no último de dezembro.

 Deus guarde a V. Exª. Pará

18 de março de 1788

 Ilmo. e Exmo. Sr. Martinho de Mello e Castro[9]

 Martinho de Souza e Albuquerque[10]     

 

[1] CHARRUA: navio de três mastros e um grande porão, mas de pequena capacidade para armamentos. Em atividade desde a segunda metade do século XVII e em parte do XIX para o transporte de víveres, munição, tropas, foi regularmente empregado no tráfico de africanos escravizados, a exemplo do que se fazia entre Lisboa e a Costa da Mina. Embora exista pouca bibliografia sobre a charrua, estudos desenvolvidos sob os mais variados enfoques, como a história militar portuguesa ou o comércio negreiro, mencionam essa embarcação, indicando seu uso recorrente.

[2] ANIL: as anileiras designam uma grande variedade de espécies, a maior parte delas pertencentes ao gênero botânico Indigofera. Arbusto típico das regiões de clima tropical, de cujas folhas se obtinha uma tintura azul altamente cobiçada pela indústria têxtil até o século XIX, quando foi substituído pelo anil sintético. No Brasil, as primeiras tentativas de cultivo ocorreram entre os séculos XVII e meados do XVIII com pouco sucesso. A intensificação dessa produção se deu a partir da segunda metade do Setecentos, principalmente devido à promoção do cultivo a partir do governo do marquês do Lavradio (1760), no âmbito da política fomentista do marquês de Pombal, quando é promovida a produção do anil na capitania do Rio de Janeiro Além do declínio aurífero e do incentivo à atividade agrícola, a Revolução industrial inglesa gerou um mercado propício à exportação do anil, cujo auge foi alcançado na década de 1790, quando o monopólio real foi relaxado. Devido ao reavivamento promovido pela Inglaterra na indústria indiana e às guerras napoleônicas, o anil produzido no Brasil sofreu forte concorrência e deixou de ser exportado a partir de 1818.

[3] CALDAS, JOÃO PEREIRA (1724-1794): nasceu na freguesia de Cambeses, em Monção, Portugal e seguiu carreira militar, servindo como sargento-mor durante o governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do marquês de Pombal, no Pará. Primeiro governador da capitania do Piauí (1761 e 1769), sua administração promoveu o confisco dos bens dos jesuítas e sua expulsão, em conformidade com as diretrizes pombalinas, e também se encarregou de acabar com os abusos, extorsões e fraudes contra o patrimônio da Coroa. Voltaria a ocupar o cargo de governador três anos mais tarde, quando comandou o Estado do Grão-Pará, desempenhando papel fundamental na Viagem Filosófica conduzida pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. Destacou-se como o agente estatal local que serviu de intermediário entre o naturalista e a secretaria de Estado dos Negócios Ultramarinos, o que se verifica na vasta correspondência. Tomou parte nas expedições de demarcação de limites decorrentes do Tratado de Santo Ildefonso (1777) como Ministro Plenipotenciário à 4.ª Divisão das Reais Demarcações. Ainda como administrador, colaborou ativamente com a remessa de produções naturais da colônia para metrópole portuguesa enriquecendo o Real Gabinete da Ajuda, os gabinetes de História Natural da Universidade de Lisboa e da Academia Real das Ciências de Lisboa, além da coleção particular da rainha. Retornou a Portugal em 1789, quando passou a integrar o Conselho Ultramarino, vindo a falecer em Lisboa cinco anos depois.

[4] D’ALMADA, MANOEL DA GAMA LOBO (1745-1799): militar português, cumpriu degredo ainda jovem na praça de Mazagão, no Marrocos africano. Em 1769, lhe foi concedido o perdão real do degredo. Chegou à Amazônia em janeiro de 1770 para comandar a fortaleza de Gurupá e o governo da Praça de São José de Macapá. Em 1771, comandou a instalação das famílias portuguesas provenientes da África na vila Nova Mazagão, sul do atual estado do Amapá. Promovido a sargento-mor, solicitou-se, em 1773, seu regresso à fortaleza de Macapá, assumindo o governo da vila de Macapá. Em 1784, assume o comando da parte superior do Rio Negro até o lugar de Santa Izabel, fiscalizando as fronteiras com os territórios espanhóis e fazendo o reconhecimento da região. Finalizou os dados relativos à hidrografia e às vias de comunicação entre o rio Negro e o Solimões e procedeu à exploração o vale do Rio Branco, registrada em Descrição Relativa ao Rio Branco e seu Território, onde implantou as primeiras fazendas de gado. Elevado a brigadeiro, foi empossado governador da capitania de São José do Rio Negro em 9 de fevereiro de 1788, assumindo também o comando das expedições de demarcação de limites decorrentes do Tratado de Santo Ildefonso, em substituição a João Pereira Caldas. Como governador, transferiu a capital da vila de Barcelos para Barra do Rio Negro em 1791. A administração de Lobo d’Almada na Amazônia se destacou por sua capacidade administrativa e seu trato com os indígenas, o que levou Joaquim Nabuco a afirmar que “seu governo é a época de maior florescimento do Rio Negro sob o regime colonial”. Morreu ainda como governador do Rio Negro, sendo sepultado em Barcelos.

[5] RIO NEGRO, CAPITANIA DE SÃO JOSÉ DO: criada em 1755, por influência do governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado para facilitar a administração dos vastos e ermos territórios do Estado do Grão-Pará, a capitania de São José do Rio Negro permaneceu subordinada a esse Estado até 1805, quando passou a responder diretamente à administração central do Rio de Janeiro. Equivalia aproximadamente a região hoje dos estados do Amazonas e Roraima, áreas estratégicas nas questões de limites com a América espanhola. Como o estado do Grão-Pará e Maranhão era um território muito grande e difícil de administrar somente a partir de Belém, Furtado sugeriu à Coroa a criação de uma nova capitania, subordinada a ele, mas com administração em sede própria, mais ao interior. A primeira capital da capitania foi a aldeia de São José do Javari, passando, em 1758, para a vila de Mariuá, que depois se tornou Barcelos; o primeiro a governá-la foi o coronel Joaquim de Melo e Póvoas. Para incrementar a ocupação, a Coroa concedeu privilégios aos colonos, como isenção de pagamento de tributos, perdão de dívidas, além da doação de sesmarias para a agricultura. Até o século XVIII, a presença de colonos portugueses na região da nova capitania se verificava ao longo do rio Amazonas, baseando-se em dois tipos de núcleos populacionais, as missões, controladas por religiosos de diversas ordens, mais notadamente jesuítas, e as fortalezas em pontos estratégicos da bacia do Amazonas, onde se formavam pequenas aldeias e povoamentos. Os principais objetivos desses núcleos eram promover a “civilização” dos índios e rechaçar possíveis invasões europeias pelo rio. Foi somente a partir da governação de Mendonça Furtado, que se começou a elaborar um plano de ocupação do território e domínio das fronteiras, melhorando a comunicação entre as capitanias do Norte. Na década de 1750, fortalezas foram erguidas com a finalidade de defender a região, fornecer gêneros e auxiliar na “pacificação” dos índios. As missões tornaram-se vilas com administração laica e subordinadas ao governo da capitania, num processo acentuado de retirada dos religiosos das funções que cabiam ao poder do Estado. Para povoar mais densamente e consistentemente o território a Oeste, cuja população era composta maciçamente de índios, alguns brancos, e poucos negros, a administração promoveu a criação de vilas e a vinda de imigrantes europeus (lusos). A missão destes colonos seria fomentar a agricultura, tanto de gêneros para subsistência como feijão e milho, como outros para exportação, como cacau, tabaco e café, por exemplo, e a coleta das drogas do sertão. As dificuldades inerentes à região, como a pobreza do solo, o clima, as pragas e a falta de braços, puderam ser verificadas em diversos momentos de crise de abastecimento sofridas pela capitania ao longo do setecentos e do oitocentos. O período áureo da região aconteceria a partir dos últimos anos do século XIX e primeiras décadas do XX, com o ciclo da borracha. (ver D’ALMADA, MANOEL DA GAMA LOBO (1745-1799))

[6] FREIRE, JOSÉ JOAQUIM (1760-1847): pintor e desenhista português nascido em Belas, concelho de Sintra. Formou-se nas oficinas da Fundição do Arsenal Real do Exército. Entre 1780 e 1783, atuou como desenhista da Casa do Risco do Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda. Integrou a equipe designada para viagem e expedição filosófica ao Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá comandada pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira na função de desenhista. Nesse período, produziu desenhos, aquarelas de espécies da fauna e flora local. Participou da produção de uma Carta Geral do Brasil, a pedido de d. Rodrigo de Sousa Coutinho no ano de 1795. Seguiu carreira militar no Real Corpo de Engenheiros, alcançando a patente de tenente-coronel em 1837. Em 1822, inventou um carro de escadas para salvação de incêndios. Faleceu em Lisboa.

