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Decreto de d. Maria I concedendo a revista do processo

Escrito por Ricardo Almeida | Publicado: Quinta, 03 de Outubro de 2019, 19h37 | Última atualização em Quinta, 19 de Agosto de 2021, 22h28

Decreto de d. Maria I, no qual esta declara que na sentença proferida em 12 de janeiro de 1759, acerca do crime de lesa-majestade e alta traição contra d. José, “houvera não só nulidades substanciais, mas também injustiça notória, por se expenderem na mesma sentença fatos, fundamentos e provas que não existiam no processo”. Deste modo, concede “revista de graça especialíssima” da dita sentença.

 

Conjunto documental: Processo dos marqueses de Távora
Notação: códice 746, vol. 03
Datas limite: 1777-1790
Título do fundo ou coleção: Negócios de Portugal
Código do fundo: 59
Microfilme: 005.0.73
Argumento de pesquisa: Processo dos Távoras
Data do documento: 9 de outubro de 1780
Local: Lisboa, Portugal
Folhas: 202 -202v

 

Leia esse documento na íntegra

 

Eu a Rainha[1]. Faço saber: Que representando-me o marquês de Alorna[2], como procurador da memória e fama póstuma de seus sogros e cunhados; e pelo interesse, que nela tem sua mulher, e filhos, que na sentença proferida na Junta da Inconfidência em 12 de janeiro de 1759[3], sobre o horroroso crime de lesa-majestade[4], e alta traição cometido na infausta noite de 03 de setembro de 1758, contra a sagrada e amabilíssima pessoa de El Rei Meu Senhor, e Pai[5], que descansa em glória, houvera não só nulidades substanciais, mas também injustiça notória, por se expenderem na mesma sentença fatos, fundamentos, e provas, que não existiam no processo: suplicando-me que fosse servida conceder revista de graça especialíssima da dita sentença: Fui servida, depois de maduros exames, e averiguações mandar propor este negócio em uma Junta de Ministros do meu Conselho, e Desembargo[6], zelosos do serviço de Deus e Meu: E sendo examinado o processo, uniformemente assentaram que as circunstâncias deste extraordinário caso faziam justa a concepção da dita revista; dispensando em quaisquer leis, que pudessem obstar, e no Alvará de Lei de 17 de janeiro do dito ano de 1759, em quanto confirmou a dita sentença. E tendo atenção ao que me foi proposto pelos ministros da sobredita Junta; e a ser serviço de Deus e Meu, que a verdade se faça patente, para que não se duvide, ou da Justiça com que se houvesse proferido, ou da inocência de todos aqueles que fossem condenados não justamente. Sou servida conceder revista de graça especialíssima da dita sentença; não obstante o lapso do tempo, e todas, e quaes leis, que façam em contrário (...).

Pelo que mando ao visconde de Vila Nova da Cerveira[7] do meu Conselho e meu ministro, e secretário de Estado dos Negócios do Reino[8], que faça executar este alvará como nele se contém, o qual não passará pela Chancelaria[9] posto que o efeito dele haja de durar mais de um ano; não obstante a ordenação, que o contrário determina. Dado no Palácio de Lisboa em 09 de outubro de 1780.

Rainha.

 

