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Recomendações ao vice-rei

Escrito por Mirian Lopes Cardia | Publicado: Quinta, 21 de Junho de 2018, 18h24 | Última atualização em Terça, 27 de Julho de 2021, 02h04

Carta de d. Rodrigo de Souza Coutinho, secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, ao conde de Resende, d. José de Castro, vice-rei do Brasil, informando que, a fim de obter o aumento da agricultura, é necessário introduzir novos artigos de cultura ou aperfeiçoar os antigos métodos de cultivar o terreno, recolher e preparar as produções, poupando mão-de-obra que pode ser empregada em outros setores. Recomenda, que a câmara estabeleça prêmios para os agricultores pioneiros na introdução das novas práticas, e que a Mesa de Inspeção remeta à Secretaria de Estado uma descrição dos métodos praticados na cultura e manipulação de gêneros como algodão, café e cana, e das máquinas de que se servem.

Conjunto documental: Correspondência da Corte com o vice-reinado
Notação: códice 67, vol. 23
Datas-limite: 1798-1798
Título do fundo: Secretaria de Estado do Brasil
Código do fundo: 86
Argumento de pesquisa: agricultura
Data do documento: 4 de janeiro de 1798
Local: Lisboa
Folha(s): 4

 

Ilustríssimo e excelentíssimo senhor

Sua majestade desejando promover por todos os meios a felicidade dos seus vassalos, que depende em grande parte da abundância das produções do próprio país, a qual só se pode conseguir pelo aumento da agricultura[1] ou seja introduzindo novos artigos de cultura, ou aperfeiçoando os antigos métodos de cultivar o terreno[2], e recolher, e preparar as suas produções; com estes fins manda recomendar a Vossa Excelência procure introduzir nessa capitania o uso de bois, e arados para cultivar as terras, com os quais se poupam muitos braços[3], que se podem empregar em outras coisas igualmente interessantes; assim como a economia das lenhas particularmente nas fornalhas dos engenhos de açúcar[4], inculcando o método de queimar canas já moídas, como praticam os ingleses e franceses nas Antilhas[5]. E para que estas interessantes práticas se possam conseguir mais facilmente manda recomendar a mesma senhora a Vossa Excelência que veja se lhe é possível conseguir das câmaras que estabeleçam prêmios.

Com o mesmo fim manda recomendar a Sua Majestade a Vossa Excelência que ordene à Mesa da Inspeção dessa capitania, que remeta a esta Secretaria de Estado uma descrição dos métodos, que atualmente se praticam para a cultura, e manipulação dos gêneros, que se exportam das colônias, assim como das máquinas[6] de que se servem para limpar e, descascar o algodão[7] e café[8], e particularmente de tudo o que diz respeito ao açúcar[9] - fornalhas - engenho - e depuração do mesmo.

Deus guarde a Vossa Excelência. Palácio de Queluz em 4 de janeiro de 1798.

Dom Rodrigo de Souza Coutinho[10]

Senhor Conde de Rezende

Dom José de Castro[11].

 

 

[1] AGRICULTURA: durante a maior parte do período colonial o sistema agrícola brasileiro se caracterizou pela grande lavoura monocultora e escravista voltada para exportação, definida por Caio Prado Junior pelo conceito de plantation. Entretanto, podiam ser encontradas também em menor escala as pequenas lavouras, policultoras e de trabalho familiar. Com a chegada da família real e toda a estrutura do Estado português, houve a necessidade de incremento no abastecimento de gêneros agrícolas especificamente para o mercado interno. À época, a estrutura agrária brasileira era pautada pela rusticidade dos meios de produção, pela adubação imprópria e falta da prática do arado, enfim, o que havia era a presença modesta de técnicas modernas de cultivo. D. João VI, atento a essa situação emergencial, criou, em 1812, o primeiro curso de agricultura na Bahia e, em 1814, no Rio de Janeiro, uma cadeira de botânica e agricultura, entregue a frei Leandro do Sacramento. O objetivo era o melhor conhecimento das espécies nativas, não apenas para descrição e classificação, mas também para descobrir seus usos alimentares, curativos e tecnológicos. Mais do que isso, a incentivo aos estudos botânicos e agrícolas era parte de uma nova mentalidade de promoção das ideias científicas, que já vinha sendo implementada em Portugal desde o final do século XVIII. A agricultura era vista como uma verdadeira “arte”, pois era o melhor exemplo de como o homem era capaz de “domesticar” a natureza e fazê-la produzir a partir das necessidades humanas. Significava a interferência do Estado em prol do aproveitamento racional das riquezas naturais, orientado pelas experimentações e pela própria razão.