[7] FERREIRA, ALEXANDRE RODRIGUES (1756-1815): nascido em Salvador, Bahia, em 27 de abril de 1756, doutorou-se no ano de 1779, em Filosofia Natural, pela Universidade de Coimbra reformada por Pombal. Sendo um dos primeiros naturalistas formados em Portugal, tomou parte no projeto das viagens e expedições filosóficas, idealizadas pelo naturalista italiano Domenico Vandelli. Comandou a expedição às capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá. Durante quase dez anos, de 1783 a 1792, a equipe composta ainda por um jardineiro botânico e dois riscadores, recolheu espécies da flora e da fauna brasileiras, classificou-as, acondicionou-as e enviou remessas a Portugal, consoante com os objetivos do Estado português setecentista de empreender um inventário da natureza de seus domínios. Igualmente, informou sobre as condições administrativas, econômicas, urbanas e demográficas dos povoados que percorreu. A expedição produziu farto material textual, ainda na fase de planejamento as Instruções relativas a Viagem Philosophica, que orientava a equipe sobre a realização das tarefas concernentes à viagem. Ferreira escreveu, ainda, memórias zoológicas, botânicas, mineralógicas e histórico-geográficas, diários, relatórios e trocou farta correspondência com as autoridades locais e metropolitanas. Cabia ao naturalista, também, a inspeção dos desenhos a cargo dos riscadores Joaquim José Codina e José Joaquim Freire. Ao retornar a Lisboa, em 1793, o naturalista foi nomeado vice-diretor do Real Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda e não deu continuidade aos estudos e sistematização do material recolhido, como pretendia Vandelli, para produção de uma História Natural das Colônias. Durante a ocupação francesa em Lisboa, em 1808, parte do material recolhido pela expedição foi saqueado e levado à França, sendo recuperado anos mais tarde. Alexandre Ferreira faleceu em Lisboa, sem ver sua obra publicada. Somente a partir de meados do século XIX, seus diários de viagem e algumas de suas memórias seriam publicados.

[8] EXPEDIÇÃO DAS DEMARCAÇÕES: A despeito do Tratado de Tordesilhas que, em 1494 dividiu o novo mundo entre Portugal e Espanha, os três primeiros séculos de colonização ibérica nas Américas assistiram ao avanço da presença lusa pela fronteira imaginária, favorecida em parte pela União Ibérica (1580-1640). Com intuito de atualizar Tordesilhas, Portugal e Espanha assinam, em 1750, o Tratado de Madri quando Portugal incorpora oficialmente o Rio Grande do Sul, Mato Grosso e a Amazônia conforme o princípio do uti possidetis que garantia a posse aos ocupantes da terra. Em decorrência do Tratado de Madri foram promovidas expedições integradas por cartógrafos, engenheiros, astrônomos, geógrafos e riscadores, em geral italianos e alemães, encarregadas de demarcar as fronteiras. Uma das diretrizes da demarcação era o respeito ao curso dos rios, montanhas e acidentes geográficos como demarcadores naturais. Entretanto, na segunda metade do século XVIII, os impasses permanecem, principalmente na região platina, alvo de constantes conflitos militares. De um lado, a Espanha não se conformava com a presença portuguesa em Sacramento, território espanhol segundo o Tratado de Madri, embora estratégico para as pretensões portuguesas no Rio da Prata, e a Portugal interessava a anexação dos Sete Povos das Missões região cedida aos espanhóis. A solução viria com novo tratado, Santo Ildefonso, celebrado em 1777, de caráter preliminar, onde Portugal abria mão da Colônia de Sacramento e das Missões. A partir de Santo Ildefonso são estabelecidas quatro comissões demarcadoras de limites, compostas por dois comissários, dois engenheiros e técnicos incumbidos do mapeamento cartográfico das zonas de fronteira. Ao contrário das expedições decorrentes do Tratado de Madri as do último quartel do XVIII contaram com profissionais portugueses, advindos dos bancos da Universidade de Coimbra reformada. Outra particularidade dessas expedições que refletia as reformas na Universidade, e as novas instituições portuguesas como a Academia Real de Ciências de Lisboa e o Museu de História Natural, foi a crescente incorporação de outros conhecimentos que garantissem o efetivo povoamento do território, como a História Natural. Ao lado das descrições geográficas e das anotações de latitude e longitude, aparecem de forma mais sistemática nos relatórios de viagem descrições da flora e da fauna, observações sobre as populações indígenas, mapas populacionais e referências às técnicas agrícolas empregadas. O documento refere-se à Expedição de demarcação comandada pelo astrônomo Francisco José de Lacerda e Almeida, doutor em matemática pela Universidade de Coimbra, que durante dez anos (1780-1790) percorreu as capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso, Cuiabá e São Paulo.

[9] CASTRO, MARTINHO DE MELO E (1716-1795): nascido em Lisboa, foi secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos de 1770 até sua morte. Estudou latinidade, filosofia e teologia na Universidade de Évora, além de direito canônico, em Coimbra, onde se formou bacharel em 1744. Diplomata, iniciou seus trabalhos em 1751, como embaixador em Haia, Holanda, e atuou de forma decisiva na solução de questões conflituosas entre Portugal e Inglaterra, decorrentes da Guerra dos Sete Anos, o que levou à sua nomeação para a Secretaria de Estado. Durante sua gestão como secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, desempenhou papel central no planejamento e execução das viagens e expedições filosóficas às colônias portuguesas. Melo e Castro foi o principal agente da Coroa envolvido no planejamento das viagens e na interlocução com os naturalistas e administradores locais, com vistas à solução de problemas no decurso das expedições. O secretário foi, ainda, diretor do Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda e destinatário das remessas de produtos naturais provenientes das viagens, encaminhados aos museus de História Natural em Lisboa e Coimbra para sistematização, análise e classificação. Demonstrou habilidade na administração pública, muito embora seus escritos apontem que não foi um grande político ou teórico, não reconhecendo o início da crise do sistema colonial durante sua governação. Foi sob sua gestão que ocorreu a Conjuração Mineira (1789), tendo partido de Melo e Castro a ordem para que o governador da capitania de Minas Gerais, Luis Antonio Furtado de Castro, visconde de Barbacena, promovesse a devassa dos envolvidos.

[10] ALBUQUERQUE, MARTINHO DE SOUZA E: coronel de Infantaria do Regimento da Guarnição de Lisboa foi promovido a governador e capitão geral do estado do Grão-Pará. Sua administração, de 1783 a 1790, coincide em grande parte com o período da viagem filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira, com o qual embarcou em Lisboa rumo ao Pará, exercendo papel fundamental na comunicação entre o naturalista e a metrópole. Durante seu governo, comandou uma expedição pela capitania do Pará, através do rio Amazonas, em setembro de 1784. Outros aspectos marcantes de seu governo foram as ações de pacificação e enfrentamento com povos indígenas, além da permanente demanda de mão de obra de índios aldeados para obras públicas, incluindo a demarcação de fronteiras, o que se deu sob o Diretório dos Índios. Em 1790, regressa a Portugal e assume como Governador das Armas da província da Beira.

Campanhas de demarcação de limites da América Meridional

Prefácio do Diário Resumido e Histórico da Primeira divisão da quarta Campanha de demarcação de limites da América Meridional, de autoria do astrônomo, geógrafo e matemático José de Saldanha. No diário, promove uma minuciosa descrição geográfica da capitania do Rio Grande de São Pedro, além de uma explicação etimológica dos nomes dados pelos nativos aos locais e rios percorridos pela expedição. A fauna e flora são descritas sob o sistema de Lineu, assim como os nativos: dentre eles os Tapes e Minuanos. Assinado pelo governador da Capitania do Rio Grande de São Pedro, o brigadeiro Sebastião Xavier da Veiga Cabral da Câmara e pelo engenheiro Alexandre Eloy Portelli.  

 

Conjunto documental: Vice-reinado. Correspondência com o governo e mais pessoas do Rio Grande do Sul sobre demarcação de limites, etc.
Notação: códice 104, vol.10.                                                                                                                               
Datas-limite: 1785 - 1789
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Argumento de pesquisa: Viagens científicas e filosóficas
Data do documento: 10 de novembro de 1787                                                                           
Local: Rio Grande de São Pedro
Folhas: 130 a 132

 

Prefácio

Pode o pintor com delicado pincel representar a natureza; mas não expressar as circunstâncias, notícias e movimentos dos sucessos. Esta é a parte reservada ao historiador: feliz a enérgica pena ao que ao seu escritor sabe desempenhar, felizes as palavras, que uma nova pintura compõe, aquela perceptível a vista, está ao discurso.

Um extenso Diário, qual o que compomos na Campanha[1], é indispensável para a exata configuração dos planos; porém ele fica fastidioso a leitura, pela multidão de adições próprias da matéria e semelhante a uma apostila das Leis da estrutura superficial da Terra. D’aqui se vê facilmente a precisão de se construir outro, em o qual não somente se resuma aquele, podendo servir também a formação de novo mapa, mas ainda se lhe ajuntem algumas breves notas sobre a História Natural[2] e do País.

Esta é a obra que eu sou obrigado satisfazer na ausência do Segundo comissário, o coronel Francisco João Roscio[3], que se acha incumbido da demarcação do Art° 8º[4]. Talvez seja bem diferente o método que eu me proponho a seguir; d’aquele de que ele o faria nos antecedentes diários, e dos quais não tive jamais conhecimento algum: Porém que melhor desculpa posso eu ter aos meus erros, do que a da obediência às ordens superiores? Eu sou mandado com as frágeis armas da minha humilde eloquência apresentar o descoberto peito aos críticos golpes das armadas séries de ilustres e assaz instruídas pessoas por cujas mãos tem de caminhar este papel.

