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Sala de aula

Escrito por Mirian Lopes Cardia | Publicado: Quarta, 30 de Mai de 2018, 15h38 | Última atualização em Quinta, 21 de Junho de 2018, 19h00

A importância da agricultura para a civilização

Carta do desembargador da comarca de Goiás, Joaquim Teotônio Segurado, para Francisco de Assis Mascarenhas, conde de Palma, governador da capitania de Goiás, a respeito da importância da agricultura, das "artes" e do comércio para uma povoação. O termo "artes" designava o setor de manufaturas a ser aperfeiçoado, valorizando assim as matérias-primas, sem as quais não se poderia considerar haver "civilização".

Conjunto documental: Coleção de memórias e outros documentos sobre vários objetos
Notação: códice 807, vol. 10
Datas-limite: 1798-1836
Título do fundo: Diversos códices - SDH
Código do fundo: NP
Argumento de pesquisa: agricultura
Data do documento: 15 de abril de 1806
Local: Lisboa
Folha(s): 13-14

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor = A agricultura, as artes e o comércio são as colunas, em que pode firmar-se a felicidade de qualquer povoação[1]: pela agricultura[2] se conseguem as matérias-primeiras; pelas artes[3], dando-se-lhes nova forma, se lhes dá novo valor; pelo comércio[4] se exportam as supérfluas, e importam, as que faltam. Uma povoação isolada limita-se a agricultura; e se tem alguma civilização[5], se entre ela se introduz um sinal de todos os valores, ela estabelecerá suas artes, suas manufaturas[6], mas grosseiras; ela comerciará; mas o seu comércio além de interno, nunca passará de ser proporcionado aos seus objetos; e ela viverá em uma quase continuada desgraça; porque ou as colheitas são abundantes, ou escassas: no primeiro caso os agricultores não conseguirão as produções do seu trabalho preços proporcionados à despesa da agricultura: no segundo os artífices, e negociantes apenas poderão conseguir os necessários mantimentos para a sua subsistência; uma grande parte do povo padecerá, e muitos gados perecerão de fome. Se, porém esta isolação não é absoluta, mas só relativa à exportação dos seus gêneros; se ela efetivamente faz um comércio exterior, porém todo passivo; se para sustentar este comércio ela tem minas de ouro[7]; ou prata, que extrai do seio da terra, esta povoação está no cume da sua desgraça, e hoje, ou amanhã há de sofrer uma total extinção. Os homens dando às minas um valor imaginário, persuadindo-se de que elas serão sempre igualmente ricas, aumentam as despesas a proporção da sua imaginada riqueza: acabam-se efetivamente as minas ricas, buscam-se, e só se encontram pobres: lavram-se estas, mas o seu produto não é proporcionado à despesa: os homens não podem passar sem os gêneros, e mercadorias, a que se habituaram no meio da riqueza; os negociantes por consequência vendem, mas fiado, e por consequência vendem mais caro; e em última análise o negociante, ou não cobra, ou cobra pelos meios judiciais: eis arruinados negociante, e mineiro, eis a total destruição do país, que será desamparado da maior parte dos seus habitantes, sendo os miseráveis restos que por fatalidade nele ficam, vítimas da sua isolação, e da sua miséria. Quase neste estado se achava a capitania de Goiás[8], quando ela teve a ventura de principiar a ser governada por Vossa Excelência. Os seus habitantes acostumados unicamente com a lavra do ouro, que ordinariamente achavam com dificuldade, e grandes despesas, clamavam, que a capitania ia a expirar. Com efeito a falta de mantimentos em um ano fazia, que os seus habitantes sofressem misérias, e que perecessem muitas criações; a abundância em outros fazia perder o ânimo dos agricultores pelo desprezível valor, que se lhes dava.

Os açúcares[9] ficavam nas formas, e caixões dos senhores de engenho, o algodão[10], e café[11] apenas apareciam para o consumo do país, e enfim os mais gêneros, ou tinham excessivo, ou diminuto valor conforme a sua escassez, ou a sua demasiada abundância. A capitania nada exportava; o seu comércio externo era absolutamente passivo: os gêneros da Europa, vindos em bestas do Rio[12], ou Bahia[13], pelo espaço de 300 léguas chegavam caríssimos: os negociantes vendiam tudo fiado: daí a falta de pagamentos, daí as execuções, daí a total ruína da capitania.

E contudo os seus habitantes arraigados no antigo prejuízo, de que tudo o que não é tirar ouro, e trazer mercadorias do Rio, ou Bahia, tudo o mais é pouco seguro, é trabalhoso, é arriscado, é prejudicial, continuavam unicamente nas lavras de minas pobres, e no ruinoso comércio daquelas duas praças. E cegos sem poderem conhecer as causas da prodigiosa decadência da capitania, clamavam, que ela estava a expirar: e no meio da sua cegueira, eles a deixavam perecer: ela estava a borda do precipício, mas Vossa Excelência a salvou.

Logo que Vossa Excelência entrou nesta capitania lhe foi patente a fertilidade do seu terreno, e por consequência a facilidade de se aumentar a sua cultura, imediatamente se lhe apresentaram os canais, pelos quais se deve exportar o seu supérfluo, e combinando Vossa Excelência os princípios da mais sã Economia Política, achou com toda a evidência: que o comércio do Rio, e Bahia é prejudicial a esta capitania, e que pelo contrário o do Pará[14]pelos rios Araguaia, e Maranhão, a porão ao nível das mais ricas deste continente. Vossa Excelência principiou logo a clamar pelo aumento da agricultura, e pelo comércio com o Pará. Vossa Excelência tem representado a estes povos. Que eles têm a felicidade de habitar um país, em que para poderem ser riquíssimos não tem que abrir canais, de secar lagoas, fazer rios navegáveis, naveguem. Tais tem sido os repetidos clamores, com que Vossa Excelência tem animado estes povos à agricultura, e à navegação. Vossa Excelência porém não tem parado em persuasões: oferecem-se negociantes para descerem ao Pará, Vossa Excelência os auxilia: manda fazer-lhes canoas, faz-lhes aprontar a equipagem, e não se contentando em aplicar a maior vigilância ainda aos mais pequenos objetos, que possam facilitar aquele comércio, vai daqui quinze léguas a um sítio doentio, expondo a sua vida, a sua saúde só a fim de com a respeitável presença de Vossa Excelência animar os negociantes, a fazer que nada lhes falte na sua dilatada viagem. A mim particularmente saindo de correção fez Vossa Excelência as mais vivas recomendações, e deu as mais sábias instruções para cuidar no aumento da agricultura, e melhoramento da navegação para o Pará. Enfim pelas ativas diligências, e pelas bem acertadas providências de Vossa Excelência aí saem pelo Araguaia dez canoas com quatro mil arrobas de açúcar, fumos[14]toucinho[15] e sola[16]: pelas recomendações, que Vossa Excelência me fez, acha-se estabelecida no arraial de Traíras uma sociedade mercantil para principiar em 1807 o comércio do Pará pelo rio Maranhão para virtude das mesmas providências, já no ano de 1807 poderão exportar-se desta capitania dez ou doze mil arrobas de gêneros. E o que devemos esperar no de 1808, em que já devem ter principiado a produzir os algodoeiros, e cafés, que de novo se acham plantados, e que deverão ainda plantar-se? São enfim incalculáveis as vantagens, que o Estado, e que esta capitania vão tirar das providências sugeridas pelo penetrante, e iluminado espírito de Vossa Excelência. Estas vantagens ficarão mais palpáveis com a pequena memória do comércio ativo desta capitania, que tenho a honra de oferecer a Vossa Excelência, e que espero seja acolhida com aquela benignidade, com que Vossa Excelência me tem tanto distinguido.

Deus guarde a respeitável pessoa de Vossa Excelência por muitos anos. Lisboa 15 de abril de 1806 = Ilustríssimo e excelentíssimo senhor d. Francisco de Assis Mascarenhas[17]= De Vossa Excelência = O mais humilde súdito = Joaquim Teotônio Segurado[18]

 

[1]COLUNAS EM QUE SE PODE FIRMAR A FELICIDADE DE QUALQUER POPULAÇÃO: entre finais do século XVIII e início do XIX, o pensamento fisiocrático de base ilustrada e as ideias liberais que começam a emergir com a revolução industrial inglesa influenciaram, de forma significativa, a elite letrada luso-brasileira. O princípio de que a união entre as três principais atividades produtivas – agricultura, comércio e manufaturas – são “as colunas em que pode firmar-se a felicidade de qualquer povoação” ganha força e expressão, remetendo ao conceito de felicidade do filósofo inglês David Hume, de caráter prático, concreto e utilitário. A “felicidade de qualquer povoação” era um bem possível de ser atingido pelo homem e consequentemente pela sociedade da qual faz parte, somente podendo existir se essas atividades não fossem tratadas separadamente, pois uma povoação isolada, que se limita à agricultura ou, do mesmo modo, outra que se dedique apenas ao comércio ou à manufatura, não poderia ter êxito. O estabelecimento de uma relação intrínseca entre agricultura, manufatura e comércio reflete a influência do pensamento fisiocrático que, segundo Fernando Novais em Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial – 1777-1808 (1979), servia, apenas, para a “política econômica reformista” iniciada em Portugal no reinado de d. José I, sem um processo de sistematização. Essa política econômica começou a ser executada pelo marquês de Pombal na segunda metade do século XVIII, com intuito de reformar o aparelho estatal português reforçando ainda mais o que a historiografia convencionou chamar de “exclusivo comercial” entre colônia e metrópole. Os pensadores e estadistas lusos se apropriaram das categorias de pragmatismo e utilitarismo, presentes nas ideias fisiocráticas, como uma inspiração para modernizar a política econômica mercantilista, sem abraçar de fato os princípios liberais que regiam as novas relações comerciais decorrentes da revolução industrial da Grã-Bretanha. Também os homens que compunham a administração da colônia aderiram a essa forma de pensamento, muitos formados pela Universidade de Coimbra, reformada no governo pombalino. E dedicaram-se a tornar possível a aplicação do princípio em diversas regiões da América portuguesa.

[2]AGRICULTURA: durante a maior parte do período colonial o sistema agrícola brasileiro se caracterizou pela grande lavoura monocultora e escravista voltada para exportação, definida por Caio Prado Junior pelo conceito de plantation. Entretanto, podiam ser encontradas também em menor escala as pequenas lavouras, policultoras e de trabalho familiar. Com a chegada da família real e toda a estrutura do Estado português, houve a necessidade de incremento no abastecimento de gêneros agrícolas especificamente para o mercado interno. À época, a estrutura agrária brasileira era pautada pela rusticidade dos meios de produção, pela adubação imprópria e falta da prática do arado, enfim, o que havia era a presença modesta de técnicas modernas de cultivo. D. João VI, atento a essa situação emergencial, criou, em 1812, o primeiro curso de agricultura na Bahia e, em 1814, no Rio de Janeiro, uma cadeira de botânica e agricultura, entregue a frei Leandro do Sacramento. O objetivo era o melhor conhecimento das espécies nativas, não apenas para descrição e classificação, mas também para descobrir seus usos alimentares, curativos e tecnológicos. Mais do que isso, a incentivo aos estudos botânicos e agrícolas era parte de uma nova mentalidade de promoção das ideias científicas, que já vinha sendo implementada em Portugal desde o final do século XVIII. A agricultura era vista como uma verdadeira “arte”, pois era o melhor exemplo de como o homem era capaz de “domesticar” a natureza e fazê-la produzir a partir das necessidades humanas. Significava a interferência do Estado em prol do aproveitamento racional das riquezas naturais, orientado pelas experimentações e pela própria razão.

[3]ARTES: o sentido atribuído às artes, no início do século XIX, estava relacionado, principalmente, às artes mecânicas, que incluíam atividades que iam das artes manuais (confecção de objetos, inclusive decorativos, “artísticos” no sentido que atribuímos hoje) às ciências da natureza. Pode-se afirmar que a noção de “ofícios mecânicos” estava ligada à ideia das “artes úteis”, que permitiam uma aplicação concreta em campos como a agricultura, a indústria, o comércio, a engenharia, as ciências naturais, a tipografia, ou seja, na produção de bens que auxiliassem a produção de riqueza para o Reino. As artes mecânicas incluíam a ourivesaria, marcenaria, concepção e construção de inventos e máquinas destinadas a melhorar a produção de bens. Tidos como propulsores das atividades econômicas, os ofícios mecânicos foram considerados mais relevantes, úteis, do que as “belas artes”. Por longo tempo as estruturas corporativas, representantes das artes mecânicas, foram um empecilho às artes plásticas, cuja liberação passa pela criação de academias e salões e pelo mecenato de Estado, como se pode ver pelos anseios manifestados na fundação da Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios. Tratava-se de um processo, que na Europa data do Renascimento, de separação de pintores, escultores, músicos, poetas e outros daqueles profissionais artesãos e da compreensão de que, mais que a produção do Belo, se tratava de uma atividade humana por excelência, expressando ideais, princípios morais ou cívicos, liberdade e poder criativo.