[1] MARIA I, D. (1734-1816): Maria da Glória Francisca Isabel Josefa Antônia Gertrudes Rita Joana, rainha de Portugal, sucedeu a seu pai, d. José I, no trono português em 1777. O reinado mariano, época chamada de Viradeira, foi marcado pela destituição e exílio do marquês de Pombal, muito embora se tenha dado continuidade à política regalista e laicizante da governação anterior. Externamente, foi assinalado pelos conflitos com os espanhóis nas terras americanas, resultando na perda da ilha de Santa Catarina e da colônia do Sacramento, e pela assinatura dos Tratados de Santo Ildefonso (1777) e do Pardo (1778), encerrando esta querela na América, ao ceder a região dos Sete Povos das Missões para a Espanha em troca da devolução de Santa Catarina e do Rio Grande. Este período caracterizou-se por uma maior abertura de Portugal à Ilustração, quando foi criada a Academia Real das Ciências de Lisboa, e por um incentivo ao pragmatismo inspirado nas ideias fisiocráticas — o uso das ciências para adiantamento da agricultura e da indústria de Portugal. Essa nova postura representou, ainda, um refluxo nas atividades manufatureiras no Brasil, para desenvolvimento das mesmas em Portugal, e um maior controle no comércio colonial, pelo incentivo da produção agrícola na colônia. Deste modo, o reinado de d. Maria I, ao tentar promover uma modernização do Estado, impeliu o início da crise do Antigo Sistema Colonial, e não por acaso, foi durante este período que a Conjuração Mineira (1789) ocorreu, e foi sufocada, evidenciando a necessidade de uma mudança de atitude frente a colônia. Diante do agravamento dos problemas mentais da rainha e de sua consequente impossibilidade de reger o Império português, d. João tornou-se príncipe regente de Portugal e seus domínios em 1792, obtendo o título de d. João VI com a morte da sua mãe no Brasil em 1816, quando termina oficialmente o reinado mariano.

[2]PORTUGAL, D. JOÃO DE ALMEIDA (1726-1802): 4º conde de Assumar e 2º marquês de Alorna, d. João de Almeida Portugal foi um nobre português, nomeado embaixador da Coroa lusa na corte francesa de Luís XV. Casou-se, em 1747, com D. Leonor de Lorena e Távora, filha do 3.º marquês de Távora, d. Francisco de Assis e Távora. Foi preso e encerrado nas masmorras da torre de Belém – que funcionavam como prisão política aos condenados de elevada categoria social –, devido sua relação de parentesco com a casa Távora, acusada pelo crime de lesa-majestade contra d. José I em 1758. Sua esposa foi confinada no convento de Chelas com as suas duas filhas menores. Entre a torre de Belém e o forte Junqueira, foram 18 anos de prisão. Após a morte de d. José, no reinado mariano, os inimigos políticos do antigo governo foram perdoados. Após ser posto em liberdade, d. João de Almeida manteve-se afastado da corte de Lisboa até provar sua inocência no atentado contra a vida do rei, o que foi concedido pela rainha em decreto de 7 de março de 1777. Dedicou-se a obter revisão do processo que condenou os Távora e o duque de Aveiro, autorizada por decreto de d. Maria I em 1780.

[3]SENTENÇA PROFERIDA NA JUNTA DA INCONFIDÊNCIA EM 12 DE JANEIRO DE 1759: após um processo sumário, a Junta da Inconfidência – tribunal especial nomeado em 9 de dezembro do ano anterior para julgar o atentado contra a vida de d. José I – proferiu sentença em 12 de janeiro de 1759, condenando os réus à sanções severíssimas. D. José Mascarenhas, duque de Aveiro, e d. Francisco de Assis Távora, marquês de Távora pai, acusados de serem os principais cabeças do crime de lesa-majestade, foram condenados à morte cruel: depois de rompidos vivos em uma roda “para satisfação dos presentes”, em seguida foram queimados vivos, “até que tudo pelo fogo seja reduzido à cinza, e pó, que serão lançados ao mar, para que dele e de sua memória não haja mais notícia”. Já a marquesa de Távora, d. Leonor Tomásia, também culpada por crime de alta traição foi sentenciada a morte “sendo-lhe separada a cabeça do corpo”. Luís Bernardo, marquês de Távora moço, seu irmão José Maria e seu cunhado, d. Jerônimo de Ataíde, conde de Antouguia, além dos plebeus, Brás Romero, João Miguel e Manuel Alves, também condenados à morte por estrangulamento. E, por fim, Antonio Álvares e José Policarpo de Azevedo, autores dos disparos contra o rei d. José, foram queimados vivos. Todos os réus foram sentenciados em uma execução pública no então chamado Largo do Cais Grande, em Belém. Foram condenados, ainda, a desnaturazilação de Portugal, exautoração das honras e privilégios da nobreza a que tinham direito e ao confisco de todos os bens. Os nomes Távora e Aveiro tiveram seus usos proibidos, suas armas e escudos picados, suas casas demolidas, os terrenos arrasados e salgados, “de sorte que delas não ficasse sinal”. Uma vez que estava em causa o crime de lesa-majestade e que as acusações foram dadas como provadas, apesar das inconsistências, do uso da tortura e a pífia defesa a que tiveram os réus, a sentença foi particularmente severa e cruel.