Vem pois a ser o corpo principal do presente diário resumido a explanação de todas as marchas, o seu rumo geral verdadeiro, e as suas distancias retas, e andadas; o resultado das observações de Latitude, Longitude, e variação d’agulha; uma leve passagem sobre as qualidades do terreno de cada derrota, e a descrição particular dos lugares, montanhas, arvoredos, lagoas, arroios e rios remarcáveis com as etimologias e significados dos seus nomes. Na citação das notas eu devo referir algumas notícias das produções naturais deste continente pelos três reinos: animal, vegetal e mineral, descrevendo-os concisamente, conforme o permite o título de um diário, e reduzindo-os ao Sistema do grande Lineu[5] a proporção que casualmente se forem apresentando. Reservando, porém, para um particular suplemento aos diários da 1ª Partida[6] todos os conhecimentos que pode alcançar e as minhas ocupações me concederem acerca da mesma matéria.

Bem longe de desprezar os termos próprios do País, eu pretendo usar deles simultaneamente depois de os explicar, e combinar nas mesmas notas; assim será inteligível este diário não só na Europa, mas ainda nesta América.

Pode ser que meu ante-escriptor tenha nos passados Diários suprido já a interpretação destas frases; mas eu não devo expor aos meus leitores na contingência de experimentarem essa falta: podendo na leitura omitir-se aquelas notas, que julgarem supérfluas; para cujo fim as distinguirei com diferentes sinais, fazendo preceder uma estrelinha as que definem os referidos termos; de uma letra do alfabeto as pertencentes à História Natural e de números as do País.

Representar todos os dias sobre o Teatro da natureza as mesmas, ou bem semelhantes cenas, e mudar de provérbios não é certamente mais fácil: donde se segue não poder eu fugir do vício da monotonia, ou repetição de palavras.

Finalmente eu sou encaminhado a composição de um Diário de reconhecimentos topográficos com a união de uma viagem histórica; qualquer das duas partes mais difícil aos meus débeis talentos; qual tenra planta, que abundantes, e agradáveis frutos não pode dar antes do seu tempo.

 

[1] COMISSÃO DE DEMARCAÇÃO: comissões encarregadas de definir os limites entre as colônias portuguesas e espanholas na América, de acordo com os tratados assinados entre as duas Coroas. Os Tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777), que redefiniram, os limites da região amazônica e na bacia do Prata, determinaram a formação de expedições demarcatórias com a presença de geógrafos, padres matemáticos, cartógrafos, militares, desenhadores, naturalistas com o objetivo de efetivar as decisões dos tratados e o poder na metrópole em seus territórios. A cartografia produzida por essas expedições serviu como ferramentas fundamentais às negociações políticas e à definição do traçado fronteiriço entre as Coroas Ibéricas. Além de mapear as novas fronteiras, uma vez que as comissões percorreriam uma região pouco explorada, que seus membros também foram encarregados de recolher espécimes naturais, agregando um interesse científico ao caráter político-militar das expedições.

[2] HISTÓRIA‌ ‌NATURAL: Ao‌ ‌longo‌ ‌do‌ ‌século‌ ‌XVIII,‌ ‌tornam-se‌ ‌centrais‌ ‌a‌ ‌observação‌ ‌e‌ ‌estudo‌ ‌da‌ ‌natureza,‌ ‌orientados‌ ‌pelos‌ ‌critérios‌ ‌ilustrados‌ ‌de‌ ‌racionalidade‌ ‌e‌ ‌utilitarismo.‌ ‌O‌ ‌campo‌ ‌do‌ ‌conhecimento‌ ‌designado‌ ‌como‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌que‌ ‌compreendia‌ ‌a‌ ‌Botânica,‌ ‌a‌ ‌Zoologia‌ ‌e‌ ‌a‌ ‌Mineralogia,‌ ‌sofreu,‌ ‌no‌ ‌setecentos,‌ ‌a‌ ‌influência‌ ‌das‌ ‌novas‌ ‌teorias‌ ‌científicas‌ ‌e‌ ‌paradigmas‌ ‌filosóficos.‌ ‌Buscava-se‌ ‌promover‌ ‌um‌ ‌inventário‌ ‌da‌ ‌natureza‌ ‌de‌ ‌acordo‌ ‌com‌ ‌os‌ ‌sistemas‌ ‌de‌ ‌classificação‌ ‌e‌ ‌a‌ ‌taxonomia‌ ‌criados‌ ‌por‌ ‌‌Carl‌ ‌Von‌ ‌Lineu‌ ‌e‌ ‌das‌ ‌propostas‌ ‌de‌ ‌descrição‌ ‌e‌ ‌investigação‌ ‌do‌ ‌mundo‌ ‌natural‌ ‌organizadas‌ ‌pelo‌ ‌intendente‌ ‌do‌ ‌‌Jardin‌ ‌du‌ ‌Roi‌,‌ ‌conde‌ ‌de‌ ‌Buffon.‌ ‌Nesse‌ ‌período,‌ ‌foram‌ ‌promovidas‌ ‌viagens‌ ‌às‌ ‌diversas‌ ‌regiões‌ ‌do‌ ‌globo‌ ‌tendo‌ ‌em‌ ‌vista‌ ‌o‌ ‌recolhimento‌ ‌de‌ ‌espécies‌ ‌dos‌ ‌“três‌ ‌reinos‌ ‌da‌ ‌natureza”‌ ‌para‌ ‌envio‌ ‌aos‌ ‌museus‌ ‌e‌ ‌gabinetes‌ ‌de‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌criados‌ ‌na‌ ‌Europa.‌ ‌Em‌ ‌Portugal,‌ ‌verifica-se‌ ‌um‌ ‌crescente‌ ‌interesse‌ ‌pela‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌na‌ ‌segunda‌ ‌metade‌ ‌do‌ ‌XVIII,‌ ‌manifestado‌ ‌na‌ ‌criação‌ ‌de‌ ‌museus,‌ ‌gabinetes‌ ‌e‌ ‌jardins‌ ‌botânicos‌ ‌e‌ ‌na‌ ‌introdução‌ ‌da‌ ‌disciplina‌ ‌nos‌ ‌estudos‌ ‌superiores‌ ‌através‌ ‌da‌ ‌reforma‌ ‌pombalina‌ ‌da‌ ‌Universidade‌ ‌de‌ ‌Coimbra‌ ‌(1772).‌ ‌Após‌ ‌o‌ ‌período‌ ‌da‌ ‌ocupação‌ ‌holandesa‌ ‌no‌ ‌nordeste‌ ‌brasileiro,‌ ‌quando‌ ‌se‌ ‌produziu‌ ‌o‌ ‌primeiro‌ ‌tratado‌ ‌de‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌do‌ ‌Brasil,‌ ‌por‌ ‌Piso‌ ‌e‌ ‌Margrave,‌ ‌a‌ ‌investigação‌ ‌da‌ ‌natureza‌ ‌ficaria‌ ‌a‌ ‌cargo‌ ‌especialmente‌ ‌dos‌ ‌religiosos‌ ‌da‌ ‌Companhia‌ ‌de‌ ‌Jesus,‌ ‌até‌ ‌o‌ ‌setecentos,‌ ‌sobretudo‌ ‌em‌ ‌sua‌ ‌segunda‌ ‌metade,‌ ‌quando‌ ‌um‌ ‌maior‌ ‌aproveitamento‌ ‌das‌ ‌potencialidades‌ ‌dos‌ ‌territórios‌ ‌impulsionou‌ ‌o‌ ‌conhecimento‌ ‌das‌ ‌‌produções‌ ‌naturais‌ ‌dos‌ ‌domínios‌ ‌ultramarinos‌ ‌portugueses,‌ ‌incluindo‌ ‌as‌ ‌‌viagens‌ ‌científicas‌ ‌e‌ ‌filosóficas‌ ‌patrocinadas‌ ‌pela‌ ‌Coroa‌ ‌lusa.‌ ‌Integravam‌ ‌tais‌ ‌expedições,‌ ‌naturalistas‌ ‌formados‌ ‌pela‌ Universidade‌ ‌reformada,‌ ‌conhecedores‌ ‌da‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌que‌ ‌professavam‌ ‌os‌ ‌princípios‌ ‌de‌ ‌experimentação‌ ‌e‌ ‌observação‌ ‌da‌ ‌ciência‌ ‌moderna.‌ ‌As‌ ‌diferentes‌ ‌espécies‌ ‌vegetais‌ ‌e‌ ‌animais‌ recolhidas‌ ‌nas‌ ‌viagens‌ ‌eram‌ ‌encaminhadas‌ ‌aos‌ ‌gabinetes‌ ‌de‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌e‌ ‌classificadas‌ segundo‌ ‌o‌ ‌sistema‌ ‌lineano.‌ ‌A‌ ‌preocupação‌ ‌com‌ ‌as‌ ‌possíveis‌ ‌aplicações‌ ‌dos‌ ‌produtos‌ ‌verificava-se‌ ‌já‌ ‌na‌ ‌pesquisa‌ ‌de‌ ‌campo,‌ ‌quando‌ ‌os‌ ‌naturalistas‌ ‌indicavam‌ ‌o‌ ‌uso‌ ‌medicinal‌ ‌e‌ ‌alimentar‌ ‌que‌ ‌lhes‌ ‌davam‌ ‌os‌ ‌povos‌ ‌indígenas.‌ ‌Inúmeras‌ ‌foram‌ ‌as‌ ‌publicações‌ ‌que‌ ‌resultaram‌ ‌desse‌ ‌intenso‌ ‌período‌ ‌dedicado‌ ‌à‌ ‌coleta‌ ‌e‌ ‌à‌ ‌pesquisa‌ ‌dos‌ ‌chamados‌ ‌“três‌ ‌reinos‌ ‌da‌ ‌natureza”,‌ ‌entre‌ ‌elas‌ ‌o‌ ‌‌Florae‌ ‌Lusitanicae‌ ‌et‌ ‌Brasiliensis‌ ‌(1788)‌ ‌e‌ ‌o‌ ‌‌Dicionário‌ ‌dos‌ ‌termos‌ ‌técnicos‌ ‌de‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌(1788)‌ ‌de‌ ‌‌Domingos‌ ‌Vandelli‌;‌ ‌‌Flora‌ ‌fluminensis‌,‌ ‌de‌ ‌‌José‌ ‌Marianno‌ ‌da‌ ‌Conceição‌ ‌Veloso‌;‌ ‌‌Observações‌ ‌sobre‌ ‌a‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌de‌ ‌Goa,‌ ‌feitas‌ ‌no‌ ‌ano‌ ‌de‌ ‌1784‌,‌ ‌de‌ ‌Manoel‌ ‌Galvão‌ ‌da‌ ‌Silva,‌ além‌ ‌de‌ ‌diversas‌ ‌memórias‌ ‌da‌ ‌Academia‌ ‌Real‌ ‌das‌ ‌Ciências‌ ‌de‌ ‌Lisboa‌ ‌‌dedicadas‌ ‌à‌ ‌botânica.‌ ‌ ‌

