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Criadas de Servir

Publicado: Terça, 23 de Novembro de 2021, 14h53 | Última atualização em Terça, 23 de Novembro de 2021, 14h53

A infância desvalida envolvia uma parcela significativa da população infantil do Império português, existindo na metrópole e nas colônias, fruto das mais variadas razões: morte dos pais, doenças graves e invalidantes da criança, que dificultavam e encareciam sua criação, pobreza, abandono dos pais por motivos financeiros, morais ou de comportamento. A maior parte das crianças pobres abandonadas de Portugal e suas colônias acabava indo para as Santas Casas de Misericórdia, instituições filantrópicas ligadas à Igreja e ao Estado, que se encarregavam de receber e dar assistência aos menores até os sete anos de idade, quando perderiam os benefícios e teriam que encontrar uma família que os adotasse, ou conseguir algum trabalho que provesse seu sustento, senão iriam para as ruas. Enquanto a Igreja teve maior influência e ingerência nos negócios do reino, a maior parte dos órfãos era encaminhada para a vida eclesiástica, após receber instrução em colégios e seminários ou conventos. Com o processo de secularização do Estado, a Coroa passou a assumir o cuidado dos órfãos, que deveria ser administrado pelas câmaras municipais, o que não acontecia. A maior parte das crianças continuava sob a tutela da Santa Casa, dos Recolhimentos, dos colégios religiosos e Casas Pias. A intenção do Estado era proporcionar uma vida laica para a grande população órfã pobre, incentivando o casamento, a aprendizagem de ofícios e o trabalho, substituindo o papel exercido pela Igreja durante séculos. A tutela foi o primeiro e principal mecanismo que as famílias mais pobres, principalmente das colônias, que não tinham condições de ter escravos, lançavam mão para conseguir, em troca de moradia e alimentação, quase sempre insuficientes, mão de obra gratuita para ajudar nos afazeres da casa, domésticos, e também nas atividades que garantiam o sustento, desde o trabalho no campo até nas ruas das cidades. A maioria dos meninos era encaminhada para serem aprendizes de ofícios ou marinheiros, enquanto as meninas, para se tornarem criadas domésticas ou “criadas de servir”. Estas eram incentivadas a conseguir casamento e na impossibilidade desses acontecerem, as instituições de cuidado providenciavam a colocação de moças em “casas de família” para servirem como criadas. Durante o período em que estivessem recolhidas, receberiam toda a instrução e formação para serem boas donas de casa, mães e realizarem os trabalhos domésticos, próprios, então, para as mulheres. Havia órfãos que eram dados a famílias que se ofereciam para criá-los, sem registros formais, e também os órfãos que as Santas Casas conseguiam que fossem adotados depois da idade de sete anos, os “filhos de criação”. É desse processo de “pegar para criar” que emerge a referência aos mesmos como “criados” da casa. A política de controle e de disciplinarização do trabalho dos menores órfãos e ociosos intensificou-se ao longo do século XIX, tanto em Portugal, quanto no Brasil, visando à incorporação das crianças e jovens à lógica produtiva dos estados como mão de obra barata no início do processo de industrialização. Somente depois da abolição do regime escravista e da implantação da República, já no século XX, a noção de infância e a especificidade da criança como indivíduo começam a se tornar objeto de estudos, principalmente de pedagogos e psicólogos, e o trabalho infantil passa a ser condenado e combatido, muito embora persista até hoje no Brasil, quase sempre nas mesmas condições dos antigos “filhos de criação” da época colonial.

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