[4]LESA-MAJESTADE: definido pelas Ordenações Filipinas, trata-se de um crime contra a pessoa do rei ou seu real estado – definição que explicita claramente a ausência de fronteiras entre a pessoa do monarca e o estado que governava. Tido como “contagioso” – comparado à lepra – o crime de lesa-majestade suscitava punições severas e muitas vezes hereditárias, dada sua tendência de “se espalhar” e de “passar de geração para geração”. Havia os crimes de primeira cabeça e os de segunda cabeça. Entre os primeiros, encontravam-se a traição, a insurreição, a autoria ou cumplicidade em atentados contra o rei, contra sua família ou contra qualquer pessoa que estivesse em sua companhia ou, mesmo, a destruição de imagens, armas ou símbolos representativos do reino ou da Casa Real. Segundo as ordenações, qualquer desses crimes seria punido com a pena de "morte natural cruelmente", ou seja, execução pública por meio de torturas. Todos os bens dos justiçados passariam para a Coroa e as duas gerações de descendentes ficariam "infamados para sempre”, pois se tratava de uma tendência hereditária. O segundo tipo, relativamente menor e com penas mais leves, dizia respeito ao auxílio àqueles já condenados por traição. Outra característica específica dos crimes de lesa-majestade era ocasionar a perda das garantias que limitavam a ação da Justiça: "não gozará o acusado de privilégio algum (...) para ser metido a tormento, bastarão menores indícios (...). E as pessoas, que em outros casos não poderiam ser testemunhas, nestes o poderão ser e valerão seus ditos".

[5]JOSÉ I, D. (1714-1777): sucessor de d. João V, foi aclamado rei em setembro de 1750, tendo sido o único rei de Portugal a receber este título. Considerado um déspota esclarecido – monarcas que, embora fortalecessem o poder do Estado por eles corporificado, sofriam intensa influência dos ideais progressistas e racionalistas do iluminismo, em especial no campo das políticas econômicas e administrativas – ficou conhecido como o Reformador devido às reformas políticas, educacionais e econômicas propostas e/ou executadas naquele reinado. O governo de d. José I destacou-se, sobretudo, pela atuação do seu secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, marquês de Pombal, que liderou uma série de reestruturações em Portugal e seus domínios. Suas reformas buscavam racionalizar a administração e otimizar a arrecadação e a exploração das riquezas e comércio coloniais. Sob seu reinado deu-se a reconstrução da parte baixa de Lisboa, atingida por um terremoto em 1755, a expulsão dos jesuítas do Reino e domínios ultramarinos em 1759, a guerra guaranítica (1754-56) contra os jesuítas e os índios guaranis dos Sete Povos das Missões, a assinatura do Tratado de Madri (1750), entre Portugal e Espanha que substituiu o Tratado de Tordesilhas, entre outros. Em termos administrativos, destacam-se a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio de Janeiro, a criação do Erário Régio e a divisão do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão em dois: Maranhão e Piauí, e Grão-Pará e Rio Negro.