[3] ROSCIO, FRANCISCO JOÃO (1733-1805): nascido na ilha da Madeira em 1733, o geógrafo e engenheiro militar Francisco João Roscio chega ao Brasil em 1767, onde atuaria como cartógrafo. Foi responsável por diversos projetos de vilas, prédios públicos e igrejas. No atual Rio Grande do Sul, seus principais projetos foram a Matriz de Cachoeira do Sul e a Matriz de Rio Pardo. No Rio de Janeiro, projetou a Igreja da Candelária. Designado pelo marquês de Lavradio, vice-rei entre 1770 e 1779, para construção e reparação de fortificações, realizou também o levantamento cartográfico das capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande de São Pedro o. Tenente-coronel do Corpo de Engenheiros integrou as expedições de demarcação de limites na região Sul do Brasil, decorrentes dos tratados assinados entre as coroas ibéricas. Atuou como segundo comissário, chefiando a primeira divisão da quarta Campanha de demarcação de limites da América Meridional, integrada, ainda, pelo engenheiro José Saldanha e pelo ajudante Elói Portelli. Durante os anos de 1774 e 1775, escreve seu Compêndio Noticioso do Continente do Rio Grande de São Pedro, descrevendo os costumes dos habitantes, as atividades econômicas e o sistema de transportes da região. Entre os anos de 1801 e 1803 ocupou o cargo de governador interino da Capitania do Rio Grande de São Pedro, vindo a falecer em 1805, em Porto Alegre.

[4] TRATADO PRELIMINAR DE 1777 (TRATADO DE SANTO ILDEFONSO): o Tratado Preliminar de Paz e Limites, assinado em Santo Ildefonso, em 1º de outubro de 1777, teve como finalidade encerrar os conflitos fronteiriços na América e na Ásia, que ocorreram ao longo de quase três séculos, entre Portugal e Espanha. Com o fracasso do Tratado de Madri, anulado pelo El Pardo (1761), representantes das coroas ibéricas, d. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho e o conde de Floridablanca, negociaram um tratado preliminar que, posteriormente, foi reafirmado e aprimorado pelo Tratado de Amizade, Garantia e Comércio em 11 de março de 1778 (Tratado de El Pardo). O acordo pretendia demarcar fronteiras conforme os acidentes demográficos das regiões em litígio, para tanto, comissões demarcatórias foram estabelecidas por ambas as coroas, que deveriam encaminhar-se até os locais determinados pelo tratado e estabelecer a linha divisória entre os limites espanhóis e portugueses. De acordo com o tratado, Colônia do Sacramento e as terras a leste do rio Uruguai caberiam à Espanha, incluindo o território das missões orientais, admitindo a soberania castelhana sobre as duas margens do rio da Prata.  Enquanto a Espanha deveria restituir a ilha de Santa Catarina – invadida em 1776 pelas forças espanholas a partir de Buenos Aires – à coroa lusa, além de garantir o domínio português na região do Rio Grande de São Pedro e adjacências, passando o limite fronteiriço pelo rio Jacuí. O tratado previa ainda, ajustes nas divisas da região norte, notadamente Amazonas e Mato Grasso.

[5] LINEU, CARL VON (1707-1788): médico e naturalista sueco, estudou na Universidade de Upsala e dedicou-se aos estudos botânicos em primeiro lugar. Membro de diversas academias científicas, em contato com cientistas holandeses e franceses como os naturalistas do Jardin des Plantes de Paris, celebrizou-se por ter proposto um sistema de classificação das espécies em sua obra Systema Naturae, cuja primeira versão data de 1735. Há muito que os botânicos aspiravam encontrar um método de classificação das plantas fundado na observação e Lineu considerava ter, afinal, concebido um modo de utilizar as características naturais para classificar os gêneros. Mais do que uma terminologia e de artifícios de memorização para registrar plantas e animais, tratava-se de dotar a ciência de uma língua própria, o que estaria no centro de um grande debate do século XVIII, no qual muitos acusariam Lineu de ter tornado a língua da ciência mais complexa que a própria ciência. A despeito das críticas, a importância de sua obra é duradoura e de inegável repercussão, reconhecida por filósofos como Jean Jacques Rousseau, Kant, analisada por pensadores contemporâneos. Embora ele tenha se notabilizado pelo estabelecimento de uma nomenclatura, esta era para Lineu apenas uma parte de seus objetivos, sendo a classificação o outro pilar de sua sistemática. Dispor e denominar eram os fundamentos da ciência lineana, dedicando-se à classificação da natureza, partindo dos órgãos sexuais das flores para chegar ao que ele diria ser “a ordem soberana da natureza”, desvendada pela ordenação proposta. O sistema lineano, bastante disseminado na Península Ibérica, é adotado oficialmente em Portugal após as reformas pombalinas e norteará os trabalhos dos naturalistas luso-brasileiros em missões oficiais, além de engajar administradores e políticos como d. Rodrigo de Souza Coutinho e outros membros da Academia Real das Ciências de Lisboa. O naturalista italiano Domenico Vandelli, lente de História Natural em Coimbra, e idealizador das viagens científicas e filosóficas ao império ultramarino português foi correspondente de Lineu. José Saldanha autor do Diário Resumido e Histórico faz referência à obra do naturalista, buscando utilizar sua taxonomia na análise dos povos indígenas.

[6] 1ª PARTIDA: o documento em questão se refere à expedição promovida pela Primeira divisão de demarcação de limites da América Meridional, responsável pela demarcação das fronteiras da Região Sul, entre os rios Chuí e Igureí. Integraram a equipe portuguesa o governador da capitania do Rio Grande de São Pedro, Sebastião Xavier da Veiga Cabral, principal comissário; o coronel de infantaria com exercício de engenheiro, Francisco João Roscio, como segundo comissário; o engenheiro Alexandre Elói Portelli; o astrônomo e geógrafo José Saldanha, além do engenheiro Francisco das Chagas Santos e do astrônomo Joaquim Félix da Fonseca. A equipe que contava com matemáticos, astrônomos, engenheiros, oficiais, soldados e escravos deveria estabelecer marcos físicos a partir das indicações do Tratado. Os trabalhos tiveram início em 1784 e se estenderam por mais de uma década. A expedição produziu farto material cartográfico da região sul subsidiando a formulação de políticas de defesa das fronteiras, através da construção de fortificações, além de ter estabelecido núcleos de povoamento do território.

Carta Régia tratando das viagens científicas e filosóficas

 

Transcrição de carta régia de 27 de junho de 1806 expondo a necessidade de se empreender viagens científicas e filosóficas pelos territórios do império ultramarino português, e designando o naturalista Luiz Antônio da Costa Barradas, doutor em filosofia pela Universidade de Coimbra para comandar uma viagem filosófica à capitania de Pernambuco. A carta régia é transcrita no registro da provisão de d. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, bispo e reitor da Universidade de Coimbra ao doutor Luiz Antonio da Costa Barradas.

