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Criação da Junta da Fazenda Real em Goa

Escrito por cotin | Publicado: Quinta, 08 de Novembro de 2018, 12h25 | Última atualização em Segunda, 28 de Dezembro de 2020, 19h55

Carta expedida pela Secretaria de Estado da Fazenda, por ordem do rei de Portugal d. José I, a d. João José de Melo, governador do Estado da Índia, na qual explicava que devido ao grande “atraso, descuido e malícia dos oficiais da Fazenda” daquele Estado, deveria ser criada uma Junta da Fazenda Real, sendo sua função arrecadar os rendimentos e administrar os bens confiscados. Para que isso ocorresse, dever-se-ia criar um cofre, pelo qual seriam responsáveis o tesoureiro-geral, o escrivão e o contador.

Conjunto documental: Registro de ordens expedidas do Real Erário para a Índia sobre a Fazenda Real
Notação: códice 517
Datas-limite: 1769-1777
Titulo do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo ou coleção: 59
Argumento de pesquisa: Goa, cidade de; Goa, porto de
Data do documento: 10 de abril de 1769
Local: Salvaterra de Magos
Folha(s): 1-3

 

Leia esse documento na íntegra

Carta régia expedida pela Secretaria de Estado, respectiva, ao governador, e capitão general do Estado da Índia[1], para se estabelecer uma Junta da Fazenda Real; cuja cópia se dirigiu a este Real Erário[2] donde se acha registrada na Contadoria Geral, competente.

Dom João José de Melo, governador, e capitão general do Estado da Índia. Amigo eu el-rei[3] vos envio muito saudar. Sendo-me presente o grande atrasamento, e decadência em que se acha a arrecadação da minha Real Fazenda por causa dos muitos descaminhos que nel[a] há procedidos dos descuidos e malícia dos oficiais da Fazenda desse Estado: sou servido ordenar, que para obviar a tão perniciosos abusos, nessa capital se estabeleça uma Junta, a que presidireis por vós, e vossos sucessores assistindo o vedor da Fazenda, o chanceler da Relação[4], o procurador da Coroa e outrossim assistirão o tesoureiro geral, e o escrivão da Junta, ou quem seus lugares servirem para proporem, e votarem nos particulares concernente a boa arrecadação da minha Real Fazenda. E porque da pontualidade e exatidão dos pagamentos, e da arrecadação da mesma Real Fazenda depende não só a autoridade da minha coroa, mas também a segurança, e a subsistência dos meus fiéis vassalos[5]. Sou outrossim servido, que na casa onde se tiver a sobredita Junta, se estabeleça um cofre com três chaves das quais terá uma o tesoureiro geral, e outra o escrivão, e a terceira o contador, no qual se reponham todos os rendimentos desse Estado, e se façam os pagamentos nas tardes certas de cada semana, que julgares necessário estabelecer para os ditos efeitos, recebendo-se neste cofre geral com a devida distinção, e arrecadação tudo que se cobrar dos rendeiros, com os quais se recensearão as contas no fim de cada ano, e se ajustarão finalmente no fim de cada triênio, procedendo-se bem assim ao tempo do dito recenseamento, como também ao do referido ajuste final contra os devedores executivamente, como se costuma proceder pelas dívidas da minha Real Fazenda. E faltando o vedor da Fazenda que ora é, e ao diante for, aos referidos procedimentos, o hei logo por suspenso, e ainda pelo simples fato de não os haver praticado a seus devidos tempos até nova mercê minha; além de pagar por seus bens à minha Real Fazenda todo o prejuízo que resultar da sua omissão; e a referida Junta nomeará logo serventuário para exercer o sobredito emprego. No caso porém não esperado de que a mesma Junta omita a referida suspensão, e os mais procedimentos acima ordenados, ficará também responsável subsidiariamente pelas ditas moras, e omissões de pagamentos, para se proceder por elas contra os bens das pessoas por quem é constituída, ou [insolidum] contra qualquer delas, ou em geral contra todas [pro rata], como mais convier a minha Real Fazenda, e eu houver por bem determinar. Confio do zelo com que me serviu concorrereis da vossa parte com a maior atividade, para que tenha o seu devido efeito esta minha real resolução, pelas quais sou servido abolir a outra Junta, que havia determinado para a arrecadação dos bens vagos pela extinção dos regulares da Companhia denominada de Jesus[6], para ficarem debaixo da administração, e arrecadação desta Junta novamente criada, e escriturando-se o que pertencer aos sobreditos bens vagos em livros, e contas separadas, pelo método, que para este efeito, vos será remetido pelo inspetor geral do meu Real Erário. Escrita em Salvaterra de Magos a dez de abril de mil setecentos sessenta e nove. Rei. Para dom João José de Melo.

