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Invasão francesa na cidade do porto

Escrito por Ricardo Almeida | Publicado: Terça, 16 de Julho de 2019, 17h31 | Última atualização em Quarta, 05 de Mai de 2021, 17h14

Aviso a João Antonio Salter de Mendonça, da parte dos administradores da Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro que permaneceram na cidade do Porto durante o assalto do exército francês comandado pelo marechal duque Dalmácia. Os cofres da Companhia e os armazéns onde se encontravam os vinhos foram saqueados.

 

Conjunto documental: Secretaria de Estado do Ministério do Reino
Notação: caixa 694 pct.01
Datas limite: 1808-1815
Título do fundo: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Argumento de pesquisa: Portugal, produtos vinhos

 

Leia esse documento na íntegra

 

Nº 21 – Ilmo Sr. Manuel José Sarmento – Tendo entrado no dia 9 de março último por assalto nesta cidade o exército francês comandado pelo marechal duque de Dalmácia, seguiu-se um saque geral, em que foram compreendidos os cofres da nossa Companhia com a perda de mais de cinquenta contos de réis, que levaram os soldados. O cofre onde se recolhem os dinheiros que se recebem pelos diretos dos vinhos foi também roubado pelos mesmos soldados em vinte contos de réis; os quais o dito general determinou fossem pagos pelo que restou nos cofres da Companhia, com o fútil pretexto de que como Recebedor era a Ilma. Junta[1] obrigada a entregar tudo o que constava nos livros ter-se recebido.

Com motivo do mencionado assalto se ausentaram da cidade o Sr. Provedor Gaspar Cardoso de Carvalho e Fonseca e os Srs. Deputados João Monteiro de Carvalho, Bernardo de Mello Vieira da Silva e Menezes e José de Sousa e Mello, ficando nós continuando na administração da Companhia por assim o permitir o mesmo marechal.

Por ordem deste se continuou a entregar semanariamente (sic) na caixa do pagador do exército o rendimento de todos os direitos que esta Ilma. Junta está encarregada de receber: e por igual ordem se deu dos armazéns da Companhia o vinho[2] para as rações da tropa francesa, que foram 976 pipas[3], além de 148 que a mesma tropa tinha roubado dos armazéns que arrombaram nos primeiros dias da sua entrada nesta cidade.

No dia 11 do corrente mandou o mesmo marechal passar todo o dinheiro que se achava nos cofres da Companhia para a caixa do pagador do seu exército, que foram 50:082$463, tendo mandado praticar o mesmo em todos os cofres públicos desta cidade: e no dia 12 nos enviou o irrisório decreto da cópia inclusa poucas horas antes de se retirar com o resto das suas tropas acossado pelo exército combinado debaixo do comando do marechal general Artur Wellesley[4] que na tarde do mesmo dia, apesar de se ter queimado a ponte, entrou nesta cidade restaurando-a felizmente, sem o menor prejuízo ou incômodo de seus habitantes, da opressão em que a tinham posto aqueles nossos cruéis e insaciáveis inimigos, os quais há de Deus permitir não escapem ao nosso exército, que os segue, donde [...] tem chegado algumas partidas de prisioneiros.

Todo o referido se servirá V.S. de o comunicar ao Ilmo. Sr. João Antonio Salter de Mendonça[5] para que ele se digne de o fazer presente aos Imos. e Exmos. Governadores do reino.

Deus guarde a V.S. muitos anos. Porto em Junta de 13 de maio de 1809. Domingos Martins Gonçalves, José Antonio Taveira de Magalhães, Martim Afonso Barreto de França.

Está conforme

Manuel José Sarmento

 

[1] JUNTA DA ADMINISTRAÇÃO DA COMPANHIA GERAL DA AGRICULTURA DAS VINHAS DO ALTO DOURO: na condição de órgão de governo, a Junta da Administração decidia e geria todos os assuntos concernentes à Companhia. Propunha ao rei as medidas legislativas consideradas necessárias, diretamente ou através do procurador que mantinha em Lisboa, junto à Corte, executava as suas decisões, fiscalizava a produção e o comércio dos vinhos do Alto Douro, das aguardentes e vinagres, superintendia na arrecadação dos impostos régios comissionados à Companhia, exercia funções de inspeção sobre os estabelecimentos do ensino técnico do Porto e sobre obras da cidade e negociava como qualquer outra administração de uma empresa comercial. De acordo com o aviso de 9 de agosto de 1756 e os estatutos gerais da Companhia, constituía-se de um órgão colegiado, inicialmente com mandato de três anos, formado por um provedor, doze deputados, seis conselheiros e um secretário. O provedor e deputados seriam vassalos do rei, naturais ou naturalizados, excluindo, portanto, os estrangeiros, que podiam ser acionistas, mas não administradores, moradores no Porto ou no Alto Douro, com um mínimo de 10 000 cruzados em ações da Companhia. Os conselheiros eram recrutados entre os “homens inteligentes” do comércio. Esta composição foi alterada pela carta régia de 16 de dezembro de 1760, que reduziu o número de membros da Junta a um provedor, um vice-provedor e sete deputados, além do secretário. Essa composição se manteve até 1834. A Junta da Companhia reunia-se na sua Casa de Despacho, as terças e sextas-feiras. As reuniões podiam ainda ser extraordinárias, através de convocatória do provedor aos deputados. As faltas às reuniões, por parte dos deputados, tinham de ser justificadas. O impedimento de qualquer deputado por mais oito dias levava à sua substituição por um dos deputados do ano precedente. A Junta de Administração foi extinta juntamente com o fim da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro definido pelo decreto de 30 de maio de 1834.