Conjunto documental: Avisos e ofícios. Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Guerra
Notação: IJJ1 758
Datas-limite: 1808-1808
Título do fundo: Série Interior
Código do fundo: A6
Argumento de pesquisa: Viagens científicas e filosóficas
Data do documento: 28 de julho de 1808
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): 19 a 21v

(...)
Reverendo bispo de Coimbra`1`, conde de Arganil, reformador reitor da Universidade de Coimbra, amigo. Eu o príncipe regente[2] vos envio muito saudar, como aquele a quem amo. Sendo-me presente que na instauração, e nova fundação dos estudos da Universidade de Coimbra`3`, o senhor Dom José`4`, meu avô, que santa glória haja, mandou fundar nela os dois estabelecimentos do gabinete da História Natural[5], e do Jardim Botânico[6] para as lições e demonstrações da mesma História Natural, ordenando ao reitor que `..] junto com a congregação da faculdade filosófica cuidasse em formar no primeiro do modo mais completo uma coleção de produtos dos três reinos da natureza, e em fazer cultivar no segundo todo o gênero de plantas, particularmente as que pudessem servir aos usos da medicina e das artes, dando as necessárias providencias para se juntarem as plantas dos meus domínios ultramarinos[7] pelas imensas riquezas que tem no que pertence ao reino vegetal, tudo a fim de que a mocidade acadêmica com a vista contínua dos objetos que compreende a História Natural[8] pudesse fazer maiores progressos nesta importante ciência, e dignamente habilitar-se para o meu real serviço, e do Estado: que desejando eu promover a boa execução destas sábias e providentes disposições; fora servido ordenar pela do primeiro de abril de mil oitocentos e um, que o reformador reitor com a congregação da faculdade pudesse mandar fazer viagens e expedições filosóficas[9] pelas diferentes províncias e distritos dos meus reinos e senhorios, por algum dos ministros da faculdade, debaixo das regras e direções que lhes fossem dadas, e estabelecer pelas ordens de doze de novembro de mil oitocentos e um uma recíproca correspondência entre os dois Reais Gabinetes e Jardins da Corte e da Universidade[10] para o efeito de comunicarem entre si os produtos e plantas que tivessem; e suposto que por efeito desta minha última providência se tivesse consideravelmente aumentado a coleção dos produtos e plantas do Gabinete e Jardim acadêmico e pudesse ir recebendo maiores acessões e aumentos, não se achavam ainda estes dois estabelecimentos em estado de poderem servir completamente aos fins da instrução pública por serem remetidas dos meus domínios ultramarinos os produtos da natureza pela maior parte sem as descrições necessárias para se conhecerem as características que as distinguem e não poderem por isso ser ordenados metodicamente segundo as suas classes, gêneros, e espécies, como dispõem os estatutos para se facilitarem estes conhecimentos, fazendo-se portanto necessário pôr em prática o meio das viagens filosóficas, mandando-se naturalista[11] de profissão a algumas das províncias, ou conquistas dos meu domínios ultramarinos para verem e observarem as produções naturais nos seus próprios lugares, recolhê-las, e remetê-las para a Universidade com as mais exatas descrições. Tomando todo o referido em consideração: Sou servido que sem demora se dê princípio as ditas viagens e expedições filosóficas. E conformando-me com a proposta que me fizestes do doutor Luiz Antonio da Costa Barradas`12`, graduado na Faculdade de Filosofia para a viagem da capitania de Pernambuco, depois de seres ouvido o parecer da congregação, sou servido nomeá-lo para a mesma viagem para a que partirá na primeira ocasião que se oferecer, e se regulará pelas vossas direções e da congregação, fazendo remeter para a Universidade as coleções que juntam dos produtos, e plantas com as descrições competentes. Terá de ordenado quinhentos mil réis[13] cada ano, que será extraído da parte das câmaras aumentada pelo alvará de vinte de agosto de mil setecentos e setenta e quatro, a qual ficou reservada na distribuição dos partidos para semelhantes despesas. E mando que se lhe haja de prestar todo o auxílio que for necessário em benefício desta comissão. O que me pareceu participar-vos para que assim o tenhas entendido, e o faças executar com os despachos necessários. Escrita no palácio de Mafra[14] em vinte e sete de junho de mil oitocentos e seis. Príncipe. Para o reverendo bispo de Coimbra, conde de Arganil: cumpra-se, registre-se.
(...)