 

[1] Região da Ásia meridional ligada à península Indochinesa. Desde o século XII os artigos orientais, como as especiarias, já se faziam presentes no comércio português, tornando-se em pouco tempo os produtos mais lucrativos no comércio europeu. A partir de 1453, quando Constantinopla e a rota de envio desses produtos para a Europa caiu sob o domínio turco, esses produtos sofreram uma alta abrupta de preços, colocando a necessidade de se buscar um caminho alternativo que possibilitasse aos comerciantes lusos tratar diretamente com os do Oriente. Esse foi um dos principais propulsores da expansão marítima do século XV, cuja finalidade era chegar às Índias, onde se poderia obter as tão cobiçadas especiarias, além de tecidos, porcelanas, chás, marfim, entre outros produtos de luxo. Vasco da Gama chegou a Calicute, no sudoeste da Índia, em 1498. Sete anos mais tarde, foi fundado o estado da Índia, colônia portuguesa com sede do governo em Cochim. Em 1530, a capital foi transferida para Goa, de onde o governador exercia sua autoridade sob as possessões portuguesas no Oceano Índico.

[2] Instituição fiscal criada em Portugal, no reinado de d. José I, pelo alvará de 22 de dezembro de 1761, para substituir a Casa dos Contos. Foi o órgão responsável pela administração das finanças e cobrança dos tributos em Portugal e nos domínios ultramarinos. Sua fundação simbolizou o processo de centralização, ocorrido em Portugal sob a égide do marquês de Pombal, que presidiu a instituição como inspetor-geral desde a sua origem até 1777, com o início do reinado mariano. Desde o início, o Erário concentrou toda a arrecadação, anteriormente pulverizada em outras instâncias, padronizando os procedimentos relativos à atividade e serviu, em última instância, para diminuir os poderes do antigo Conselho Ultramarino. Este processo de centralização administrativa integrava a política modernizadora do ministro, cujo objetivo central era a recuperação da economia portuguesa e a reafirmação do Estado como entidade política autônoma, inclusive em relação à Igreja. No âmbito fiscal, a racionalização dos procedimentos incluiu também novos métodos de contabilidade, permitindo um controle mais rápido e eficaz das despesas e da receita. O órgão era dirigido por um presidente, que também atuava como inspetor-geral, e compunha-se de um tesoureiro mor, três tesoureiros-gerais, um escrivão e os contadores responsáveis por uma das quatro contadorias: a da Corte e da província da Estremadura; das demais províncias e Ilhas da Madeira; da África Ocidental, do Estado do Maranhão e o território sob jurisdição da Relação da Bahia e a última contadoria que compreendia a área do Rio de Janeiro, a África Oriental e Ásia. Por ordem de d. José I, em carta datada de 18 de março de 1767, o Erário Régio foi instalado no Rio de Janeiro com o envio de funcionários instruídos para implantar o novo método fiscal na administração e arrecadação da Real Fazenda. Ao longo da segunda metade do século XVIII, seriam instaladas também Juntas de Fazenda na colônia, subordinadas ao Erário e responsáveis pela arrecadação nas capitanias. A invasão napoleônica desarticulou a sede do Erário Régio em Lisboa. Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, o príncipe regente, pelo alvará de 28 de junho de 1808, deu regulamento próprio ao Erário Régio no Brasil, contemplando as peculiaridades de sua nova sede. Em 1820, as duas contadorias com funções ultramarinas foram fundidas numa só: a Contadoria Geral do Rio de Janeiro e da Bahia. A nova sede do Tesouro Real funcionou no Rio de Janeiro até o retorno de d. João VI para Portugal, em 1821.

[3] Sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro.