[2] APERFEIÇOANDO OS ANTIGOS MÉTODOS DE CULTIVAR O TERRENO: Até meados do século XVIII, os métodos utilizados na agricultura eram ainda muito rudimentares e desgastavam demasiadamente o solo. Na colônia, a queimada do terreno (coivara) e o desmatamento eram a forma mais frequente de preparar a terra para novos cultivos, de conseguir lenha para os engenhos de açúcar, e de criar pastos para o gado. O naturalista Frei José Mariano da Conceição Velloso, na obra ilustrada de 11 volumes intitulada O Fazendeiro do Brasil melhorado na economia dos gêneros já cultivados e de outros, publicada entre os anos de 1798 e 1806, reprovava a atitude dos colonos de atear fogo à mata e cortar da madeira de forma discriminada. Frei Velloso, dirigindo-se ao rei de Portugal, recomendava que para melhorar a economia rural, era preciso que se substituíssem os "escravos, fossem eles racionais ou irracionais, por bois, cavalos, bestas muares". Em relação aos instrumentos e ferramentas, recomendava que no "lugar de machados, foices, e enxadas fossem usados arados e charruas; em lugar das cinzas de lenhos, tão preciosos, e necessários, marnes, estrumes, e todos os outros adubos; em uma palavra; tudo quanto a sábia, e iluminada Europa usa nas suas lavouras". Um dos principais representantes do pragmatismo ilustrado português, d. Rodrigo de Souza Coutinho, insistia que o "aperfeiçoamento dos antigos métodos de cultivar o terreno", era a forma mais adequada de melhorar a agricultura, reduzindo os gastos com energia e mão de obra, e acelerando o processo produtivo na colônia. Um dos métodos indicado pelo conde de Linhares, que passou a ser usado de fato na Bahia e no Rio de Janeiro, era o emprego do bagaço da cana-de-açúcar como combustível nos engenhos, que além de reduzir em 2/3 os custos com energia, poupava as matas e dava um destino ao bagaço não aproveitado pelo gado. Todas essas técnicas eram usadas nas Antilhas, como ressaltou frei Velloso, e eram as responsáveis pelo impulso que o açúcar das ilhas alcançou no mercado, sobrepujando o brasileiro. As tentativas de racionalizar a produção foram sendo realizadas ainda que enfrentassem a resistência dos próprios colonos, que estavam apegados às práticas ainda medievais e não aceitavam bem a atualização das técnicas agrícolas. O aprimoramento dos métodos e técnicas de cultivo passou a fazer parte da política de Estado na regência joanina, influenciado por estadistas esclarecidos, interessados em rever a economia política portuguesa, incrementando a riqueza do reino por meio de aplicações práticas das ideias iluministas.

[3]BRAÇOS: em finais dos setecentos, lavoura e mineração dividiam os “braços” – mão de obra –, principalmente dos escravos africanos que ainda não entravam no Brasil na mesma quantidade dos milhares que seriam traficados na primeira metade do século XIX. Tal escassez aumentava os custos da produção agrícola, já que seria necessária a compra de mais escravos para suprir os engenhos e lavouras. O programa ilustrado português impulsionou o uso de novos métodos e instrumentos que possibilitassem o aumento da produtividade no campo e a liberação dos “braços” para outras atividades nas quais eram indispensáveis. D. Rodrigo de Souza Coutinho, então secretário da Marinha e Ultramar, foi grande incentivador do uso de novas técnicas para o aumento da produção de alguns produtos, como o algodão, o café (já neste período) e, principalmente, o açúcar – alvo de competição com o produto das Antilhas, produzido de acordo com as novas tecnologias de produção agrícola e manufatureira. Embora possa parecer contraditório, em benefício do aumento da riqueza do Império, recomendava-se o aperfeiçoamento das lavouras coloniais e o emprego de manufaturas e máquinas, que possibilitariam o uso dos “braços” “em outras coisas igualmente interessantes”.