[1] Nascido no Rio de Janeiro, em 5 de abril de 1735, estudou os preparatórios com os jesuítas na mesma cidade. Cursou Direito Canônico na Universidade de Coimbra, e mais tarde tornou-se lente daquela Universidade. Foi ainda frei conventual da Ordem de São Bento de Avis, bispo de Coimbra, senhor de Coja, do conselho do rei d. João VI, membro do Tribunal do Santo Ofício, desembargador da Casa da Suplicação, reitor do Colégio das Ordens Militares e deputado da Mesa Censória. Reitor por duas vezes da Universidade de Coimbra, em sua primeira gestão, iniciada em 1770, esteve à frente da reforma universitária promovida por Pombal, sendo nomeado em carta régia de 1772 como reformador da instituição. Consoante com o projeto de laicização do Estado, a reforma da universidade inicia-se com o afastamento dos jesuítas, mais tarde são elaborados os novos estatutos de orientação ilustrada, preconizando o ensino laico e priorizando conhecimentos de aplicação prática que subsidiassem políticas de Estado. Nesse sentido, tornou-se espaço privilegiado da formação de uma elite intelectual luso-brasileira que ocuparia cargos centrais na administração estatal. Em seu segundo período como reitor, de 1799 a 1821, enfrentou sérios problemas decorrentes da invasão do território português pelas tropas francesas, tendo que suspender os trabalhos na Universidade, em 1808, por ter sido escolhido pelo próprio general Junot como membro da deputação encarregada de ir a Baiona cumprimentar Napoleão e pedir-lhe a indicação de um soberano à coroa lusa, retornando ao reino somente em 1814. Embora eleito deputado às cortes gerais e constituintes, em 1821, pelo Rio de Janeiro, não tomou posse, falecendo no ano seguinte em Coimbra.
[2] Segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, que se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência da invasão francesa, a família real e a corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão: a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias, e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente. Deu-se sob o seu governo, o reconhecimento da independência do Brasil no ano de 1825. D. João VI faleceu em 1826.
[3] Fundada em 1290 por D. Dinis, foi a principal responsável pela formação acadêmica da elite do Império Português (metropolitanos ou colonos). Desde 1565 esteve sob a direção dos padres jesuítas, e em 1772, durante a administração do marquês de Pombal, ministro de d. José I, sofreu sua principal e mais significativa reforma, que resultou em novos estatutos como parte de um plano mais geral de reforma do ensino em Portugal e seus domínios iniciada em 1759, com a expulsão dos inacianos dos territórios portugueses e do sistema de instrução pública. Em um primeiro momento, apenas os Estudos Menores (ensino elementar e médio) sofreram mais mudanças, deixando-se os Estudos Maiores (superior) para um período posterior, quando a nova base da instrução estivesse organizada. Em 1771, então, d. José formou a Junta da Providência Literária, cuja principal missão seria a avaliação do estado da Universidade durante o período em que esteve sob administração dos jesuítas e a proposição de mudanças, a fim de melhorar o ensino, conforme sua orientação. A direção geral da reforma foi a de promover a secularização e modernização do ensino superior traduzidas em um conhecimento mais técnico, crítico e pragmático informado pelos princípios da Ilustração, para formar cidadãos "úteis" ao Estado e à administração pública. Deste modo, foram reformuladas as Faculdades de Filosofia e de Matemática, introduzidos os laboratórios para aulas práticas, a organização dos cursos e das disciplinas foi alterada, de modo a seguir um novo método, e toda a metodologia de ensino e os compêndios usados pelos jesuítas foram proibidos e substituídos, bem como a duração das aulas e dos cursos foi encurtada. Os professores religiosos deveriam ser paulatinamente substituídos por leigos escolhidos por seleção pública. Para realizar a reforma foi nomeado d. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, intitulado bispo reformador da Universidade de Coimbra, natural do Brasil, que ficou a frente da administração da universidade entre 1770 e 1779 (e depois entre 1799 e 1821) e que executou a reforma, nos moldes dos novos estatutos.
[4] Filho e sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750. Sob seu reinado deu-se a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões; a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto (1755); e a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos (1759). Considerado um déspota esclarecido, o governo de d. José I destacou-se pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reformas em Portugal e seus domínios. Estas mudanças renderam a d. José o cognome de reformador.
[5] O Gabinete de História Natural da Universidade de Coimbra foi fundado em 1772, mesmo ano da introdução da História Natural nos estudos superiores naquela Universidade. As duas medidas decorreram das reformas pombalinas no âmbito da Ilustração portuguesa, cabendo ao naturalista italiano Domenico Vandelli, encarregado pelo marquês de Pombal de lecionar a nova disciplina, a organização do gabinete. A instituição funcionava como anfiteatro da natureza, reproduzindo o ambiente natural das colônias ao congregar o maior número possível de espécies de animais, plantas, minerais e artefatos das diversas partes do império. Além do caráter pedagógico e científico de auxílio aos estudiosos do mundo natural, configurava-se como um espaço cortesão o que se evidencia no envio regular de remessas por administradores locais que buscavam com isso fortalecer seus laços nos círculos ilustrados da metrópole e com o próprio rei. Ao reunir a diversidade da natureza e dos povos do império, dava conta de sua magnitude e do poderio do soberano. A exemplo dos outros museus de história natural que se multiplicavam pela Europa setecentista o da Universidade de Coimbra também adquiriu coleções de particulares, dando-lhes um caráter diverso. Enquanto as coleções particulares refletiam um gosto pessoal pelo entesouramento, os museus do século XVIII, além de simbolizarem o poder das coroas e a extensão de seus domínios eram espaço de investigação científica. O estudo dos espécimes seguido de sua classificação permitiria definir sua utilidade prática ou econômica. A parte mais significativa de seu acervo veio, entretanto, das viagens promovidas pela coroa lusa pelos seus territórios ultramarinos, em que os ex-alunos de Vandelli enviavam amostras dos três reinos da natureza.
[6] Instalado em 1774, na Quinta de São Bento, o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra estava associado ao Gabinete de História Natural, ambos fundados no âmbito das reformas pombalinas que introduziram na Universidade o curso de História Natural. Seu diretor e lente da nova disciplina era Domenico Vandelli, célebre naturalista italiano idealizador das Viagens Científicas e Filosóficas, e correspondente do naturalista sueco Lineu. O Jardim seria um espaço dedicado ao estudo prático da botânica, um dos ramos da História Natural, daí sua vinculação à Universidade. Recebia plantas das diversas partes dos domínios ultramarinos que eram aclimatadas, observadas nas diferentes fases de seu desenvolvimento durante as estações do ano, desenhadas e classificadas conforme o sistema lineano. O Jardim cumpria ainda a tarefa de aclimatar espécies para sua posterior transferência a outras possessões do Império. Com a jubilação de Vandelli acusado de ser simpático aos ideais da Revolução Francesa, e exilado em Londres, o botânico Félix de Avellar Brotero, autor da Flora Lusitanica, assume em 1791 a direção do Jardim Botânico.
[7] Ultramar era o termo também utilizado para se referir aos domínios ultramarinos, designava as possessões de além-mar, as terras conquistadas e colonizadas no período da expansão marítima e comercial européia, ocorrida a partir do século XV. No caso português, as possessões coloniais espalhavam-se pelos continentes africano, americano e asiático, tendo como principais cidades Luanda e Benguela na África, Macau e Malaca na Ásia, e Rio de Janeiro e Salvador na América.
[8] Ao longo do século XVIII, a observação e estudo da natureza adquirem crescente importância e passam a obedecer aos critérios de racionalidade e utilitarismo característicos da ilustração. O campo do conhecimento designado como História Natural que compreendia a Botânica, a Zoologia e a Mineralogia, sofre no setecentos a influência das novas teorias científicas e paradigmas filosóficos à medida que se configura como disciplina autônoma e científica, dotada de método. Buscava-se promover um inventário da natureza que passava pela classificação e ordenação do mundo natural a partir essencialmente do sistema elaborado pelo naturalista sueco Carl von Lineu. Nesse sentido foram promovidas viagens às diversas regiões do globo tendo em vista o recolhimento de espécies dos chamados "três reinos da natureza" para envio aos museus e gabinetes de História Natural criados na Europa. Em Portugal verifica-se um crescente interesse pela História Natural, na segunda metade do XVIII, manifesto na criação de museus, gabinetes e jardins botânicos e na introdução da disciplina nos estudos superiores através da reforma pombalina da Universidade de Coimbra (1772). O conhecimento das produções naturais dos domínios ultramarinos portugueses, tendo em vista um maior aproveitamento das potencialidades dos territórios impulsionou as viagens científicas e filosóficas patrocinadas pela coroa lusa. Integravam tais expedições naturalistas formados pela Universidade reformada conhecedores da História Natural que deveria obedecer aos princípios de experimentação e observação da ciência moderna. As diferentes espécies vegetais e animais recolhidas nas viagens eram encaminhadas aos gabinetes de história natural e classificadas segundo o sistema do naturalista sueco Carl Von Lineu (1707-1778). A preocupação com as possíveis aplicações dos produtos verificava-se já na pesquisa de campo quando os naturalistas indicavam o uso medicinal e alimentar que lhes davam os povos indígenas. Inúmeras foram as publicações que resultaram desse intenso período dedicado a coleta e pesquisa de exemplares dos "três reinos da natureza", entre elas Florae Lusitanicae et Brasiliensis(1788) e o Dicionário dos termos técnicos de História Natural(1788), de Domingos Vandelli; Flora fluminensis, de José Marianno da Conceição Velloso; Observações sobre a História Natural de Goa, feitas no ano de 1784, de Manoel Galvão da Silva, além de diversas memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa dedicadas à botânica.
[9] A América portuguesa recebeu, ao longo do setecentos, diversas expedições promovidas pela coroa lusa que até o último quartel do século tinham como objetivo a demarcação de limites com a Espanha. Tais expedições, decorrentes dos tratados de Madri e de Santo Idelfonso, contavam com a presença de astrônomos, geógrafos, matemáticos e engenheiros que promoveram minuciosa descrição geográfica das regiões de fronteira. A partir da segunda metade do século XVIII, a História Natural passa a figurar entre as principais preocupações das expedições ao mesmo tempo em que se configurava como disciplina na Universidade de Coimbra reformada. Concomitante com o mapeamento do espaço impunha-se inventariar suas produções naturais, conhecer as potencialidades do território, seus recursos naturais e possíveis aplicações na medicina, na alimentação e na indústria, além de verificar os terrenos mais propícios a cada cultura. Idealizadas pelo naturalista italiano Domenico Vandelli, professor da Universidade de Coimbra, as chamadas Viagens filosóficas, foram expedições enviadas às possessões portuguesas na América e na Ásia comandadas por seus alunos, a partir da década de 1780. No ano de 1783, os naturalistas Joaquim José da Silva, Manoel Galvão da Silva, João da Silva Feijó e Alexandre Rodrigues Ferreira foram enviados para Angola, Índia e Moçambique, Cabo Verde, e Brasil, respectivamente. As equipes contavam ainda com riscadores encarregados de desenhar as espécies da flora e fauna, além dos nativos. Cabia aos naturalistas, o recolhimento de espécies dos reinos vegetal, mineral e animal dos territórios coloniais que seriam encaminhadas ao Museu Nacional em Portugal. Uma vez recolhidas nas instituições científicas portuguesas as espécies seriam analisadas e classificadas conforme o sistema de Lineu. Durante as expedições, os naturalistas deviam seguir os procedimentos estabelecidos nas instruções para viagens, elaboradas pela Universidade de Coimbra ou pela Academia das Ciências de Lisboa que determinavam o método a ser empregado na coleta, acondicionamento, classificação e remessa dos produtos, além de orientar sobre a produção do diário de viagem. No âmbito da administração lusa, a Secretaria da Marinha e dos Negócios Ultramarinos, na figura do secretário Martinho de Melo e Castro esteve à frente desses empreendimentos. Embora o projeto inicial de Vandelli de produzir uma História Natural das Colônias não tenha sido levado a cabo, as viagens filosóficas produziram farta documentação, entre correspondências, diários, memórias e outras publicações a respeito da natureza, geografia e dos povos indígenas no ultramar.
[10] Construído em uma quinta comprada por d. José I ao conde da Ponte, junto ao Paço d'Ajuda, e sob direção do naturalista, botânico e químico italiano Domingos Vandelli (que foi seu primeiro diretor entre 1791 e 1811), o Real Museu e Jardim Botânico d'Ajuda foi oficialmente instalado em 1768 e tinha, como fim primeiro, auxiliar na educação dos jovens príncipes, bem como servir para seu divertimento. Era composto de três anexos: o Museu de História Natural, que recolheu espécies dos chamados "três reinos da natureza" no Brasil e depois em outras colônias portuguesas, como Angola, Goa, Moçambique, Cabo Verde, frutos de expedições científicas e filosóficas, tais como a de Alexandre Rodrigues Ferreira ao Brasil; o Laboratório de Química (que mais tarde passou a ser de Física também); e a Casa do Risco, para o ensino de desenho e artes. Recebeu plantas e sementes de praticamente todos os continentes (aproximadamente cinco mil exemplares no início), mas no final da gestão de Vandelli, o jardim havia decaído consideravelmente (a coleção baixou para cerca de mil e duzentas espécies vegetais), pois se acabou privilegiando as obras de melhoramento e estrutura em detrimento do cuidado com as espécies. Em 1811 começou um período próspero, sob a direção de Félix de Avelar Brotero, renomado botânico, que fez reviver o jardim, com a construção de estufas e o cultivo de plantas exóticas, vindas, sobretudo, do Brasil e das colônias portuguesas na África.
[11] Os naturalistas eram, em geral, bacharéis em Filosofia Natural formados pela Universidade de Coimbra, ou ainda magistrados, matemáticos e médicos que cursavam a cadeira de História Natural que os habilitava para o recolhimento e preparação dos produtos naturais e às observações zoológicas, botânicas e mineralógicas. Dedicavam-se, portanto, à investigação da natureza. Reflexo da política lusa de conhecimento dos territórios ultramarinos e investigação dos recursos naturais, a partir de segunda metade do XVIII foram promovidas Viagens científicas e filosóficas comandadas por naturalistas. O perfil ideal do naturalista viajante era o de um indivíduo com uma formação ampla, que além de história natural, conhecesse áreas como geografia, química, física, direito, economia, matemática (em especial trigonometria plana) e desenho. Sendo difícil congregar em uma só pessoa saberes tão diversos, as equipes às vezes contavam com indivíduos de formação diferente. Alguns naturalistas atuavam apenas nos Gabinetes de História Natural, em Portugal, planejando as viagens e sistematizando o material recebido.
`12] Natural de Coimbra, Portugal, Luiz Antonio da Costa Barradas doutorou-se em Filosofia pela Universidade da mesma cidade. Em 1806 foi o naturalista designado pela coroa portuguesa para uma viagem científica à capitania de Pernambuco, instruída por José Bonifácio. Quatro anos mais tarde, com a morte de Francisco Xavier Caldeira Cardoso, o "Xavier dos Pássaros" foi nomeado Inspetor da Casa de História Natural, também conhecida como "Casa dos Pássaros", instituição criada em 1784 pelo vice-rei D. Luiz de Vasconcellos e Sousa para a guarda, preparação e envio a Portugal de produtos naturais - minerais, plantas, animais e adornos indígenas - recolhidos pelas expedições científicas. Com o fechamento da Casa dos Pássaros, ainda em 1810, Barradas tornou-capitão do Real Corpo de Engenheiros e professor de Física da Academia Real Militar, recém-criada. Nomeado oficial da Secretária de Estado dos Negócios da Marinha, em 1816, traduziu o livro "Geometria prática do obreiro ou aplicação da régua, da esquadria e do compasso à solução dos problemas de geometria de Mr. E. Martin", em 1834. Foi ainda diretor da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, quando escreveu o opúsculo do livro que leva o nome da instituição, em 1843. Em 1845, foi nomeado juiz de paz da freguesia de São João Batista, além de assumir três anos mais tarde como subdelegado de polícia. Condecorado com os títulos de comendador da Ordem de Cristo e cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa faleceu em 1862, na cidade do Rio de Janeiro.
[13] Moeda portuguesa utilizada desde a época dos descobrimentos (séculos XV e XVI). Tratava-se de um sistema de base milesimal, cuja unidade monetária era designada pelo mil réis, enquanto o réis designava valores fracionários. Vigorou no Brasil do início da colonização (século XVI) até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro.
[14] Localizado na então vila de Mafra, em Lisboa, o Palácio Nacional de Mafra foi construído durante o faustoso reinado de d. João V (1706-1750). Ícone da arquitetura barroca em Portugal, o Palácio compõe um conjunto arquitetônico que inclui, ainda, uma das maiores bibliotecas européias setecentistas, com cerca de 40.000 livros, o Convento, a Basílica e os Carrilhões, num conjunto de 92 sinos. As obras iniciaram-se em 1717 sob a direção de João Frederico Ludovice, ourives alemão, que estudou arquitetura na Itália. O projeto, que previa inicialmente a construção de um convento destinado à Ordem dos Frades Arrábidos, acabou tomando vulto e tornando-se um palácio-mosteiro, símbolo da espetacularização do poder real. Entre os muitos materiais importados para construção do monumento, inclui-se o ouro brasileiro cuja exploração, atingia seu apogeu nas Minas Gerais. A consagração da Basílica ocorreu em 1730, no 41° aniversário de d. João V. Embora não tenha funcionado como moradia habitual dos monarcas, o Palácio hospedava a família real por ocasião de festas religiosas ou nas caçadas. Durante a invasão francesa, em 1807, Mafra funcionou como uma base militar. Foi também do Palácio, que o último rei português, d. Manuel II, fugiu para o exílio com a proclamação da República, em 1910.