[4] O Tribunal da Relação de Goa foi instituído em 1554. Com o objetivo de servir como tribunal de segunda instância não só das Índias portuguesas, mas também das regiões próximas – Moçambique, por exemplo, ficava dentro de sua jurisdição –, o tribunal estava subordinado à Casa de Suplicação de Lisboa. Composta por desembargadores, a Relação tinha cargos de ouvidor-geral, chanceler, desembargadores dos Agravos e Apelações, desembargadores Extravagantes, Juízes, Procuradores dos Feitos da Coroa e Provedores dos Defuntos e Resíduos, servindo de base e experiência para a Relação que seria criada no Brasil, algumas décadas depois, em 1609, na Bahia. O governador geral das Índias também intervinha no tribunal, presidindo suas sessões como regedor e dispondo da Relação como um conselho consultivo para assuntos políticos e administrativos.

[5] Súdito do rei, independentemente de sua localização no Império. Até o século XV, o título “vassalo” era empregado para designar homens fiéis ao rei, aqueles que o serviam na guerra, sendo, portanto, cavaleiros ou nobres de títulos superiores. Em troca do apoio e serviços realizados, recebiam tenças (pensões), dadas, inicialmente, a todos os vassalos e seus filhos varões. Na medida em que se pulverizaram as distribuições destes títulos, principalmente por razões de guerra (a conquista de Ceuta foi a mais significativa nesse processo), e que eles começaram a ser mais almejados, principalmente pelos plebeus e burgueses em busca de mercês e de aproximação com a realeza, o rei diminui a concessão dos títulos, e, mais importante, das tenças. A esta altura, as dificuldades financeiras da monarquia também empurraram para a suspensão da distribuição dos títulos e benefícios. O rei passa, então, a conceder mercês e vantagens individuais, e o termo vassalo se esvazia do antigo significado de título, passando a indicar homens do rei, súditos e habitantes do reino, de qualquer parte do Império.

[6] Ordem religiosa fundada em 1540 por Inácio de Loyola e marcada por severa disciplina, profunda devoção religiosa e intensa lealdade à Igreja e à Ordem. Criada para combater principalmente o protestantismo, sua fundação respondeu à necessidade de renovação das ordens regulares surgida das determinações do Concílio de Trento (1545-1563). A instalação da Companhia de Jesus em Portugal e nos seus domínios ultramarinos deu-se ainda no século XVI. O primeiro grupo de missionários jesuítas chegou ao Brasil em 1549, na comitiva de Tomé de Souza. Seus membros eram conhecidos como ‘soldados de Cristo’, dadas as suas características missionárias. Responsáveis pela catequese, coube também, aos jesuítas, a transmissão da cultura portuguesa nas possessões americanas por meio do ensino, que monopolizaram até meados do século XVIII. Fundaram, por todo território colonial, missões religiosas e aldeamentos indígenas de caráter civilizador e evangelizador. Em fins do século XVII, o modelo missionário já estava bem consolidado, difundido por quase toda a América, e os jesuítas acumulando grande poder. Os primeiros jesuítas a chegar ao Maranhão, em 1615, foram os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes, detentores de uma posição privilegiada na região, tanto na evangelização e defesa dos índios, quanto no monopólio do comércio e armazenamento das drogas. São de religiosos da Companhia de Jesus relatos sobre os primeiros séculos da colonização. O padre italiano João Antonio Andreoni (André João Antonil) publicou em 1711 Cultura e opulência no BrasilHistória da Companhia de Jesus no Brasil escrito por Serafim Leite, os dois volumes de Tesouro descoberto no máximo Rio Amazonas (1722-1776) do padre João Daniel, Tratados da terra e gentes do Brasil de Fernão Cardim e os numerosos sermões e cartas da Antonio Vieira são testemunhos importantes e reveladores do Brasil colonial. Os jesuítas também foram os responsáveis por espalhar a língua dos Tupinambá, chamada língua geral (nheengatu), largamente falada no Brasil até meados do século XVIII. O grande poderio e influência dos jesuítas na América portuguesa foram contestados durante a administração pombalina (1750-1777), gerando um conflito de interesses entre a Companhia de Jesus e o governo, que culminou com a expulsão dos membros dessa ordem religiosa em 1759. Cabe ressaltar que a decisão de expulsar os jesuítas de Portugal e de seus domínios, tomada pelo marquês de Pombal, não buscava reduzir o papel da Igreja, mas derivava da intenção de secularizar a educação, dentro dos moldes ilustrados.

 

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