[4]ENGENHO DE AÇÚCAR: durante o período colonial o termo “engenho” designava o mecanismo usado para moer a cana, no início do processo de preparo do açúcar. Passa a referir-se ao complexo no qual se fabricava açúcar e toda área da fazenda – as terras, as plantações, a capela, a casa senhorial, a senzala, as ferramentas, e a moenda – posteriormente, desde a segunda metade do século XIX, conceito cunhado por historiadores e estudiosos da agricultura e economia coloniais. Os engenhos de cana (moendas) se dividiam em dois tipos: os engenhos reais, movidos a água – que apresentavam maior riqueza e complexidade, empregavam um grande número de oficiais de serviço e trabalhadores especializados, contavam com grande contingente de mão de obra escrava, grande plantação própria (além de comprar a produção de engenhos menores) e possuíam toda a maquinaria para produzir o açúcar, cobrindo todo o processo – e os movidos a tração animal – menores em tamanho e capacidade de produção, exigiam investimentos inferiores, também chamados engenhocas ou trapiches, e mais utilizados na produção de aguardente. Os engenhos, como unidades produtivas, tiveram um papel central na colonização, ocupação e povoamento do território da colônia. A maior parte da primeira geração de senhores de engenho não era formada por nobres ou grandes investidores, mas por plebeus que auxiliaram na conquista e povoamento da costa brasileira. Com o tempo, a expansão do açúcar e o consequente aumento da sua importância para a economia metropolitana, o status do senhor de engenho cresceu proporcionalmente. Os engenhos constituíam verdadeiros núcleos populacionais, em torno dos quais e de suas capelas, se formavam vilas e se construíam as defesas das fronteiras das capitanias. Os grandes engenhos tinham em torno de 60 a 100 escravos, e muito poucos ultrapassavam a marca de 150-200 cativos, dos quais, em média, 75% trabalhavam nos campos, 10% na manufatura do açúcar, e o restante dedicava-se a atividades domésticas ou não relacionadas ao trato açucareiro. Os engenhos, assim como o açúcar, tinham grande valor, mas um alto custo: as terras, o beneficiamento, os instrumentos, os escravos, as construções encareciam a produção, que apresentava, em geral, baixos rendimentos, descontados os gastos do senhor. A maior parte dos engenhos era muito pouco ou não lucrativa, fazia o suficiente para sua subsistência, ou lucrava mesmo com a produção da aguardente. Algumas poucas unidades geraram fortunas; a maioria rendia pouco e muitos acumularam grandes dívidas. Ao contrário do que comumente se pensa, a capitania que mais concentrava engenhos, em quantidade e grandeza, era a Bahia, e não Pernambuco, seguida pelo Rio de Janeiro, e então por aquela. A lucratividade variava muito, de acordo com: a safra de cana (influenciada pelas condições climáticas e de solo); as epidemias que assolavam vez ou outra a população escrava e de trabalhadores pobres; a falta de gêneros (como lenha, água, animais) e as dívidas que se acumulavam. Apesar das dificuldades, os engenhos não eram abandonados, e a produção açucareira, embora oscilasse de acordo com as ofertas e demandas do mercado europeu e suas colônias, não perdeu sua importância no Brasil. Os engenhos representavam um microcosmo da sociedade aristocrática rural, apoiada no poder patriarcal e político do senhor, base da sociedade brasileira em construção, bem analisada por Gilberto Freyre em sua obra. Mais do que representação de riqueza, o engenho tinha grande importância simbólica, um signo de poder e um sinal de distinção. Os senhores de engenho dominaram a política local durante décadas e, até o século XVIII, ocuparam a maior parte dos postos de oficial nas milícias locais, formando durante todo o período colonial um poderoso grupo de pressão, uma vez que a metrópole precisava de sua lealdade e de seus investimentos para manter a colônia e torná-la rentável. Havia uma hierarquia entre os senhores de engenho, que dependia basicamente da tradição da família e do tipo de propriedade que possuíam. Embora a maior parte dos lucros resultantes da produção de açúcar se concentrasse na atividade comercial, era a produção agrícola que concedia prestígio e poder.