[4]COMÉRCIO: o controle do comércio e navegação entre o reino e suas colônias sempre foi uma preocupação do Estado português. Esse comércio era regido pelas convenções do pacto colonial, que reservava o monopólio dos produtos coloniais para a metrópole, embora o contrabando entre as colônias e outros reinos evidencie falhas e brechas no sistema. Tratado como um verdadeiro contrato político, pressupunha uma série de instrumentos político-institucionais para a sua manutenção. Na prática, a Coroa não conseguia reservar esses mercados apenas para si e, desde o século XVII, eram feitas concessões cada vez maiores a aliados históricos, como os ingleses. Essa estrutura seria invertida com a chegada da Corte joanina e a consequente abertura dos portos às nações amigas de Portugal. Eliminava-se o exclusivismo mercantil e essa medida, com efeito, favorecia mais à Inglaterra, que exigiu a manutenção e ampliação de certos privilégios econômicos. A situação de dependência comercial com a Inglaterra seria agravada com a assinatura, em 1810, do Tratado de Navegação e Comércio [ver Tratados de 1810], que estabeleceu uma série de medidas que dariam vantagens a este país sobre outras nações no comércio com o Brasil e Portugal.

[5]CIVILIZAÇÃO: as raízes do conceito de civilização remontam ao período da Antiguidade, derivando do conceito latino civis, correspondente a polis grega, em ambos os casos referentes ao cidadão, aos habitantes das cidades. Foi somente a partir de meados do século XVI que à ideia de civilização foram incorporados novos significados, como a noção de “civilidade”, ou seja, bons modos, maneira de se vestir, de comer, de se apresentar, de se comportar em relação ao modelo de cidadão, que variava de acordo com o local e o tempo. A primeira aparição da palavra “civilização” aconteceu em meados do século XVIII, na Inglaterra em 1757, e na França um ano depois. Na Inglaterra, civilization aparece na obra do iluminista escocês Adam Ferguson, enquanto sua correspondente francesa civilisation pode ser encontrada na obra do fisiocrata francês marquês de Mirabeau (Cf João Feres e Marcelo Gantus Jasmin, História dos conceitos: diálogos transatlânticos. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2007). No caso alemão, zivilisation aparece 10 anos depois da publicação da obra de Mirabeau. Nenhum dos autores atribuiu um significado específico para a palavra; entretanto, a partir da década de 1770 na Inglaterra e na França, devido à influência da filosofia e do pensamento iluminista, o sentido da palavra passou a ser associado à ideia de progresso material e riqueza, enquanto na Alemanha, o termo obedecia mais a um sentido moral do que pragmático. É apenas no século XIX, depois da Revolução Francesa, que o conceito de civilização passa a ser usado para se referir a um processo histórico que se inicia na Antiguidade, sofre um declínio durante a fase “obscura” da Idade Média, orienta a formação dos Estados modernos e torna-se meta a ser atingida na construção das primeiras nações, já no Oitocentos. Nesse processo linear, as nações europeias seriam as pioneiras na construção de civilizações com base em desenvolvimento tecnológico, científico, cultural, enquanto os países da África, Ásia e América seriam os desprovidos, os “atrasados”, e por isso, segundo os princípios das Luzes, os três continentes necessitavam ser inseridos na “marcha da civilização”, processo iniciado com as descobertas e colonizações. No final do século XVIII, o conceito de civilização em Portugal, e posteriormente no Brasil, está associado ao sentido econômico, mais próximo do pragmatismo norteador da ilustração portuguesa e na esteira da ideia de progresso, associando civilização ao enriquecimento material. No Brasil dos oitocentos, o conceito de civilização passa a simbolizar “uma etapa a ser atingida” pelo Estado brasileiro em seu processo de construção, de consolidação e de entrada na modernidade. Em oposição à civilização, a ideia de barbárie passa a ser associada ao regime escravista, obstáculo para que se atingisse o desejado estado de civilização. Se durante algum tempo a escravidão foi o motor para que o Estado brasileiro e sua classe senhorial conseguissem “civilizar-se”, no final do XIX não somente a escravidão passava a representar o atraso, mas também o regime monárquico que se amparava nela.

[6]MANUFATURA: o termo frequentemente é associado à indústria e a fábricas, por vezes, sendo usado indiscriminadamente. Manufatura, mais apropriadamente, seria a incipiente indústria do Brasil colonial. Ao longo desse período, verificou-se uma discreta presença de atividades manufatureiras (de caráter doméstico e artesanal) graças, sobretudo, à repressão operada pela Coroa portuguesa, pois este tipo de prática feria a estrutura do sistema colonial e a lógica mercantilista: onde a colônia exportaria produtos primários e importaria bens manufaturados de sua metrópole. Essa repressão culminou com a assinatura do alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibiu a atividade manufatureira à exceção da produção de tecidos grosseiros de algodão, que serviam para ensacar gêneros agrícolas e para vestuário dos escravos. Esse setor da indústria colonial não foi afetado, mas não constituía uma atividade relevante do ponto de vista econômico. As manufaturas que se pretendiam combater, as que produzissem gêneros que rivalizassem com os produtos finos ingleses no mercado europeu, praticamente inexistiam na colônia. Somente depois da transferência da Corte e da sede do Império português para o Brasil em 1808, por meio do alvará de 1º de abril do mesmo ano, o príncipe regente revogou a lei de 1785 e, não apenas autorizou como passou a incentivar a instalação de fábricas no Brasil, concedendo isenção de direitos de importação de matérias-primas e subsídios para a construção das primeiras manufaturas, sobretudo no setor têxtil e de ferro. Ainda assim, boa parte das manufaturas criadas não vingaria, devido, principalmente, a impossibilidade das pequenas fábricas, sem mão de obra especializada e sem uma verdadeira organização fabril, de competir com as importações inglesas, mais baratas e de qualidade muito superior, preferidas pela maioria da população em condições de consumir. Sem capital para investimento em melhorias e sem um mercado consumidor interno, a maior parte delas acabou falindo. Entre as manufaturas que mais se destacaram ao longo do período colonial, podemos citar a construção naval favorecida pela grande oferta de madeiras de boa qualidade proporcionada pela colônia; a produção de têxteis, principalmente dos tecidos grossos de algodão para consumo interno, atividade doméstica e feminina, muito disseminada pelo Brasil (sobretudo em Minas Gerais) e que constituía a fonte de renda para muitos colonos; e atividades artesanais diversas, urbanas e rurais, voltada para a produção de artigos necessários à vida cotidiana, como móveis, cerâmica, instrumentos de ferro, sapatos, ourivesaria, entre outros, exercidas sobretudo por escravos de ganho e libertos. A autorização das manufaturas e sua promoção em todo Império português por d. João, em abril de 1808, faziam parte de toda uma política de cunho liberal defendida por intelectuais como José da Silva Lisboa, visconde de Cairu. Posteriormente, uma série de alvarás que concediam isenções e privilégios, foram assinados, com o objetivo de impulsionar a produção manufatureira no Brasil e nos domínios ultramarinos portugueses.

[7] OURO: por ser um mineral ao mesmo tempo maleável e de incrível resistência às alterações químicas causadas por outros elementos, há milênios é utilizado na fabricação de ornamentos e na cunhagem de moedas. É frequente que seja trabalhado sob forma de liga com outros metais, que lhe dão mais rigidez. É encontrado geralmente em rios, em forma de pepitas ou incrustado em outros depósitos minerais. Durante muito tempo um dos atributos do ouro foi o lastro de moedas correntes ou, de modo geral, seu uso como padrão de valor. O ouro no Brasil foi descoberto na região que corresponde atualmente a Minas Gerais, em fins do século XVII, por bandeirantes [bandeiras] de São Paulo, após décadas de buscas infrutíferas por diversas expedições. Responsável pela prosperidade da região, embora tenha que se considerar o papel desempenhado pelas atividades de pecuária e agricultura na capitania de Minas Gerais, teve um lugar preponderante na economia da metrópole e de sua maior credora, a Inglaterra. As cargas de ouro, segundo alguns historiadores, são um importante vetor de avaliação da economia portuguesa e das políticas adotadas, como de incentivo às manufaturas nacionais em momentos de crise, por exemplo. Durante o período em que sua extração se manteve no auge, a corrida ao ouro originou tal afluxo de imigrantes (do Reino e de outras partes da colônia), que uma lei foi decretada para tentar conter a evasão da população de Portugal. Atraindo indivíduos de todos os tipos e “cabedais”, a atividade mineradora desencadeou o desenvolvimento de uma sociedade diferente da predominante nas regiões de plantio extensivo: mais urbana e, a princípio, com maior diversidade social. Com um crescimento da produção entre 1730 e 1759, verificam-se nesse processo diferenças importantes entre as regiões: Minas Gerais inicia seu declínio na década de quarenta, quando Goiás e Mato Grosso adquirem visibilidade (COSTA, Leonor Freire et al. O ouro do Brasil: transporte e fiscalidade (1720-1764). Anais do V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6ª Conferência Internacional de História de Empresas, 2003. https://ideas.repec.org/p/abp/he2003/083.html). Em consequência, cidades da região que haviam florescido no período, em especial Vila Rica (Ouro Preto), conheceriam a decadência no final do Setecentos. O ouro, principal meio de troca e a principal reserva de valor da capitania, deixou de circular livremente como moeda em 1807 e, como assinala Ângelo Carrara, um alvará de 1° de setembro de 1808 proibiu sua circulação, com posterior regulamentação em 12 de outubro do mesmo ano que obrigou a confecção de bilhetes impressos para o troco do ouro em pó nas casas de permuta (A capitania de Minas Gerais (1674-1835): modelo de interpretação de uma sociedade agrária. História Econômica & História de Empresas. v.3 n. 2 (2000). http://www.abphe.org.br/revista/index.php/rabphe/article/view/138)

[8]GOIÁS, CAPITANIA DE: região localizada no centro-oeste brasileiro, já era conhecida pelos portugueses desde o século XVI. No entanto, seu processo de colonização iniciou-se apenas no final do século XVII, a partir das descobertas de minas de ouro por bandeirantes paulistas – com destaque para Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, considerado o descobridor de Goiás. Entre 1590 e 1670, diversas bandeiras percorreram a região, vindas de São Paulo e, a partir de 1653, outras partiram de Belém pelo Amazonas e alcançaram a região dos rios Tocantins e Araguaia. Além de bandeirantes em busca de ouro e escravos, também jesuítas chegaram para catequizar, principalmente, os povos indígenas. Assim, em 1727 é fundado o arraial de Santana, que viria a se transformar na vila Boa de Goiás, próximo da fronteira com o atual estado do Mato Grosso. A exploração do cobiçado mineral na região ampliou as fronteiras ocupadas da América portuguesa, inicialmente com a chegada dos colonos de São Vicente, tradicionalmente berço de desbravadores e caçadores de riquezas, aos quais logo se seguiram reinóis e aventureiros de diversas capitanias. Índios chamados Goyazes habitavam a Serra Dourada e deram origem ao nome da capitania. Aparentemente, haviam migrado da região amazônica em tempos não muito remotos e juntaram-se a outros grupos em resistência às seguidas tentativas de extermínio e escravização pelos brancos que chegavam atrás do ouro. As “minas dos Goyazes” estiveram inicialmente subjugadas à jurisdição da capitania de São Paulo. No entanto, sua criação data de 9 de maio de 1748, quando a capitania de São Paulo foi desmembrada dando origem a três capitanias distintas: São Paulo, Mato Grosso e Goiás. Foi o segundo maior produtor de ouro durante o período colonial, depois de Minas Gerais. Mas observa-se também a existência de uma economia de subsistência para alimentar os mineiros e escravos que trabalhavam nas minas. Com o declínio da mineração, em fins do século XVIII, os goianos passariam a se dedicar a atividades agropastoris, exportando gado e seus subprodutos, além de algodão e açúcar, para as capitanias vizinhas do Norte e Nordeste.

[9]AÇÚCAR: produto extraído principalmente da cana-de-açúcar e da beterraba, também chamado sacarose, constituiu uma das fontes de financiamento da expansão portuguesa. Originária da Nova Guiné, a cana sacarina foi trazida pelos árabes que a introduziram no norte da África e na Europa mediterrânea. Por muito tempo foi uma especiaria rara e de propriedades medicinais, além de seu emprego como tempero nas conservas e doces. Em Portugal, a cultura da cana existiu desde o século XIV no Algarves e na região de Coimbra, passando para a ilha da Madeira na costa africana, em meados do século seguinte, até ser bem-sucedido nas ilhas de São Tomé e Príncipe na primeira metade do século XVI. Não há precisão quanto à data de introdução da cana-de-açúcar no Brasil, embora se assinale sua presença na capitania de Pernambuco nas primeiras décadas do Seiscentos. Já o início da maior sistematização de seu plantio teria se dado a partir da segunda metade do século XVI. A fabricação do açúcar exigia alguns requisitos: por um lado, a instalação de um engenho demandava capitais consideráveis, por outro, requeria trabalhadores especializados. Exceto por esses trabalhadores, livres e assalariados, a mão de obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas, após 1570, os africanos tornaram-se cada vez mais comuns. O comércio da escravatura converteu-se em um lucrativo negócio nessa época. O cultivo da cana-de-açúcar progrediu ao longo do litoral brasileiro na direção norte, se desenvolvendo mais no Nordeste, especialmente nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, sendo esta última a maior produtora de açúcar do Brasil, com 66 engenhos no fim do Quinhentos. Nesse período, a maior parte do açúcar brasileiro destinava-se ao mercado internacional, chegando a portos do norte da Europa, especialmente Londres, Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã, onde eram refinados e comercializados. A cultura da cana-de-açúcar foi também muito importante, para o mercado interno. Muitos engenhos aproveitavam o açúcar para a produção da aguardente que, consumida localmente, dava grandes lucros aos seus senhores chegando a ter sua comercialização proibida pela Coroa. A fabricação de açúcar foi, seguramente, o primeiro empreendimento econômico a funcionar de modo organizado nas terras brasileiras. Outras atividades surgiram, mas a empresa açucareira se manteve na liderança por mais de um século.