Expedição de Frei Mariano da Conceição Vellozo

Portaria de 16 de março de 1789 encarregando o tesoureiro das despesas miúdas da Real Fazenda, Paulo Carneiro de Almeida, de pagar ao segundo tenente Joaquim da Silva de Carneiro a quantia de 197.675 réis relativa ao pagamento dos ordenados dos desenhadores e demais despesas da História Natural.

 

Conjunto documental: Correspondência original dos governadores do Pará com a Corte
Notação: códice 73, volume 17
Datas-limite: 1787 - 1789
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: Frei Mariano da Conceição Vellozo
Data do documento: 16 de março de 1789
Local: Rio de Janeiro
Folhas: 172 v   

                                     

Portaria ao tesoureiro das despesas miúdas da Real Fazenda[1] para satisfazer ao segundo tenente Joaquim da Silva de Carvalho a quantia de 197.675 réis[2] para as despesas pertencentes a História Natural[3] . O tesoureiro das despesas miúdas da Real Fazenda Paulo Carneiro de Almeida satisfará ao segundo tenente Joaquim da Silva de Carvalho a quantia de 194.675 réis a saber 85.615 para pagamento das despesas pertencentes a História Natural e 109.060 réis para satisfazer os dias de trabalho, que desde de janeiro, fevereiro, março, do corrente ano tem vencido os desenhadores[4], que andam na companhia do Padre Me. Frei José Mariano da Conceição Vellozo[5], a quem tenho encarregado das diligências da mesma História Natural.

 Rio, 16 de março de 1789 com a rubrica de S. Exª.

 

[1] REAL ERÁRIO: instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[2] RÉIS: moeda portuguesa utilizada desde a época dos descobrimentos (séculos XV e XVI). Tratava-se de um sistema de base milesimal, cuja unidade monetária era designada pelo mil réis, enquanto o réis designava valores fracionários. Vigorou no Brasil do início da colonização (século XVI) até 1942, quando foi substituída pelo cruzeiro.

[3] HISTÓRIA‌ ‌NATURAL: ao‌ ‌longo‌ ‌do‌ ‌século‌ ‌XVIII,‌ ‌tornam-se‌ ‌centrais‌ ‌a‌ ‌observação‌ ‌e‌ ‌estudo‌ ‌da‌ ‌natureza,‌ ‌orientados‌ ‌pelos‌ ‌critérios‌ ‌ilustrados‌ ‌de‌ ‌racionalidade‌ ‌e‌ ‌utilitarismo.‌ ‌O‌ ‌campo‌ ‌do‌ ‌conhecimento‌ ‌designado‌ ‌como‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌que‌ ‌compreendia‌ ‌a‌ ‌Botânica,‌ ‌a‌ ‌Zoologia‌ ‌e‌ ‌a‌ ‌Mineralogia,‌ ‌sofreu,‌ ‌no‌ ‌setecentos,‌ ‌a‌ ‌influência‌ ‌das‌ ‌novas‌ ‌teorias‌ ‌científicas‌ ‌e‌ ‌paradigmas‌ ‌filosóficos.‌ ‌Buscava-se‌ ‌promover‌ ‌um‌ ‌inventário‌ ‌da‌ ‌natureza‌ ‌de‌ ‌acordo‌ ‌com‌ ‌os‌ ‌sistemas‌ ‌de‌ ‌classificação‌ ‌e‌ ‌a‌ ‌taxonomia‌ ‌criados‌ ‌por‌ ‌‌Carl‌ ‌Von‌ ‌Lineu‌ ‌e‌ ‌das‌ ‌propostas‌ ‌de‌ ‌descrição‌ ‌e‌ ‌investigação‌ ‌do‌ ‌mundo‌ ‌natural‌ ‌organizadas‌ ‌pelo‌ ‌intendente‌ ‌do‌ ‌‌Jardin‌ ‌du‌ ‌Roi‌,‌ ‌conde‌ ‌de‌ ‌Buffon.‌ ‌Nesse‌ ‌período,‌ ‌foram‌ ‌promovidas‌ ‌viagens‌ ‌às‌ ‌diversas‌ ‌regiões‌ ‌do‌ ‌globo‌ ‌tendo‌ ‌em‌ ‌vista‌ ‌o‌ ‌recolhimento‌ ‌de‌ ‌espécies‌ ‌dos‌ ‌“três‌ ‌reinos‌ ‌da‌ ‌natureza”‌ ‌para‌ ‌envio‌ ‌aos‌ ‌museus‌ ‌e‌ ‌gabinetes‌ ‌de‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌criados‌ ‌na‌ ‌Europa.‌ ‌Em‌ ‌Portugal,‌ ‌verifica-se‌ ‌um‌ ‌crescente‌ ‌interesse‌ ‌pela‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌na‌ ‌segunda‌ ‌metade‌ ‌do‌ ‌XVIII,‌ ‌manifestado‌ ‌na‌ ‌criação‌ ‌de‌ ‌museus,‌ ‌gabinetes‌ ‌e‌ ‌jardins‌ ‌botânicos‌ ‌e‌ ‌na‌ ‌introdução‌ ‌da‌ ‌disciplina‌ ‌nos‌ ‌estudos‌ ‌superiores‌ ‌através‌ ‌da‌ ‌reforma‌ ‌pombalina‌ ‌da‌ ‌Universidade‌ ‌de‌ ‌Coimbra‌ ‌(1772).‌ ‌Após‌ ‌o‌ ‌período‌ ‌da‌ ‌ocupação‌ ‌holandesa‌ ‌no‌ ‌nordeste‌ ‌brasileiro,‌ ‌quando‌ ‌se‌ ‌produziu‌ ‌o‌ ‌primeiro‌ ‌tratado‌ ‌de‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌do‌ ‌Brasil,‌ ‌por‌ ‌Piso‌ ‌e‌ ‌Margrave,‌ ‌a‌ ‌investigação‌ ‌da‌ ‌natureza‌ ‌ficaria‌ ‌a‌ ‌cargo‌ ‌especialmente‌ ‌dos‌ ‌religiosos‌ ‌da‌ ‌Companhia‌ ‌de‌ ‌Jesus,‌ ‌até‌ ‌o‌ ‌setecentos,‌ ‌sobretudo‌ ‌em‌ ‌sua‌ ‌segunda‌ ‌metade,‌ ‌quando‌ ‌um‌ ‌maior‌ ‌aproveitamento‌ ‌das‌ ‌potencialidades‌ ‌dos‌ ‌territórios‌ ‌impulsionou‌ ‌o‌ ‌conhecimento‌ ‌das‌ ‌‌produções‌ ‌naturais‌ ‌dos‌ ‌domínios‌ ‌ultramarinos‌ ‌portugueses,‌ ‌incluindo‌ ‌as‌ ‌‌viagens‌ ‌científicas‌ ‌e‌ ‌filosóficas‌ ‌patrocinadas‌ ‌pela‌ ‌Coroa‌ ‌lusa.‌ ‌Integravam‌ ‌tais‌ ‌expedições,‌ ‌naturalistas‌ ‌formados‌ ‌pela‌ Universidade‌ ‌reformada,‌ ‌conhecedores‌ ‌da‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌que‌ ‌professavam‌ ‌os‌ ‌princípios‌ ‌de‌ ‌experimentação‌ ‌e‌ ‌observação‌ ‌da‌ ‌ciência‌ ‌moderna.‌ ‌As‌ ‌diferentes‌ ‌espécies‌ ‌vegetais‌ ‌e‌ ‌animais‌ recolhidas‌ ‌nas‌ ‌viagens‌ ‌eram‌ ‌encaminhadas‌ ‌aos‌ ‌gabinetes‌ ‌de‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌e‌ ‌classificadas‌ segundo‌ ‌o‌ ‌sistema‌ ‌lineano.‌ ‌A‌ ‌preocupação‌ ‌com‌ ‌as‌ ‌possíveis‌ ‌aplicações‌ ‌dos‌ ‌produtos‌ ‌verificava-se‌ ‌já‌ ‌na‌ ‌pesquisa‌ ‌de‌ ‌campo,‌ ‌quando‌ ‌os‌ ‌naturalistas‌ ‌indicavam‌ ‌o‌ ‌uso‌ ‌medicinal‌ ‌e‌ ‌alimentar‌ ‌que‌ ‌lhes‌ ‌davam‌ ‌os‌ ‌povos‌ ‌indígenas.‌ ‌Inúmeras‌ ‌foram‌ ‌as‌ ‌publicações‌ ‌que‌ ‌resultaram‌ ‌desse‌ ‌intenso‌ ‌período‌ ‌dedicado‌ ‌à‌ ‌coleta‌ ‌e‌ ‌à‌ ‌pesquisa‌ ‌dos‌ ‌chamados‌ ‌“três‌ ‌reinos‌ ‌da‌ ‌natureza”,‌ ‌entre‌ ‌elas‌ ‌o‌ ‌‌Florae‌ ‌Lusitanicae‌ ‌et‌ ‌Brasiliensis‌ ‌(1788)‌ ‌e‌ ‌o‌ ‌‌Dicionário‌ ‌dos‌ ‌termos‌ ‌técnicos‌ ‌de‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌(1788)‌ ‌de‌ ‌‌Domingos‌ ‌Vandelli‌;‌ ‌‌Flora‌ ‌fluminensis‌,‌ ‌de‌ ‌‌José‌ ‌Marianno‌ ‌da‌ ‌Conceição‌ ‌Veloso‌;‌ ‌‌Observações‌ ‌sobre‌ ‌a‌ ‌História‌ ‌Natural‌ ‌de‌ ‌Goa,‌ ‌feitas‌ ‌no‌ ‌ano‌ ‌de‌ ‌1784‌,‌ ‌de‌ ‌Manoel‌ ‌Galvão‌ ‌da‌ ‌Silva,‌ além‌ ‌de‌ ‌diversas‌ ‌memórias‌ ‌da‌ ‌Academia‌ ‌Real‌ ‌das‌ ‌Ciências‌ ‌de‌ ‌Lisboa‌ ‌‌dedicadas‌ ‌à‌ ‌botânica.‌ ‌ ‌