[5]ANTILHAS: denominação geral das ilhas da América Central, do mar do Caribe, a oeste do Atlântico, também chamadas de Índias Ocidentais. Compreendem hoje, entre outros, os seguintes países: Bahamas, Cuba, Jamaica, Haiti, República Dominicana, Barbados, São Vicente e Granadinas, Granada e Trinidad e Tobago. Dos colonizadores europeus, os primeiros a conquistarem as ilhas foram os espanhóis, seguidos pelos franceses, holandeses, ingleses e até mesmo dinamarqueses. As Antilhas espanholas eram compostas pelo que atualmente corresponde a Cuba, Porto Rico, República Dominicana e algumas ilhas do litoral da Venezuela. As holandesas compreendiam as ilhas de Bonaire, Curaçao, Aruba, ilha das Neves, Antígua e a parte sul da ilha de São Martinho. As francesas correspondiam ao Haiti (São Domingo), ilha São Vicente, parte da ilha de Guadalupe, ilha de São Bartolomeu, ilha de Santa Luzia, Martinica, Dominica. Os territórios da Jamaica, das Ilhas Virgens, São Cristóvão, São Martinho, Bahamas, La Anguila, Barbuda, Trinidad e Tobago, Granada, São Vicente e Granadinas eram possessão inglesa. Os principais itens de exportação produzidos na região durante toda época colonial foram o açúcar, o tabaco, o café e o anil. Durante todo o século XVII e parte do XVIII, o açúcar antilhano, sobretudo o fabricado pelos holandeses, extraído da beterraba, foi o grande rival do açúcar produzido pelos portugueses no Nordeste brasileiro, proveniente da cana-de-açúcar. Tornou-se um produto tão importante que passou a designar o arquipélago, conhecido como Sugar Lands, “as terras do açúcar”, destinadas e dependentes da exploração do “ouro branco”.

[6]MÁQUINA A VAPOR: a ideia de criação de uma máquina que substituísse a força humana ou animal em trabalhos braçais existe desde a Antiguidade. A máquina a vapor desenvolvida por James Watt em 1769 era, na verdade, um motor movido a vapor de água, que revolucionou a manufatura e a indústria nos séculos XVIII e XIX. Uma das primeiras aplicações da “máquina” foi na indústria têxtil, quando os teares deixaram de ser manuais, isto é, movidos pela força de quem os manipulava, para serem mecânicos, acionados pela energia produzida pelo motor. Na prática, essa invenção proporcionou, de imediato, um aumento de produtividade, e consequentemente da produção, diminuindo o uso de mão de obra. Esteve na base da revolução industrial iniciada na Grã-Bretanha nos setecentos e foi sendo paulatinamente utilizada nos outros setores da indústria e expandindo-se por toda Europa. Em linhas gerais, o motor funcionava utilizando o vapor de água em ebulição como “combustível”. Para gerar a combustão, inicialmente, se usou lenha e depois o carvão. No século XIX, as máquinas foram inventadas com diversos propósitos, mas foram especialmente úteis e usadas no processo agrícola, para beneficiar matérias-primas. A partir da descoberta da eletricidade, e posteriormente do uso de outros combustíveis, como gases, óleos e o diesel, na segunda revolução industrial, a partir de fins do oitocentos e já no século XX, a tecnologia do vapor tornou-se obsoleta. Nos engenhos, teria a função de acelerar a moagem da cana-de-açúcar, substituindo a tração animal, as rodas d’água, e mesmo a força de trabalho escrava.

[7]ALGODÃO: diversas espécies nativas de algodão podiam ser encontradas no Brasil desde os primeiros anos de colonização. A chegada das primeiras técnicas de fiação e tecelagem com a fibra algodoeira, no entanto, datam do século XVII, quando as roupas de algodão passaram a ser utilizadas para a vestimenta dos escravos nos meses mais quentes. A partir da segunda metade do século XVIII, a crescente demanda pelo consumo de algodão pelo Império britânico forçou a expansão do cultivo e a fabricação de fios no Brasil. Esse processo provocou uma segunda onda de interiorização da produção mercantil para exportação, isso porque o plantio do algodão é mais propício em clima seco, com chuvas regulares, ou seja, em áreas afastadas do litoral. Foi no Maranhão, através dos incentivos criados pela Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que a produção algodoeira obteve crescimento mais intenso e longevo, perdurando até meados do século XIX. No Estado do Grão-Pará e Maranhão, serviu ainda ao pagamento dos funcionários régios e às transações comerciais (na forma de novelos ou de peças de pano) até 1749, quando foi introduzida a moeda metálica naquela região. No Oitocentos, apesar da onda de produção crescente, o baixo preço e a qualidade superior do algodão norte-americano terminaram por suplantar o produto brasileiro nos mercados internacionais.