[10] ALGODÃO: diversas espécies nativas de algodão podiam ser encontradas no Brasil desde os primeiros anos de colonização. A chegada das primeiras técnicas de fiação e tecelagem com a fibra algodoeira, no entanto, datam do século XVII, quando as roupas de algodão passaram a ser utilizadas para a vestimenta dos escravos nos meses mais quentes. A partir da segunda metade do século XVIII, a crescente demanda pelo consumo de algodão pelo Império britânico forçou a expansão do cultivo e a fabricação de fios no Brasil. Esse processo provocou uma segunda onda de interiorização da produção mercantil para exportação, isso porque o plantio do algodão é mais propício em clima seco, com chuvas regulares, ou seja, em áreas afastadas do litoral. Foi no Maranhão, através dos incentivos criados pela Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que a produção algodoeira obteve crescimento mais intenso e longevo, perdurando até meados do século XIX. No Estado do Grão-Pará e Maranhão, serviu ainda ao pagamento dos funcionários régios e às transações comerciais (na forma de novelos ou de peças de pano) até 1749, quando foi introduzida a moeda metálica naquela região. No Oitocentos, apesar da onda de produção crescente, o baixo preço e a qualidade superior do algodão norte-americano terminaram por suplantar o produto brasileiro nos mercados internacionais.

[11]CAFÉ: planta de origem etíope da família das rubiáceas, começou a ser utilizada como bebida na Arábia. A expansão do consumo pela Europa deu-se entre os séculos XVII e XVIII, por suas qualidades estimulantes. Consta que sua introdução no Brasil, em 1727, foi feita pelo oficial português Francisco de Melo Palheta, que plantou as primeiras mudas no Pará. Ao longo do século XX, o café tornou-se uma bebida popular e seu consumo e produção se expandiram, principalmente a partir de 1865, quando passou a ser comercializado torrado e empacotado (anteriormente era vendido em grãos). Destacam-se no Brasil duas grandes fases de expansão cafeeira. A primeira, no início do Oitocentos até os anos 1850, teve início nas encostas do morro da Tijuca em plantações caseiras, até a expansão por todo o vale do rio Paraíba do Sul, a leste e oeste, com foco na região da cidade de Vassouras, o maior centro produtor da época. Nestas regiões, o café iniciou seu grande desenvolvimento pela abundância de terras férteis, pelo bom clima e pela mão de obra escrava disponível. Ocupou o lugar das plantações de cana, algodão e alimentos, gerando escassez e carestia dos gêneros de abastecimento, além de ter promovido a derrubada e queimada de grandes extensões da mata atlântica. A segunda fase, que se iniciou a partir de metade do século XIX, após a proibição do tráfico de escravos, foi marcada pela expansão das lavouras para São Paulo, seguindo o vale do Paraíba e avançando pelo oeste paulista, depois de 1870. A grande demanda de mão de obra promoveu um aumento no preço dos cativos e um despovoamento das áreas de produção de açúcar no Nordeste, sobretudo. As lavouras do café no Rio de Janeiro e de São Paulo gerou significativas divisas, e uma nova, poderosa e politicamente forte aristocracia rural, a dos “barões do café”. Embora lucrativo, o plantio do café desgastava muito rapidamente o solo, razão para a constante movimentação nas áreas de cultivo e declínio da produção na região fluminense. Outro problema era a carência do uso de novas técnicas e instrumentos. A adoção de ferramentas como o arado e de máquinas a vapor para o beneficiamento, e mesmo de procedimentos simples como o enfileiramento dos pés, só foram adotados a partir dos anos 1870. Essa era uma das razões para o café brasileiro ser considerado de qualidade inferior, se comparado ao de outros países, o que não impediu, no entanto, que, ao longo do período imperial, o Brasil fosse o responsável por 50% da produção mundial, número que aumentou para 75% nas primeiras décadas da República.

[12]RIO DE JANEIRO: a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada tendo como marco de referência uma invasão francesa. Em 1555, a expedição do militar Nicolau Durand de Villegaignon conquista o local onde seria a cidade e cria a França Antártica. Os franceses, aliados aos índios tamoios confederados com outras tribos, foram expulsos em 1567 por Mem de Sá, cujas tropas foram comandadas por seu sobrinho Estácio de Sá, com o apoio dos índios termiminós, liderados por Arariboia. Foi Estácio que estabeleceu “oficialmente” a cidade e iniciou, de fato, a colonização portuguesa na região. O primeiro núcleo de ocupação foi o morro do Castelo, onde foram erguidos o Forte de São Sebastião, a Casa da Câmara e do governador, a cadeia, a primeira matriz e o colégio jesuíta. Ainda no século XVI, o povoamento se intensifica e, no governo de Salvador Correia de Sá, verifica-se um aumento da população no núcleo urbano, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar no entorno. No século seguinte, o açúcar se expande pelas baixadas que cercam a cidade, que cresce aos pés dos morros, ainda limitada por brejos e charcos. O comércio começa a crescer, sobretudo o de escravos africanos, nos trapiches instalados nos portos. O ouro que se descobre nas Minas Gerais do século XVIII representa um grande impulso ao crescimento da cidade. Seu porto ganha em volume de negócios e torna-se uma das principais entradas para o tráfico atlântico de escravos e o grande elo entre Portugal e o sertão, transportando gêneros e pessoas para as minas e ouro para a metrópole. É também neste século, que a cidade vive duas invasões de franceses, entre elas a do célebre Duguay Trouin, que arrasa a cidade e os moradores. Desde sua fundação, esta cidade e a capitania como um todo desempenharam papel central na defesa de toda a região sul da América portuguesa, fato demonstrado pela designação do governador do Rio de Janeiro Salvador de Sá como capitão-general das capitanias do Sul (mais vulneráveis por sua proximidade com as colônias espanholas), e pela transferência da sede do vice-reinado, em Salvador até 1763, para o Rio de Janeiro quando a parte sul da colônia tornou-se centro de produção aurífera e, portanto, dos interesses metropolitanos. Ao longo do setecentos, começam os trabalhos de melhoria urbana, principalmente no aumento da captação de água nos rios e construção de fontes e chafarizes para abastecimento da população. Um dos governos mais significativos deste século foi o de Gomes Freire de Andrada, que edificou conventos, chafarizes, e reformou o aqueduto da Carioca, entre outras obras importantes. Com a transferência da capital, a cidade cresce, se fortifica, abre ruas e tenta mudar de costumes. Um dos responsáveis por essas mudanças foi o marquês do Lavradio, cujo governo deu grande impulso às melhorias urbanas, voltando suas atenções para posturas de aumento da higiene e da salubridade, aterrando pântanos, calçando ruas, construindo matadouros, iluminando praças e logradouros, construindo o aqueduto com vistas a resolver o problema do abastecimento de água na cidade. Lavradio, cuja administração se dá no bojo do reformismo ilustrado português (assim como de seu sucessor Luís de Vasconcelos e Souza), ainda criou a Academia Científica do Rio de Janeiro. Foi também ele quem erigiu o mercado do Valongo e transferiu para lá o comércio de escravos africanos que se dava nas ruas da cidade. Importantíssimo negócio foi o tráfico de escravos trazidos em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, tornando-se um dos principais portos negreiros e de comércio do país. O comércio marítimo entre o Rio de Janeiro, Lisboa e os portos africanos de Guiné, Angola e Moçambique constituía a principal fonte de lucro da capitania. A cidade deu um novo salto de evolução urbana com a instalação, em 1808, da sede do Império português. A partir de então, o Rio de Janeiro passa por um processo de modernização, pautado por critérios urbanísticos europeus que incluíam novas posturas urbanas, alterações nos padrões de sociabilidade, seguindo o que se concebia como um esforço de civilização. Assume definitivamente o papel de cabeça do Império, posição que sustentou para além do retorno da Corte, como capital do Império do Brasil, já independente.

[13]BAHIA, CAPITANIA DA: estabelecida em 1534, teve como primeiro capitão donatário Francisco Pereira Coutinho, militar português pertencente à pequena nobreza que serviu nas possessões da Índia. Em 1548, fora revertida à Coroa e transformada em capitania real. Um ano mais tarde, com a fundação da cidade de Salvador, abrigou a primeira capital da colônia, posição que ocupou até 1763, quando a sede administrativa colonial foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, d. José I extinguiu as capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro e incorporou-as as suas áreas à Bahia. A ela também se subordinava, até 1820, a capitania de Sergipe d’El Rei. Sua geografia, no período colonial, estava dividida em três grandes zonas: o grande porto, que compreendia a cidade de Salvador; hinterlândia (área pouco ocupada, de desenvolvimento reduzido, subordinada economicamente a um centro urbano) agrícola, referente ao Recôncavo, e o sertão baiano, cada região com atividades econômicas específicas. A cidade de Salvador exerceu as funções de porto transatlântico para o tráfico de escravos e de cabotagem para o comércio de fumo, algodão, couro e açúcar (principal produto de exportação). No Recôncavo, destacava-se a agricultura comercial, concentrando um grande número de engenhos de açúcar. Também ali se praticava a cultura do fumo e, mais ao sul, uma agricultura de subsistência. No sertão, a principal atividade era a pecuária, tanto com produção de carne, de couro e de sebo, quanto para o fornecimento de gado que servia de força motriz nos engenhos e ao abastecimento de Salvador e do Recôncavo. Girando em torno da atividade açucareira, a vida sociopolítica baiana era reflexo da “grande lavoura”, na qual a hierarquia era dominada pelos senhores de engenho.

[14]TABACO: planta nativa da América, era usada pelos indígenas com finalidades terapêuticas, religiosas e de lazer. Logo no início da colonização do Brasil, o plantio do tabaco foi estabelecido pelos colonos portugueses e seus descendentes. Mas, foi somente a partir de meados do século XVII, que sua produção deixou de ser um cultivo caseiro para espalhar-se por amplas regiões da colônia lusitana, sobretudo norte e nordeste. Ao contrário do açúcar, o cultivo do tabaco não necessitava de grande capital, e qualquer um podia cultivá-lo com certa facilidade (ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007). Popularmente chamado de fumo, era apreciado também na Europa, a princípio baseado em sua fama medicinal. A variedade do tabaco em pó – o rapé – era exportado, ainda, para a Índia e China. Foi o segundo maior produto de exportação da América portuguesa até o século XVIII e uma das principais mercadorias de troca utilizada no comércio de escravos na costa africana. O tabaco comercializado na África era chamado refugo – fumo de qualidade inferior, rejeitado para os mercados europeu e asiático, mas que tinha grande aceitação no escambo por escravos africanos. Devido a sua crescente importância, ainda em 1674, foi criada a Junta da Administração do Tabaco, responsável por administrar o monopólio real e coibir o contrabando. Posteriormente, em 1702, criaram-se superintendências nos portos mais importantes da colônia, com vistas a controlar a qualidade e o mercado. Ao superintendente cabia: assistir aos despachos e à boa arrecadação do tabaco; conceder licenças e fiscalizar a pesagem antes de enrolado e beneficiado; ter conhecimento sobre denúncias de descaminhos do tabaco; castigar os transgressores na forma da lei, entre outras atribuições. A partir de 1751, estas atribuições passaram às Mesas de Inspeção. Foram regiões produtoras de tabaco: Pará, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco e, sobretudo, Bahia.

[15]TOUCINHO: gordura localizada abaixo da pele do porco, com o respectivo couro. A criação de suínos e a produção de toucinho destinavam-se ao consumo familiar e ao abastecimento dos mercados locais. O toucinho era o mais importante subproduto da criação de suínos. Alimento utilizado no preparo de todas as comidas, servia para cozinhar, untar e preservar os alimentos. Foi utilizado também para substituir a manteiga e o azeite. Separado da carne, o toucinho podia ser conservado por meio da salga, depois encaixotado e comercializado. A carne também podia ser salgada para a venda. Indispensável na dieta alimentar dos habitantes da colônia, o toucinho integrava obrigatoriamente o farnel de bandeirantes, tropeiros e viajantes, principalmente na sua versão salgada. Os escravos e a população pobre consumiam diariamente, acompanhado de feijão-preto e farinha de mandioca.

[16] SOLA: a sola é um produto derivado do couro do gado bovino. Caio Prado Jr, em Formação do Brasil Contemporâneo, ao falar da criação do gado vacum, lembra que era preciso atentar para a importância dos subprodutos, como o couro, que tinham grande participação no comércio colonial. Nas tabelas de exportações dos portos do Maranhão até os da Bahia, a sola aparece junto com os couros salgados, curtidos e as vaquetas. Em Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e minas, ao tratar da pecuária, Antonil se refere aos “meios de sola, que eram as metades de couros inteiros de bois, curtidos”. Como medida, um meio de sola correspondia à metade do couro curtido de um boi inteiro. A quantidade de meios de sola importada a cada ano por Portugal era de 110 mil unidades, o que correspondia, na época, a 201.800 réis. João Martins Pereira de Alencastre, presidente da província de Goiás entre 1861-1862 em seus Anais da província de Goiás, aponta a sola como um dos produtos comercializados com a província do Pará, constando que, em maio de 1805, 91 meios de sola e outros produtos, como açúcar, algodão e fumo, tenham saído do Porto de Santa Rita em Goiás em direção ao Pará.