[6]JUNTA DE MINISTROS DO MEU CONSELHO, E DESEMBARGO: junta especial convocada por d. Maria I para rever o “Processo dos Távora” – em que membros da alta nobreza portuguesa foram condenados a morte pelo crime de lesa-majestade contra o rei d. José I em 1758. Após a queda do marquês de Pombal, principal orientador e presidente da Junta da Inconfidência que julgou o atentado, d. Maria I, a pedido do marquês de Alorna, autorizou que se procedesse a revisão do dito processo. Foram nomeados como magistrados para compor a junta de revisão: os desembargadores José Ricalde Pereira de Castro (relator), Bartolomeu José Giraldes, Manoel José da Gama e Oliveira, Jerônimo de Lemos Monteiro, Francisco Antonio Marques Giraldes, Francisco Feliciano Velho, José Joaquim Emaús, Ignácio Xavier de Sousa Pissarro, José Pinto de Moraes Bacelar, José Roberto Vidal da Gama, Doutores Antonio de Araújo, João Xavier Teles de Souza, Tomás Antonio de Carvalho, Constantino Alves do Vale, e Henrique José de Mendanha Benevides (escrivão). Os magistrados deveriam analisar exclusivamente os autos originais do processo, não admitindo para suas conclusões provas extrínsecas, como os depoimentos colhidos pelo marquês de Alorna em 1777.  Em 23 de maio de 1781, era publicada uma nova sentença que absolvia a memória dos Távora e Atouguia, restituindo suas honras. Apenas o Duque de Aveiro, Manuel Álvares Ferreira, António Alvares Ferreira e José Policarpo de Azevedo seriam culpados na tentativa de regicídio.  No entanto, tal decisão foi embargada por João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, procurador da Coroa. Os embargos ficaram pendentes, pois uma nova junta nomeada pela rainha para dar um parecer e resolver a questão, nunca apresentou juízo. Os autos de revisão e os papéis relativos ao embargo estão sob guarda do Arquivo Nacional, assim como os autos do processo de 1759.

[7]SILVA, TOMÁS XAVIER DE LIMA TELES DA (1727-1800): 14º visconde de Vila Nova da Cerveira e 1º marquês de Ponte de Lima, Tomás Xavier foi um nobre e político português. Filho de d. Maria Xavier de Lima e Hohenloe, 13.ª viscondessa de Vila Nova da Cerveira, e Tomás Teles da Silva, tornou-se ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino durante o reinado de d. Maria I. Seu pai, acusado de conspiração contra o rei d. José I, foi condenando em 1759 no “Processo dos Távora” e preso no castelo de São João da Foz, onde faleceu em 1762. Partidário de d. João de Almeida Portugal na revisão e reabilitação dos Távora, em 1778, obteve despacho que declarava seu pai inocente.

[8]SECRETARIAS DE ESTADO DO REINO: em 28 de julho de 1736, d. João V empreendeu um conjunto de reformas que tencionava tornar a administração pública portuguesa menos burocrática e mais ágil. Para isso, reorganizou as secretarias de Estado e atribuiu a elas instâncias mais precisas. Criaram-se, então, três secretarias: a dos Negócios Interiores do Reino; a da Marinha e Domínios Ultramarinos e a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Este sistema vigorou por mais de 50 anos, sendo alterado somente em dezembro de 1788, com a instituição da Secretaria dos Negócios da Fazenda, cuja organização só se completou em janeiro de 1801. Apesar de serem todas igualmente importantes para a governação do Estado, destaca-se a relevância política e funcional da Secretaria dos Negócios Interiores do Reino, também chamada Secretaria de Estado dos Negócios do Reino que, além de exercer numerosas funções e atuar em diversas áreas, como nos negócios eclesiásticos e no expediente do Paço e Casa Real, mantinha uma relação mais direta com o rei, recebendo as suas consultas, tratando dos seus despachos e os remetendo aos tribunais. Desta forma, zelava pelo controle de todo o processo burocrático e de informação, adquirindo uma posição de centralidade diante das outras secretarias. A Secretaria de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos cuidava dos assuntos relativos à marinha de Portugal, no âmbito civil e militar (não bélico), e dos assuntos concernentes às colônias e territórios portugueses do além-mar. Englobava o Conselho Ultramarino, que compartilhava das mesmas competências. Já a Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra ficaria responsável pela política externa – como as negociações de paz, acordos comerciais, alianças e casamentos –, pelo exército e serviços relacionados – fortificações, armazéns de munições, hospitais – e administraria, ainda, a respectiva Contadoria Geral. Em 1808, com a vinda da Corte para o Brasil, os órgãos da administração do Império português foram recriados e a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino foi denominada Secretaria de Estado dos Negócios do Brasil. Esta denominação foi alterada com a elevação do Estado do Brasil à categoria de Reino, em 1816, quando a secretaria voltou ao nome original, Negócios do Reino.

[9]CHANCELER: guarda-selos. Funcionário do governo encarregado de chancelar documentos ou diplomas tornando-os autênticos. Era o magistrado responsável pela guarda do selo real.

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