[8]CAFÉ: planta de origem etíope da família das rubiáceas, começou a ser utilizada como bebida na Arábia. A expansão do consumo pela Europa deu-se entre os séculos XVII e XVIII, por suas qualidades estimulantes. Consta que sua introdução no Brasil, em 1727, foi feita pelo oficial português Francisco de Melo Palheta, que plantou as primeiras mudas no Pará. Ao longo do século XX, o café tornou-se uma bebida popular e seu consumo e produção se expandiram, principalmente a partir de 1865, quando passou a ser comercializado torrado e empacotado (anteriormente era vendido em grãos). Destacam-se no Brasil duas grandes fases de expansão cafeeira. A primeira, no início do Oitocentos até os anos 1850, teve início nas encostas do morro da Tijuca em plantações caseiras, até a expansão por todo o vale do rio Paraíba do Sul, a leste e oeste, com foco na região da cidade de Vassouras, o maior centro produtor da época. Nestas regiões, o café iniciou seu grande desenvolvimento pela abundância de terras férteis, pelo bom clima e pela mão de obra escrava disponível. Ocupou o lugar das plantações de cana, algodão e alimentos, gerando escassez e carestia dos gêneros de abastecimento, além de ter promovido a derrubada e queimada de grandes extensões da mata atlântica. A segunda fase, que se iniciou a partir de metade do século XIX, após a proibição do tráfico de escravos, foi marcada pela expansão das lavouras para São Paulo, seguindo o vale do Paraíba e avançando pelo oeste paulista, depois de 1870. A grande demanda de mão de obra promoveu um aumento no preço dos cativos e um despovoamento das áreas de produção de açúcar no Nordeste, sobretudo. As lavouras do café no Rio de Janeiro e de São Paulo gerou significativas divisas, e uma nova, poderosa e politicamente forte aristocracia rural, a dos “barões do café”. Embora lucrativo, o plantio do café desgastava muito rapidamente o solo, razão para a constante movimentação nas áreas de cultivo e declínio da produção na região fluminense. Outro problema era a carência do uso de novas técnicas e instrumentos. A adoção de ferramentas como o arado e de máquinas a vapor para o beneficiamento, e mesmo de procedimentos simples como o enfileiramento dos pés, só foram adotados a partir dos anos 1870. Essa era uma das razões para o café brasileiro ser considerado de qualidade inferior, se comparado ao de outros países, o que não impediu, no entanto, que, ao longo do período imperial, o Brasil fosse o responsável por 50% da produção mundial, número que aumentou para 75% nas primeiras décadas da República.

[9]AÇÚCAR: produto extraído principalmente da cana-de-açúcar e da beterraba, também chamado sacarose, constituiu uma das fontes de financiamento da expansão portuguesa. Originária da Nova Guiné, a cana sacarina foi trazida pelos árabes que a introduziram no norte da África e na Europa mediterrânea. Por muito tempo foi uma especiaria rara e de propriedades medicinais, além de seu emprego como tempero nas conservas e doces. Em Portugal, a cultura da cana existiu desde o século XIV no Algarves e na região de Coimbra, passando para a ilha da Madeira na costa africana, em meados do século seguinte, até ser bem-sucedido nas ilhas de São Tomé e Príncipe na primeira metade do século XVI. Não há precisão quanto à data de introdução da cana-de-açúcar no Brasil, embora se assinale sua presença na capitania de Pernambuco nas primeiras décadas do Seiscentos. Já o início da maior sistematização de seu plantio teria se dado a partir da segunda metade do século XVI. A fabricação do açúcar exigia alguns requisitos: por um lado, a instalação de um engenho demandava capitais consideráveis, por outro, requeria trabalhadores especializados. Exceto por esses trabalhadores, livres e assalariados, a mão de obra dos engenhos era predominantemente escrava. De início, recorreu-se aos indígenas, mas, após 1570, os africanos tornaram-se cada vez mais comuns. O comércio da escravatura converteu-se em um lucrativo negócio nessa época. O cultivo da cana-de-açúcar progrediu ao longo do litoral brasileiro na direção norte, se desenvolvendo mais no Nordeste, especialmente nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, sendo esta última a maior produtora de açúcar do Brasil, com 66 engenhos no fim do Quinhentos. Nesse período, a maior parte do açúcar brasileiro destinava-se ao mercado internacional, chegando a portos do norte da Europa, especialmente Londres, Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã, onde eram refinados e comercializados. A cultura da cana-de-açúcar foi também muito importante, para o mercado interno. Muitos engenhos aproveitavam o açúcar para a produção da aguardente que, consumida localmente, dava grandes lucros aos seus senhores chegando a ter sua comercialização proibida pela Coroa. A fabricação de açúcar foi, seguramente, o primeiro empreendimento econômico a funcionar de modo organizado nas terras brasileiras. Outras atividades surgiram, mas a empresa açucareira se manteve na liderança por mais de um século.