[17]MASCARENHAS, D. FRANCISCO DE ASSIS (1779-1843): sexto conde da Palma e marquês de São João da Palma, nasceu em Lisboa, foi administrador colonial e político luso-brasileiro. Ao longo de sua carreira foi governador da capitania de São Paulo, de Minas e de Goiás. Em 1804, como governador de Goiás, d. Francisco foi o responsável por executar algumas reformas de caráter político, administrativo e econômico que ajudaram a capitania a sair da situação de penúria em que se encontrava devido à escassez de metais preciosos nas minas da região. Foi no governo de Mascarenhas que se cumpriu a determinação do alvará de 18 de março de 1809, que estabelecia a divisão da comarca de Goiás em duas, uma ao Norte, com sede em São João de Duas Barras, na confluência do rio Araguaia e do Tocantins, e a outra na parte centro-sul. Uma medida importante adotada em seu governo foi o incentivo à navegação dos rios Araguaia e Tocantins, favorecendo comerciantes e agricultores locais envolvidos na produção e na distribuição de gêneros provenientes da lavoura, que passavam a ter a possibilidade de escoar seus produtos pelo comércio fluvial entre Goiás e o Pará. A iniciativa de Mascarenhas recebeu respaldo da coroa, pois o regente d. João concedeu por meio da carta régia de 7 de janeiro de 1806 a isenção de pagamento de dízimos por 10 anos a todos os lavradores que se encarregassem de “fundar agriculturas nas margens dos rios Araguaia, Maranhão e Tocantins”. Mascarenhas incentivou outras atividades para a capitania além da mineração e da agricultura, como o comércio, a navegação e também a indústria, posteriormente ao alvará de 1º de abril de 1808 que permitiu as manufaturas no Brasil. Não se deteve apenas a promover a navegação dos rios do norte da capitania, mas também procurou facilitar o contato com São Paulo, por meio dos rios da parte sul do território, já que percorrer as estradas era muito mais dispendioso. Em 1809, depois de 5 anos de governo, d. Francisco Mascarenhas foi transferido para o governo de Minas Gerais, tomando posse em seu lugar, Fernando Delgado Freire.

[18]SEGURADO, JOAQUIM TEOTÔNIO (1775-1831): natural de Moura, em Portugal, foi ouvidor da capitania de Goiás de 1804 a 1809, período no qual apresentou algumas propostas de desenvolvimento para a província, entre as quais se destacam: a divisão da província em duas comarcas; a tentativa de promover a navegação fluvial; a abertura de uma estrada entre Rio de Janeiro e Pará passando por Goiás; além de um serviço de correios entre as duas capitanias por meio da rota já existente que passava pelo norte de Goiás. Para a administração da recém-criada comarca do norte, que hoje constitui aproximadamente o estado do Tocantins e parte do sul do Pará, o príncipe regente d. João designou o desembargador Joaquim Teotônio Segurado, que já havia sido ouvidor de Goiás, encarregado de cuidar da nova comarca, que teria estatuto de capitania. Foram duas as sedes da capitania, que existiu entre 1808 e 1814: a vila de São João das Duas Barras e a vila de Palma, criada pelo alvará de 25 de fevereiro de 1814, que ainda a isentava de pagar os dízimos e as décimas por um prazo de 10 anos. Joaquim Teotônio Segurado foi o responsável pelo incentivo à agricultura e à mineração na capitania que passou a escoar metais preciosos pelo rio Tocantins até Belém, e de lá até Lisboa. Em 7 de agosto de 1821, elegeu-se deputado junto às Cortes de Lisboa pela capitania de Goiás para discutir as implicações que a constituição liberal jurada por d. João VI teriam para o Brasil. Respondeu às manifestações de independência de Portugal constituindo um governo provisório ainda em 1821, não sob liderança dos rebeldes que desejavam romper com a metrópole, mas comandado pelo próprio que apoiava integralmente a d. João e às Cortes de Lisboa. Depois da independência do Brasil recolheu-se da vida pública. Foi assassinado em vila de Palma, supostamente ainda em razão de se ter oposto à independência da capitania.

Recomendações ao vice-rei

Carta de d. Rodrigo de Souza Coutinho, secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, ao conde de Resende, d. José de Castro, vice-rei do Brasil, informando que, a fim de obter o aumento da agricultura, é necessário introduzir novos artigos de cultura ou aperfeiçoar os antigos métodos de cultivar o terreno, recolher e preparar as produções, poupando mão-de-obra que pode ser empregada em outros setores. Recomenda, que a câmara estabeleça prêmios para os agricultores pioneiros na introdução das novas práticas, e que a Mesa de Inspeção remeta à Secretaria de Estado uma descrição dos métodos praticados na cultura e manipulação de gêneros como algodão, café e cana, e das máquinas de que se servem.

Conjunto documental: Correspondência da Corte com o vice-reinado
Notação: códice 67, vol. 23
Datas-limite: 1798-1798
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: agricultura
Data do documento: 4 de janeiro de 1798
Local: Lisboa
Folha(s): 4

 

Ilustríssimo e excelentíssimo senhor

Sua majestade desejando promover por todos os meios a felicidade dos seus vassalos, que depende em grande parte da abundância das produções do próprio país, a qual só se pode conseguir pelo aumento da agricultura[1] ou seja introduzindo novos artigos de cultura, ou aperfeiçoando os antigos métodos de cultivar o terreno[2], e recolher, e preparar as suas produções; com estes fins manda recomendar a Vossa Excelência procure introduzir nessa capitania o uso de bois, e arados para cultivar as terras, com os quais se poupam muitos braços[3], que se podem empregar em outras coisas igualmente interessantes; assim como a economia das lenhas particularmente nas fornalhas dos engenhos de açúcar[4], inculcando o método de queimar canas já moídas, como praticam os ingleses e franceses nas Antilhas[5]. E para que estas interessantes práticas se possam conseguir mais facilmente manda recomendar a mesma senhora a Vossa Excelência que veja se lhe é possível conseguir das câmaras que estabeleçam prêmios.

Com o mesmo fim manda recomendar a Sua Majestade a Vossa Excelência que ordene à Mesa da Inspeção dessa capitania, que remeta a esta Secretaria de Estado uma descrição dos métodos, que atualmente se praticam para a cultura, e manipulação dos gêneros, que se exportam das colônias, assim como das máquinas[6] de que se servem para limpar e, descascar o algodão[7] e café[8], e particularmente de tudo o que diz respeito ao açúcar[9] - fornalhas - engenho - e depuração do mesmo.

Deus guarde a Vossa Excelência. Palácio de Queluz em 4 de janeiro de 1798.

Dom Rodrigo de Souza Coutinho[10]

Senhor Conde de Rezende

Dom José de Castro[11].

 

 

[1] AGRICULTURA: durante a maior parte do período colonial o sistema agrícola brasileiro se caracterizou pela grande lavoura monocultora e escravista voltada para exportação, definida por Caio Prado Junior pelo conceito de plantation. Entretanto, podiam ser encontradas também em menor escala as pequenas lavouras, policultoras e de trabalho familiar. Com a chegada da família real e toda a estrutura do Estado português, houve a necessidade de incremento no abastecimento de gêneros agrícolas especificamente para o mercado interno. À época, a estrutura agrária brasileira era pautada pela rusticidade dos meios de produção, pela adubação imprópria e falta da prática do arado, enfim, o que havia era a presença modesta de técnicas modernas de cultivo. D. João VI, atento a essa situação emergencial, criou, em 1812, o primeiro curso de agricultura na Bahia e, em 1814, no Rio de Janeiro, uma cadeira de botânica e agricultura, entregue a frei Leandro do Sacramento. O objetivo era o melhor conhecimento das espécies nativas, não apenas para descrição e classificação, mas também para descobrir seus usos alimentares, curativos e tecnológicos. Mais do que isso, a incentivo aos estudos botânicos e agrícolas era parte de uma nova mentalidade de promoção das ideias científicas, que já vinha sendo implementada em Portugal desde o final do século XVIII. A agricultura era vista como uma verdadeira “arte”, pois era o melhor exemplo de como o homem era capaz de “domesticar” a natureza e fazê-la produzir a partir das necessidades humanas. Significava a interferência do Estado em prol do aproveitamento racional das riquezas naturais, orientado pelas experimentações e pela própria razão.

[2] APERFEIÇOANDO OS ANTIGOS MÉTODOS DE CULTIVAR O TERRENO: Até meados do século XVIII, os métodos utilizados na agricultura eram ainda muito rudimentares e desgastavam demasiadamente o solo. Na colônia, a queimada do terreno (coivara) e o desmatamento eram a forma mais frequente de preparar a terra para novos cultivos, de conseguir lenha para os engenhos de açúcar, e de criar pastos para o gado. O naturalista Frei José Mariano da Conceição Velloso, na obra ilustrada de 11 volumes intitulada O Fazendeiro do Brasil melhorado na economia dos gêneros já cultivados e de outros, publicada entre os anos de 1798 e 1806, reprovava a atitude dos colonos de atear fogo à mata e cortar da madeira de forma discriminada. Frei Velloso, dirigindo-se ao rei de Portugal, recomendava que para melhorar a economia rural, era preciso que se substituíssem os "escravos, fossem eles racionais ou irracionais, por bois, cavalos, bestas muares". Em relação aos instrumentos e ferramentas, recomendava que no "lugar de machados, foices, e enxadas fossem usados arados e charruas; em lugar das cinzas de lenhos, tão preciosos, e necessários, marnes, estrumes, e todos os outros adubos; em uma palavra; tudo quanto a sábia, e iluminada Europa usa nas suas lavouras". Um dos principais representantes do pragmatismo ilustrado português, d. Rodrigo de Souza Coutinho, insistia que o "aperfeiçoamento dos antigos métodos de cultivar o terreno", era a forma mais adequada de melhorar a agricultura, reduzindo os gastos com energia e mão de obra, e acelerando o processo produtivo na colônia. Um dos métodos indicado pelo conde de Linhares, que passou a ser usado de fato na Bahia e no Rio de Janeiro, era o emprego do bagaço da cana-de-açúcar como combustível nos engenhos, que além de reduzir em 2/3 os custos com energia, poupava as matas e dava um destino ao bagaço não aproveitado pelo gado. Todas essas técnicas eram usadas nas Antilhas, como ressaltou frei Velloso, e eram as responsáveis pelo impulso que o açúcar das ilhas alcançou no mercado, sobrepujando o brasileiro. As tentativas de racionalizar a produção foram sendo realizadas ainda que enfrentassem a resistência dos próprios colonos, que estavam apegados às práticas ainda medievais e não aceitavam bem a atualização das técnicas agrícolas. O aprimoramento dos métodos e técnicas de cultivo passou a fazer parte da política de Estado na regência joanina, influenciado por estadistas esclarecidos, interessados em rever a economia política portuguesa, incrementando a riqueza do reino por meio de aplicações práticas das ideias iluministas.

[3]BRAÇOS: em finais dos setecentos, lavoura e mineração dividiam os “braços” – mão de obra –, principalmente dos escravos africanos que ainda não entravam no Brasil na mesma quantidade dos milhares que seriam traficados na primeira metade do século XIX. Tal escassez aumentava os custos da produção agrícola, já que seria necessária a compra de mais escravos para suprir os engenhos e lavouras. O programa ilustrado português impulsionou o uso de novos métodos e instrumentos que possibilitassem o aumento da produtividade no campo e a liberação dos “braços” para outras atividades nas quais eram indispensáveis. D. Rodrigo de Souza Coutinho, então secretário da Marinha e Ultramar, foi grande incentivador do uso de novas técnicas para o aumento da produção de alguns produtos, como o algodão, o café (já neste período) e, principalmente, o açúcar – alvo de competição com o produto das Antilhas, produzido de acordo com as novas tecnologias de produção agrícola e manufatureira. Embora possa parecer contraditório, em benefício do aumento da riqueza do Império, recomendava-se o aperfeiçoamento das lavouras coloniais e o emprego de manufaturas e máquinas, que possibilitariam o uso dos “braços” “em outras coisas igualmente interessantes”.