[2] VINHO: bebida alcoólica resultante da fermentação do sumo das uvas (mosto), que contém grande concentração natural de açúcares, em contato com leveduras existentes na casca do fruto. O primeiro registro sobre a existência de um vinhedo cultivado data do ano 7.000 a.C. e se situava na região da Europa oriental e costa do mar Negro. Mais tarde, o plantio da vinha chegou ao Egito, à Grécia e a outras partes da Europa. A utilização do vinho nos sacramentos cristãos garantiu a sobrevivência da viticultura no período medieval: foi em torno das catedrais e dos mosteiros que os monges a aperfeiçoaram, a partir do emprego de castas de uvas especiais e da melhoria das técnicas, o que resultou num produto de melhor qualidade, permitindo sua comercialização no final desse período. Portugal possuía longa tradição vinícola; no século XVIII, já exportava quantidade significativa de vinho do porto e madeira para o mercado inglês. Nesse mesmo período, a produção vinícola das províncias do norte começava a se destacar, suplantando a produção do vinho fortificado, assemelhado ao do porto, produzido na ilha da Madeira. Para sua comercialização, os vinhos eram classificados segundo tipo e qualidade. Vinho de feitoria (oriundo de região demarcada), vinho de quintas (produzido e comercializado por vinicultores individuais), vinho de embarque (de qualidade adequada para exportação), vinho generoso (licoroso, com elevados teores de açúcar e fortificado com uma graduação alcoólica entre 14 a 18º servido, normalmente, como aperitivo) são algumas dessas classificações. No início da colonização, havia no Brasil uma produção significativa em São Paulo que foi proibida para não prejudicar o comércio de importação da portuguesa. O vinho era a bebida consumida pela elite colonial que o apreciava também devido às suas qualidades terapêuticas. Foi bastante considerável o volume de comércio de importação do vinho português para o Brasil. A Coroa portuguesa garantiu o mercado colonial para seu produto concedendo à Companhia de Comércio (1649) o monopólio da sua importação (estanco). Chegou mesmo a ser usado como moeda no início do tráfico de escravos, mas acabou substituído pelas aguardentes já no século XVII, produto mais barato, de maior durabilidade e aceitação na África.

[3] PIPA: unidade de medida de capacidade para líquidos de origem europeia. A medida de uma pipa, regulada pelo tacho da Câmara do Porto e das do Alto Douro, somava 21 almudes e seis canadas, de acordo com alvará de 20de dezembro de 1773, ou 21,5 almudes.

[4] WELLESLEY, ARTHUR (1769-1852): 1º duque de Wellington, de ascendência protestante, nasceu em Dublin, Irlanda. Iniciou sua carreira militar em 1787, servindo como ajudante de campo e foi membro do Parlamento na Câmara dos Comuns da Irlanda. Considerado um dos mais importantes comandantes ingleses, participou de cerca de 60 batalhas. Sua vitória contra Napoleão na batalha de Waterloo, em 1815, colocou-o no quadro dos heróis ingleses. Após o final de sua ativa carreira militar, Wellington retornou à política, tornando-se por duas vezes primeiro ministro britânico pelo partido Conservador: de 1828 a 1830 e em 1834. Supervisionou a aprovação da Lei de Socorro Católica de 1829, mas se opôs à Lei de Reforma de 1832 que introduziu uma ampla gama de mudanças no sistema eleitoral na Inglaterra e País de Gales. Wellington continuou como uma das principais figuras da Câmara dos Lordes até sua aposentadoria e permaneceu comandante-em-chefe do exército britânico até sua morte.

[5] MENDONÇA, JOÃO ANTÔNIO SALTER DE (1746-1825): nascido em Pernambuco, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Retorna ao Brasil, onde foi nomeado desembargador da Relação do Rio de Janeiro, por decreto de 17 de dezembro de 1772. Ainda nesta cidade, exerceu os cargos de ouvidor-geral do Cível, procurador da Coroa e da Fazenda Real, deputado da Fazenda, porteiro e guarda-mor da Alfândega. Em 1779, foi transferido para a Relação do Porto, ocupando os cargos de procurador fiscal e conservador da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Em 1789, é nomeado para desembargador da Casa da Suplicação de Lisboa. Em 18 de Fevereiro de 1799, assume o cargo de procurador da Coroa, que exerce concomitante com o de desembargador do Desembargo do Paço, a partir de 1802. Ao longo da vida, ocupa diversos outros cargos e funções públicas, entre eles, o de chanceler da Casa da Suplicação (1812), guarda-mor do Real Arquivo da Torre do Tombo (1813), presidente da Comissão do Exame dos Forais e Melhoramentos da Agricultura (1812) e presidente da Comissão da Nova Reforma de Pesos e Medidas (1812). Com a transferência da família Real para o Brasil, faz parte da regência nomeada por d. João VI, desempenhando as funções de secretário de Estado dos Negócios do Reino e da Fazenda, permanecendo nessas funções de 1807 até 1820. Também neste ano, recebe o título de 1° visconde de Azurara.

 

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