[10]COUTINHO, RODRIGO DE SOUZA (1755-1812): afilhado do marquês de Pombal, este estadista português exerceu diversos cargos da administração do Império luso, como o de embaixador em Turim, ministro da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Real Erário (1801-3). Veio para o Brasil em 1808, quando foi nomeado secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, permanecendo no posto até 1812, quando faleceu no Rio de Janeiro. D. Rodrigo foi aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, tendo viajado pela Europa e mantido contato com iluministas como o filósofo e matemático francês Jean Le Rond d’Alembert, um dos organizadores da Encyclopédie. Considerado um homem das Luzes, destacou-se por suas medidas visando a modernização e o desenvolvimento do reino. D. Rodrigo aproximou-se da geração de 1790, vista como antecipadora do processo de Independência, e foi o principal idealizador do império luso-brasileiro, no qual a centralidade caberia ao Brasil. Sob o seu ministério, o Brasil adquiriu novos contornos com a anexação da Guiana Francesa (1809) e da Banda Oriental do Uruguai (1811). Preocupado com o desenvolvimento econômico e cultural, bem como com a defesa do território, Souza Coutinho foi um partidário da influência inglesa no Brasil, patrocinando a assinatura dos chamados “tratados desiguais” de que é exemplo o Tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra [ver Tratados de 1810]. Responsável pela criação da Real Academia Militar (1810), foi ainda inspetor-geral do Gabinete de História Natural e do Jardim Botânico da Ajuda; inspetor da Biblioteca Pública de Lisboa e da Junta Econômica, Administrativa e Literária da Impressão Régia; conselheiro de Estado; Grã-Cruz das Ordens de Avis e da Torre e Espada. Em 1808, o estadista recebeu o título nobiliárquico de conde de Linhares.

[11]CASTRO, D. JOSÉ LUÍS DE (1744-1819): 2º conde de Resende foi governador e capitão-general da Bahia de 1788 a 1801, de onde seguiu para o Rio de Janeiro como vice-rei do Estado do Brasil até 1806. Considerado um administrador colonial com baixa popularidade, durante sua administração ocorreram a Conjuração Mineira e o julgamento e condenação dos envolvidos, dentre eles, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, preso, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro. Foi responsável também pelo fechamento e pela devassa da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, academia voltada para literatura e filosofia natural, acusada pela sedição conhecida como a Conjuração do Rio de Janeiro, ocorrida em 1794. A administração de conde de Resende contribuiu para a urbanização da cidade do Rio de Janeiro e melhoria das condições sanitárias. Em relação à iluminação pública, instalou lamparinas com óleo de peixe, criou o primeiro Regulamento de Higiene, em 1797, e acabou com o despejo sanitário no Campo de Santana, aterrando a área contaminada e transformando-a em um grande “rossio”. Concluiu a reforma do Paço dos Vice-Reis, entre outras importantes obras de canalização e distribuição de água. Em 1792, a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho foi criada, instituição encarregada da formação de engenheiros militares no país. A nomeação como Marechal de Campo, em 1795, sugere que atuou nas guerras contra a França, entre 1793 e 1795, concomitantemente com o vice-reinado. De volta a Portugal, foi nomeado Conselheiro de Guerra e recebeu a Grã-Cruz da Ordem de São Bento de Avis.

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