[4]ENGENHO DE AÇÚCAR: durante o período colonial o termo “engenho” designava o mecanismo usado para moer a cana, no início do processo de preparo do açúcar. Passa a referir-se ao complexo no qual se fabricava açúcar e toda área da fazenda – as terras, as plantações, a capela, a casa senhorial, a senzala, as ferramentas, e a moenda – posteriormente, desde a segunda metade do século XIX, conceito cunhado por historiadores e estudiosos da agricultura e economia coloniais. Os engenhos de cana (moendas) se dividiam em dois tipos: os engenhos reais, movidos a água – que apresentavam maior riqueza e complexidade, empregavam um grande número de oficiais de serviço e trabalhadores especializados, contavam com grande contingente de mão de obra escrava, grande plantação própria (além de comprar a produção de engenhos menores) e possuíam toda a maquinaria para produzir o açúcar, cobrindo todo o processo – e os movidos a tração animal – menores em tamanho e capacidade de produção, exigiam investimentos inferiores, também chamados engenhocas ou trapiches, e mais utilizados na produção de aguardente. Os engenhos, como unidades produtivas, tiveram um papel central na colonização, ocupação e povoamento do território da colônia. A maior parte da primeira geração de senhores de engenho não era formada por nobres ou grandes investidores, mas por plebeus que auxiliaram na conquista e povoamento da costa brasileira. Com o tempo, a expansão do açúcar e o consequente aumento da sua importância para a economia metropolitana, o status do senhor de engenho cresceu proporcionalmente. Os engenhos constituíam verdadeiros núcleos populacionais, em torno dos quais e de suas capelas, se formavam vilas e se construíam as defesas das fronteiras das capitanias. Os grandes engenhos tinham em torno de 60 a 100 escravos, e muito poucos ultrapassavam a marca de 150-200 cativos, dos quais, em média, 75% trabalhavam nos campos, 10% na manufatura do açúcar, e o restante dedicava-se a atividades domésticas ou não relacionadas ao trato açucareiro. Os engenhos, assim como o açúcar, tinham grande valor, mas um alto custo: as terras, o beneficiamento, os instrumentos, os escravos, as construções encareciam a produção, que apresentava, em geral, baixos rendimentos, descontados os gastos do senhor. A maior parte dos engenhos era muito pouco ou não lucrativa, fazia o suficiente para sua subsistência, ou lucrava mesmo com a produção da aguardente. Algumas poucas unidades geraram fortunas; a maioria rendia pouco e muitos acumularam grandes dívidas. Ao contrário do que comumente se pensa, a capitania que mais concentrava engenhos, em quantidade e grandeza, era a Bahia, e não Pernambuco, seguida pelo Rio de Janeiro, e então por aquela. A lucratividade variava muito, de acordo com: a safra de cana (influenciada pelas condições climáticas e de solo); as epidemias que assolavam vez ou outra a população escrava e de trabalhadores pobres; a falta de gêneros (como lenha, água, animais) e as dívidas que se acumulavam. Apesar das dificuldades, os engenhos não eram abandonados, e a produção açucareira, embora oscilasse de acordo com as ofertas e demandas do mercado europeu e suas colônias, não perdeu sua importância no Brasil. Os engenhos representavam um microcosmo da sociedade aristocrática rural, apoiada no poder patriarcal e político do senhor, base da sociedade brasileira em construção, bem analisada por Gilberto Freyre em sua obra. Mais do que representação de riqueza, o engenho tinha grande importância simbólica, um signo de poder e um sinal de distinção. Os senhores de engenho dominaram a política local durante décadas e, até o século XVIII, ocuparam a maior parte dos postos de oficial nas milícias locais, formando durante todo o período colonial um poderoso grupo de pressão, uma vez que a metrópole precisava de sua lealdade e de seus investimentos para manter a colônia e torná-la rentável. Havia uma hierarquia entre os senhores de engenho, que dependia basicamente da tradição da família e do tipo de propriedade que possuíam. Embora a maior parte dos lucros resultantes da produção de açúcar se concentrasse na atividade comercial, era a produção agrícola que concedia prestígio e poder.

[5]ANTILHAS: denominação geral das ilhas da América Central, do mar do Caribe, a oeste do Atlântico, também chamadas de Índias Ocidentais. Compreendem hoje, entre outros, os seguintes países: Bahamas, Cuba, Jamaica, Haiti, República Dominicana, Barbados, São Vicente e Granadinas, Granada e Trinidad e Tobago. Dos colonizadores europeus, os primeiros a conquistarem as ilhas foram os espanhóis, seguidos pelos franceses, holandeses, ingleses e até mesmo dinamarqueses. As Antilhas espanholas eram compostas pelo que atualmente corresponde a Cuba, Porto Rico, República Dominicana e algumas ilhas do litoral da Venezuela. As holandesas compreendiam as ilhas de Bonaire, Curaçao, Aruba, ilha das Neves, Antígua e a parte sul da ilha de São Martinho. As francesas correspondiam ao Haiti (São Domingo), ilha São Vicente, parte da ilha de Guadalupe, ilha de São Bartolomeu, ilha de Santa Luzia, Martinica, Dominica. Os territórios da Jamaica, das Ilhas Virgens, São Cristóvão, São Martinho, Bahamas, La Anguila, Barbuda, Trinidad e Tobago, Granada, São Vicente e Granadinas eram possessão inglesa. Os principais itens de exportação produzidos na região durante toda época colonial foram o açúcar, o tabaco, o café e o anil. Durante todo o século XVII e parte do XVIII, o açúcar antilhano, sobretudo o fabricado pelos holandeses, extraído da beterraba, foi o grande rival do açúcar produzido pelos portugueses no Nordeste brasileiro, proveniente da cana-de-açúcar. Tornou-se um produto tão importante que passou a designar o arquipélago, conhecido como Sugar Lands, “as terras do açúcar”, destinadas e dependentes da exploração do “ouro branco”.

[6]MÁQUINA A VAPOR: a ideia de criação de uma máquina que substituísse a força humana ou animal em trabalhos braçais existe desde a Antiguidade. A máquina a vapor desenvolvida por James Watt em 1769 era, na verdade, um motor movido a vapor de água, que revolucionou a manufatura e a indústria nos séculos XVIII e XIX. Uma das primeiras aplicações da “máquina” foi na indústria têxtil, quando os teares deixaram de ser manuais, isto é, movidos pela força de quem os manipulava, para serem mecânicos, acionados pela energia produzida pelo motor. Na prática, essa invenção proporcionou, de imediato, um aumento de produtividade, e consequentemente da produção, diminuindo o uso de mão de obra. Esteve na base da revolução industrial iniciada na Grã-Bretanha nos setecentos e foi sendo paulatinamente utilizada nos outros setores da indústria e expandindo-se por toda Europa. Em linhas gerais, o motor funcionava utilizando o vapor de água em ebulição como “combustível”. Para gerar a combustão, inicialmente, se usou lenha e depois o carvão. No século XIX, as máquinas foram inventadas com diversos propósitos, mas foram especialmente úteis e usadas no processo agrícola, para beneficiar matérias-primas. A partir da descoberta da eletricidade, e posteriormente do uso de outros combustíveis, como gases, óleos e o diesel, na segunda revolução industrial, a partir de fins do oitocentos e já no século XX, a tecnologia do vapor tornou-se obsoleta. Nos engenhos, teria a função de acelerar a moagem da cana-de-açúcar, substituindo a tração animal, as rodas d’água, e mesmo a força de trabalho escrava.

[7]ALGODÃO: diversas espécies nativas de algodão podiam ser encontradas no Brasil desde os primeiros anos de colonização. A chegada das primeiras técnicas de fiação e tecelagem com a fibra algodoeira, no entanto, datam do século XVII, quando as roupas de algodão passaram a ser utilizadas para a vestimenta dos escravos nos meses mais quentes. A partir da segunda metade do século XVIII, a crescente demanda pelo consumo de algodão pelo Império britânico forçou a expansão do cultivo e a fabricação de fios no Brasil. Esse processo provocou uma segunda onda de interiorização da produção mercantil para exportação, isso porque o plantio do algodão é mais propício em clima seco, com chuvas regulares, ou seja, em áreas afastadas do litoral. Foi no Maranhão, através dos incentivos criados pela Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que a produção algodoeira obteve crescimento mais intenso e longevo, perdurando até meados do século XIX. No Estado do Grão-Pará e Maranhão, serviu ainda ao pagamento dos funcionários régios e às transações comerciais (na forma de novelos ou de peças de pano) até 1749, quando foi introduzida a moeda metálica naquela região. No Oitocentos, apesar da onda de produção crescente, o baixo preço e a qualidade superior do algodão norte-americano terminaram por suplantar o produto brasileiro nos mercados internacionais.

[8]CAFÉ: planta de origem etíope da família das rubiáceas, começou a ser utilizada como bebida na Arábia. A expansão do consumo pela Europa deu-se entre os séculos XVII e XVIII, por suas qualidades estimulantes. Consta que sua introdução no Brasil, em 1727, foi feita pelo oficial português Francisco de Melo Palheta, que plantou as primeiras mudas no Pará. Ao longo do século XX, o café tornou-se uma bebida popular e seu consumo e produção se expandiram, principalmente a partir de 1865, quando passou a ser comercializado torrado e empacotado (anteriormente era vendido em grãos). Destacam-se no Brasil duas grandes fases de expansão cafeeira. A primeira, no início do Oitocentos até os anos 1850, teve início nas encostas do morro da Tijuca em plantações caseiras, até a expansão por todo o vale do rio Paraíba do Sul, a leste e oeste, com foco na região da cidade de Vassouras, o maior centro produtor da época. Nestas regiões, o café iniciou seu grande desenvolvimento pela abundância de terras férteis, pelo bom clima e pela mão de obra escrava disponível. Ocupou o lugar das plantações de cana, algodão e alimentos, gerando escassez e carestia dos gêneros de abastecimento, além de ter promovido a derrubada e queimada de grandes extensões da mata atlântica. A segunda fase, que se iniciou a partir de metade do século XIX, após a proibição do tráfico de escravos, foi marcada pela expansão das lavouras para São Paulo, seguindo o vale do Paraíba e avançando pelo oeste paulista, depois de 1870. A grande demanda de mão de obra promoveu um aumento no preço dos cativos e um despovoamento das áreas de produção de açúcar no Nordeste, sobretudo. As lavouras do café no Rio de Janeiro e de São Paulo gerou significativas divisas, e uma nova, poderosa e politicamente forte aristocracia rural, a dos “barões do café”. Embora lucrativo, o plantio do café desgastava muito rapidamente o solo, razão para a constante movimentação nas áreas de cultivo e declínio da produção na região fluminense. Outro problema era a carência do uso de novas técnicas e instrumentos. A adoção de ferramentas como o arado e de máquinas a vapor para o beneficiamento, e mesmo de procedimentos simples como o enfileiramento dos pés, só foram adotados a partir dos anos 1870. Essa era uma das razões para o café brasileiro ser considerado de qualidade inferior, se comparado ao de outros países, o que não impediu, no entanto, que, ao longo do período imperial, o Brasil fosse o responsável por 50% da produção mundial, número que aumentou para 75% nas primeiras décadas da República.

[9]AÇÚCAR: produto extraído principalmente da cana-de-açúcar e da beterraba, também chamado sacarose, constituiu uma das fontes de financiamento da expansão portuguesa. Originária da Nova Guiné, a cana sacarina foi trazida pelos árabes que a introduziram no norte da África e na Europa mediterrânea. Por muito tempo foi uma especiaria rara e de propriedades medicinais, além de seu emprego como tempero nas conservas e doces. Em Portugal, a cultura da cana existiu desde o século XIV no Algarves e na região de Coimbra, passando para a ilha da Madeira na costa africana, em meados do século seguinte, até ser bem-sucedido nas ilhas de São Tomé e Príncipe na primeira metade do século XVI. Não há precisão quanto à data de introdução da cana-de-açúcar no Brasil, embora se assinale sua presença na capitania de Pernambuco nas primeiras décadas do Seiscentos. Já o início da maior sistematização de seu plantio teria se dado a partir da segunda metade do século XVI. A fabricação do açúcar exigia alguns requisitos: por um lado, a instalação de um engenho demandava capitais consideráveis, por outro, requeria trabalhadores especializados. Exceto por esses trabalhadores, livres e assalariados, a mão de obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas, após 1570, os africanos tornaram-se cada vez mais comuns. O comércio da escravatura converteu-se em um lucrativo negócio nessa época. O cultivo da cana-de-açúcar progrediu ao longo do litoral brasileiro na direção norte, se desenvolvendo mais no Nordeste, especialmente nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, sendo esta última a maior produtora de açúcar do Brasil, com 66 engenhos no fim do Quinhentos. Nesse período, a maior parte do açúcar brasileiro destinava-se ao mercado internacional, chegando a portos do norte da Europa, especialmente Londres, Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã, onde eram refinados e comercializados. A cultura da cana-de-açúcar foi também muito importante, para o mercado interno. Muitos engenhos aproveitavam o açúcar para a produção da aguardente que, consumida localmente, dava grandes lucros aos seus senhores chegando a ter sua comercialização proibida pela Coroa. A fabricação de açúcar foi, seguramente, o primeiro empreendimento econômico a funcionar de modo organizado nas terras brasileiras. Outras atividades surgiram, mas a empresa açucareira se manteve na liderança por mais de um século.

[10]COUTINHO, RODRIGO DE SOUZA (1755-1812): afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.

[11]CASTRO, D. JOSÉ LUÍS DE (1744-1819): 2º conde de Resende foi governador e capitão-general da Bahia de 1788 a 1801, de onde seguiu para o Rio de Janeiro como vice-rei do Estado do Brasil até 1806. Considerado um administrador colonial com baixa popularidade, durante sua administração ocorreram a Conjuração Mineira e o julgamento e condenação dos envolvidos, dentre eles, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, preso, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro. Foi responsável também pelo fechamento e pela devassa da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, academia voltada para literatura e filosofia natural, acusada pela sedição conhecida como a Conjuração do Rio de Janeiro, ocorrida em 1794. A administração de conde de Resende contribuiu para a urbanização da cidade do Rio de Janeiro e melhoria das condições sanitárias. Em relação à iluminação pública, instalou lamparinas com óleo de peixe, criou o primeiro Regulamento de Higiene, em 1797, e acabou com o despejo sanitário no Campo de Santana, aterrando a área contaminada e transformando-a em um grande “rossio”. Concluiu a reforma do Paço dos Vice-Reis, entre outras importantes obras de canalização e distribuição de água. Em 1792, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho foi criada, instituição encarregada da formação de engenheiros militares no país. A nomeação como Marechal de Campo, em 1795, sugere que atuou nas guerras contra a França, entre 1793 e 1795, concomitantemente com o vice-reinado. De volta a Portugal, foi nomeado Conselheiro de Guerra e recebeu a Grã-Cruz da Ordem de São Bento de Avis.