[4] DESENHADORES: desenhistas e pintores ocuparam, durante a maior parte do período colonial, um papel secundário na produção artística da época. As atividades que eles desenvolviam se enquadravam nas mais variadas atividades “mecânicas”, desde a elaboração de descrições topográficas para a construção de fortalezas, até a pintura de tábuas das bocas das sepulturas, havendo, portanto, uma fronteira muito tênue entre o que hoje chamaríamos arte (belas artes) e os ofícios mecânicos e artesanatos diversos. O estudo do desenho era requisito apenas para quem fosse trabalhar nas áreas de construção e engenharia, mas em outras áreas de estudo o suporte dado por esta atividade mostrou-se indispensável. É o caso, por exemplo, da História Natural, que contava com a fidelidade da reprodução dos elementos da natureza para a precisão dos seus estudos. Integrantes das viagens e expedições filosóficas, os desenhistas ou riscadores foram fundamentais para o desenvolvimento desse campo de conhecimento, em especial a botânica. Eram incumbidos de desenhar as espécies encontradas, como forma de complementar as descrições textuais, preservando texturas, cores e formas anatômicas alteradas nos preparos da viagem à metrópole. Paisagens, animais e árvores de grande porte, além de povos indígenas, eram “transportados” aos gabinetes por meio da representação gráfica. Muitos desenhos esboçados in loco eram finalizados em Portugal, com material adequado, na Casa do Desenho do Real Museu da Ajuda, onde também eram produzidas cópias das imagens. Também conhecida como Casa do Risco, a instituição, criada em 1780, formou alguns dos riscadores designados para as viagens filosóficas idealizadas por Domenico Vandelli, que deveriam apreender conhecimentos básicos de História Natural no Gabinete de História Natural e no Jardim Botânico da Ajuda. Cabe destacar que boa parte dos desenhistas que integraram as expedições eram engenheiros militares, uma vez que a técnica do desenho era transmitida nos cursos de engenharia militar. Suas obras buscavam criar um quadro objetivo e realista daquilo que retratavam, com o intuito de melhor aproveitar os elementos da nova terra, ao mesmo tempo em que indicavam quais os seus maiores perigos e ameaças. No final do século XVIII, muitos artistas viajaram para a Europa e trouxeram para a colônia técnicas mais aperfeiçoadas que seriam transmitidas para seus aprendizes. Foi o caso de Manuel Dias de Oliveira, fundador da primeira Aula Pública de Desenho e Figura no ano de 1800. Mas apenas com a chegada da Família Real, se deram as condições básicas para que a arte do desenho assumisse um papel primordial no aprendizado das belas-artes. Com a vinda da comissão de artistas franceses e a necessidade do estabelecimento do ensino de artes e ofícios no meio acadêmico, seriam também regularizados os ensinamentos básicos de desenho em vista de sua aplicação nos estudos de escultura, gravura, arquitetura, entre outras modalidades.

[5] VELOSO, JOSÉ MARIANO DA CONCEIÇÃO (1742-1811): frade franciscano e naturalista brasileiro, nasceu em 1741, na vila de São José da comarca do Rio das Mortes, distrito de Mariana, Minas Gerais. Entrou para o convento franciscano de São Boaventura, na antiga Vila de Santo Antônio de Sá, aos 19 anos de idade. Estudou filosofia e teologia no convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro, onde se tornou frei. Lecionou geometria no convento de São Francisco de São Paulo (que depois tornou-se Faculdade de Direito), além de retórica e história natural, disciplina pela qual nutriu crescente interesse. Atuou, também, como pregador de alta nomeação e catequista de índios do Arary, os antigos Tamoios. Embora não tenha cursado a Universidade de Coimbra, tornou-se um dos mais destacados botânicos e naturalistas luso-brasileiros. Contando com o apoio do vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa, realizou inúmeras viagens filosóficas e científicas, coletando espécies para o Real Museu de História Natural da Ajuda (Portugal) e para seus estudos particulares. Membro da Academia Real das Ciências de Lisboa foi autor do importante trabalho Florae Fluminensis, fruto de oito anos de expedição pela capitania do Rio de Janeiro (1783-1790), no qual classificou numerosas espécies vegetais cujas definições científicas foram escritas pelo frei Anastácio de Santa Inês, e a maioria dos desenhos de autoria do Frei Francisco Solano. Em 1790, encerrados os trabalhos da Flora, Velloso vai a Lisboa acompanhar a impressão da obra e torna-se diretor e editor da Tipografia do Arco do Cego. Ativa entre 1799 e 1801, em Lisboa, a tipografia, além de ter publicado um número expressivo de livros, funcionou como uma oficina para o aprendizado das artes tipográficas e da gravura. O uso intensivo e didático de imagens era uma das marcas da editora. Com sua extinção em 1801, a Imprensa Régia herda suas funções, equipamentos e acervo bibliográfico e Frei Mariano é nomeado membro da Junta Administrativa, Econômica e Literária, encarregada da gerência da tipografia régia. Nesse período à frente da tipografia, coordenou, compilou e traduziu diversas obras, com destaque para as especializadas na modernização da produção agrícola, visando uma reforma científica dos campos. Publicou também diversos tratados, compêndios, memórias e livros relacionados à história natural, cultura de gêneros e especiarias, doutrina cristã, agricultura, zoologia, farmacologia, mineração e aplicações econômicas dos produtos naturais, além de um dicionário de português e línguas indígenas destinado à catequese dos índios. Em 1808, retornou ao Rio de Janeiro junto da comitiva da família real, vindo a falecer no Convento de Santo Antônio em 13 de junho de 1811. Curiosamente, a Florae fluminenses, sua maior obra, só seria publicada após sua morte (parte das descrições em latim foi editada em 1825 na Tipografia Nacional; as ilustrações começaram a chegar ao Rio de Janeiro em 1827 e o último volume em 1831, a impressão do texto completo ocorreu apenas em 1881). Em 1961 o Arquivo Nacional lançou em sua série Publicações Históricas, o título “Flora Fluminensis de frei José Mariano da Conceição Velloso – Documentos”, reeditado em 2018 em conjunto com a Eduff.

 

Sugestões de uso em sala de aula:

Utilização(ões) possível(is):

No eixo temático do ensino fundamental do 3º Ciclo “História das relações sociais da cultura e do trabalho”

  • Ao trabalhar o tema transversal “meio ambiente”

 

Ao tratar dos seguintes conteúdos:

  • A Sociedade colonial: culturas naturais
  • Economia colonial
  • Brasil colonial: riquezas naturais e seu comércio

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