Remessa de produções asiáticas para o Brasil

Carta enviada ao governador do Estado português na Índia, conde de Sarzedas, Bernardo José Maria Lorena e Silveira, e ao tenente coronel da armada de Goa José Joaquim da Silva Freitas por d. Rodrigo de Souza Coutinho recomendando a obtenção e o envio de sementes e mudas de plantas "asiáticas" que poderiam se adaptar ao clima e aos terrenos do Brasil. O ministro recomenda produtos que estavam entre os mais valorizados no comércio de especiarias, além de madeiras, café e até mesmo cavalos. Entre as sugestões, sementes de teca, canela do Ceilão, cardamomo, sândalo, cravo, noz moscada, cada uma dessas enviada de uma região diferente da Ásia, como Onor, Talacheira, Cananor, Goa, Alapé, Mangalor, Ilhas Malacas, Pulo Penang, entre outras.

Conjunto documental: Avisos e ofícios. Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Guerra.
Notação: IJJ¹ 758
Datas-limite: 1808 -1808
Título do fundo: Série Interior
Código do fundo: A6
Argumento de pesquisa: agricultura
Data do documento: 12 de novembro de 1808
Local: Rio de Janeiro
Folha(s): -

Leia esse documento na íntegra 

 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor = Sendo o constante cuidado de Sua Alteza Real, o príncipe regente[1] nosso senhor, promover por todos os modos o melhoramento e progresso dos seus vastos domínios do Brasil[2], cujos terrenos são certamente muito próprios, como vossa excelência conhece, para toda a qualidade de produções asiáticas[3], me ordena Sua Alteza Real que recomende ao zelo, e atividade de vossa excelência a diligência de fazer remeter para aqui sementes, e pequenas árvores de teca[4], que vossa excelência poderá haver com facilidade de Damão pelo governador de Alapé[5], pelo diretor da nação Francisco Gomes Arouca e de Goa[6] pelo chanceler Antônio Gomes Pereira e Silva, tendo Vossa Excelência a lembrança de ordenar que as sementes venham em vasos de vidros, muito bem tapados, para que possam chegar em estado de poderem produzir = Semelhantemente encarrega Sua Alteza Real a vossa excelência de fazer transplantar para aqui a canela[7] de Ceilão, e o cardamomo[8], o que Vossa Excelência poderá obter pelo citado diretor de Alapé que muito comodamente as transportará na sua corveta, que regularmente navega para Columbo e Ponta de Galé[9], sendo certo que este homem pelas suas circunstâncias poderá conseguir, e [engajar] uma pessoa que tenha a necessária inteligência para descascar a canela e que sendo natural da Ilha de Ceilão terá a vantagem de falar o português baixo, que é língua franca em toda a Costa de Malabar[10] = Não menos seriam a desejar as árvores de sândalo[11], que poderiam vir de Onor, Mangalor, Talacheira, Cananor[12] e Alapé, uma vez que vossa excelência as pedisse ao enviado britânico do governo general de Bengala[13], pois que este certamente lhas faria haver muito prontamente pelos diferentes coletores daqueles distritos = O cravo[14] e a noz moscada[15] merecem igual atenção, e desejo de se haverem, e portanto não omitirá vossa excelência também esta diligência ocorrendo a lembrança de poder haver estes artigos das Ilhas Molucas[16], e de Pulo Penang[17] por algum capitão hábil dos que navegam de Macau[18] e Timor[19] para aqueles Portos, e posto que o café[20], deste país particularmente, é já quase semelhante ao de Moca[21], com tudo como o de Goa se reputa igual a este, não deixe vossa excelência de ir enviando progressivamente pequenos pés desta árvore quando ofereça oportuna ocasião. = Finalmente incumbe Sua Alteza Real a vossa excelência a tentativa de enviar para aqui alguns cavalos pais do país dos Persas, e Árabes, com algumas éguas escolhidas, a fim de melhorar as raças, e conseguir este importante objeto, que tanto se tem negligenciado no Brasil. E por que para tudo isto devem ser necessárias somas maiores do que permitem as poucas facilidades das finanças desse Estado, vossa excelência indicará desta despesa para lhe ser imediatamente satisfeita e segurarei a vossa excelência que a execução desta Reais Ordens manifestando o reconhecido zelo, e atividade de vossa excelência será um serviço que Sua Alteza Real terá sempre muito presente = Deus guarde a Vossa Excelência = Palácio do Rio de Janeiro em 12 de novembro de 1808 = D. Rodrigo de Souza Coutinho[22] = Senhor Conde de Sarzedas[23] = José Joaquim da Silva Freitas

 

[1]JOÃO VI, D. (1767-1826): segundo filho de d. Maria I e d. Pedro III, se tornou herdeiro da Coroa com a morte do seu irmão primogênito, d. José, em 1788. Em 1785, casou-se com a infanta Dona Carlota Joaquina, filha do herdeiro do trono espanhol, Carlos IV que, na época, tinha apenas dez anos de idade. Tiveram nove filhos, entre eles d. Pedro, futuro imperador do Brasil. Assumiu a regência do Reino em 1792, no impedimento da mãe que foi considerada incapaz. Um dos últimos representantes do absolutismo, d. João VI viveu num período tumultuado. Foi sob o governo do então príncipe regente que Portugal enfrentou sérios problemas com a França de Napoleão Bonaparte, sendo invadido pelos exércitos franceses em 1807. Como decorrência dessa invasão, a família real e a Corte lisboeta partiram para o Brasil em novembro daquele ano, aportando em Salvador em janeiro de 1808. Dentre as medidas tomadas por d. João em relação ao Brasil estão a abertura dos portos às nações amigas; liberação para criação de manufaturas; criação do Banco do Brasil; fundação da Real Biblioteca; criação de escolas e academias e uma série de outros estabelecimentos dedicados ao ensino e à pesquisa, representando um importante fomento para o cenário cultural e social brasileiro. Em 1816, com a morte de d. Maria I, tornou-se d. João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarves. Em 1821, retornou com a Corte para Portugal, deixando seu filho d. Pedro como regente.

[2] VASTOS DOMÍNIOS DO BRASIL: os domínios do Brasil, em princípios do século XIX, compreendiam as seguintes capitanias gerais e subalternas: Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo, Pará, Maranhão, Goiás, Mato Grosso, Ceará, São José do Rio Negro, Piauí, Rio Grande (do Norte), Paraíba, Espírito Santo, Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande. Estas capitanias estavam sob a administração central da Coroa, com o nome de Estado do Brasil, cuja sede, a partir de 1763, passou a ser o Rio de Janeiro. Entretanto, os domínios do Brasil englobavam também as antigas divisões administrativas e territoriais da América Portuguesa: Estado do Brasil e Estado do Maranhão, posteriormente, Estado do Grão-Pará e Maranhão. Criados em 1621, ainda sob o reinado de Filipe III da Espanha (durante a união ibérica), vigoraram até meados do século XVIII, quando a governação pombalina promoveu uma centralização administrativa da colônia. O Estado do Brasil compreendia capitanias de particulares e capitanias reais (incorporadas à Coroa por abandono, compra ou confisco), e era administrado por um conjunto de órgãos que foram se profissionalizando depois da segunda metade do século XVIII, com competências fazendária, civil, militar, eclesiástica, judiciária e política.

[3] ESPECIARIAS: Palavra proveniente do termo latim especia = substância. Tinha o sentido de substâncias raras e caras, usadas em pequenas quantidades, para fins de perfumaria, remédios e condimentos (principalmente na conservação dos alimentos). A necessidade do uso de especiarias e outros gêneros na alimentação e conservação foi um dos motores das grandes navegações no século XVI, em busca de novos caminhos para o Oriente e de terras onde se pudessem explorar essas riquezas. A noz-moscada, o gengibre, a canela, o cravo-da-índia, a pimenta (líder absoluta da preferência das importações), e, por algum tempo, o açúcar são alguns exemplos de especiarias apreciadas pelos europeus na Idade Moderna. O açúcar deixou de ser considerado uma especiaria com o início de seu consumo em massa, a partir da monocultura de cana-de-açúcar fomentada pelos portugueses. A expressão francesa “caro como pimenta” data desta época, sendo utilizada para caracterizar o alto preço de um algum produto, assim como o valor das especiarias.

[4] TECA: de nome científico Tectona grandis, a teca é uma árvore de alto porte, originária do sudeste asiático, cuja madeira foi muito utilizada pelos portugueses para a construção naval. Substituiu os pinheiros e carvalhos europeus, que antes constituíam a base das embarcações lusas. Sua madeira é de alta densidade, mas leve e muito resistente, ideal para grandes construções, como as naus, e ainda garantiam maior durabilidade. No entanto, se para Portugal era interessante o uso da árvore indiana, devido a sua resistência, por outro lado, era muito dispendioso produzir navios em Goa, em vez de Lisboa. Algumas sementes dessa madeira chegaram ao Brasil via Angola em 1788 e dez anos depois, foi solicitado ao vice-rei da Índia o envio de mudas de teca, oriundas de Damão para serem plantadas em solo brasileiro. Essa medida, adotada pela administração portuguesa de acordo com as ideias ilustradas, coincide com a perda de possessões portuguesas no Oriente, que levou à necessidade de aclimatar especiarias e drogas, além de outras plantas originárias da região da Índia, e que eram de grande importância para o consumo e comércio português com suas colônias e com outros estados europeus. Em 1802, o desembargador e letrado Baltasar da Silva Lisboa registrou que mudas de teca estavam sendo plantadas em toda parte do Brasil. Mas, foi na comarca de Ilhéus, Bahia, onde a árvore melhor se adaptou, sendo cultivada na região desde 1800.

[5]ALAPÉ: também chamada Allepey, atual Alappuzha, a cidade fica no estado de Kerala, extremo sudoeste da Índia, entre as cidades de Cochim (ao norte) e Trivandrum, atual Thiruvananthapuram, capital do reino de Travancor (ao sul). A região da costa do Malabar recebeu os primeiros portugueses que chegaram às Índias em 1498, com a viagem de Vasco da Gama. A cidade/distrito de Cochim começou a ser ocupada em 1500 e tornou-se o centro da presença portuguesa, à qual Alapé se submetia. A cidade ficou conhecida no século XX como a “Veneza do Oriente”, devido à sua formação repleta de canais, lagoas e rios. Durante a ocupação portuguesa no século XVI, foi centro irradiador das missões católicas na Índia, além de região do comércio de especiarias. Fazia parte da diocese de Cochim, do padroado português do Oriente, contando com a presença constante de missionários jesuítas que, empenhados na conversão da população indígena, construíram um colégio e seminário, além de igrejas e a catedral. No século XVII os portugueses foram expulsos pelos holandeses, remanescendo um núcleo de padres católicos em Allepey.

[6]GOA, DIU E DAMÃO: foram as maiores cidades do Estado português da Índia, grandes centros comerciais e polos receptores de gêneros e matérias-primas das outras regiões, a serem redistribuídos pelo Império luso. Embora os portugueses tenham se espalhado pela costa da Índia, foram essas as três regiões que permaneceram pontos ativos do império atlântico até o século XX (reconquistadas em 1961). Goa, a maior dessas cidades, situada na costa do Malabar, foi desde o século XV, a sede das possessões no sudeste asiático. Conquistada em 1510 por Afonso de Albuquerque, era uma região estratégica, cercada de áreas de produção agrícola, recebia a maior quantidade de navios e cargas de outros pontos da península e proporcionava aos portugueses o controle de comércio do oceano índico. Goa foi um dos vértices do comércio luso no Atlântico – assim como Luanda, Lisboa, Salvador e Rio de Janeiro – e, embora o comércio com as possessões lusas na Índia tivesse entrado em decadência a partir do século XVIII (devido aos grandes gastos com guerras para mantê-las e ao contrabando, que diminuía consideravelmente os lucros da Coroa), a cidade permaneceu o ponto forte de Portugal na região. Ao longo do período colonial, os navios carregados de tecidos e outros produtos “finos” (como porcelanas e especiarias) da Índia deixavam os portos de Goa em direção a Luanda e, depois de uma escala em Salvador, iam para Lisboa, onde chegavam praticamente descarregados. A maior parte desses tecidos era vendida diretamente para os comerciantes destas cidades (o que levou ao aumento de impostos e à proibição da escala no Brasil). Depois da abertura dos portos do Brasil em 1808, o comércio com Lisboa enfraqueceu mais ainda, já que os navios eram diretamente direcionados para a África e depois para o Rio de Janeiro, de onde seriam redistribuídos para o restante do Império. Diu e Damão, localizadas respectivamente na costa de Guzerate e no golfo de Cambaia (ambos parte da região do Guzerate), mais ao norte da costa ocidental, foram peças-chave, desde o século XVI, no fornecimento de gêneros para o comércio metropolitano, sobretudo de tecidos de algodão, os mais finos reservados para envio a Lisboa por Goa, e os mais grosseiros a serem exportados para Moçambique, em troca de marfim, âmbar, ouro, escravos, entre outros.

[7]CANELA DA ÍNDIA: produto proveniente de uma árvore natural do Ceilão, onde se concentrava sua cultura e exploração. A canela (Cinnamomum zeylanicum Breyn) é utilizada em pau ou moída e das folhas extrai-se um óleo essencial utilizado na perfumaria e na fabricação de sabonetes. Foi uma das especiarias mais procuradas na Europa moderna, trazendo grandes lucros para seus comerciantes e passando por sucessivos monopólios do século XVI ao XVIII. Primeiramente, os portugueses ocuparam o Ceilão, estabelecendo um comércio em sistema de exclusivo. Em 1656, os holandeses, com a Companhia das Índias Orientais, e mais tarde, em 1796, os ingleses lucraram com a exploração dessa especiaria. No período colonial, o plantio foi por muito tempo proibido no Brasil, para não concorrer com o Oriente. Chegou a esta colônia pela mão dos padres jesuítas. A canela é empregada na culinária e faz parte da cozinha luso-brasileira. A ela atribuem-se também propriedades medicinais. Algumas espécies brasileiras fornecem madeira de lei.

[8]CARDAMOMO: planta derivada da mesma família do gengibre (zingiberaceae), a elettaria cardamomum é comumente usada para fins medicinais e culinários. Originária do sul da Índia, Sri Lanka, Malásia, Java, Sumatra, chegou a Europa ainda na Antiguidade pelas rotas do Oriente, tendo sido citada em tratados como o Corpus Hippocraticum. Durante a baixa Idade Média, além das sementes que chegavam via Constantinopla, a planta, que já era cultivada em mosteiros e apreciada por suas propriedades antissépticas, sendo mascada para atenuar o mau hálito e cuidar de doenças bucais, foi-se disseminando por todo o continente europeu. Entre os árabes, o cardamomo é muito consumido no café e, em algumas regiões da África Oriental, usado para fazer chá. Com a conquista do caminho marítimo para o Oriente, os portugueses passaram a embarcar o cardamomo nos portos da Costa do Malabar, principalmente vindo de Travancore, Cananore, Cochim e Calicute. A vagem de cor esverdeada e suas preciosas sementes aromáticas de sabor picante eram usadas como condimento e também para perfumar, além dos usos farmacêuticos, o que a tornava uma das especiarias mais caras do mundo até os dias de hoje. Os maiores produtores continuam sendo os países do Oriente asiático e do sul da Índia, mas também é produzida em larga escala na Guatemala. No Brasil, registra-se a presença do cardamomo em praticamente todo o território, mas não há uma produção expressiva, ao contrário do que desejavam os administradores portugueses quando transplantaram a especiaria para a colônia.

[9]COLUMBO E PORTO DE GALÉ: tanto Columbo ou Colombo (atual Kotte, capital) quanto Ponta de Galé foram cidades localizadas na ilha de Ceilão, hoje Sri Lanka, onde os portugueses ergueram fortalezas e se estabeleceram a partir de 1505 para garantir o tráfico exclusivo de especiarias. A cidade foi portuguesa até o início do século XVII (1656), quando passaria ao controle dos holandeses. Ponta de Galé foi praça portuguesa até 1640. Também tomada, passou a servir como sede do governo holandês até esses conquistarem Columbo. Quando ocuparam o Ceilão no início do século XVI, os portugueses procuravam estabelecer alianças com os reinos locais, para facilitar a construção de feitorias e o comércio de especiarias. O primeiro aliado foi o Reino de Kotte, cuja capital era a cidade de Columbo. Por todo o reino de Kotte podiam se observar campos de canela, especiaria preciosa que ocupou papel importante no comércio ultramarino português. Os primeiros chegaram ao Ceilão em 1505, mas foi apenas em torno de 1520 que decidiram edificar fortificações para defesa das praças de comércio, apesar da Carreira das Índias ter sido planejada para estabelecer pontos de comércio e feitorias, e não cidades ou Estados, conforme aconteceu. A fortaleza de Galé tinha proteção natural de um rochedo, mas foi também reforçada por muralhas e baluartes. Muitas batalhas foram travadas entre os portugueses, os nativos de diversos reinos locais e os holandeses, desde que esses chegaram ao Ceilão em 1638. Apesar de contar com soldados e praças, Portugal não teve como sustentar a possessão dos territórios por muito tempo, e acabou deixando a valiosa ilha do Ceilão. Os holandeses também foram expulsos da região quando a Grã-Bretanha a invadiu e tomou grande parte do território da Índia, em finais do século XVIII. As batalhas pelo controle dessa ilha deixam claro como o comércio de especiarias era intenso e muito valioso.

[10]MALABAR: a costa do Malabar compreende geograficamente o lado ocidental da costa da Índia, entre a cidade de Goa e o estado de Kerala, o ponto mais ao sul do território, banhada pelo mar arábico. Foi a região na qual os primeiros navegadores europeus, portugueses, chegaram em busca de especiarias e produtos finos (louças e sedas) das "índias", e estabeleceram suas feitorias. Os principais pontos comerciais da costa foram as cidades de Goa, Cochim e Calicute, conquistadas e dominadas pelos portugueses durante séculos, a exceção da última, tomada pelos holandeses ainda no século XVI. Devido ao intenso contato com os europeus, principalmente portugueses, holandeses e ingleses, essas cidades tornaram-se bastante cosmopolitas e movimentadas, recebendo produtos (e influência) da África, de territórios árabes, de outras regiões na Índia e da Europa. A costa do Malabar era especializada na recepção, redistribuição e exportação de gêneros vindos de outras regiões, como o arroz proveniente da costa do Coromandel (lado oriental), mas também produzia sal, peixe, madeiras e vegetais, e era responsável pela maior parte da produção de especiarias, tão desejadas e disputadas pelos exploradores e comerciantes europeus. Essa região ainda foi porta de entrada de produtos da Europa, como por exemplo, a carne, o pão de trigo, o azeite, o vinho, os queijos e a manteiga, introduzidos pelos portugueses principalmente pela capital do Estado português na Índia, Goa. O Malabar manteve intenso comércio com a costa oriental da África (principalmente com Moçambique, colônia portuguesa), fornecendo gêneros agrícolas em troca de marfim e escravos, entre outros.

[11]SÂNDALO: árvore originária do sul da Índia e das ilhas do arquipélago da Indonésia, o sândalo (Santalum album) era muito conhecido e apreciado pela própria madeira, resistente e flexível, ideal para entalhar esculturas e pequenos objetos, e por suas propriedades aromatizantes, de onde se extraíam óleos vegetais muito usados na Europa para perfumaria e farmacêutica. Essa “droga”, considerada de luxo e com alto valor comercial, chamou a atenção dos portugueses, que traziam a madeira e os óleos principalmente de Timor e de suas possessões no sul da Índia. Com o declínio da Carreira das Índias, a rota estabelecida entre Lisboa e Goa ou Cochim na Índia, devido a guerras com ingleses, holandeses e povos nativos pelas cidades e portos, a Coroa empreendeu um esforço de aclimatar espécies orientais de alto valor no Brasil, desde o final do século XVIII, movimento intensificado no início do XIX com a transferência da Corte para o Rio de Janeiro e a criação do Jardim da Aclimação, atual Jardim Botânico. Há registros de remessa de sementes de sândalo em 1794 para a Bahia e o Pará, enviadas pelo governador da Índia, Francisco da Cunha e Meneses, provavelmente a primeira leva. Em 1798, foram solicitadas mais mudas da planta para “transplante” no Brasil, especialmente as vindas de Timor, de onde vinham as melhores madeiras e óleos do sândalo branco. Em 1800, outra leva foi enviada para a Bahia pelo governador Francisco Antônio da Veiga Cabral, assim como outras remessas ao longo do período joanino.

[12]ONOR (HONNAVAR), MANGALORE, TALACHEIRA (THALASSERY) E CANNANORE: cidades e fortalezas ocupadas pelos portugueses na Costa do Malabar no século XVII. Nos seus portos eram comercializadas especiarias como a pimenta (Mangalore e Cannanore) e o gengibre (Cannanore). Não eram expressivas neste comércio, mas também recebiam produtos de outras regiões da Índia que interessavam aos portugueses, como o arroz. Os portugueses se apoderaram desses territórios aproveitando-se das guerras que já existiam entre os nativos e árabes que também tomaram essas cidades. Retomaram as alianças com os reinos e governos locais e expulsaram os mouros. Com o declínio da Carreira das Índias – ligação marítima entre Lisboa e Goa – no início do século XIX, muitas dessas possessões deixaram de ser portuguesas, mas continuaram servindo de fonte para o tráfico de plantas valiosas e drogas naturais que foram enviadas para os jardins de aclimatação (jardins botânicos) do Brasil e de outros territórios lusos com a intenção de adaptá-las às demais colônias lusas para recuperar a exclusividade do comércio de especiarias. No ano de 1809, por exemplo, o conde de Sarzedas requisitou que fossem enviadas ao Brasil mudas de sândalo, originário da Índia, transferidas dessas cidades fortalezas.

[13] BENGUELA: província situada ao sul de Angola. Face ao clima temperado, foram desenvolvidas nessa região, várias culturas de subsistência importantes, tais como as da banana, açúcar, milho, algodão, além de hortaliças e da pesca. Destacou-se como principal porto de embarque de escravos para a América portuguesa. A partir do século XVII, verifica-se no Rio de Janeiro uma entrada maciça de escravos provenientes dessa província africana, tornando os “benguelas” o maior grupo étnico na cidade.

[14] CRAVO-DA-ÍNDIA: também chamado cravinho ou apenas cravo, o Syzigium aromaticum (L.) é uma das especiarias de uso mais antigo, principalmente no Oriente. Botão da flor do craveiro, o cravo, depois de seco, é usado para temperar e aromatizar pratos. É também conhecido por suas propriedades medicinais e de perfumaria, como um poderoso antisséptico (era mascado para refrescar o hálito) e usado para melhorar o odor de ambientes. O cravo-da-índia, juntamente com a pimenta, a canela e a noz moscada, era a especiaria mais consumida na Europa no século XV e uma das mais caras. Originária das ilhas Molucas, na Indonésia, já era bastante conhecida e utilizada na China desde os séculos III-II a.C. Durante a Idade Média entrou na rota dos comerciantes árabes que transportavam produtos orientais para a Europa, passando por Constantinopla. A partir do século VIII, o comércio e uso do cravo se intensificaram no Mediterrâneo a preços muito altos. Esse comércio lucrativo acabou também por impulsionar que os europeus, sobretudo os portugueses, se lançassem aos mares em busca de rotas que permitissem buscar o cravo diretamente das “índias” e monopolizar sua venda na Europa. Em 1511, os portugueses chegaram às Molucas e verificaram nas ilhas quantidade de cravo suficiente para abastecer o Reino e ainda vender o que excedesse. Até chegar ao mercado europeu, a mercadoria percorria um longo caminho: era, primeiramente, escoada para Malaca, depois Goa, só então seguindo para o Mediterrâneo. Tal trajeto encarecia o preço da especiaria e logo essa atividade tão lucrativa despertaria o interesse dos holandeses que chegaram às ilhas produtoras no início do XVII e conseguiram expulsar os portugueses, passando a controlar o comércio do cravo. O monopólio da produção restringiu-se ao Oriente e às ilhas até meados do Setecentos, quando o cravo começou a ser plantado com sucesso em regiões da África e das Américas. As primeiras mudas levadas para Caiena datam de 1773, e os registros oficiais apontam que chegaram ao Brasil, na Amazônia, em finais do XVIII. No entanto, a produção em larga escala só foi registrada no Oitocentos. Mapas comerciais e balanços do Estado do Grão-Pará e Maranhão apontam que já havia produção de cravo na região, que figurava entre as drogas do sertão, e que o produto já era exportado para Portugal em fins dos anos 1760.

[15]NOZ-MOSCADA: especiaria retirada da semente do fruto da moscadeira, árvore originária das ilhas de Banda no arquipélago das Molucas, Indonésia. Assim como outras especiarias, foi desconhecida dos ocidentais até a Idade Média, quando teve início a sua comercialização pelos mouros. A noz-moscada na Europa pelos mercados de Gênova e era distribuída no continente a preços elevados devido ao monopólio árabe. Mesmo assim, foi utilizada em grande escala na Europa, como conservante para alimentos, como tempero culinário e para os fabricantes de cerveja, na medicina – no início do século XVII, lhe era atribuída a cura de mais de 140 doenças – e na forma de perfume, para esconder os maus cheiros das ruas. Em 1511, os portugueses conquistaram Malaca, centro do comércio asiático, e descobriram a proveniência da especiaria, as ilhas de Banda, para onde foram enviados navios lusos, com o objetivo de estabelecer uma nova rota comercial da noz-moscada, livre dos atravessadores árabes. No curto espaço de tempo entre o início dos séculos XV e XVI, os portugueses conseguiram garantir o monopólio da produção nas Moluscas, que só foi quebrado quando os holandeses transferiram as primeiras moscadeiras para as Antilhas, obtendo sucesso. A ilha de Granada, no Caribe, é, até hoje, a maior produtora mundial de noz-moscada.

[16]MOLUCAS, ILHAS: arquipélago localizado na Indonésia, ao norte da ilha do Timor, é composto de mais de mil ilhas vulcânicas, atualmente dividido em duas províncias: Molucas e Molucas do Norte. As ilhas que compõem a província do Norte são as que ficaram conhecidas como as “ilhas das especiarias” na época da expansão europeia. Desde aproximadamente o século X, os árabes da região do Oriente Médio, e posteriormente os otomanos, estabeleceram comércio com os reinos das ilhas, que forneciam variadas especiarias – as mais nobres –, e outros produtos raros, como penas de aves exóticas. Essas mercadorias chegavam à Europa pela Rota do Oriente (via península arábica, Constantinopla até Veneza, principalmente), controlada pelos muçulmanos até as rotas marítimas serem estabelecidas pelos europeus no século XVI. No caso das Moluscas, sua localização geográfica era praticamente desconhecida, mantida em sigilo pelos árabes, para proteger um dos comércios mais lucrativos entre Oriente e Ocidente. Os primeiros navegadores a chegar às ilhas em 1511 foram os portugueses, depois de conquistarem Malaca, outro ponto estratégico comercial, tiveram notícia de onde ficariam as ilhas e acabaram desembarcando em Tenate, a maior cidade das Moluscas. A descoberta de uma rota alternativa para as célebres ilhas das especiarias proporcionou o monopólio da noz-moscada e do cravo da índia, nativas da região e não encontradas, até então, em nenhum outro lugar conhecido. Ambos tinham muitas utilidades, desde condimentos para alimentação, a usos como medicamento e na higiene dos europeus. Durante aproximadamente um século, os portugueses desfrutaram de imensas riquezas, abastecendo frotas de navios com diversos produtos nobres da região das ilhas, tornando-se o único fornecedor europeu, sem intermediação dos árabes. Em finais do XVI, os holandeses começaram as investidas nas ilhas e conseguiram dominar o comércio com os governos locais, expulsando os portugueses das Molucas e de seus preciosos produtos. Entretanto, não somente estes, mas outros europeus conseguiram transplantar com sucesso as duas árvores para outras colônias na África e nas Américas, fazendo com que as antes disputadas ilhas perdessem importância no comércio com os europeus ao longo do século XIX.

[17]PULO PENANG: Penang é uma ilha que fica a noroeste da península malaia, atualmente Malásia, no estreito de Malaca, tendo ao sul a ilha de Sumatra. A península divide os oceanos Índico e Pacífico, e essa localização privilegiada atraiu conquistadores desde o século VII, muçulmanos do Malabar, persas, siameses, indonésios, hindus e principalmente chineses, responsáveis pelo movimento do comércio de produtos finos e de luxo entre as ilhas vizinhas e outras regiões, entre a costa leste do continente africano e o leste asiático. A partir do século XVI, o Sultanato de Kedah, ao qual pertencia a ilha, passou a negociar também com os europeus que chegavam, os primeiros foram os portugueses, sucedidos por holandeses (século XVII), até a chegada dos britânicos em 1786, que dominaram e permaneceram na ilha e na península até meados do século XX. Os portugueses a chamavam de Pulo Penang, sendo que Pulo, na língua local queria dizer "ilha". Era a porta de entrada para o comércio asiático e para o acesso às valiosas especiarias e drogas da região da Indonésia. Entretanto, apesar da vantagem geográfica, Penang era usada pelos mercadores portugueses principalmente como posto de parada entre as longas viagens, onde reabasteciam os navios de água, provisões, faziam reparos e, naturalmente, carregavam de especiarias, não chegando a se configurar uma colônia ou fortaleza. O privilégio de comércio exclusivo dos portugueses com a ilha foi derrubado pela chegada dos holandeses e sua Companhia das Índias Orientais, que foram expulsos pelos ingleses, que arrendaram Penang do sultão em nome da Companhia Britânica das Índias Orientais, e avançaram pela península e pelas outras ilhas dos arquipélagos ao sul.

[18]MACAU: a partir de 1513, os portugueses começam a fazer comércio em portos nas proximidades da foz do rio Xi Jiang, na região de Cantão, sudeste chinês, e tentar estabelecer-se nas cidades da costa. Depois de muitas tentativas frustradas, conseguem se fixar na pequena cidade de Macau, uma colônia de pescadores, e, após a assinatura do acordo luso-chinês de 1554, obtêm autorização do imperador para ficarem. Em 1557, Portugal receberia autorização do império chinês para se estabelecer definitivamente em Macau, em troca do pagamento de taxas ao governo sínico. A partir de finais do século XVI, a colônia começou a avançar economicamente, como porto português no comércio asiático, especialmente na rota que saía de Goa e tinha como destino final a cidade de Nagasaki, atual Japão, fundada pelos portugueses em 1543. No início do século seguinte, Macau era um porto grande e movimentado e despertou interesse de outros europeus, como holandeses e britânicos, o que provavelmente impulsionou o estabelecimento de um governo geral luso na cidade, subordinado ao de Goa, sede do Estado português no Oriente. Em meados do século XVII, os comerciantes portugueses de Macau começaram a ver seus negócios e sua prosperidade econômica declinarem, em virtude da emergência de Hong-Kong, colônia britânica, que passou a ser o principal porto europeu na China. Somente em 1887, a China reconheceu a soberania de Portugal no território de Macau, condição que pouco se alterou até meados do século XX, quando a Revolução comunista de 1949 começou a despertar adeptos entre os chineses da cidade e tentativas de insurreição e integração à República Popular da China. Apesar de vários ataques e incidentes, Portugal manteve-se efetivamente no governo de Macau até 1999, quando se iniciou o processo de transferência para China.

[19]TIMOR LESTE: ilha localizada ao sul da Indonésia, que faz parte do arquipélago das Ilhas Sonda, perto da ilha de Java. O lado leste da ilha foi conquistado pelos portugueses entre 1512 e 1514, quando da primeira expedição comandada por Afonso de Albuquerque, após a conquista de Ormuz, Goa, Ceilão, Malaca e Molucas. Os principais produtos de interesse na ilha eram o sândalo, da variedade mais fina e valiosa, o mel e a cera, que já eram comercializados com os povos malaios das ilhas no entorno e com os chineses, desde o século XII, aproximadamente. No século XVI, os portugueses, já acompanhados de missionários jesuítas, estabeleceram alianças com os povos locais, e construíram feitorias de onde seriam exportadas as especiarias para a Europa. Não pretendiam estabelecer uma colônia na região, apenas um entreposto comercial. No entanto, em meados do século XVII, os holandeses, aliados aos reinos locais da Indonésia, ameaçaram invadir e ocupar o lado oriental da ilha, o que levou os lusos a estabelecer um governo e organizar a colônia. Em 1702, enviam o primeiro governador e a colonização do Timor português, como ficou conhecida até o século XX, foi iniciada. Para eliminar as disputas com o lado ocidental pertencente aos Países Baixos, foi assinado o Tratado de Lisboa em 1859, quando o território da ilha foi oficialmente dividido e as fronteiras acertadas. Entretanto, apesar dos acertos, a fronteira entre os dois lados continuaria em disputa até a 2ª Guerra Mundial, quando os japoneses invadiram a ilha. Portugal, que não havia se alinhado com nenhum lado no conflito, pede apoio aos Estados Unidos para garantir seu território. O lado oeste aproveitou a guerra e o enfraquecimento do poder dos holandeses para se unir oficialmente aos indonésios e proclamar sua adesão ao país independente da Indonésia. Já no lado oriental, não houve um movimento separatista imediato, permanecendo sob domínio luso. A separação definitiva de Portugal somente ocorreu em 2002, depois de ter sido invadido pela Indonésia em 1975 e passados mais de duas décadas em guerras civis, entre nacionalistas separatistas portugueses e indonésios, apoiados pelos Estados Unidos durante a Guerra Fria. A independência chegou para o Timor-Leste, nome adotado depois da separação de Portugal, destruído por anos de guerras, e o país precisou contar com a presença de tropas de paz da ONU, compostas por militares brasileiros, para garantir o fim de ataques e auxiliar na reconstrução das cidades.

[20] CAFÉ: planta de origem etíope da família das rubiáceas, começou a ser utilizada como bebida na Arábia. A expansão do consumo pela Europa deu-se entre os séculos XVII e XVIII, por suas qualidades estimulantes. Consta que sua introdução no Brasil, em 1727, foi feita pelo oficial português Francisco de Melo Palheta, que plantou as primeiras mudas no Pará. Ao longo do século XX, o café tornou-se uma bebida popular e seu consumo e produção se expandiram, principalmente a partir de 1865, quando passou a ser comercializado torrado e empacotado (anteriormente era vendido em grãos). Destacam-se no Brasil duas grandes fases de expansão cafeeira. A primeira, no início do Oitocentos até os anos 1850, teve início nas encostas do morro da Tijuca em plantações caseiras, até a expansão por todo o vale do rio Paraíba do Sul, a leste e oeste, com foco na região da cidade de Vassouras, o maior centro produtor da época. Nestas regiões, o café iniciou seu grande desenvolvimento pela abundância de terras férteis, pelo bom clima e pela mão de obra escrava disponível. Ocupou o lugar das plantações de cana, algodão e alimentos, gerando escassez e carestia dos gêneros de abastecimento, além de ter promovido a derrubada e queimada de grandes extensões da mata atlântica. A segunda fase, que se iniciou a partir de metade do século XIX, após a proibição do tráfico de escravos, foi marcada pela expansão das lavouras para São Paulo, seguindo o vale do Paraíba e avançando pelo oeste paulista, depois de 1870. A grande demanda de mão de obra promoveu um aumento no preço dos cativos e um despovoamento das áreas de produção de açúcar no Nordeste, sobretudo. As lavouras do café no Rio de Janeiro e de São Paulo gerou significativas divisas, e uma nova, poderosa e politicamente forte aristocracia rural, a dos “barões do café”. Embora lucrativo, o plantio do café desgastava muito rapidamente o solo, razão para a constante movimentação nas áreas de cultivo e declínio da produção na região fluminense. Outro problema era a carência do uso de novas técnicas e instrumentos. A adoção de ferramentas como o arado e de máquinas a vapor para o beneficiamento, e mesmo de procedimentos simples como o enfileiramento dos pés, só foram adotados a partir dos anos 1870. Essa era uma das razões para o café brasileiro ser considerado de qualidade inferior, se comparado ao de outros países, o que não impediu, no entanto, que, ao longo do período imperial, o Brasil fosse o responsável por 50% da produção mundial, número que aumentou para 75% nas primeiras décadas da República.

[21]MOCA: o café Moca (ou Moka, ou ainda Mocha) é uma variedade superior de café da espécie Coffea arabica, que era comercializada pelo porto de Moca, na península arábica, atual Iêmen. Entre os séculos XVI e XVII Moca foi um dos mais importantes mercados de café do mundo, sendo a esta época, a principal cidade do território otomano. Os portugueses já conheciam o porto desde o século XV, quando iniciaram as navegações pelo mar Vermelho, e posteriormente tornaram-se importadores e consumidores do café oriundo daquela localidade, bem como outros países da Europa. O café dessa região, que recebeu o mesmo nome, tem o grão um pouco menor e mais redondo do que outros do tipo arabica, e embora nativo da Etiópia, adaptou-se bem e foi muito cultivado na província. Conhecido principalmente pelo sabor peculiar que lembra o do chocolate, o café Moca é muito consumido até hoje no mundo, e diversas vezes o termo é usado para descrever não exatamente o café desta qualidade de grão, mas a bebida, café comum ao qual se adiciona chocolate.

[22] COUTINHO, RODRIGO DE SOUZA (1755-1812): afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.

[23] SILVEIRA, BERNARDO JOSÉ MARIA LORENA E (1756-1818): 5º conde de Sarzedas, foi capitão-general das capitanias de São Paulo (1788-1797) e de Minas Gerais (1797-1806), governador do Estado da Índia entre 1806 e 1816, além de conselheiro do Conselho Ultramarino, Grão-Cruz da Ordem de São Tiago e comendador da Ordem de Cristo. Bernardo Lorena foi destacado administrador colonial, promovendo a integração entre capital e interior com a melhoria dos meios de comunicação e transporte, para o escoamento mais eficiente da produção para os portos. Foi o responsável pela conclusão do processo dos inconfidentes (1798) – pelo qual recebeu o título de conde de Sarzedas – e pela abertura e calçamento da estrada entre São Paulo e Santos, primeira estrada pavimentada da colônia, obra de engenharia avançada, conhecida como “Calçada do Lorena”. No Vice-Reinado de Goa, Lorena recuperou o governo do Estado da Índia que vinha sendo controlado pelos ingleses, sob o pretexto de proteger as colônias portuguesas do avanço de Napoleão, antes mesmo da transferência da Corte para o Rio de Janeiro. Foi paulatinamente expulsando os regimentos britânicos até que, em 1813, já não houvesse mais nenhum. No entanto, o episódio controverso que envolve a vida de Lorena não diz respeito a suas atividades. Supostamente, ele era bastardo de d. José I com a marquesa de Távora. Essa importante família, em vingança da ofensa, teria articulado o assassinato do rei. A tentativa foi frustrada, mas todos os Távora diretamente ligados ao marquês foram condenados por crime de lesa-majestade e executados de forma exemplar em Lisboa em 1759. Suspeita-se que a conspiração contra os Távora possa ter sido encabeçada pelo conde de Oeiras (depois marquês de Pombal), que desejava alcançar a posição de principal ministro de d. José. Quem “adotou” Bernardo foi o governador de armas do Alentejo, Nuno Gaspar de Lorena, de quem herdou o nome. Durante o reinado mariano, a casa foi perdoada e teve seus bens recuperados. Os juízes que condenaram a família foram condenados, assim como o marquês de Pombal que foi exilado. D. Maria I tomou Bernardo, seu suposto irmão, sob sua proteção ajudando em sua educação e indicação para postos importantes na administração colonial.

 

 

 

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